THE DELAGOA BAY REVIEW

27/10/2011

COMENTÁRIO DO COMANDANTE LUIS BRITO DIAS SOBRE O INCIDENTE DE MBUZINI

O malogrado que transportou os malogrados.

A propósito da surpreende caça às bruxas aparentemente e mais uma vez em curso em relação ao assunto referido acima, repesco e anexo texto copiado do semanário Zambeze, que se publica em Maputo, na sua edição de 28 de Agosto de 2008, com vénia. Grato ainda ao Carlos Schmidt pelo envio de fotocópia da publicação.

O comentário do Sr. Comandante Luis Brito Dias (NOTA: com as alterações efectuadas após a mensagem de correcção gentilmente enviada pelo Sr. Comandante em 28 de Outubro e que consta na secção dos comentários em baixo) :

Li com muita atenção as declarações do Sr. Sérgio Vieira a respeito do desastre de Mbuzini (jornal O País, 15 de Agosto de 2008), assunto que me interessa sobremaneira, pois trabalhei em Moçambique como piloto da DETA /LAM durante 17 anos. Presentemente trabalho no Extremo Oriente como comandante de uma transportadora aérea, pilotando aviões do tipo Boeing 747-400. É evidente que o Sr. Sérgio Vieira mente descaradamente pois ele era na altura do acidente o Ministro da Segurança, portanto com responsabilidades no que veio a acontecer.

Samora teve uma morte inglória e claro que ele também foi o responsável pelo que aconteceu pois entregou a sua própria vida nas mãos de pilotos que revelaram desleixo, negligência e incúria. Todos os pilotos que voavam na LAM na altura sabem perfeitamente que o acidente de Mbuzini deveu-se a negligência e incúria por parte da tripulação técnica. Aliás, após o acidente, o Sr. Sérgio Vieira fez chegar aos pilotos da LAM a mensagem, tipo ameaça bem clara, para se manterem calados e não abrirem a boca. Foi por essa razão que nenhum Comandante foi nomeado para fazer parte da comissão de inquérito. O único que foi nomeado foi um co-piloto da LAM, que tinha sido da Força Aérea e era membro do Partido Frelimo, e por isso facilmente controlável. Este co-piloto começou a ver a nojeira que era a Comissão de Inquérito e arranjou maneira de se baldar rapidamente pois em consciência não podia participar na deturpação da verdade. Os pilotos soviéticos além de terem pouca experiência, voavam muito pouco e as licenças de voo que foram apresentadas no inquérito são falsas. Foram emitidas posteriormente.

Na altura eu era co-piloto do DC-10 da LAM, e num voo de Lisboa para Maputo, juntamente com o Comandante, demonstrámos a Mariano Matsinhe e a outro ministro da Frelimo que seguiam a bordo, o que realmente tinha acontecido. Eles foram nossos convidados no cockpit. Até fizemos a viragem ou mudança de rumo inicial, bem como a manipulação errada dos selectores de instrumentos de navegação para lhes mostrar o que se passara na noite no desastre de Mbuzini. Para além de não trazerem combustível de reserva o que aconteceu foi que dos 5 tripulantes no cockpit, 3 estavam entretidos a dividir as bebidas alcoólicas que iriam sobejar, até 6 minutos antes do impacto final. Só o co-piloto e o navegador é que estavam a tomar “conta” do voo. Tudo isto está registado na transcrição do CVR (Cockpit Voice Recorder).

O Comandante só se apercebeu que estavam perdidos 3 minutos antes do impacto final. A desorientação era tal que nem ligaram nenhuma ao aviso sonoro (GPWS) que o avião ia bater no chão sem estar na configuração de aterragem. Quebraram muitas regras básicas de “ouro” da aviação, mas a mais importante foi terem chegado à “Altitude de Segurança”, publicada para Maputo, que é de 3 000 pés, e continuarem a descer sem terem contacto visual com o solo ou, em alternativa, indicação electrónica correcta dos equipamentos de navegação de Maputo. Neste caso, o ILS ou o VOR de Maputo.

O que sucedeu foi que eles em vez de seleccionarem o ILS de Maputo (110.3) enganaram-se e seleccionaram o VOR de Matsapa (112.3) e desviaram-se de rota para a Radial 045 de Matsapa em vez de estarem na Radial 045 do VOR de Maputo. O navegador do Tupolev enganou-se, pois no sistema russo quem selecciona as rádio-ajudas são os navegadores e não os pilotos. Ele já vinha com o VOR de Maputo seleccionado (112.7), mas ao mudar de frequência para o ILS de Maputo (110.3) que é uma rádio-ajuda de aproximação à pista e não de navegação em rota, cometeu o erro fatal. Os selectores dos dígitos decimais são independentes dos dígitos das centenas. Ou seja, primeiro teria que mudar de 112 para 110 e depois de 0.7 para 0.3 com um selector independente. O que aconteceu foi que ele deixou ficar o 112 e só alterou de 0.7 para 0.3 o que veio a coincidir com a frequência do VOR de Matsapa. Foi esta manipulação errada de sistemas que levou a tripulação a fazer uma viragem de rota. Como estavam “distraídos” no cockpit não houve ninguém que verificasse as manipulações dos selectores de frequência. Uma das regras básicas é que sempre que se muda qualquer coisa no cockpit essa acção tem que ser verificada e aceite pelo outro piloto.

Nada disso foi feito. Estas foram as causas imediatas do acidente, mas houve outros factores que também contribuíram, tais como a fadiga da tripulação, a falta de combustível, a inactividade prolongada da tripulação, a falta de verificações de simulador de voo, etc. Um acidente de aviação nunca acontece por si só. É sempre um acumular de eventos que vão culminar num fim trágico. Não querendo ser arrogante, mas a minha experiência de 31 anos de aviação bem como a participação em inquéritos de acidentes aeronáuticos deixam-me perfeitamente à vontade para falar destas situações.

Depois de tantos anos de poder do ANC na África do Sul, e apesar de muita investigação por parte das novas autoridades sul-africanas, quer a nível da Comissão da Verdade e da Reconciliação, quer a nível da polícia mandatada pelo Presidente Thabo Mbeki há mais de dois anos, não foi encontrado qualquer vestígio de tentativa de interferência no voo por parte das autoridades sul-africanas do anterior regime. As teorias conspiracionistas voltaram-se então para supostos mentores internos, o que é muito duvidoso e sem cabimento. Os factos falam por si…

(fim)

Um nota do jornal acrescentou:

Em declarações posteriores à publicação do seu artigo, o Comandante Luís Brito Dias referiu que “a primeira indicação para nos mantermos calados foi dada verbalmente pelo então director das LAM, que nos avisou claramente de onde vinham as instruções.” Luís Dias acrescenta que “a outra vez foi numa discussão privada com uma pessoa muito chegada a Sérgio Vieira que até nos disse, num tom ainda mais ameaçador, que se nós (pilotos da LAM ) continuássemos a falar, acabaríamos presos.” O Comandante Dias refere que “nessa conversa até estavam presentes outros dois pilotos da LAM que ficaram estupefactos com o tom da ameaça.”

Houve ainda uma outra ameaça nesse sentido, vinda de um dos membros da Comissão de Inquérito moçambicana”, acrescentou a fonte.

Avisos idênticos foram transmitidos a todo o pessoal do Aeroporto de Maputo e da Aeronáutica Civil. Os primeiros indícios da mão pesada da segurança moçambicana, após o acidente de Mbuzini, reflectiram-se na Torre de Controlo do Aeroporto, em que o controlador de tráfego aéreo de serviço na noite do acidente viria a ser detido. Igualmente presos pelo Snasp foram funcionários ligados à área da meteorologia por terem contactado o Aeroporto Internacional de Joanesburgo para uma actualização do estado do tempo. O pedido a Joanesburgo foi feito depois do Comandante Sá Marques, do voo TM103 da LAM, vindo da Beira, ter informado a Torre de Controlo de Maputo de que não poderia continuar por mais tempo em espera e que uma alternativa seria desviar o seu voo para a capita sul-africana uma vez que não era possível aterrar em Maputo. O voo TM103 acabou por ser desviado para a Beira no meio de grande pandemónio no interior da Torre de Controlo do Aeroporto de Maputo em que agentes do Ministério da Segurança ficaram alarmados por se ter dado a conhecer à África do Sul que algo de anormal se estava a passar.

Pelos vistos o João Cabrita mais do que tem razão.

Ah, as saudades que tantos parecem ter dos bons velhos tempos.

O documento:

Capa, topo.

Capa, parte inferior.

Artigo, topo.

Artigo, parte inferor.

4 comentários »

  1. Como autor do artigo transcrito aqui no Blog que foi supostamente publicado no Zambeze a 28 de Agosto de 2008 gostaria de poder corrigir algumas afirmações que foram introduzidas posteriormente com intuito malicioso de alterar a verdade do factos.
    Onde se lê : …. dos 5 tripulantes no cockpit, 3 estavam entretidos a dividir “e a tomar” os restos das bebidas alcoólicas que iriam sobejar….
    A afirmação que está entre aspas “e a tomar” foi introduzida posterior mente e não consta do meu artigo original publicado no Zambeze. Os Arquivos do jornal assim o provam.
    Posteriormente circulou na Internet esta versão maliciosamente alterada e que infelizmente tambem foi aqui publicada.
    São questões bem diferentes . Uma coisa é estar a dividir as bebidas alcoolicas para posterior consumo e outra completamente diferente e de uma gravidade muito maior é estar a ingerir em voo bebidas alcoolicas
    Foi determinado através da Autópsia aos triulantes técnicos ( Dois Pilotos, um Navegador e um Engenheiro de Voo ) que os unicos vestigios quase insignificantes de residos de teor alcoolico que foram encontrados derivavam da decomposição natural dos cadáveres e que esse teor não teria qualquer impacto na condução do voo. Este facto consta do relatório final
    Quanto ao resto do artigo mantenho tudo o que afirmei .
    Ultimamente lá se anda a levantar novamente o espantalho da conspiração que só serve para fins politicos e para iludir os ignorantes.
    Luis Brito Das

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    Comentar por Luis Brito Dias — 28/10/2011 @ 2:13 pm

    • Boa noite Sr. Comandante Luis Brito Dias,

      Fico muito agradecido pela sua nota em cima (e, claro, pelas suas valiosas declarações de 2008) e editei imediatamente o texto que, de boa fé, claro, recebi, li e, pela sua relevância, reproduzi neste pequeno blogue. Se for ver, estará exactamente conforme referiu. Como o Sr. Comandante, procuro a verdade e entender melhor os factos, no que a sua explicação, tão clara, e especialmente vindo de quem veio, é particularmente feliz. Por tal agradeço-lhe. Bem haja. ABM

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      Comentar por ABM — 28/10/2011 @ 4:42 pm

  2. Mr Luis Brito Dias.
    Thank you for your insightful article. I have read the full Aviation Accident Report and although I am not a pilot I understand the pilot procedural errors and situation awareness errors – which are comparative to the aviation disaster which killed the famous cricketer, Hansie Cronje.
    I am however interested if there are any hard evidence of the “…identical notices were sent to all staff of the Maputo Airport and Civil Aviation”.
    Much appreciated.

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    Comentar por Craig — 13/01/2012 @ 1:19 pm

    • Dea Craig
      “The identical notices were sent to ….” is an editorial comment made by the Zambeze newspaper in addition to my article and not of my responsibility, but having said that I doubt that there ever were any written notices to that effect or any other form of communication that would fall into the “”hard evidence” category.
      I am quite sure that, like in the case of the Pilots all these veiled or overt threats were verbally made.
      You have to be aware that the “Regime” was not prepared for such a catastrophic situation and as such the speed of the events were far too fast for it to produce any sort of burocratic evidence.
      Excuse me for being direct, but just out of curiosity, what is your interest in this matter ?
      Luis B Dias

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      Comentar por Luis B Dias — 13/01/2012 @ 6:53 pm


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