THE DELAGOA BAY REVIEW

30/11/2010

KOK NAM E A ENTREVISTA SOBRE A ENTREVISTA

ABM & El Grande Kok Nam, Lisboa, 2010

por ABM (30 de Novembro de 2010)

Na sexta-feira passada foi lançado em Maputo um livro sobre o Sr. Kok Nam, fotógrafo célebre de Moçambique. Na altura, mais precisamente com data de 25 de Novembro, o jornal maputense A Verdade publicou uma entrevista com António Cabrita, aparentemente a alma por detrás deste projecto.

Que li.

Esta obra, que pelos vistos foi patrocinada pela Escola Portuguesa de Maputo, foi baseada numa única entrevista de quatro horas que António Cabrita, segundo o jornal um docente que volta e meia publica uns escritos, fez com Kok Nam. E insere-se na intenção da Escola de fazer por ano entre uma e três obras sobre moçambicanos que fizeram a ponte entre o colonialismo e a independência de Moçambique (ah grandes contribuintes portugueses!).

Quanto a este assunto, é melhor mexerem-se depressa senão daqui a nada não há ninguém para entrevistar.

António Cabrita disse algumas coisas que anotei:

– que, devido ao rápido crescimento populacional, especialmente nas cidades, que na preponderância mental dos jovens moçambicanos o passado, tirando aquele discurso oficial que lhes é servido nas sebentas, inexiste. Não há contraditório nem versões variantes. E mesmo esse já é lido de esguelha;

– que haveria a percepção de que o português do Sr. Nam era menos que perfeito. Ora isto se não é racismo está lá perto. O português do Sr. Nam é melhor que o meu e sempre foi. Ele parecer chinês é porque se calhar os antepassados dele eram (não é?). Aliás houve uma considerável e fantástica comunidade de origem chinesa em Moçambique até 1975. Só que a maior parte já havia fugido do comunismo uma vez e não quiseram ficar para se sujeitarem a um novo comunismo. Mas enfim;

–  Kok Nam terá passado a fase apaixonada dos anos de Samora algo distanciado, afirmando que, no entanto, a retórica do primeiro presidente “dava para ressuscitar um cadáver”. Acho que Cabrita aqui sugere que, por isso, Nam nunca terá sido bafejado pelos favores do Regime. Ou se calhar não percebi;

– acho que muito correctamente, Cabrita apontou que, apesar de existir todo um trabalho se calhar único de documentação de imagens da fase após a independência, que quase tudo permanece dentro de caixotes não se sabe bem onde (tens razão, porrada neles, António);

– que, interrogando cerca de 150 jovens moçambicanos alunos sobre o que tinha sido o Holocausto (o massacre sistemático dos judeus na Europa por parte do regime Nazi durante a II Guerra Mundial, em que foram mortas cerca de 6 milhões de pessoas) só um sabia do que ele falava. E um perguntou se “Holocausto” era uma marca chinesa de arroz.

Do que conheço de Kok Nam, oitenta horas de entrevistas não chegava para obter o sumo da sua sapiência. Mas quatro é melhor do que nada.

A ver vamos se esta obra aparece nas margens sonolentas do Tejo.

10 comentários »

  1. A entrevista deve ser de ler “sem respirar. Tenho a certeza que haverá muitos milhares de pessoas, cá em Portugal, que teriam muito interesse em lê-la. Vou mandar vir o livro por uma amiga que viaja para Lisboa na próxima semana.
    Obrigada e cumprimentos.

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    Comentar por Lucia Costa — 30/11/2010 @ 5:37 pm

  2. Espero que em breve alguém venha a Portugal e me traga um exemplar.
    Quanto à entrevista de AC há uma coisa que me surpreende…porquê esse espanto em relação à ignorãncia dos alunos sobre o Holocausto?
    Acaso os americanos sabem alguma coisa sobre os Descobrimentos Portugueses? Nada! Os Australianos sabem alguma coisa sobre a Revolução Francesa? Nada! Alguém no mundo sabe alguma coisa sobre a Europa, salvo se tiver sido ex-colonizado e tenha mais de trinta anos? Nada! Só sabem o que os noticiários mostram.
    Pois! Os acontecimentos que pautam a História Universal sempre foram manipulados a belo prazer dos Estados. Será que é assim tão chocante que esta nova geração de Maputo nada conheça e nada saiba?
    Também em Portugal a grande maioria não faz ideia sobre os acontecimentos que levaram á existência do 25 de Abril…e consta nos manuais escolas, ainda que “en passant”.
    Facto: Há uma ausência de memória…é universal…mas ainda não decidi se é bom ou mau…no entanto, não me choca!

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    Comentar por VA — 01/12/2010 @ 6:49 pm

  3. VA

    Sim, nesse contexto, nada choca, nunca.

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    Comentar por ABM — 01/12/2010 @ 7:59 pm

  4. Porque o contexto em que tendo a colocar-me não é euro-centrado. Era interessante o AC perguntar aos seus alunos se já ouviram falar do Ruanda….algo me diz que sim…

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    Comentar por VA — 01/12/2010 @ 9:23 pm

  5. VA

    Algo me diz que não…

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    Comentar por ABM — 01/12/2010 @ 9:26 pm

  6. ABM,

    Lancemos então o desafio ao AC.

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    Comentar por VA — 01/12/2010 @ 9:30 pm

  7. Deixemos-nos de relativismos superficiais. A II GM é um facto fundamental do século passado, os seus resultados marcaram o processo de descolonização generalizado, a marcação ideológica do mundo, etc e tal. É óbvio que os estudantes universitários moçambicanos deviam conhecer os processos acontecidos. Mais, também pela influência do cinema e televisão americano (muito judaicocentrados), seria normal que via tv e cinema os alunos tivessem conhecimento de tais matérias – estamos portanto face a um desconhecimento que dá uma imagem dos problemas do ensino da história contemporânea mas também denota o tipo de consumo cultural que existe em Maputo.

    Quanto à entrevista no jornal A Verdade, feita pelo (meu) amigo Almada ao (meu) amigo Cabrita lamento mas tem algumas inadequações face ao conteúdo das próprias declarações do Kok, uma entrevista saborosíssima.

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    Comentar por jpt — 01/12/2010 @ 10:05 pm

  8. JPT,
    Não é relativismo, é universalismo! A memória histórica (colectiva/nacional ou universal) não está presente nos jovens de hoje.
    Aos Estados (de todos os quadrantes e feitios)não interessa fomentar memórias…As empresas promovem cursos de gestão da mudança que anunciam : “Não interessa o passado”. As políticas de educação fomentam a formaçao de pessoas que executem e não questionem…os produtos culturais limitam-se ao pacote de divertimento e o pessoal aceita porque é obrigatória a diversão, senão passam-se com as constantes pressões.
    No entanto há uma pequena e minúscula fatia da população mundial que decidiu preservar o conhecimento do passado. É importante? Parece que sim. Como o fazer chegar a todos? Não sei!
    É mesmo necessário? Não sei.
    Á minha frente desenrolam-se novas formas de ser e de estar. Faço questão de as experimentar, de perceber o que implicam. Ainda não percebi nem um terço, mas sei que já não sou, nem penso como há vinte anos. E também sei que já me não choca o desconhecimento. No entanto, continuo a ter imenso prazer em enriquecer o meu.

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    Comentar por VA — 01/12/2010 @ 11:48 pm

  9. Não confundamos as coisas, sff. Como saberás não sou muito dado a teorias da conspiração – tipo o Grande Capital ou o Aparelho Ideológico de Estado querem-nos fazer esquecer as malevolências nazis. O AC é aqui professor e choca-se com a enorme ignorância dos seus alunos. O AC é um universalista, pouquissimo dado às nuances antropológicas. Mas aqui entre nós quando tens um universo estudantil universitário que desconhece radicalmente as teorias sobre o universo e que crê, na sua esmagadora maioria, no geocentrismo podes guardar as teorias conspirativas, as críticas ao Grande Capital Tecnocrático, ao Aparelho Ideológico do EStado alienador ou outras coisas que tais, podes guardar o relativismo cultural, a crítica do Eurocentrismo, etc. e tal.

    Tenho uma funcionária a terminar a 12º classe na melhor escola pública de Maputo. O preço para dispensa de exame (ou seja, para entrada directa na universidade) é de 13 mil meticais. Deixemos o pósmodernismo de lado, por favor. Essa tralha fica para essa cáfila de blogo-arrastões, escroqueria moral e rebotalho intelectual, ok?

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    Comentar por jpt — 02/12/2010 @ 1:00 am

  10. JPT,
    Insisto…não é pós-nada, que eu não posso-nada e farto-me de gozar com o relativismo…
    Mas sim, acho que se pode dizer que é assustador e percebo a vossa apreensão quanto aos alunos/estudantes.

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    Comentar por VA — 02/12/2010 @ 1:28 am


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