THE DELAGOA BAY REVIEW

12/03/2012

CAVACO SILVA – REFLEXÃO SOBRE UM PRESIDENTE EM FIM DE MANDATO

Aníbal Cavaco Silva, numa re-interpretação fotogáfica minha. Na verdade, estive a testar um programa que é suposto pintar fotografias a preto e branco e o resultado foi este. Serve para ilustrar o que tenho para dizer em baixo.

Os norte-americanos têm um nome para os presidentes durante o final do seu segundo mandato: lame duck . Que em português quer dizer qualquer coisa como “pato mole”. O termo é suposto traduzir a incapacidade do presidente, a partir de certo ponto do seu segundo e último mandato de quatro anos (em Portugal é cinco) de conseguir, ou até de ter legitimidade para, tentar tomar certas iniciativas, legislativas ou outras, especialmente após o seu sucessor ter sido escolhido.

Portugal não segue bem estes rituais, em parte porque os seus presidentes, dada a natureza parlamentar dos sucessivos regimes republicanos e o seu incestuoso alinhamento com os poderes “moderadores” da monarquia a partir da segunda metade do Século XIX, não mandam: “presidem”.

E presidir vale o que vale, dependendo muito de quem desempenha o cargo, das circunstâncias e, até certo ponto, do que diz aquela obra de rendilhados socialisto-democráticos que é a actual constituição.

Em princípio, formalmente, um presidente português pode fazer pouco em relação a um governo que não lhe presta vassalagem. Pode vetar as leis mas logo a seguir é fintado numa segunda votação. Pode mandar fazer algo eufemisticamente chamado “fiscalização preventiva da legislação”, que é uma forma muito portuga de mostrar que não acha piada ao que lhe é metido à frente para assinar mas que, à falta de melhor, manda para os senhores do Tribunal Constitucional dizerem de sua justiça. O resultado disso vai depender de se o douto tribunal está cheio de amigos, povoado de constitucionalistas convictos, ou se de facto o governo do dia é tão idiota que elabora leis inconstitucionais. A realidade tende a ser uma mistura das três.

Uma das formas muito populares de um presidente português tentar influenciar a agenda política nacional é ir à televisão e mandar papos. Os mandatos de Mário Soares só são memoráveis por isso e por ele agir como se fosse um monarca, fazendo “presidências abertas”. A imprensa, sem mais que fazer, ia a reboque.

Sendo que os portugueses actualmente seguem a política com base nos primeiros doze minutos e meio dos telejornais das televisões, que habitualmente ajem como se estivessem quase sincronizadas naquilo que sai nesses preciosos minutos. As máquinas partidárias e a entourage presidencial já sabem o suficiente para manipularem as coisas de forma a que a declaraçãozinha com a bombinha seja feita a tempo do vídeo voltar para a estação de televisão, ser tratado, editado, analisado e comentado, para sair como um acto político de significado “presidencial” às 20 horas, a hora tardia em que parece que a maioria dos portugueses assiste impávida aos noticiários, presume-se que sentada na mesa de jantar e com a colher de sopa na boca.

Nestas questões da comunicação política, os portugueses são ajudantes de ajudantes de amadores se comparados com o que se passa nos Estados Unidos, realidade que conheci e acompanho. Mas o PS de José Sócrates, ainda que duma forma mafiosa e aparolada, chegou perto de um grau elevado na arte da feitiçaria comunicacional. Houve dias em que eu pensava que os alinhamentos das notícias eram feitos num gabinete em São Bento pelos seus assessores (continuo a achar que foram). Por mais que uma vez, despediram jornalistas, puseram jornais e televisões em alvoroço, encostaram a Procuradoria Geral da República e a Polícia Judiciária à parede, numa curiosa versão berlusconorrasca da democracia.

Tudo isto nos traz ao Prof. Aníbal Cavaco Silva e a esta semana.

Aníbal Cavaco Silva é um pequeno puzzle comunicacional. Tem zero de charme e ainda menos presença. Não tem quase jeito nenhum para comunicar. Mas eu suspeito que, paradoxalmente, a sua índole, tal como a do actual ministro português das finanças, faz o gosto de muitos portugueses precisamente por causa disso: tirando Mário Soares, que se desenvolve muito bem em frente e atrás das câmaras e à sua maneira engana gregos e troianos enquanto faz o que lhe apetece, praticamente todos os líderes portugueses de renome eram de uma ineficácia comunicacional absolutamente atroz, a começar por António de Oliveira Salazar, que falava sentado a olhar com os óculos para os papéis, que governava por decreto pessoal fechado no seu gabinete à tarde (com algum apoio de Pides, GNR e companhia) e que tinha uma voz que mais parecia o Pato Donaldo. Sintomático é que este ditador durante quatro décadas e que mal aparecia na rua é por muitos admirado e considerado o Português do Milénio.

Têm em comum terem sido estudantes com boas notas de famílias rurais sem grandes recursos, tornados professores universitários com cátedra e falsos modestos – “anti-políticos” – assunto que por si só dava para escrever mais um artigo.

Ramalho Eanes era mais ou menos a mesma coisa, mas uma versão militarizada e não académica. Rígido, militarista, formal, anal-retentivo, distante, usando fatos baratos, falava com um tom de voz que parecia sempre que estava a pregar um ralhete a quem o estivesse a ouvir. Foi um herói subestimado que em 1975 afastou Portugal do caos comunista da troika Cunhal-Costa Gomes-Vasco Gonçalves, presidiu a tempos muitos difíceis e fez um bom trabalho dadas as circunstâncias, mas em termos comunicacionais parecia que ele, e o seu país, estavam noutro planeta.

Jorge Sampaio parecia-se um pouco mais com Mário Soares mas sem o mesmo talento e aparentando estar sempre à beira de um ataque de nervos. Socialista, presidiu ao gradual e inexorável afundamento do seu país sem parecer dar minimamente por isso, usando uma vez uma raramente utilizada prerrogativa presidencial para expelir Pedro Santana Lopes (e o PSD) do cargo de primeiro-ministro e no seu lugar instalar, por puro acaso da oportunidade (na altura rolaram mais do que uma cabeça nas chefias dos partidos) um então obscuro ex-ministro socialista do Ambiente do qual não se sabia ao certo se tinha ou não um curso, se tinha ou não recebido luvas por causa de um centro comercial na outra margem do Tejo, se sabia o que ia fazer ou não, se sabia falar inglês técnico ou não (não sabia).

O seu nome era José Sócrates.

Quando foi eleito presidente, em parte pela habitual falha no grau de abertura do regime actual (eleger-se um Obama em Portugal é uma impossibilidade matemática), em parte resultado de uma doentia propensidade para se apostar nos habituais profissionais políticos senatoriais, bem oleados e conectados, Aníbal Cavaco Silva era suposto ajudar, de alguma forma, a contrariar, ou pelo menos atenuar, os efeitos da então “avalanche socialista”.

As alternativas na eleição de então eram más demais para contemplar, o que facilitou a sua escolha.

Havia em muita gente a impressão que, depois do assassínio de Sá Carneiro, Cavaco encaminhara o PSD e Portugal. Hoje sabe-se que não foi nada disto, mas enfim.

Na altura, o Partido Socialista detinha uma maioria absoluta, que bisou em 2009, aumentando vergonhosa, imoral e fraudulentamente os salários dos funcionários públicos e criminosamente gastando o que já se sabia era totalmente incomportável para os contribuintes. A maioria do eleitorado, estupidificado, seguiu-o.

Mas o que Cavaco fez após ter sido eleito não foi equilibrar coisa nenhuma. Erradamente, foi à televisão e disse que iria cooperar piosa, discreta e pacificamente com o governo de José Sócrates, sabendo-se que pretendia exercer a sua putativa influência (que era, como se pode aferir, zero) nos bastidores, a partir da velha residência de D. Carlos e Dona Amélia na Freguesia de Santa Maria de Belém.

Sorrateiro, José Sócrates fez os habituais gestos conciliatórios em prime time mas de facto marimbou-se completamente no presidente, que, complexado por natureza, nem sequer sabia bem como reagir, e literalmente fez o que lhe apetecia e com quem lhe apetecia.

E, em jogos de bastidores, e na comunicação social, Sócrates batia Belém dez a zero.

A oportunidade para a vingança de Cavaco Silva surgiu imprevisível e veio de fora, quando, resultado de um acto de loucura premeditada, as autoridades nos EUA deixaram o banco norte-americano Lehman Brothers falir no início do Outono de 2008.  No espaço de um ano, Sócrates, idiota como sempre foi (o qualificativo é retrospectivo, na altura apenas se suspeitava) apressou a falência da República e o fim do Estado Socialista, pois não se pode ir gastando cada vez mais e ir aumentando os impostos com nomes pomposos, se orwellianos (lembram-se dos “Planos de Estabilidade e Crescimento”? “Novas Oportunidades”? “Rendimento Social Garantido”? “Plano Tecnológico”? please…) e não esperar que a bomba não exploda.

A bomba explodiu, e de que maneira, em Abril-Maio de 2011, quando uns telefonemas urgentes de Londres e Bruxelas avisavam que a falência do estado português estava por semanas, ou mesmo dias. Os chefes dos bancos privados até foram às televisões, suando e piscando o olho aflito para quem percebesse, que a coisa estava por dias. Concretamente, se os bancos não conseguissem assegurar a sua liquidez, faliriam em dias, precipitando uma crise económica e financeira de proporções inimagináveis. Já então, como desde então, Portugal vivia de balões de oxigénio concedidos avulsamente pelo Banco Central Europeu. Nessa altura, a pouca vergonha que foi, e é, a fraude criminosa do BPN e a falência inexplicada do BPP, já decorriam alegremente, com milhares de milhões de euros dos contribuintes a fluir sabe-se lá para onde, para quê e porquê. Burros, os jornalistas não conseguiam, ou não queriam, explicar.

Pedro Passos Coelho, então um obscuro produto da máquina do PSD, sem qualquer experiência de governação e com o mesmo tipo de CV extremamente duvidável que José Sócrates, mas com mais juízo e mais bem assessorado, fez a sua jogada.

Como lhe competia, escondendo o seu alívio na pompa presidencial e no seu feitio professorial introspectivo, Cavaco Silva convocou novas eleições. O PSD venceu com uma maioria absoluta cozinhada com Paulo Portas (que se tornou na Hillary Clinton portuguesa, salvo seja) e Sócrates exilou-se em Paris, mantendo os telemóveis de Portugal em roaming.

E aqui estamos nós, nove meses depois disso, em que, pela primeira vez em cento e vinte anos o país está falido (e a piorar em cada dia que passa) e pela primeira vez na Terceira República há uma maioria idologicamente alinhada em termos de governo, parlamento e presidente e expeditamente já se assinou um termo de dívida inexequível e se começou, em vez de cobrar impostos, a extorqui-los alegremente.

Neste contexto, qual tem sido o desempenho do Prof. Cavaco Silva?

Numa curta palavra: medíocre.

Ele bem tenta fazer alguma coisa. Mas não consegue. Não se consegue perceber o que é que ele anda a fazer e a dizer, nem porque é que ele diz o que diz quando o diz.

Diz que quer consolar e encorajar os portugueses a enfrentar os demónios soltos por José Sócrates e o Estado Socialista (que em boa parte ele, Cavaco, criou) mas depois faz afirmações desconexas e estupidificantes sobre a sua reforma milionária, as suas mais valias milionárias no BPN, as explicações mais obtusas sobre como comprou um palacete de mais que um milhão de euros no Algarve via uma troca da sua prévia, muito mais modesta casota, a sua dificuldade, vivendo ofuscadamente num palácio à custa do erário público e com nada menos que três reformas milionárias, em pagar as suas contas pessoais. Numa ocasião referiu que devemos estar caladinhos e não comentar as agências (americanas, ainda por cima!) de rating, uns meses depois diz precisamente o contrário.

Ele, que é um retrato fiel e acabado do que significa ser um político profissional no Portugal moderno, passa a vida a querer sugerir que não o é. Diz que não: que foi técnico no Banco de Portugal e Professor universitário (pois, tem as reformas milionárias para o demonstrar). E que só está na política para servir os portugueses. Claro Aníbal, we believe you. Pior, tenta ir mais longe ao querer protagonizar-se como um anti-político, sabendo que as sondagens indicam que o eleitorado está farto deles todos até à ponta dos cabelos.

Ele, que agora é suposto estar alinhado ideologicamente com quem manda, não se importa de enviar repetidos sinais no sinal contrário, colocando em cheque as medidas draconianas que estão sendo postas em vigor para evitar a todo o custo o percurso grego (e para tal, não basta dizê-lo repetidamente). Passos Coelho e os seus correligionários mais do que uma vez devem ter ficado a meditar se este presidente está do lado deles ou contra eles.

Ele, que aparenta não ter equipa de comunicação a assessorá-lo, pelo menos uma capaz, não dá conferências de imprensa ou comunica eficazmente o que tem para dizer, limitando-se a fazer o que parecem declarações de improviso, à porta de um sítio qualquer que vai inaugurar ou visitar, invariavelmente dizendo coisas em que não batem a bota com a perdigota, em vez do que se presume ser o que devia estar a dizer e fazer estes dias: apoiar os esforços do governo e principalmente dos portugueses nesta fase infame das suas vidas.

A semana passada, intestinalmente, a propósito de uma obscura publicação qualquer que praticamente ninguém lê, tudo indica que fez o que comentadores referem como um ajuste de contas a posteriori com o politicamente defunto José Sócrates. Diz-se traído por este – até institucionalmente! Touché. Só foi relevante por ter saído agora e por ter sido basicamente um disparate – mais um. Se não se dava com ele, tivesse-o dito na altura, despedisse-o, não é agora que se aceita que venha registar as suas incapacidades publicamente. Pior, dá um ar infeliz de tó-tó presidencial, ter-se submetido às sevícias de Sócrates sem nada fazer e nada dizer quando podia e devia tê-lo feito.

Ou isto fazia parte da gestão discreta da sua influência?

A passada semana assinalou também o fim do primeiro dos cinco anos deste segundo mandato do Prof. Cavaco Silva.

O lugar dele, prerrogativas e dispensações constitucionais aparte, é em boa parte aquilo que ele fizer dele (do lugar). Do que se viu do primeiro ano, os receios inerentes quanto ao que ele possa dizer e fazer nos próximos quatro anos, não deixam muita margem para conforto, sendo que o caminho a seguir é relativamente claro: o imperativo económico manter-se-á, e reza-se que do súbito empobrecimento nacional, da venda a retalho do que resta de uma soberania que levou mil anos a construir, não resulte o caos social.

Neste contexto, o que pode fazer um presidente português?

Muita coisa, mas nada do que Cavaco tem andado a fazer há um ano seguido.

Portugal já vive uma emergência, não precisa de ter alguém no cargo presidencial que parece não saber quando usar o fósforo para atear o fogo, ou um balde para o apagar.

Entretanto, num outro registo, Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e António Vitorino pré-posicionam-se para o sucederem. O mero facto de já andarem a contar espingardas assinala o próximo estatuto de Cavaco Silva como pato mole.

21/06/2011

O REGRESSO DOS CHICAGO BOYS

O Titanic tem um novo timoneiro.

O título desta curta crónica é meramente evocativo de um outro experimento cujos contornos na área económica vagamente se assemelham com o que parece que a nova gestão, colocada no poder hoje, depois do indescritível episódio de José Sócrates entre Setembro de 2008 e Maio de 2011, episódio que atirou o já falido modelo económico português para o abismo e com ele arrastou pelo menos dois terços dos portugueses (o remanescente terço é rico e está-se nas tintas).

Esse experimento ocorreu no Chile nos anos 70 e 80, quando cerca de duas dúzias de jovens chilenos, a maior parte educados na Universidade de Chicado, onde na altura pontificava Milton Friedman, fizeram basicamente o que se depreende que consta não num programa governativo formulado em Portugal, mas numa longa lista de acções executivas entregue em Lisboa para assinar aos candidatos para a elição parlamentar de 5 de Junho passado, como moeda de troca de um empréstimo de 78 mil milhões de euros, a verba considerada necessária para ajudar a gerir a falência tão lamentavelmente congeminada por José Sócrates.

Claro que há diferenças enormes no ponto de partida. Portugal é, ou ainda é, uma democracia. Os rapazes de Chicago operaram em plena ditadura do Sr. Augusto Pinochet, que foi uma vergonha. Ou seja, operaram num ambiente de praticamente terrorismo de Estado. E na verdade a maior parte do crescimento e apreciação pelos sacrifícios feitos (refiro-me economicamente apenas) ocorreram depois do desmembramento da ditadura e numa altura em que o governo democraticamente eleito do Chile ponderou de alguma forma as medidas “neo-liberais”  dos anos 70 e 80 com medidas de carácter social.

Mas há também algumas semelhanças supreendentes com o que parece que se quer fazer em Portugal agora. Primeiro, as circunstâncias são igualmente dramáticas, sendo que no caso português o espectro da dívida externa é muito pior que o do Chile dos anos 70, que só se abateu sobre aquela economia no princípio dos anos 80. O remédio, na forma de um pacote de medidas quase alucinante no seu agregado (eu suspeito que a esmagadora maiora dos portugueses não sonha o que está para lhes cair em cima) é … fantástico. Mas é também drástico, e violento.  Pode esta sociedade, em democracia, aguentar este embate?

Mais importante, a fórmula dos Rapazes de Chicago durou quase vinte anos e ocorreu num mundo completamente diferente do de hoje, onde não havia globalização, em que a retoma da crise do princípio dos anos 80 foi assegurada primeiro pelos Estados Unidos e depois pela Europa. O mundo de 2011 é radicalmente diferente. A Europa está à beira de mais uma “crise de crescimento”, os Estados Unidos estão com um défice de proporções bíblicas, o comércio desregulado por via dos acordos da Organização Mundial do Comércio e factores como a energia, o seu custo e a preservação do ambiente constituem sérios bloqueios a políticas de crescimento rápido e de substituição de importações.

Ora as prioridades para Portugal, para além de uma reestruturação fundamental da sua forma de operar enquanto país, são simples e são três:

1. Pagar o verdadeiro balúrdio que deve lá fora.

2. Crescer o volume de negócios, com ênfase absoluto nas exportações.

3. Reduzir os seus (digamos) custos operativos.

Tudo isto ao mesmo tempo e a partir já de hoje, dia 21 de Junho de 2011.

E para tudo isto conta-se com o trabalho do Sr. Pedro Passos Coelho, aliado com o Sr. Paulo Portas, e mais dúzia e meia de uma estranha mistura de políticos inexperimentados e tecnocratas aparentemente batidos em tudo menos em governar portugueses, sob a tutela do Senhor Professor Aníbal Cavaco Silva.

O voto maioritário dos portugueses foi, creio lúcido, na medida em que José Sócrates tinha que ser tirado de onde estava quanto antes. Ele foi. O PS agora terá a chance de recalibrar-se e tentar, do outro lado, vir a oferecer algo que possa servir de alternativa credível ao que quer que seja que vai acontecer.

Mas o voto dos portugueses foi dado em circunstâncias no mínimo invulgares. Em que o programa de governo já estava delineado por estrangeiros representando os credores (entre outros) do empréstimo de 78 mil milhões de euros.

Na realidade, toda a gente já se tinha apercebido de duas coisas: o buraco em que o país se tinha metido, e que o que estava em causa era escolher o elenco que ia fazer o que tinha que ser feito.  Generosamente, e ainda sob a tutela de José Sócrates, o PS conduziu uma campanha que só evidenciou o que era – uma máquina gasta e incapaz.

Aliás, o que sucedeu não foi uma campanha. Foi uma farsa, uma espécie de longa troca de “bites” e de galhardetes pelas televisões, recadinhos da treta de uma lado para o outro.

De qualquer modo, claramente, o pêndulo político girou para o outro lado e quero ver quem e como se vai reformar a República Socialista, sem uma revisão constitucional condicente.

A expressão imediata do nova governação, até agora, é a cara, a experiência e o carácter dos membros do governo. Tirando o Paulo Macedo e o Paulo Portas, lamento mas não lhes conheço as habilidades, e do que li parecem-me ser quase todos, como referi, ou membros das lideranças sem experiência ou tecnocratas geniais mas sem provas dadas em termos de governação.

E todos sabem o que é que os romanos diziam daquela tribo de que alguns de nós descendemos.

Há quem diga que isso é bom. Que eles até são novinhos, de uma nova geração, idade média dos quarenta e picos. Com outras vistas. E, a acreditar no dogma de Passos Coelho, vão comportar-se de outra maneira.

Mas no fundo são os Chicago Boys de Pinochet, sem a máquina de terror, versão portuguesa.

Para os cidadãos portugueses, os próximos dois anos vão ser verdadeiramente uma segunda calamidade, a juntar à primeira, causada por José Sócrates.

Se resultar, Pedro Passos Coelho ascenderá ao panteão dos grandes – e poucos – obreiros desta velha nação.

A ver vai-se.

Que comecem os jogos.

 

 

10/05/2011

AS REGRAS DO JOGO

Filed under: José Sócrates, Paulo Portas, Politica Portuguesa — ABM @ 6:05 am

O demissionário primeiro-ministro português mantém uma visão curiosa da realidade.

Sentei-me ontem à noite para assistir, pela televisão, a um “debate” entre José Sócrates, o demissionário mas ainda primeiro-ministro de Portugal, e líder do Partido Socialista, e Paulo Portas, político que lidera um pequeno partido do centro-direita chamado Centro Democrático Social – Partido Popular (raio de nome).

O “debate”, transmitido na estação de televisão luso-espanhola TVI, durou cerca de 45 minutos, seguido por cerca de uma hora de comentários desportivos por parte de jornalistas e analistas políticos.

Aquilo a que assisti foi uma enorme desilusão. Principalmente, não pelo que os dois políticos disseram ou não disseram, que foi o costume e o esperado, mas pela forma como se comportaram todos, especialmente a “moderadora”, uma jornalista que foi rapinada a peso de ouro há dias à falida mas publicamente financiada RTP.

Ao que assisti foi uma corrida lancinante contra o tempo, cada um dos candidatos a tentar dizer o que lhe apetecia, a moderadora incapaz de segurar seja o que for, incluindo o tempo, todos se interrompendo mutuamente, em aparente desrespeito total pelo que presumo que foram regras do jogo previamente acordadas pelas partes.

Foi lamentável, desprezível, a aproximar-se do execrável. Um insulto e um total desrespeito por quem tomou o tempo para escutar o que estes senhores tinham para dizer.

E este era suposto ser o mais interessante da série de “debates” em antecipação da eleição parlamentar portuguesa de 5 de Junho.

Não que interesse muito. Para mim, é muito claro que José Sócrates tem que ir. Nem devia ter que o dizer, pois considero esta constatação tão óbvia.

Estritamente falando, votar no Partido Comunista Português ou no Bloco da Esquerda é perder tempo. É escolher uns fulanos bem falantes e sempre indignados, que vivem numa órbita ainda mais exterior que Sócrates, sentados nas bancadas de fora, a insultar os outros, apenas enchendo os noticiários com barulho.

E isto só porque as estações de televisão portuguesas inventaram um bizantino esquema de atribuição de tempo de antena a estas curiosidades políticas, em nome de um putativo pluralismo no discurso político público. O governo aprovou uma coisa qualquer? temos que ouvir 45 insuportáveis segundos de treta por parte de cada um dos partidos com assento parlamentar, às vezes até do solitário, irrelevante, inconsequente, marionetizado, Partido dos Verdes.

Haja santa paciência.

Portanto, a decisão útil é se se deve votar no PSD ou no CDS no dia 5 de Junho.

Nestes termos, Sócrates, o pior primeiro-ministro português desde o Ultimato Britânico de 1890, ou talvez antes, perdeu o debate mesmo antes de abrir a boca.

Mas não antes de ter a chance de vir mais uma vez com aquele discurso orwelliano de como ele é que sabia o que estava a fazer e que toda a realidade em redor é que estava mal (maliciosamente?) descrita.

Que o enorme buraco em que ele meteu dez milhões de portugueses não é um buraco.

Portas, sendo que era à partida o vencedor, foi medíocre, não tanto pelo que disse, mas pela forma como o disse. Interrompia, não se calava, não era sucinto, sujeitando-nos a ter que assistir à moderadora repetidamente a dizer para ele se calar. Lá disse o básico dos básicos sobre Sócrates, mas mesmo aí mal.

Em resumo, mais um dia infeliz na periclitante casa da democracia portuguesa, com a ressalva de que pelo menos as habituais afirmações ficcionadas do ainda primeiro-ministro foram devidamente rotuladas em tempo real. Para variar.

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