THE DELAGOA BAY REVIEW

24/09/2010

A BOMBA INTERGERACIONAL

Filed under: Frank Sinatra, Sociedade portuguesa — ABM @ 4:49 am

O que diz o estudo da OCDE

Um dos problemas da presente “crise” é a aparente dificuldade de muitos em entendê-la, quer pela – nalguns casos – dificuldade técnica em digerir alguns dos seus fundamentos, quer pela dieta ideológico-identitária que lhes cinge a visão das coisas.

Há uns tempos, a revista The Economist, que de vez em quando destila aqueles relatórios que poucos ou nenhuns lêem, apresentou o quadro acima.

O quadro apresenta três informações interessantes.

À esquerda, mostra, para cada um dos principais países da OCDE (com particularidade de incluir Portugal, que, apesar das más línguas, está nos top 30 do mundo em muitas das estatísticas) a idade em que, nesse país uma pessoa se tem (pode?) reformar e passar a receber uma pensão de reforma.

Em Portugal, por exemplo, uma pessoa pode reformar-se aos 65 anos de idade.

A seguir, a barra azul de cima mostra, para os anos entre 1965 e 1970, com base na idade mínima obrigatória para a reforma, o número de anos que, com base na expectativa de vida das pessoas, alguém em média ficava a receber uma reforma.

Em Portugal, por exemplo, uma pessoa que se reformava nessa altura (entre 1965 e 1970) em geral recebia uma pensão de reforma durante uns quatro anos. E depois morria.

Por baixo, vê-se a barra côr de laranja a mesma estatística mas para os anos entre 2002 e 2007.

Em Portugal, por exemplo, uma pessoa que se reformava nessa altura (entre 2002 e 2007) em geral deverá receber uma pensão de reforma durante uns dezasseis anos antes de, pelo menos estatisticamente, morrer.

Agora faça-se umas contas de cabeça.

Entre 1965 e 1970, as pensões de reforma eram baixas por comparação com hoje. De facto, eram quase caricatas.

E o número de reformados não excedia cerca de duzentos mil (estimativa minha com base no dedo no ar).

A população activa já era de cerca de 4.5 milhões de pessoas.

Fazendo as contas, em 1970, para cada reformado haviam 22,5 pessoas a trabalhar e a pagar impostos.

Com as mudanças vindas com a troca de regime político em 1974, sobre todos choveram direitos, a que necessariamente teve que corresponder a obrigação de os custear.

E de entre esses, poucos foram tão descaradamente abusados como o do “direito” à reforma.

De facto, em Portugal, as reformas tornaram-se um verdadeiro negócio da China. Uma empresa que se quisesse discretamente ver livre dum empregado, mandava-o para a reforma aos 40 e aos 50 anos de idade, sem qualquer dificuldade. Quase todos os dias, os jornais portugueses publicam dados, com nomes e valores, de pessoas que têm uma, duas, três, quatro reformas – ao mesmo tempo – contabilizadas de forma no mínimo bizantina. Algumas das regras eram simplesmente inacreditáveis.

E no caso dos políticos e afins, o descalabro era e parece que continua a ser, bem, simplesmente obsceno.

Lembro-me de um caso duma secretária da Assembleia da República portuguesa que, para se aproveitar duma regra que baseava a sua futura reforma no salário que auferiria no último ano de emprego, arranjou maneira de ser nomeada assessora duma coisa qualquer nesse ano, cargo pago a peso de ouro, e doze meses depois era como se lhe tivesse saído o euromilhões.

Mas, por mais imorais que sejam essas situações – se os problemas fossem só esses não seria tão grave.

O que agrava a situação é que, hoje, Portugal hoje em dia tem cerca de 2.9 milhões de reformados – e o número continua a subir.

Reformados que – felizes eles e desgraçados os contribuintes – levam em média dezasseis anos a morrer.

E que – infelizmente para os reformados – em média recebem umas pensões de reforma miseráveis – ente 300 e 400 euros por mês.

Mas os números não omitem a realidade: hoje, cada 1.6 pessoas que trabalham (e esses continuam pelos 4.6 milhões) sustentam um reformado.

Por quatro vezes mais tempo do que acontecia há quarenta anos.

Com a bolha financeira pública prestes a explodir, este assunto vai ter que ser resolvido. Da forma mais difícil.

A maneira mais fácil será subir a idade a partir da qual se pagam reformas para os 75 anos de idade.

Dessa forma, a maior parte das pessoas morrerá (provavelmente de fome e de doença) antes de poder ir buscar o seu primeiro cheque à segurança social. Salvava-se o estado, mas para muitas pessoas seria uma verdadeira calamidade. E presumo que seria considerado politicamente inaceitável.

A outra seria subir os impostos a toda a gente uns dez por cento, colocando a fasquia fiscal na estratosfera a nível mundial. Já está a acontecer.

À partida, o gráfico acima indica que, estando entre os piores casos a nível da OCDE, Portugal não é o pior caso.

Mas isso não serve de consolo. Com os problemas dos outros podemos nós todos, não é?

Aliás, com as pressões sobre os orçamentos da saúde, da educação e até da defesa nacional (agora ninguém quer sequer pagar o maldito do submarino) e a dívida pública e privada a atingir o insustentável, o problema de como encarar a questão das reformas e como funcionam em Portugal, tende a ser menosprezado.

Mas para mim, que tenho 50 anos de idade, a questão é muito simples.

A minha geração andou uma vida a pagar reformas muitas das quais não foram descontadas, e algumas certamente não foram merecidas. E quando chegar a nossa vez, vamos receber uma miséria, tardiamente, e por pouco tempo.

Aquilo que pouparmos entretanto, seja dinheiro no banco, imóveis ou acções, já está a ser e continuará a ser cada vez mais impenitentemente taxado até se acabar, para financiar os faraónicos programas dos sucessivos governos e as suas obrigações pecuniárias.

E, simplesmente dito, ou os nossos filhos não vão ter como nos sustentar na velhice.

Ou não vão querer fazê-lo.

Portanto, exmo. Leitor, siga este parco conselho:

Sorria e goze a vida. Vá à praia, sofra com o Sporting, coma um bom bife, leia um bom livro.

Ou trauteie comigo aqui em baixo o Frank Sinatra e um tipo qualquer, um dos meus velhos favoritos, Fly me to the Moon.

Enquanto pode.

2 comentários »

  1. ABM, por favor: que tal um post sobre o chilrear dos passarinhos, o subtil sabor dos 50’s, a boazona da vizinha e tantos filosóficos e encantadores etcs possíveis? por favor, man… pára de fazer contas! tás a arranjar-me/-nos uma depressão! 😦

    😉

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    Comentar por cg — 24/09/2010 @ 10:34 am

  2. Carlos (e exmos leitores dados a ficarem deprimidos com estas coisas,

    1. Não fiques deprimido que não vale a pena pois isso não resolve nada
    2. ainda vais a tempo de gozar umas coisitas
    3. quando votares, lembra-te que também estás a decidir assuntos como estes
    4. lembra-te que tu (como eu) sobrevivemos a debandada de África há 35 anos com uma mão à frente e outra atrás. Tu tinhas 20 anos quando isso aconteceu. Mas os nossos pais tinham 50 ou mais anos de idade. E recomeçaram do nada, ou do quase nada.
    5. Havemos de sobreviver. Havemos de resolver este e outros problemas, se houver verdade, serenidade, vontade e liderança à medida destes desafios.
    6. E os discos do Sinatra continuam por aí…

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    Comentar por ABM — 24/09/2010 @ 3:57 pm


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