THE DELAGOA BAY REVIEW

19/03/2010

ANTEBELLUM

por ABM (Lisboa, 19 de Março de 2010)

Este é um prelúdio à minha nota sobre o lançamento do livro O Olho de Hertzog, por João Paulo Borges Coelho (JPBC).

Gosto de pontualidade. Para mim é algo natural. Cresci com ela. Prezo-a. É uma parte essencial, imprescindível da vida complexa. É eminentemente desejável para que a vida seja mais fácil e mais eficiente para todos. E exequível. É a homenagem a esta verdade incontestável: a de que o bem mais precioso que temos, mais que a saúde, o dinheiro e o sexo, é o tempo. Reconheço que muita gente não repara nisso.

E só menciono esta questão aqui por duas razões.

A primeira é que em Portugal a pontualidade é, na maioria das situações, uma prática em pouco uso. Nem tanto porque há pessoas que não sabem o que é a pontualidade: elas sabem. E até têm um magnífico arsenal de desculpas para a sua não-pontualidade. O problema é que parece que há mais gente que não conhece o conceito, creio que mais numa óptica latino-casualística de “há tempo para tudo” (o que naturalmente o desvaloriza e donde o paradoxo é que só há tempo se houver pontualidade por parte da maioria) e há os que acham que a sua falta de pontualidade inscreve-se como uma espécie de estatuto de entidade superior, em que quanto mais importante se é (ou se pensa que é) mais se pode ignorar a pontualidade. Pessoas “importantes” em Portugal fazem-se esperar. Decorre que quem é pontual e espera, terá estatuto inerente de menoridade.

E, mais grave, há curiosas instâncias em que se assiste à codificação e institucionalização da falta de pontualidade, que assim acaba por ser aceite em vez de sancionada. Recentemente, passei por uma situação em que marquei uma consulta com um médico, para uma quinta-feira às 11 horas. Eu estava lá a horas. O “sotôr” apareceu ao meio dia e descobri então que a sua pródiga assistente havia marcado cinco pessoas para ele ver nesse dia e às mesmas 11 horas. Quando fui atendido, à uma hora da tarde, preguei-lhe um valente raspanete e saí, sem consulta e sem pagar um tusto e com a garantia de nunca mais voltar. Mas não antes dele, que na primeira parte da nossa curta conversa basicamente me tentou explicar que não tinha que explicar nada – o seu estatuto assim lhe daria mais essa prerrogativa – em tom de meia confissão, me vir para cima com a justificação de que se ele marcasse horas específicas para cada pessoa que ele via ele acabaria por passar fome pois os pacientes frequentemente marcam e não aparecem sem dar cavaco ou chegam tarde e a más horas.

Em Cascais eu conheço um senhor de origem alemã e que vive em Portugal há muitos anos. O Dr. Luiz é médico cirurgião e do nosso relacionamento depreendo que os alemães quando nascem, metem-lhes um “chip” da pontualidade na cabeça. Com base nesta amostra (que infelizmente é só ele) a pontualidade parece que faz parte do DNA dos alemães. E das conversas que tenho tido com ele, essa tem sido uma das bases da sua quase infindável conflitualidade na sua vida portuguesa (e ele adora Portugal, na versão lúdico-turística, claro): ele planeia a sua vida e é pontual, e quase ninguém à volta dele é. Como exemplo, esta semana ele contratou uma empresa de reparação de aparelhos de ar-condicionado para vir fazer uma reparação em casa dele. A empresa indicou que uma equipa sua estaria em sua casa esta manhã às dez horas da manhã. Apareceram às 11 e meia. Ele ficou sentado na sala uma hora e meia à espera dos técnicos, e como consequência do atraso desmarcou um almoço comigo pois à hora de almoço S.Exas estavam lá a trabalhar. Eu, que tinha o almoço com ele, fiquei a arder (e a comer uma sanduíche de queijo em casa) e danado com este, mais este, exemplo da (falta de) pontualidade vigente.

Isto vem a propósito da minha ida ontem ao centro de Lisboa para assistir a uma cerimónia a marcar a publicação do livro O Olho de Hertzog, pelo escritor e professor universitário JPBC. Eu, que praticamente nunca vou a estas cerimónias (a última foi em Maputo há uns dez anos para o lançamento de um livrinho de poemas do meu caríssimo Eddy White, então meu colega, acreditem ou não) anotei a informação divulgada aqui há dois dias pela nossa cara Senhora Baronesa, que referiu ser a dita na sede da Sociedade de Geografia de Lisboa, ontem pelas 18 horas. E assim me preparei e me dirigi de Cascais para Lisboa no meu Maschambamobile, cerca das 17 horas. Como o trânsito para o centro da cidade a essa hora estava leve, cheguei cedo. Estacionei no parque situado por baixo dos Restauradores e fui até à porta da sede da Sociedade de Geografia, que fica na Rua de Santo Antão (na realidade a sede fica no lado direito do edifício do Coliseu dos Recreios). Aí, descobri que me tinha esquecido de colocar um daqueles chips de memória na minha máquina fotográfica. Olhei para o relógio, vi que ainda tinha algum (pouco) tempo, e disparei para o Rossio à procura de uma loja que as vendesse. Encontrei uma loja entre o Rossio e o Elevador de Santa Justa, paguei e voltei a correr para a Sociedade de Geografia. Eram exactamente 18 horas.

Quando entrei, não vi ninguém. Dirigi-me ao porteiro e perguntei onde é que se realizava a cerimónia do lançamento de um livro por um senhor moçambicano. Ele olhou de lado e apontou para uma porta: “é ali. Mas a cerimónia só começa às sete da noite”. Dali a uma hora. Fiquei ali a olhar para ele.

Bem, para passar o tempo antes do lançamento do livro em Lisboa, voltei para a rua e tirei algumas fotografias na rua, que estão a seguir.

Na próxima nota, referirei a cerimónia de lançamento do livro O Olho de Hertzog, por JPBC , em Lisboa.

As fotos, de uma Lisboa ao fim de uma tarde de primavera, dia 18 de Março de 2010.

A Praça dos Restauradores e a Estação do Rossio

A estação do Rossio, onde Sidónio Pais foi assassinado em Dezembro de 1918

Fachada do Hotel Avenida Palace, por onde Eça de Queiroz passou

Fachada do antigo cinema Condes, hoje um café

Avenida da Liberdade, na direcção da Praça do Marquês de Pombal

O antigo palácio do Conde de Arnoso, agora usado pelo governo

O elevador da Glória

9 comentários »

  1. ABM, aqui me retrato. Neste caso especifico poderei ter alguma culpa, pois a informacao que me foi passada foi errada. So ao fim da tarde de ontem recebi telefonema a corrigir a hora para as 7 da tarde e nao 6 como me tinham dito. Demasiado tarde para corrigir aqui no maschamba…

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    Comentar por AL — 19/03/2010 @ 11:46 am

  2. AL

    No problemo, eu percebi que mudaram a hora. E como vês deu para dar um passeio turístico pela baixa.

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    Comentar por ABM — 19/03/2010 @ 11:53 am

  3. Pois, sempre tiraste partido do atraso. De resto, concordo perfeitamente contigo e com o teu amigo alemao. A falta de cuidado com as horas e a falta de respeito implicita tambem me tira do serio

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    Comentar por AL — 19/03/2010 @ 11:58 am

  4. Havia uma velha piadola sobre a pontualidade ( não lembro o autor):
    O mal da pontualidade é que nunca está lá ninguém para a apreciar…

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    Comentar por pinino — 19/03/2010 @ 12:32 pm

  5. Uma amiga minha do FB tmbem diz que o que acontece aos pontuais e’ solidao! 🙂

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    Comentar por AL — 19/03/2010 @ 12:35 pm

  6. A mim sempre me irritou a mania dos médicos em nos fazer esperar (e muito …). Acho que é ideia que descende do tempo dos curandeiros onde a gente se apresentava não só doente (assim duplamente frágil, pois fraca e com medo) como ainda por cima temendo os espíritos (benéficos mas também maléficos) com que os médico-sacerdotes convivem/conviviam. Confesso que nestes tempos de pílulas e químicas me irrita desalmadamente essa prosápia dos tipos – saúdo o teres tratado o médico como ele deve ser tratado. A gente é cliente (ou utente, na medicina pública), temos sempre razão – e em particular nos horários. Quanto ao temor diante deles que se dane

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    Comentar por jpt — 19/03/2010 @ 12:46 pm

  7. Sr Miguel e AL

    Tão verdade. Na minha carreira, não sem falhas, perdi a conta às vezes em que, à hora marcada, estava sozinho e preparado à espera de uma reunião começar, enquanto esperava por terceiros, que apareciam tarde e sem estarem preparados. É verdadeiramente de fazer ranger os dentes. Às vezes apetecia-me mandar tudo às urtigas e ir dar um passeio.

    JPT

    Há muitos e bons médicos, inclusivé em Portugal. Apenas nunca encontrei nenhum que funcionasse aqui em Tugaland. Eu penso que não é coisa deles pessoalmente: é o sistema e é a cultura. Nos EUA e na África do Sul nunca tive problemas.

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    Comentar por ABM — 19/03/2010 @ 1:05 pm

  8. Fiquei contente por saber que a falta de pontualidade não me irrita só a mim. No meu entender, é a ma´xima falta de respeito pelo indivi´duo que está á nossa espera á hora marcada e leva a seca. Eu dou 15 minutos de tolerância e não espero mais – não quero automaticamente eter o “estatuto inerente de menoridade”.

    Muito bem analisado e as fotografias estão muito bonitas, deu para matar um pouco das saudades de Lx.

    Obrigada

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    Comentar por Rita Branquinho — 19/03/2010 @ 6:35 pm

  9. Ainda bem que não estou sozinha neste sentimento de desespero cada vez que levo uma seca dessas. È para mim o pior é o “estatuto inerente de menoridade” que me querem transmitir, como se o meu tempo não tivesse qualquer valor.
    Tive várias amizades e contactos profissionais (em vendas principalmente). Agora não espero mais do que 15 a 20 m de “seca” e vou me embora. Os resultados têm sido excelentes, as pessoas percebem o recado!

    O texto está optimo (para não perder o nível a que o ABM já nos habituou) e as fotos são lindas, desconhecia mais este talento. Deu para matar saudades de Lisboa!
    Não por maldade, mas espero que a sua próxima seca seja em Cascais e que leve consigo a máquina também…ai iria matar saudades da minha terra.

    Obrigada!

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    Comentar por Rita Branquinho — 19/03/2010 @ 7:39 pm


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