THE DELAGOA BAY REVIEW

25/11/2023

A ELEIÇÃO OCULTA DE 2023

Filed under: A eleição oculta de 2023 — ABM @ 1:26 pm

Como rezava no motto da propaganda de Salazar quando inaugurou o Estado Novo português com o seu partido único há quase cem anos, no Moçambique “multipartidário” de Nyusi e de Celso Correia em 2023, a frase operativa é “Tudo pela Frelimo, Nada contra a Frelimo”.

E o corolário da estratégia subjacente ao lema ocorreu ontem, quando, como era perfeitamente antecipável, o Conselho Constitucional de Moçambique, um órgão do Estado da Frelimo, proferiu com solenidade a sua sentença definitiva, quanto aos resultados das eleições municipais, não na sua casa no antigo Jardim Vasco da Gama mas no novo e luzente Centro Cultural China-Moçambique, nos terrenos da Universidade Eduardo Mondlane na Somershield em Maputo.

No anúncio, concedia o Conselho que “afinal” a oposição vencera num punhado de municípios: Quelimane, Alto Molócuè, Chiúre e Vilankulo.

Uma concessão mínima da Frelimo, enevoada e quase irrelevante, que, por exclusão de partes, significava que, com a notável excepção da Beira, a Frelimo putativamente arrasara a oposição em todos os municípios que importavam.

O esquema urdido, pré-anunciado há cerca de um ano, quando se soube que seria o Celso e a sua equipa, com carta branca e recursos abundantes, se iriam concentrar no processo eleitoral autárquico, foi surpreendentemente simples e ainda mais surpreendentemente eficaz.

Por um lado, montava-se uma máquina eleitoral completamente obscura, manietada e composta por pessoas afectas ao Regime, dispostas a inverter, à peça, em cada uma das 65 localidades, as aritméticas simples de cada uma das eleições autárquicas, que decorreram por todo o País.

Simultaneamente, far-se-ia o uso maciço de todos os organismos e todos os esquemas conhecidos para minar os números e os procedimentos – registar eleitores de uma região noutra, encher urnas com votos Frelimo, substituir urnas legitimamente cheias de votos dos cidadãos por urnas cheias de votos Frelimo, substituir editais “legítimos, por editais com votos Frelimo, viciar sumários e substituir relatórios por relatórios dando ponderânia aos votos Frelimo, “encher as listas de eleitores com eleitores fantasmas, comprar votos, coagir eleitores, transportar eleitores “fiéis” para zonas conhecidas como menos afectas à Frelimo.

Etc.

No centro, observando os números todos numa folha de cálculo Excel, alguém do Team Celso tudo coordenaria e no fim a CNE (Comissão Nacional Eleitoral) da Frelimo validaria os números.

Como fez.

Provando a eficácia do Celso, o resultado final preliminário (uma contradição de termos mas quem se importa?) foi o anúncio da CNE de que a Frelimo vencera em todas as 65 municipalidades do País.

Todas.

Até na Beira.

Mas não ficariam por aí.

O facto de os resultados serem uma impossibilidade política e matemática, por demais evidente para todos, incluindo para o outrora frelo comunista Joe Hanlon, que laboriosamente cronicou para o Mundo os acontecimentos em cada dia com um zêlo quase sem precedente, em inglês claro para não causar problemas (quase ninguém em Moçambique lê inglês), não importava.

Julgada a reacção inicial do povo, que, com a excepção da Beira e Quelimane, se antecipava como manifestando a mesma mistura de indignação e de conformidade carneirista com que (afinal) aturou as décadas do indolente regime colonial e quase todas as eleições precedentes desde o negociado “multipartidarismo” de 1992, e trazidas para as ruas as agora habituais tropas armadas rosnantes para moderar à bastonada os alguns mais exaltados que cometeram o crime menor de não acreditar e de assim o manifestarem, de seguida a Frelimo limitou-se a negociar discretamente os casos em que a fraude era demasiado (digamos) ofuscante e os casos em que, mesmo que fosse demasiadamente ofuscante, não importava porque esses eram inegociáveis para as sensibilidades e o amor próprio da Frelimo, a Dona de Tudo desde 1974 e que portanto se arrogava o direito de simplesmente ignorar essas evidências e declarar a alegada justeza desses números.

Ou seja, nos casos de Maputo, de Nampula e da Matola, nem pensar.

E assim ficaram as coisas.

Fácil. Genial.

Com este exercício, a Frelimo salvou a reputação hegemónica e Celso conquistou o estatuto de Fazedor de Reis incontornável. Pois produziu os resultados.

A verdadeira mensagem do que aconteceu em Outubro e ontem são duas.

A primeira é mostrar a quem de direito, dentro e fora do País, a capacidade, e até onde a Frelimo pode e está disposta a efectivamente ir para, pune ou impunemente, independentemente dos que as pessoas, instituições, parceiros nacionais e países e entidades internacionais souberem ou pensarem, conseguir manter o poder nas suas mãos e as limitações dos seus opositores na disputa por esse poder.

A segunda é, à luz das condicionantes conhecidas, nomeadamente o incómodo menor de um regime que supostamente prevê e permite a alternância democrática, estabelecer a dialéctica e dar a conhecer os parâmetros para o que está para vir na próxima eleição presidencial.

Se houver eleição presidencial. Pois há grandes, enormes negócios a serem feitos e fechados pela Elite, a “guerra” do Paulo Kagame em Cabo Delgado prossegue tranquilamente e o periodo de prestação do serviço militar obrigatório para o oceano de jovens moçambicanos acabou agora mesmo de ser estendido de dois para cinco anos.

Quem sabe o que vai acontecer.

Portanto só falta escolher nas catacumbas da Frelimo a pessoa que vai dar a garantia de que o poder vai ficar nas mãos dos Donos de Sempre, ou seja dos agora sobrantes, e herdeiros, dos Libertadores de 1974 e dos seus associados, e ainda que a parelha Guebuza/Nyusi permanecerá intocada.

Se será essa pessoa Nyusi ou outra, é o que falta definir.

Pelas conhecidas sensibilidades puramente epidérmicas evidentes na sociedade moçambicana, duvido que seja Celso, que de outro modo não posaria dúvidas. Por outro lado, há que ter em conta o seu sucesso nestas “eleições ocultas” . E reconhecer que, ainda hoje, há quem ainda acredite que o grande Eusébio e o americano Barack Obama era pretos.

Como Celso, um não era, e o outro não é.

Por tanto, é esperar para ver.

13/07/2023

MANUEL CHANG JÁ ESTÁ EM NOVA IORQUE PARA SER JULGADO

Imagem retocada.

A acreditar a informação transmitida pelo sítio Flightradar24, o avião que saiu ontem de Johannesburgo, levando Manuel Chang para ser julgado num tribunal local, já chegou a território norte-americano. A viagem da aeronave N708JH do Departamento de Justiça voou primeiro do aeroporto de Lanséria para um aeroporto situado perto de Casablanca, no Reino de Marrocos, de onde seguiu depois para Nova Iorque.

Imagem indicando o percurso de 5808 quilómetros do Gulfstream G550, com a duração de sete horas e seis minutos, entre Marrocos e a Cidade de Nova Iorque, levando Manuel Chang. A primeira parte do percurso, entre Johannesburgo e Marrocos, efectuou-se durante todo o dia de ontem, 12 de Julho.

Ontem, o sítio da conceituada Deustche Welle , citando em parte um trabalho da Agência Lusa, fez assim um ponto da situação (ligeiramente editado por mim):

(início)

O antigo ministro das Finanças de Moçambique Manuel Chang foi entregue hoje de manhã a agentes policiais norte-americanos em Johannesburgo e extraditado em jacto particular para os Estados Unidos da América (EUA).

“O Ministério da Justiça pode confirmar que o senhor Manuel Chang foi entregue às agências da lei dos Estados Unidos da América, onde se espera que seja julgado por uma variedade de assuntos relacionados com fraude, entre outros”, avançou à Lusa Chrispin Phiri, porta-voz do ministro da Justiça da África do Sul.

“O senhor Chang saiu do país esta manhã”, adiantou o porta-voz ministerial sul-africano. Chang foi entregue às autoridades norte-americanas no Aeroporto Internacional de Lanseria, arredores de Joanesburgo, de onde saiu do país cerca das 10:30 (hora local).

O ex-governante moçambicano foi transportado em avião particular do Governo norte-americano por agentes do FBI, unidade policial do Departamento de Justiça dos EUA, que no passado sábado se deslocaram à África do Sul para efectivar o processo de extradição.

Questionado sobre o atraso verificado na extradição do antigo ministro, Chrispin Phiri salientou que o atraso se deveu a questões burocráticas. “Houve algumas questões administrativas que tiveram de ser esclarecidas, e estamos satisfeitos que foram esclarecidas rapidamente entre nós e as autoridades dos Estados Unidos para permitir a execução do processo de extradição”, declarou à Lusa.

“Não temos sentimentos pessoais sobre o assunto, o importante é que esgotamos as nossas obrigações legais e, de facto, é importante que a Justiça seja feita, não importa onde, acreditamos que, de facto, no que nos diz respeito, realmente dedicamo-nos ao processo de extradição e uma decisão final foi tomada pelos tribunais e respeitamos o Estado de direito e a decisão dos nossos tribunais”, frisou ainda Chrispin Phiri.

A ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação moçambicana, Verónica Macamo, lamentou ontem (11.07) a extradição de Manuel Chang para os EUA, assinalando que o país africano pode ter sido “lesado” pelo antigo governante no caso das dívidas ocultas.

“Se houve alguma coisa [feita por Manuel Chang] no sentido de lesar a pátria, foi aqui”, afirmou Verónica Macamo.

Assinalando que o Estado moçambicano tentou a extradição do antigo ministro das Finanças para a sua jurisdição, Macamo sublinhou que a decisão da justiça sul-africana de entregar Manuel Chang aos EUA deve ser respeitada, porque se trata de um exercício de soberania dos Estados.

“Vingou o que vingou”, enfatizou, referindo-se à decisão da justiça da África do Sul, onde Chang, de 63 anos, estava detido desde dezembro de 2018.

Julgamento em Nova Iorque

Manuel Chang, que foi ministro das Finanças de Moçambique entre 2005 e 2015, vai responder perante a Justiça norte-americana num tribunal em Nova Iorque, pelo seu alegado envolvimento no escândalo das dívidas ocultas do Estado moçambicano, calculadas em 2,7 mil milhões de dólares (2,5 mil milhões de euros), após quase cinco anos detido numa prisão nos arredores de Johannesburgo.

As autoridades norte-americanas alegam que o antigo governante conspirou com banqueiros do Credit Suisse e certos promotores internacionais para endividar o país em projetos marítimos, como a compra de uma frota contra a pirataria marítima, e barcos para a pesca de atum, que acabaram por nunca se concretizar.

Moçambique contraiu empréstimos de quase 2 mil milhões de dólares (1,8 mil milhões de euros) para projetos marítimos, mas não os reportou aos parceiros internacionais nem os refletiu nas contas públicas, e quando não pagou as prestações, isso desencadeou um ‘default’ que atirou o país para uma crise económica e financeira.

(fim)

Em Londres, por outro lado, prossegue um outro processo legal sobre vários aspectos relacionados com este assunto.

Vamos a ver qual será o efeito dos esforços dos moçambicanos para atrasar esta extradição, que durou cinco anos e custou uma verdadeira fortuna. Para já, assegurou que Jacinto Filipe Nyusi tenha atravessado o seu segundo mandato sem os eventuais impactos de declarações possivelmente comprometedoras por parte do antigo ministro de Armando Emílio Guebuza.

Chang, agora com 63 anos de idade, é acusado de ter recebido 17 milhões de dólares de luvas, relacionados com o processo, que causou uma crise financeira em Moçambique na altura, após a retirada de apoio do Fundo Monetário Internacional e de vários doadores. Em 2021, o banco Credit Suisse, que promoveu os empréstimos e que recentemente enfrentou a insolvência e foi absorvido pelo UBS, pagou às autoridades norte-americanas 475 milhões de dólares em multas pelo seu envolvimento no esquema, que indirectamente entrava na sua jurisdição e violava normativos dos Estados Unidos. Em Moçambique, onde apressadamente se desencadeou um mega-processo sobre as que se chamam em Moçambique “as dívidas ocultas” (em parte para credibilizar a afirmação, pelas autoridades moçambicanas, de que Chang seria devidamente julgado se fosse levado para Maputo, o que muitos analistas duvidavam) um filho de Guebuza, Ndambi, apanhou 12 anos de cadeia por ter recebido 33 milhões de dólares na corrupção associada ao esquema.

12/07/2023

MANUEL CHANG A CAMINHO DOS ESTADOS UNIDOS

Imagens retocadas.

Após anos a fio de peripécias depois de apanhado na curva quando tentava viajar para o Médio Oriente, Manuel Chang, ex-ministro das Finanças de Moçambique durante os memoráveis mandatos de Armando Emílio Guebuza, está sob a custódia da justiça norte-americana e a caminho dos Estados Unidos da América, país onde, inesperadamente, o Wall Street Journal primeiro publicou um artigo a detalhar um esquema para defraudar o erário moçambicano em mais que dois mil milhões de dólares e que parecia envolver os mais altos representantes do governo de Moçambique.

Manuel Chang, supostamente, está no centro do esquema.
O trajecto do N798JH do Ministério da Justiça norte-americano, alegadamente levando Manuel Chang para os EUA, proveniente de Johannesburgo, atravessando território angolano, cerca das 10:46 horas de hoje, 12 de Julho de 2023.
Três dos envolvidos no esquema, do lado do agora inexistente banco suíço que operacionalizou um conjunto de “empréstimos soberanos” que foram parar a contas privadas presumivelmente no Médio Oriente.
Armando Emílio Guebuza, um dos históricos da Frelimo e sucessor de Joaquim Chissano como terceiro presidente de Moçambique, recordado por alguns como o pai do 24/20 . Dolorosamente, a justiça moçambicana prendeu, julgou e condenou praticamente toda a gente à volta de Guebuza menos ele, Nyusi e Chang. Até o filho e a secretária foram dentro num julgamento surreal conduzido em Maputo. Mas o dinheiro continua por encontrar.
Filipe Jacinto Nyusi, actual presidente de Moçambique e no final do segundo (e supostamente) último mandato. Engenheiro, fez uma carreira relativamente obscura nos CFM até Guebuza o ir lá buscar e colocá-lo na linha como o seu sucessor, já a fraude tinha ocorrido. A fraude originou no seu então ministério, envolvendo altos funcionários das secretas. Até agora, intocável.

07/07/2023

CINCO ANOS DE INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE: OFENSIVA, GUERRA, METICAL E NADA FUNCIONA

Imagem retocada.

Achei interessante o vídeo de propaganda da Frelimo (publicado no Iutube pelo Yassin Amuji e reproduzido em baixo) então o único partido em Moçambique, posto cá fora pelo INAC em 2010, com as ferventes intervenções samorianas em defesa do socialismo revolucionário”, nas quais um Samora larger than life , Pai da Nação, acusava tudo e todos pelas suas incapacidades e deficiências, não descurando nenhum – corruptos, vigaristas, putas, preguiçosos, ladrões, sabotadores, porcos, marginais, oportunistas, traficantes. agentes infiltrados e reaccionários, que atentavam contra o Povo (em nome de quem ele e só ele sempre falava, claro).

Na sua narrativa, não era o sistema que ajudou a criar que era uma merda, uma verdadeira obscenidade que não funcionava – eram estes “outros” que estragavam tudo e a vida ao Povo.

1980 foi ano em que Ian Smith foi apeado da Rodésia e o estranho Robert Mugabe ascendeu à liderança da então Rodésia-Zimbabué. Que, a seu tempo, descambaria completamente, especialmente quando Mugabe jogou a cartada racista contra o punhado de brancos que se tinham esquecido de ir embora do seu país.

Em meados do ano, numa vasta operação secreta, em Moçambique, lá se livraram do escudo colonial e introduziram o metical. Dava outro filme mas ninguém fez um. Se me recordo, em Maputo, eu fui o primeiro a escrever sobre isso, com o apoio precioso de um (temeroso) colega do então BCM.

Nos escombros da infra-estrutura colonial abandonada, um caso curioso é o dos Correios de Moçambique, agora extintos e o seu património repartido entre quem pode, que durante décadas, apesar de mal funcionarem, terem feito uma produção de sêlos prodigiosa e completamente rocambolesca. Aqui, um envelope, três selos e um carimbo, assinalando cinco anos de independência nacional.
Filme “motivacional” promovendo Samora e o regime, cerca de 1980.

18/06/2023

A QUEDA DO AVIÃO PRESIDENCIAL MOÇAMBICANO EM 1986 E OS CANOS DE ESGOTO COM CIMENTO EM MAPUTO

O Tupolev TU-134A estacionado num aeroporto, anos 80, uma versão aproximada do americano DC-9, que serviu como avião para uso exclusivo do presidente de Moçambique até se despenhar na África do Sul, a 150 metros da fronteira de Moçambique, na noite de 19 de Outubro de 1986, matando 35 pessoas, entre elas o Presidente Samora Machel. Foto com copyright do Sr. Aad van der Voet.

Cruzei-me ontem quase por acaso com o sítio “Histórias do Almirante Cloudberg“, quase exclusivamente sobre acidentes aéreos, e que em 3 de Abril de 2021 publicou um interessante relato sobre a queda do avião que transportava o então presidente de Moçambique e a sua comitiva, no regresso de uma viagem à Zâmbia.

Se bem que eu considere que a autoridade em língua portuguesa sobre o assunto seja o João Cabrita, que publicou um longo e detalhado texto sobre o assunto, num contexto em que voavam as mais fascinantes teorias da conspiração em redor do evento, o texto e as imagens de Cloudberg, que é mais uma versão “para burros”, mais sucinta e debruçada sobre o evento em si, é mais acessível e fácil de compreender, se o Exmo. Leitor fôr, como eu, alguém que não domina bem o complexo lado técnico que ajuda a explicar o que aconteceu. Pena é que o texto esteja na língua inglesa.

No essencial, penso que o que Cloudberg conclui alinha com as conclusões de Cabrita: aquilo foi borrada pura e simples da tripulação russa.

Samora Moisés Machel na sua fase de Dear Leader. Considerado carismático e genuinamente adorado pelos que o conheciam e por parte da população, com o apoio da máquina de propaganda do então partido único da ditadura comunista moçambicana, a sua morte inesperada aos 53 anos de idade e as circunstâncias chocaram todos.

Para contextualizar, Cloudberg faz uma resenha rápida e sofrível do que sucedeu em Moçambique antes e depois da queda do avião.

Durante a assinatura do Acordo do Incomáti, numa estreita faixa de terra entre as Vilas de Ressano Garcia e de Komatipoort, 1984. Para os apoiantes de Samora, um acto de coragem e de realismo. Para muitos, uma humilhação e um acto de desespero. A situação militar em seguida piorou e eventualmente faltou pouco para que a Renamo entrasse pela Julius Nyerere adentro. Mas os Boers só queriam ganhar tempo, Chissano e Machungo acabariam com o comunismo formal e os americanos apoiaram a Frelimo. O regime sobrevive até hoje.

Mas até no melhor pano cai a nódoa.

Ao descrever o que eu habitualmente refiro como a Grande Debandada Branca de Moçambique, em que mais que 90 por cento de todos portugueses e brancos que estavam em Moçambique simplesmente abandonaram o território até meados de 1976 (porque podiam e pelos vistos queriam), despojando o país nascente de quase toda a mão-de-obra capacitada, Cloudberg, sem nunca citar fontes, e obviamente com um conhecimento quando muito rasante da realidade moçambicana, faz borrada da grande.

Especificamente, escreveu:

Most of the country’s approximately 250,000 white Portuguese had fled after FRELIMO asked that they either become citizens of Mozambique or leave within 24 hours. Аs in many other newly independent African countries, the fleeing colonizers destroyed as much infrastructure as they could on the way out, driving bulldozers into the sea, plundering factories, and filling the sewers with concrete. To make matters worse, there was no one in Mozambique who could rebuild it: 95% of the population was illiterate, and virtually no one had a college education.

Traduzindo:

“A maior parte dos cerca de 250 mil brancos portugueses fugiram depois de a Frelimo exigir que eles ou se tornassem cidadãos de Moçambique ou abandonassem o país em 24 horas. Tal como aconteceu em muitos outros novos países africanos independentes, os colonos em fuga destruíram tanto quanto puderam a infra-estrutura antes de saírem, metendo tractores e retroescavadoras para dentro do mar, destruindo fábricas e entupindo tubos de saneamento com cimento. Para piorar as coisas, não havia ninguém que pudesse reconstruir: 95 por cento da população era analfabeta e praticamente ninguém tinha um curso universitário”.

Ora, ignorando a inenarrável mas muito popular prática do Guebuza do 24/20 que por acaso aconteceu um pouco mais tarde, já tive uma vez uma breve troca de impressões sobre esta questão recorrente do “colono destruidor” com o Joe Hanlon, um académico velhinho de Londres que de outro modo até faz um trabalho decente a acompanhar as habituais desgraças que vão afligindo aquele país (por exemplo, a roubalheira do BCM, a roubalheira do Banco Austral que culminou com o assassinato do Siba-Siba Macuácua, a roubalheira dos 2 mil milhões pelo Guebuza e agora a roubalheira pré-eleitoral orquestrada pelo Celso para, presume-se, roubar mais uma vez uma eleição – a que vem aí).

Uma vez, mais uma vez mais ou menos a despropósito, o Joseph comentou que os “colonos” antes de saírem, raivosos com o fim do colonialismo, colocaram cimento nos tubos de esgoto dos apartamentos nos prédios de Lourenço Marques. Escrevi-lhe na altura uma nota a perguntar se ele estava lá e viu, ou onde é que ele foi buscar essa história. A sua resposta foi de uma linha: “é o que se dizia em Maputo”.

Ah era o que se dizia em Maputo? essa é que é a fonte fidedigna do historiador Hanlon?

Cloudberg introduz algumas variações neste tema. Primeiro, generalizando. Os colonos destruiram tudo antes de fugirem lá onde estavam nos países independentes em África e portanto em Moçambique foi igual. E juntou à história do cimento nos canos de esgoto a destruição de fábricas e a cena de pegarem nos tractores e Caterpillars e conduzirem-nos para dentro do mar.

Eu próprio li algures, mais do que uma vez, por exemplo, que o inacabado Prédio 4 Estações, que seria o primeiro mega-hotel para o próspero negócio do turismo, eventualmente demolido para um frelo qualquer vender por milhões o terreno depois onde os americanos construiram (finalmente)a sua nova embaixada, não era aproveitável precisamente porque o dono mandara entupir todos os canos com cimento antes de fugir.

O 4 estações era um dos prédios de referência inacabados aquando da independência. Outros eram as Torres Vermelhas, o 33 Andares e vários outros na Cidade. As obras ficaram a meio e foram abandonadas no tosco.

Ora, quem faz estas alegações, especialmente de passagem em textos que nem sequer são sobre este assunto, não as faz inocentemente. Fá-las porque, primeiro, emprenha pelos ouvidos, ou seja, ouve-as ou lê-as e acha que são verdade, mesmo que não encontre as evidências concretas, e depois reproduze-as com o intuito de dar um certo contexto aos relatos. E o contexto é que os coitados dos moçambicanos da Frelimo tiveram que lidar com os efeitos dos colonos maus raivosos que destruiram os seus bens e negócios antes de, presumivelmente, abandonarem o território, sem nada, a maior parte dos quais foram parar aos sítios mais recônditos do planeta, para recomeçarem as suas vidas a partir do zero absoluto.

Obviamente, terão feito isso tudo nas barbas dos guerrilheiros armados da Frelimo e da população, que pelos vistos observou placidamente os actos de destruição.

O problema é que, não obstando terem havido, pelo menos em teoria, situações de sabotagem ou destruição de património detido pelos seus (até então) donos, não só considero tais relatos pouco credíveis, como acredito que, na realidade, e na quase totalidade, a economia a seguir à independência colapsou simplesmente porque as pessoas se foram embora.

Aliás, não foram os únicos. Portugal hoje está pejado de discretos ex-frelos brancos outrora dedicados e fiéis comunas que no fundo da gaveta esconderam o passaporte português e que no fim de uma ou duas décadas desistiram do sonho. Agora votam no Livre e no Bloco e quando têm saudades lêem o Mia.

Ah pois, como os compreendo.

Em 1975-6, a maior parte desta gente, quando confrontada com o que vinha, e decidiu ir-se embora dali, quando muito, levou a tralha das suas casas em contentores, cujo conteúdo, segundo uma lei emanada pelo Governo de Transição, tinha que constar numa lista, era avaliado e tinha que pagar uma taxa de 25 por cento ao governo. A moeda local, o escudo moçambicano, não era convertível e por isso quem tinha dinheiro não o podia levar para lado nenhum. E quem cometeu o acto de coragem de ficar, viu praticamente tudo a ser nacionalizado. Isso significa intervencionado pelo Estado, que a partir daí tomou conta dos negócios como quis, nomeando pessoas da sua confiança para os gerir. Veja-se o caso (e os CVs) do Sérgio Vieira e do Eneas Comiche e de muitos outros.

Foi uma festa.

Hoje, em Portugal, a tal tralha trazida nos contentores de Moçambique aparece no OLX à venda pelos descendentes dos vindos, a preços de saldo. “Vende-se: cama de umbila, trazida de Moçambique”. Ninguém a quer. As pessoas hoje desenrascam-se com o lixo da Ikea.

Conheci um caso de perto, que foi o da UFA, um grande negócio com uma fábrica na Machava que empregava mais que mil pessoas, quase todos moçambicanos. Faziam sapatilhas, peças de borracha, etc. O negócio pertencia ao Sr. Rui Ferreira, um empresário com algumas posses (e um apoiante do Desportivo, onde eu nadava, por isso o conhecia, a mulher e os dois filhos). Quando a Frelimo lhe confiscou a empresa, nomeou logo uma espécie de comissão de gestão com homens da sua confiança, frelos com farda, arrogantes e completamente ignorantes daquele negócio e que passavam o tempo a convocar todos os trabalhadores para reuniões plenárias para, durante horas, cantarem hinos da Frelimo, proferirem “palavras de ordem”, se ouvirem a falar das virtudes do comunismo, do fim do colonialismo racista e do novo Moçambique. O Rui Ferreira, que viva numa conhecida e luxuosa casa mesmo abaixo do Hotel Polana, que era toda redonda (abarbatada depois pelos russos e acho que ainda hoje a residência do embaixador russo em Maputo), no fim saíu de Moçambique clandestinamente, estritamente com a roupa que tinha no corpo, (discretamente fretou uma avioneta que o levou para a África do Sul) pois até em sua casa era vigiado atentamente pelos empregados. Morreria desolado uns anos depois.

Cartaz com Samoraspeak da propaganda da Frelimo.

De facto, naquela altura, o Dear Leader e o seu regime constantemente endrominavam e exortavam toda a população, dirigida por inenarráveis Grupos Dinamizadores e comités de bairro e de quarteirão, para estar vigilante de qualquer situação que configurasse a menor resistência ao novo regime. Especialmente os brancos, que eram directamente e indirectamente referidos pelo próprio regime como responsáveis, ou pelo menos a personificação, do regime colonial inventado pelos portugueses e a sua natureza insidiosa. As pessoas, especialmente os brancos, eram presas por coisas como ir ao cinema e não terem em sua posse o bilhete de identidade. O assédio, especialmente nas cidades, era notório. Aconteceu à minha irmã Cló à porta do Manuel Rodrigues e aconteceu ao filho mais novo do Rita-Ferreira (um historiador de referência de Moçambique) um dia durante um intervalo de um filme no Cinema Dicca. O Reinaldo, que tinha apenas 16 anos, foi preso enquanto fumava um cigarro à porta do cinema por não ter o BI com ele e foi levado por dois guerrilheiros armados com AKapas para uma prisão no Xai-Xai. O pai só deu pela falta dele porque quando o filme recomeçou depois do intervalo, ele não aparecia. Levou dias a perceber o que tinha acontecido e o Rita-Ferreira contou-me o filme de terror que foi que soltasem o filho – que não fora acusado de nada. Depois disso, fez as malas e foi viver para Portugal e nunca mais voltou a Moçambique.

Tirando um advogado cujo nome prefiria omitir (era o Almeida Santos, claro) que fez fortuna em Moçambique e que depois foi um destacado político do PS em Portugal , não conheço, em 50 anos, um ex-residente branco de Moçambique que era rico, que saiu rico e que continuou rico. Nem um. Ou um único relato de um ex-residente branco a dizer que encheu os canos da casa com cimento, que sabotou a fábrica ou que atirou o carro ou o tractor ao mar.

Mas eu, que penso que leio mais que a média das pessoas, tenho que ler estas historietas do diz que disse que viu e que aconteceu.

Portanto, a história que Cloudberg conta sobre a queda do avião onde Samora viajava é muito interessante e reveladora. Mas destes apartes, tal como aconteceu com o José Hanlon, prescindo. A destruição maciça da economia de Moçambique a seguir a 1974 era perfeitamente evitável e se aconteceu foi por decisão e desígnio expressos da Frelimo, que lá tinha as suas razõezinhas para nunca jamais confiar num branco, desde o primeiro dia em que foi fundada. Aliás já antes. E a razão é puro racismo de preto para branco, um tabú de que não se fala. Foi uma doce vingança com luva branca (ah ah) e que soube ao mel mais doce, mas que, como se vê, paga-se e teve um custo. A desculpa para um retrocesso civilizacional não foi um acidente estúpido e implausível como as circunstâncias em que morreu Samora Machel em 1986 e não resultou de actos de destruição insanos de ex-colonos raivosos.

08/04/2023

O RELATÓRIO SECRETO SOBRE AS PERSONALIDADES DA FRELIMO EM MOÇAMBIQUE, 15 DE NOVEMBRO DE 1978

Presumo que a proveniência deste documento seja de alguém ( ou “alguéns”) dos serviços portugueses e para consumo interno. Mas não sei. Julius Nyerere, que não era da Frelimo, foi incluído aqui. O texto faz leitura interessante. Descreve Samora Machel, Julius Nyerere, Sebastião Mabote, Alberto Chipande, Jorge Rebelo, Óscar Monteiro, Mário Machungo, Alberto Cassimo, Joaquim Chissano e Rui Baltazar. menciona Gruveta de passagem. Data de final de 1978, três anos depois da independência e subsequente tomada do poder absoluto por estas pessoas (excepto o Julius que andava a fazer das suas no seu país).

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28/03/2023

TUDO VAI MELHOR COM COCA-COLA

Imagem retocada e colorida.

Um Samora Machel informal bebe uma Coca-Cola ao lado de um Robert Mugabe sempre anal-retentivo, numa cerimónia, anos 80. Sempre considerei o visível ascendente de Samora sobre Mugabe mistificante.

09/09/2022

48 ANOS DESDE 1974

Imagem retocada. O texto, acérbico, publicado com vénia esta semana, é de Fátima Mimbire, jornalista, activista e pesquisadora do Centro de Integridade Pública em Maputo. Faz um ponto da situação dos 48 anos do pós-regime colonial.

7 de Setembro de 1974, dia em que, ao final da tarde, foi anunciada em Lusaka a entrega directa do governo, por parte dos militares golpistas de Portugal, potência colonial demissionária, à liderança da Frente de Libertação de Moçambique, a efectivar-se dali a 13 dias. O chamado período de Transição até à data seguinte do aniversário da Frelimo foi um mero formalismo. A liderança da Frelimo governa ininterruptamente Moçambique desde o dia 20 de Setembro de 1974 até hoje. Há 48 anos e sem qualquer perspectiva de alternância. O regime é eufemisticamente rotulado de “democracia musculada”.

A VITÓRIA DOS PORCOS, POR FÁTIMA MIMBIRE

A “vitória” dos porcos!

Neste dia 7 de Setembro de 2022, que celebramos a vitória que veio a concretizar-se no dia 25 de Junho de 1975, com a independência, só consigo pensar na fábula “O Triunfo dos Porcos”, de George Orwell.

O livro de Orwell conta que os animais de uma quinta conduzem uma revolução motivada pelas más condições de vida que lhes eram proporcionadas pelo proprietário da quinta. Ao assumirem o controlo da quinta, os animais estabelecem e afixam publicamente as regras do novo regime que designam de Animalismo. Os sete mandamentos do Animalismo estabelecem que aquele que andasse em duas pernas era inimigo, o que andasse em quatro patas ou asas era amigo, nenhum animal deveria vestir roupas, dormir numa cama, beber álcool, matar outro animal e, por fim, que todos os animais eram iguais.

Com o passar do tempo, e ao invés das aspirações que haviam fundado, todos os animais trabalhavam mais e comiam menos comparativamente com o período anterior à revolução. Todos à excepção dos porcos, que haviam assumido o controlo da quinta – passando a andar em duas patas, vestir roupas, dormir em camas, beber whisky, fumar charutos cubanos e matar os animais que contestassem a sua liderança, justificando as suas condutas alterando os mandamentos sempre que eram confrontados com o facto de estarem a incumprir os mesmos. No final, os sete princípios do Animalismo são substituídos por um único mandamento: “todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que outros”.

A forma de agir da elite dirigista Moçambicana é semelhante à dos “porcos triunfantes”. Venderam ao povo o dinho da liberdade, segurança e bem estar, mas no fim acabaram oferecendo a miséria, o divisionismo baseado na cor partidária, exclusão social e perseguição de todos os que têm opinião contrária ao establishment. Subverteram tudo para que tinham lutado e se tornaram piores que aqueles contra quem lutaram. Deixaram-se corromper pelo poder e pelo gostoso e nutritivo leite que jorra das tetas do Estado. O povo, aquele a quem diziam querer libertar, tornou-se o seu maior inimigo, de tal modo que tudo o que querem fazer é tirar-lhe todos os direitos para que volte a ser escravo ao serviço dessa elite.

Estes 48 anos têm mais sabor a derrota.

Quando é que virá a verdadeira vitória?

15/09/2021

A FACTURA

Filed under: A factura, Marcelo Mosse — ABM @ 12:18 am

Não sigo em detalhe todas as tricas que grassam por África, mas já percebi que Paul Kagame, o actual President for Life do Ruanda, gere um regime musculado e tolera pouco a dissidência.

Há-de haver razões bem fundamentadas porque é que ele se predispôs a fazer a Filipe Nyusi o considerável favor de, ao estilo do defunto Mousinho com os Namarrais nos tempos da Afirmação da Soberania, ir tentar matar gente para Cabo Delgado e assim fazer a Maputo o frete insalubre de eliminar o foco da rebelião na zona, que assim, se não de outra qualquer forma, parece descobrir fazer afinal (e ainda) parte de Moçambique.

Razões essas que eu, claro, desconheço, pois só leio jornais e os jornais, especialmente os de Maputo, têm sido um tanto quanto omissos quanto à questão.

No que parece haver menos dúvidas é a forma como Paul Kagame encara a sua oposição.

Exceptuando a generosa meia dúzia no parlamento que não oferece oposição nem alternativa, a oposição em Moçambique, soi disant, apesar de uma constituição que diz que permite a existência de partidos políticos, desde os chamados Acordos de Paz de 1992, nunca realmente se desarmou. Não confia na Frelimo, a quem chama “cães” (e vice-versa). Andam nisso há décadas, longe de Maputo, e-mail para cá, e-mail para lá. Nem eles vêm a Maputo nem Maputo vai lá. Moçambique felizmente é um bocadinho maior que o Ruanda – e a coisa vai sendo empurrada com a barriga sem ninguém ficar particularmente perturbado.

Em Maputo, como não há insurgentes armados a colocar bombas em carros na Julius Nyerere, a coisa cinge-se a matar -se ou a estropiar-se o ocasional jornalista, o académico com ideias peregrinas ou um qualquer que disse ou não disse alguma coisa. A mensagem que passa para quem tem razão para se preocupar é que, se falas muito levas. As pessoas ficam com medo e calam-se e isso basta. A ordem pública vigente permanece assim vigente, situação que não é inteiramente dispiciente para o 180º país mais pobre e um dos mais corruptos no mundo, dirigido pelo mesmo grupo de pessoas no poder continuamente há mais tempo que os 42 anos do Professor Salazar, o tal que dizia que “Moçambique é nossa”. Ainda por cima eles, que já foram nacionalistas, depois comunistas, e agora captalistas da Nova Vaga, andam correntemente ocupados a tentar descalçar a bota de mais um simples esquema de roubo ao mais alto nível, este de pelo menos dois mil milhões que dólares, uma quantia colossal e que ninguém ainda sabe para onde é que foi, se está em contas no Dubai ou em contas em Abu Dabhi (tenho plena fé que vai tudo acabar bem e que nenhum dos acusados na verdade sabia de nada ou tinha quaisquer culpas no cartório).

No Ruanda não é bem assim. O país é pequeno (literalmente do tamanho de entre Marracuene e a Ponta do Ouro), 13 milhões de habitantes, 95 por cento cristão, gerido a pulso pelo Senhor Kagame, não há lá corrupção nas repartições nem as dezenas de ONG’s que compõem a importante Indústria da Calamidade em Maputo. Têm um exército armado até aos dentes por causa dos vizinhos, que não se sabe bem quem é que paga, e parece que lá mata-se por tudo e por nada.

Parece ainda que a taxa de sinistralidade dos oponentes do Sr. Paul Kagame é muito elevada.

Então, por uma questão de mera sobrevivência, os cidadãos ruandeses dissidentes do regime fogem. Aparenta que há refugiados políticos do Ruanda um pouco por toda a parte e consta que o Senhor Kagame, que se acreditarem foi re-eleito na última vez com uns estonteantes 98.47% dos votos a favor, de vez em quando manda esquadrões da morte para os eliminar fisicamente, preferencialmente com dois tiros na cabeça. Também os há em Moçambique, e presumo que pensariam estes, por estarem longe, estarem mais seguros. Até formaram uma Associação.

Mas afinal nem por isso. Li – e isto antes do anúncio da expedição punitiva ruandesa a Cabo Delgado – que um cidadão ruandês refugiado em Moçambique fora “suicidado” na Inhaca. Desapareceu. E acho que houve mais um caso.

Surgiu entretanto a questão de serem os militares do Ruanda que foram para Cabo Delgado fazer o que os moçambicanos não fizeram em dois, três anos. É um grande favor.

Um que dificilmente tem preço.

Paul Kagame é, então, o novo melhor amigo de Moçambique.

Que tem para com ele uma dívida de sangue.

E os Ruandeses dizem que fazem aquilo tudo da bondade dos seus corações.

Entretanto, hoje, o jornal do Marcelo, que leio quase sempre e que raramente falha nestas coisas, publicou o seguinte:

Uma reportagem posterior da Deustche Welle deu mais alguns detalhes. O assassinato na Matola não foi coisa simples de um gajo com uma pistola. Não. Eram três carros cheios de gente numa perseguição e o cidadão ruandês a quem Moçambique deu refúgio levou seis tiros na cabeça.

Mas ninguém realmente viu as caras e as matrículas.

São “desconhecidos”.

Em Kigali, o Senhor Kagame deve ter recebido as notícias.

Sem surpresa.

18/05/2021

A HISTÓRIA DE UM MISTÉRIO MOÇAMBICANO, POR R W JOHNSON

Nasce a Pátria Amada em 1975. Em baixo, um ponto da situação de RW Johnson sobre a mesma em 2021.

Com vénia, reproduz-se o artigo de opinião publicado ontem pelo Senhor RW Johnson, no seu habitual estilo algo cáustico.

A História de um Mistério Moçambicano


A crescente ameaça constituída pelos jihadistas da Ansar al Sunnah na província de Cabo Delgado, no extremo norte de Moçambique, finalmente causou grande preocupação internacional, depois de os insurgentes ligados ao ISIS atacarem a vila de Palma no dia 24 de março. Os americanos, portugueses e outros, ofereceram apoio e treino militar ao débil exército moçambicano, que parece totalmente incapaz de lidar com a ameaça. Além disso, os líderes da SADC ficaram alarmados com a ideia de grandes forças estrangeiras se envolverem na região e numa cimeira em Maputo em 8 de Abril, resolveram enviar uma missão técnica para avaliar a situação e recomendar que tipo de força poderia ser necessária.

Até agora tudo bem. Mas quando a missão técnica chegou a Maputo, foi informada que só poderia passar um dia em Cabo Delgado. De facto, desde logo se tornou claro que o governo moçambicano não estava nada entusiasmado com a ideia da missão ir a Cabo Delgado.

Em última análise, a missão recomendou que uma força de 2.900 militares com quatro helicópteros e algum apoio naval seria necessária – uma força ridiculamente inadequada aos olhos da maioria dos analistas e especialistas militares. Cabo Delgado é grande – 82.000 km2 – com 16 centros distritais que precisam ser protegidos contra ataques.
Mas o presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, não gostou nada. Na verdade, desde que a crise arrebentou, ele tem-se oposto sistematicamente a qualquer intervenção regional para ajudá-lo, embora tenha ficado satisfeito em contar com a ajuda de mercenários russos e sul-africanos (os grupos Wagner e Dick Advisory Group, ou DAG).

Era para ser tomada um decisão na cimeira de segurança da SADC a 29 de Abril. No dia anterior, os ministros dos Negócios Estrangeiros da SADC aprovaram por unanimidade o relatório da missão técnica e disseram que as forças de Moçambique precisavam de “apoio imediato”. Mas o presidente Nyusi estava claramente determinado a evitar tal resultado. Ele conseguiu engendrar o “adiamento indefinido” da cimeira de segurança, e assim os líderes da SADC nunca se encontraram e o relatório da missão nunca foi ratificado.

Então aqui está um homem cuja casa está a incendiar-se. As chamas chegaram a um ponto em que não apenas os seus vizinhos regionais estão alarmados, mas os alarmes também estão tocando em Washington, Londres e Lisboa.
É um facto conhecido que a sua própria brigada de incêndio (ou seja, o exército moçambicano) não está preparada para a tarefa. No entanto, embora Nyusi tenha recrutado os serviços de organizações de mercenários também inadequados para a tarefa, ele parece determinado a expulsar os bombeiros regionais e internacionais que poderiam apagar o fogo.

O que diabo, então, está acontecendo?

Para melhor compreender a situação, é necessário primeiro dissipar quaisquer romantismos persistentes sobre o “movimento de libertação” em Moçambique. Na verdade, todos os movimentos de libertação da África Lusófona foram todos não apenas para o mal, mas para o pior.

Não há necessidade de falar mais sobre o regime de José Eduardo dos Santos, que governou Angola entre 1979 e 2017, inteiramente no interesse de uma só família, mas ainda existem alguns pan-africanistas que gostam de idolatrar o herói Amílcar Cabral da Guiné-Bissau.

Os irmãos Cabral eram mesmo bons homens (eu conhecia o irmão do Amílcar, o Luís) mas o facto é que, ao contrário de tudo o que pregavam, no fim Cabo Verde separou-se para se tornar num país independente e a Guiné-Bissau tornou-se num narco-estado.

Venerar heróis como os Cabrais é como ser um devoto de Toussaint Louverture, o libertador do Haiti – como muitos pan-africanistas ainda são – sem se preocupar em notar a podridão absoluta dos regimes que governaram o Haiti desde então.

Moçambique não é excepção a esta Lei da Decadência dos Movimentos de Libertação. O principal ponto a compreender é que a heroína foi o maior produto de exportação de Moçambique nas duas últimas décadas e que este tráfico está a aumentar. A heroína vem do Afeganistão, do Paquistão e do Iémen, chega ao largo da costa norte de Moçambique por dhows, onde é depois descarregada em barcos mais pequenos, armazenada em Cabo Delgado e depois transportada para Joanesburgo por estrada.

Se estiver num contentor, ela vai para o Terminal de Contentores de City Deep, se não, vai para o Aeroporto Oliver R. Tambo em Joanesburgo – ambos os destinos são notoriamente corruptos – e é então transportada para a Europa (uma certa quantidade de dagga e mandrax (methaqualone) também chega ao mercado sul-africano).

As rotas de tráfico que passam por Cabo Delgado estão estabelecidas há muito tempo. Moçambique não tem marinha ou guarda costeira portanto para todos dos efeitos a longa linha costeira das províncias do norte não é policiada. Não são apenas as drogas que vêm por aqui – o mesmo acontece com rubis, ouro, madeira, exportações proibidas de animais selvagens e, claro, tráfico de pessoas. Afinal, aquela era uma antiga costa de comércio de escravos.

A única (pequena) pedra no sapato é a base naval francesa em Mayotte, uma ilha no topo Norte do canal de Moçambique, que não só faz patrulhamento marítimo ao longo da costa leste africana com os seus navios e aviões, mas também inclui um pequeno destacamento da Legião Estrangeira. Até agora, entretanto, embora os franceses tenham perturbado um pouco o tráfico de drogas, eles não mostraram interesse em se envolverem mais intensamente.

A razão pela qual Moçambique alcançou um estatuto central no comércio de drogas é simples. As agências de combate ao tráfico de drogas do mundo desenvolvido tornaram o acesso a seus mercados difícil e perigoso, de modo que os sindicatos do narcotráfico buscaram novas e engenhosas entradas pela porta de trás.

Moçambique funciona bem neste sentido porque o norte de Moçambique é tão selvagem e tão pouco policiado como não acontece em mais nenhum outro lugar do planeta e a elite governante do país é fabulosamente corrupta, facilitando os negócios.

Melhor ainda, Moçambique é vizinho da África do Sul, que não é um produtor de drogas pesadas, ainda tem um fácil acesso ao mundo desenvolvido e é igualmente susceptível à corrupção. Essa combinação mágica é, obviamente, o que atraiu os Guptas e muitos outros criminosos para a África do Sul.

Tradicionalmente, o comércio de heroína em Moçambique tem sido controlado por um pequeno número de famílias muçulmanas asiáticas, principalmente Mohamed Bachir Suleman, nomeado em 2010 pelo Presidente Obama como um “barão da droga”.

Desde o início, este comércio funcionou sob a protecção da liderança da Frelimo, que alegadamente embolsou milhões por ano com isso. Suleman é provavelmente o maior doador da Frelimo.

A relação entre Suleman e a Frelimo começou sob o presidente Joaquim Chissano (1986-2005). Chissano era o chefe da segurança da Frelimo desde 1966 e estava, portanto, numa posição ideal para garantir a cooperação das forças de segurança de Moçambique.

Quando o segundo filho de Mohamed Bachir Suleman se casou, num casamento com 10.000 convidados em 2001, Chissano foi o convidado de honra. (Os paralelos com o casamento de Gupta em Sun City, com a presença de membros da elite do ANC, são óbvios.) Posteriormente, o acordo comercial foi entregue ao sucessor de Chissano, Armando Emílio Guebuza (Presidente 2005-2015). Guebuza, o homem mais rico de Moçambique, é conhecido como “Sr. Gue-business”.

Graças a estes esquemas, o comércio da droga decorreu sem problemas. Na verdade, a Frelimo regulou cuidadosamente o comércio – não queria que a heroína fosse vendida em Moçambique e não queria que o comércio fosse visível para os doadores do país.

Portanto, não houve guerras de drogas entre as famílias traficantes, nem prisões, nem condenações, nem apreensões da heroína que passava. A polícia, a alfândega e os líderes da Frelimo receberam a sua parte. Com a heroína chegando a ser cotada a US $ 300 milhões por tonelada na Europa e até 40 toneladas por ano chegando à costa moçambicana, o comércio valia US $ 1 bilhão ou mais por ano só em comissões.

Desde 2020, o comércio de heroína tem sido fortemente suplementado por metanfetamina, também proveniente do Afeganistão – tanto assim que, em 2021, 50% dos carregamentos de drogas nos dhows eram de metanfetamina. Parte dessa droga chegou ao mercado sul-africano, mas deve-se salientar que aquilo que os comerciantes de heroína estão realmente procurando é populações numerosas e ricas, capazes de pagar seus preços de topo. Isso significa que o que eles realmente querem é levar as suas mercadorias para a Europa, a Austrália e os EUA.

Desde 2017, grandes quantidades de cocaína também chegaram à Austrália, vinda da África do Sul (a Austrália e a Nova Zelândia têm a maior prevalência de consumo de cocaína do mundo). De facto, em 2017-2018, a Austrália recebeu nove vezes mais o volume de cocaína por carga aérea da África do Sul do que de qualquer outro país.

Além disso, a cocaína tem surgido nos embarques de contentores da África do Sul. Em 2019, 68 kg de cocaína foram encontrados num carregamento de móveis proveniente da África do Sul e noutra apreensão 384 kg. O grande tamanho dessas remessas sugere que a rota África do Sul-Austrália é considerada segura e confiável.

O aumento do comércio de cocaína sinalizou uma grande mudança. A heroína veio da Ásia, mas a planta da coca é cultivada exclusivamente na América Latina, então isso indicou que os cartéis de drogas latino-americanos também se estavam a envolver. Provavelmente a chave foi o acordo comercial assinado em 2015 entre Moçambique e Brasil. Isso facilitou muito a importação de mercadorias em contentores oriundas do Brasil e muito rapidamente alguns desses contentores transportavam cocaína. Mais uma vez, a intenção era encaminhar a droga através de Moçambique, Malawi e África do Sul para destinos finais na Europa, Austrália e EUA.

Naturalmente, isso chamou a atenção das autoridades norte-americanas e, em outubro de 2018, Tanveer Ahmed, um traficante paquistanês, foi preso em Moçambique graças a uma operação liderada pela US Drug Enforcement Administration (DEA). Ahmed liderava uma grande rede de tráfico de heroína, cocaína e haxixe em Moçambique . Em 2020 ele foi extraditado para os Estados Unidos.

Isso foi seguido em abril de 2020 pela prisão em Moçambique de Gilberto Aparecido Dos Santos, um grande traficante de drogas brasileiro ligado ao Primeiro Comando da Capital (ou PCC), o maior e mais poderoso grupo de crime organizado do Brasil. Dos Santos, que andou fugido da polícia brasileira durante mais de vinte anos, foi acusado de controlar o tráfico em grande escala de cocaína e armas com ramificações por toda a América Latina. Ele aparentemente adquiriu bases em Moçambique e na África do Sul.

Dos Santos foi preso, juntamente com dois associados nigerianos, num luxuoso hotel de Maputo numa operação em que a polícia moçambicana cooperou com a Polícia Federal brasileira e, mais uma vez, com os americanos da DEA. Dos Santos foi imediatamente extraditado para o Brasil – a Força Aérea brasileira enviou um avião especial a Maputo para o ir buscar.

A prisão de grandes traficantes como Ahmed e Dos Santos não era, em grande medida, a maneira moçambicana de fazer as coisas. Noutros tempos, podia-se ter como uma certeza que homens como eles teriam pago a polícia moçambicana, oferecido presentes chorudos à liderança da Frelimo e depois continuado alegremente com os seus negócios. O que mudou esses arranjos amigáveis foi claramente a entrada em cena da DEA, uma agência habituada a conseguir o que quer, com um forte apoio das autoridades americanas.

Além disso, tudo mudou com a descoberta em 2015-2016 dos 2 bilhões de dólares em empréstimos secretos organizados por Armando Guebuza. Os governos e entidades doadores ficaram furiosos com a falsificação deliberada das contas de Moçambique. Cortaram a sua ajuda para apoiar o orçamento moçambicano, causando uma grande crise financeira; deixaram claro que Guebuza tinha de ir; e em geral começaram a questionar que outros golpes haviam sido praticados com base na sua boa vontade ingénua. Nesse novo clima de desconfiança, o narcotráfico – que os doadores até então benignamente ignoraram – destacou-se como outro grande escândalo.

Foi neste clima que Filipe Nyusi ascendeu ao poder em 2015. Guebuza, ao estilo africano clássico, andava ocupado a tentar alterar a constituição para poder concorrer a um terceiro mandato presidencial, mas tudo isso desapareceu assim que Moçambique renegou as dívidas associadas ao escândalo do empréstimo.

Muito claramente, Nyusi precisava de se distanciar de Mohamed Bachir Suleman e de outros traficantes conhecidos e, pelo menos publicamente, deplorar o comércio de drogas e, pelo menos, parecer apoiar os esforços internacionais para combater o tráfico.

Por outro lado, o comércio de drogas tornou-se numa das maiores e mais lucrativas exportações de Moçambique e proporcionou um enorme e constante rendimento em divisas para a elite da Frelimo. Simplesmente não havia como aquela elite tolerar um corte nessa fonte de renda: na verdade, a elite havia-se tornado tão viciada quanto qualquer drogado.

Portanto, era uma condição básica da presidência de Nyusi manter o equilíbrio de modo a apaziguar os americanos da DEA e os doadores, por um lado, mas garantir que a elite da Frelimo continuava a conseguir a sua dose, por outro.
Se olharmos agora para a geografia do comércio ilícito na costa da África Oriental (ver mapa), podemos ver como o aumento da pressão exercida pelos governos do Quénia e da Tanzânia nos antigos centros comerciais de Zanzibar, Mombassa e Dar-es-Salaam forçou uma mudança de enfoque para o sul.

Fonte: Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, com base em entrevistas em toda a região, setembro de 2017.


Neste novo contexto, os dois portos principais são Pemba em Cabo Delgado e Nacala na província de Nampula. Nacala tem o porto mais profundo da África Oriental enquanto que Pemba tem um fluxo de contentores e o seu grande apelo é que fica situado tão a norte que está fora da vigilância de qualquer pessoa baseada em Maputo.

Em 2010, Celso Correia, então presidente da Insitec Lda. – então qualificada como “uma empresa de fachada Guebuza” – assumiu a gestão do porto de Nacala. Correia posteriormente actuou como gestor da campanha presidencial de Nyusi e actualmente é Ministro da Terra e do Desenvolvimento Rural. Acresce que, uma vez privatizada a gestão dos portos sob Chissano, foi aberta uma única excepção para o porto de Pemba, que permaneceu sob a alçada da empresa estatal Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM). Este foi um passo muito deliberado da liderança da Frelimo para manter o controlo deste centro ultra-sensível do tráfico de droga.

Todos esses arranjos delicados e sensíveis foram, no entanto, ameaçados pelo surgimento da insurgência jihadista em Cabo Delgado a partir de 2017. Ainda não há evidências de que os insurgentes estejam envolvidos no tráfico de drogas, embora seja geralmente assumido que tal seja apenas uma questão de tempo, simplesmente porque essa é a forma transacional como a política moçambicana funciona.

Quer dizer, depois de um breve período de retórica revolucionária, a elite da Frelimo decidiu usufruir de todos e mais algum dos privilégios que os portugueses tinham antes. Nas guerras da Renamo contra a Frelimo que se seguiram, a Renamo não insistiu na corrupção da Frelimo porque, é claro, a luta era realmente sobre qual a participação nos lucros que a Renamo poderia vir a obter. Os jihadistas também vão querer a sua parte. A insurgência precisa de dinheiro. Quando tomaram Palma, os insurgentes prontamente roubaram todos os bancos locais.

A insurgência de Ansar al Sunnah é, obviamente, um grande problema para Nyusi e a Frelimo. Há anos que a Frelimo tem salivado com os mega-lucros resultantes das novas descobertas de gás – na verdade, os $ 2 bilhões de Guebuza em empréstimos secretos assentavam no pressuposto de que o país iria receber o dinheiro de volta das receitas do gás e ninguém jamais quereria saber do buraco nas contas do Estado. (Na verdade, metade desses US $ 2 bilhões nunca foram contabilizados.) Portanto, a decisão da Total, à luz da insurgência assassina, de invocar força maior e retirar-se, é um golpe tremendo.

Esta, então, é uma explicação para a desconcertante relutância do Presidente Nyusi em acolher a ajuda militar estrangeira contra os insurgentes jihadistas em Cabo Delgado. Desde o momento em que a insurgência começou e ficou claro que o exército moçambicano não conseguiria lidar com ela, tem sido um objetivo fundamental da Frelimo manter as forças estrangeiras longe deste centro nevrálgico do tráfico de drogas.

Assim que tropas da SADC, quanto mais americanas, portuguesas ou outras, começassem a patrulhar o território de Cabo Delgado, iriam inevitavelmente descobrir o que se passava, os jornalistas internacionais iriam expor e, Deus sabe, os estrangeiros poderiam atrapalhar o comércio ou mesmo tomar um quinhão para eles mesmos.

Tudo isso é impensável e a elite da Frelimo claramente não tolerará um presidente que permita que esta fonte de rendimento-chave seja cortada.

Entretanto, académicos, jornalistas e trabalhadores humanitários estão todos proibidos de entrar em Cabo Delgado. O jornalista Tom Bowker foi recentemente deportado porque queria fazer uma reportagem sobre a insurgência. Apenas para garantir que outros jornalistas não começassem a vaguear por Cabo Delgado, o aviso de deportação de Bowker impede-o de regressar durante dez anos.

Pois então Nyusi chamou primeiro o grupo Wagner e depois o grupo DAG, pois sabia que nem os russos nem os mercenários em geral perderiam o sono – ou fariam barulho – com o tráfico de drogas. Esses cães de guerra esperam que a África seja venal, brutal e cínica. Mas almas gentis como Cyril Ramaphosa da África do Sul ou Mokgweetsi Masisi do Botswana ficariam chocados – quase se pode ouvir Ramaphosa dizendo “oh, fiquei chocado, chocado” – enquanto que, se os americanos se envolvessem, sem dúvida trariam a DEA. Ora isso seria impensável. É por isso que Nyusi conseguiu com sucesso arrastar os pés e evitar a intervenção da SADC, por enquanto.

Para já, a situação está neste ponto. O problema é que Ansar al Sunnah não vai embora e eles já sucederam em comprometer enormes investimentos estrangeiros. Isto é mau para toda a região da África Austral, pois dá aos investidores estrangeiros a impressão de que, por mais convidativas que sejam as oportunidades, os riscos nesta vizinhança são simplesmente proibitivos. Além disso, a DEA está agora envolvida e, sem dúvida, entende a situação o suficiente. Um grande problema está à espera mesmo ao virar da esquina.

Como a maioria dos políticos africanos, Nyusi está interessado na gestão das crises no curto prazo – portanto a opção preferida é aquela que vai manter o dinheiro a fluir e que suceda em empurrar o problema para a frente por mais algumas semanas, talvez até um mês ou dois.

Mas vá prestando atenção a este espaço.


(assina RW Johnsonin em politicsweb.co.za)

texto original em inglês
17 de Maio de 2021

09/03/2020

DENNIS JETT RETRATA MOÇAMBIQUE NA REVISTA FOREIGN POLICY

Filed under: Dennis Jett retrata Moç 2020 — ABM @ 3:26 am

A influente revista norte-americana Foreign Policy, publicou na sua edição de ontem (requer subscrição) um longo e demolidor texto de opinião de Dennis Jett sobre a actualidade moçambicana.

Jett foi o embaixador daquele país em Maputo entre 1993 e 1996, por nomeação de Bill Clinton. Actualmente, ensina política externa na Universidade Estatal de Pennsylvânia, estado que fica situado a meio caminho entre Nova Iorque e Washington.

O artigo, que tem feito as rondas entre quem segue a realidade moçambicana, revela que Jett acompanha os eventos desde que acabou o seu mandato de embaixador.

O excelente sítio em língua portuguesa da Voz da América pegou na história e fez um resumo adequado, que penso traduz o que Dennis Jett escreveu e que, com vénia e alguma edição, se reproduz em seguida.

Dennis Jett.

(início)

Moçambique “está prestes a tornar-se num estado falhado, cuja democracia é uma farsa” disse o antigo embaixador dos Estados Unidos em Moçambique, Dennis Jett.

Jett acusou os países ricos e doadores internacionais como o Programa de Desenvolvimento da ONU e a Conta do Desafio do Milénio, de contribuirem para a manutenção do sistema de corrupção e abuso de poder, deixando o povo moçambicano apenas com opções de revolta armada, emigração ou “resignação”.

Escrevendo na revista “Foreign Policy”, Jett disse que as riquezas energéticas recentemente descobertas em Moçambique não vão garantir a segurança ou a melhoria da governação em Moçambique e acusou os países ricos de “inadvertidamente acabarem por assegurar que a sua pobreza vai continuar”.

No seu artigo, Dennis Jett criticou também asperamente as organizações internacionais de ajuda por serem “cúmplices” na manutenção da actual situação em Moçambique.

Dennis Jett disse que a principal causa do pessimismo em relação ao futuro de Moçambique se deve principalmente à corrupção “do pequeno grupo de políticos” que governa o país desde 1975.

“Como um país em que o Produto Interno Bruto é menos de um por cento daquele dos Estados Unidos, Moçambique é simplesmente demasiado pobre para financiar as necessárias instituições da democracia que poderiam fornecer contrapesos (checks and balances) ao poder da elite governante”, escreveu o professor, acrescentando que os governantes moçambicanos têm sido ajudados “pela cumplicidade de alguns países, companhias de energia como a ExxonMobil e organizações de ajuda como o Programa de Desenvolvimento da ONU e Corporação do Desafio do Milénio e pela indiferença de outros”.

O antigo embaixador americano em Maputo disse que Moçambique não estava preparado para se auto-governar quando alcançou a independência em 1975 “porque as autoridades portuguesas não tinham investido na educação da população local”.

Os líderes da Frelimo que assumiram o poder realizaram eleições após o fim da guerra civil “mas o governo tem continuamente usado do seu poder para as falsificar”, escreveu Jett, que dá depois pormenores da falsificação das últimas eleições , da violência contra opositores e da corrupção, exemplifcada com o caso das “dívidas ocultas”.

“Devido ao facto da sociedade civil ser fraca, do parlamento e do sistema judicial estarem debaixo da mão da Frelimo e a imprensa ser em grande parte controlada pelo governo ou totalmente intimidada, os líderes fazem face a pouca pressão para governarem democraticamente e ou honestamente”, opinou Dennis Jett para quem “a única esperança é que a comunidade internacional possa tentar impor algumas (limitações ao poder do governo)”.

Mas o antigo diplomata disse que isso levantaria acusações de neo-colonianlismo e para além disso “os países ricos estão mais preocupados com a estabilidade em países que são parcialmente estados falhados, do que com a democracia”.

No seu artigo, o antigo embaixador dos Estados Unidos no Maputo criticou o Departamento de Estado dos Estados Unidos por ter apelado às autoridades moçambicanas no sentido de“resolverem as preocupações graves de missões de observação das últimas eleições”.

“Por outras palavras, o que o Departamento de Estado estava a sugerir era que o governo moçambicano deveria investigar-se a si próprio quanto às tácticas que ele próprio usou para assegurar que vencia as eleições”, escreveu Dennis Jet, que criticou também um plano do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, no montante de 60 milhões de dólares, para ajudar “a descentralização do governo e encorajar a participação digital na democracia”, recordando que apenas 21% dos moçambicanos têm acesso à internet e que “uma coisa que a Frelimo tornou claro ao longo dos anos, é que não tenciona abrandar o seu controlo do poder, dando a entidades locais que podem não ser leais à Frelimo, qualquer medida de autoridade”.

Dennis Jett criticou também o plano da Conta do Desafio do Milénio e outros doadores, de doarem dinheiro “sem imporem quaisquer limitações ao abuso do poder por parte do governo moçambicano, embora sejam (essas organizações) que fornecem metade do orçamento do governo”.

Dennis Jett afirma que “a insurgência e terrorismo no Norte vão permancer e o povo moçambicano vai ficar a pomderar quanto ao que é mais destrutivo, se os ciclones que têm atingido o país ou o seu próprio governo”.

Para Dennis Jett, a comunidade de países doadores “ignora a corrupção em Moçambique e continua a oferecer ajuda humanitária e de desenvolvimento,” o que não resolve os problemas do país.

“Tratar a raíz dos males do país – a má governação – em vez dos sintomas do problema, parece ser algo para além da capacidade de atenção dos países ricos e contrário aos seus interesses comerciais”, escreveu Dennis Jett.

“E por isso ao povo de Moçambique restam apenas as opções da resistência armada, do terrorismo Islamita, da emigração ou a resignação”, concluiu o antigo embaixador norte-americano em Moçambique.

(fim)

10/01/2020

O FUNDO SOBERANO DE MOÇAMBIQUE, 2020

Filed under: Fundo Soberano de Moçambique — ABM @ 1:45 am

Sempre achei que os pobres devem procurar poupar, na medida do possível. Teoricamente, isto pode e deve ser relevante, mesmo quando se trata de um país. No caso de um país dependente em monoculturas, sejam elas quais forem (mas que se destacam sempre quando se trata de gás e petróleo) o argumento tende a ser ainda mais forte, pois existe quase a garantia de um período de vigorosa chuva de dinheiro, seguido da maior incerteza, sendo este processo intergeracional, ou seja, supõe-se que os pais estão a guardar algum para os filhos e os netos.

Sendo uma monocultura, os critérios básicos de risco impõem que o dinheiro poupado seja investido noutros mercados, noutros sectores económicos, segundo critérios objectivos de alocação e gestão desses fundos.

As duas questões tratam-se então de 1) que mecanismo usar e 2) que garantias existem de que o esquema vai mesmo funcionar.

Um mecanismo que se tornou é o do fundo soberano, isto é, resumindo, uma conta para onde fluem os fundos “excedendetários”, que são depois investidos, por um comité nomeado pelo governo do tal de país, habitualmente apoiados por especialistas, empresas de consultoria etc etc.

Em Moçambique, um dos países comprovadamente mais pobres do mundo, e comprovadamente mais corruptos do mundo, quer no sector público, quer no sector privado e afins, estuda-se estes dias criar-se um fundo soberano para pôr de lado algum do dinheiro que se espera comece a jorrar assim que os pipelines estiverem prontos e o gás comece a fluir.

Há uns vinte anos, quando se criou o mecanismo de poupança forçado e muito mais modesto da segurança social, vaticinei que o mesmo corria o risco de se tornar alvo de má gestão, corrupção e, literalmente, rapina. Aliás menos grave porque o dinheiro é menos e de qualquer maneira, a maior parte dos moçambicanos não beneficia do mesmo, ou porque simplesmente a ele não aderem pois não têm rendimentos que o justifiquem, ou, com a mesma probabilidade, porque não viverão o tempo suficiente para dele beneficiarem. O sistema beneficia ainda do facto que, potencialmente, há-de haver sempre muitos mais a descontarem qualquer coisita que os que dele beneficiarão. Portanto, mesmo que se roube ou se gira a coisa com a maior incompetência, há-de haver sempre algum dinheiro para os que sobreviverem o suficiente para receberem uma reforma qualquer, em meticais, com as acutalizações possíveis, um pouco à mercê do câmbio do dólar e do rande.

Mas o facto é que houve várias instâncias de roubo, de má gestão e uma falta considerável de transparência nas contas – quando estas se conhecem.

Um fundo soberano à escala do que se está a falar para as receitas do gás é uma jogada completamente diferente. Algo que nunca se viu em Moçambique, um, repito, dos países comprovadamente mais pobres do mundo, e comprovadamente mais corruptos do mundo, quer no sector público, quer no sector privado e afins.

Assim, pergunto: quem vai gerir, se criado, o fundo, com que regras, transparência e prestação de contas?

Ou, ainda melhor: quem vai ser o polícia que vai impedir os ladrões que vão aparecer?

Para ilustrar sobre o que falo, menciono os 500 milhões de dólares supostamente desviados em Angola pelo então presidente do fundo (e filho do ex-presidente) e refiro ainda ao exmo. Leitor que saiba falar inglês o vídeo, aqui contado de forma jocosa, mas mortífera, o escândalo 1MDB, ocorrido recentemente na Malásia e envolvendo o seu fundo soberano.

 

21/11/2019

O HOMEM NOVO E AS DUAS PROFECIAS DE SAMORA MACHEL

Filed under: Filipe Nyusi 2019 — ABM @ 3:05 am

 

Recebi esta noite a informação em baixo.

Afinal (ou enfim), quarenta anos depois, parece que se cumpriu a tal profecia do Homem Novo Moçambicano que Samora, o genial primeiro ditador comunista de Moçambique, tanto gostava de referir e que era tão apreciada pelos seus acólitos e a máquina de propaganda do regime – e que serviu como desculpa para as perseguições e depurações e barbaridades dos primeiros anos.

Seguida pela também sua outra conhecida profecia, citada mais tarde, de que, se nada se fizesse, que um dia poderia surgir em Moçambique uma elite negra predadora que faria o pior do colonialismo parecer um piquenique.

A parada entretanto continua na improvável Brooklyn.

New Man, Nyuz ou Nys

 

 

29/08/2019

O CAMPEÃO DO MUNDO NO RISCO DA LAVAGEM DE DINHEIRO E FINANCIAMENTO DO TERRORISMO, 2019

Filed under: O Campeão da Lavagem do dinheiro e do FT 2019 — ABM @ 9:02 pm

O Basel Institute on Governance, uma fundação suíça que opera sob os auspícios da Universidade da Basileia, publica desde 2012 uma listagem de países que pretende auferir, através de um índice, os riscos de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo, baseado em cinco critérios, todos obtidos a partir de informação publicada por instituições idóneas:

  • Qualidade da Estrutura de monitorização e controlo da Lavagem de Dinheiro e contra o Financiamento do Terrorismo
  • Pagamento de Luvas e Corrupção
  • Transparência e Padrões Financeiros
  • Transparência e Prestação de Contas no sector Público
  • Riscos Político e Jurídico

E baseado nestes cinco critérios, qual o país, no Planeta, com o índice mais elevado? Em 2019, eesa distinção cabe à República de Moçambique:

Moçambique no topo de uma lista de 125 países. É questão para perguntar: o que se passa em Moçambique?

Quando, estes dias, alguns tentam fazer passar a ideia de que Moçambique poderia estar a fechar o longo capítulo da guerra com a Renamo, e a inaugurar uma espécie de era dourada com receitas da exploração do gás, a verdade é que nada disso é certo e que, de facto, os perigos presentes e futuros são mais que muitos, desde a mudança climática aos efeitos de uma verdadeira explosão populacional, a que não corresponderá um crescimento económico que permita às pessoas o seu sustento. Nesse aspecto o negócio e as receitas do gás pouca diferença farão. Os sucessivos ataques no Norte, à guisa de uma putativa e incomprovada rebelião por parte de (refere-se) pessoas muçulmanas, as quase indescritíveis dificuldades do regime em lidar com a inenarrável fraude das chamadas dívidas ocultas, perpetrada ao mais alto nível do Estado moçambicano, nada disto augura um futuro positivo, excepto para uma certa elite baseada em Maputo, que tudo faz, em tudo manda e tudo parece poder fazer, com quase total impunidade. Em parte precisamente porque o contexto é um em que, como se infere dos dados acima, o país figura entre os mais corruptos e mal governados no Mundo. E quase nada faz supôr que isso se altere no futuro.

31/12/2018

A PRISÃO DE MANUEL CHANG, O ESTADO E O ESTADO DO JORNALISMO

Filed under: A prisão de Manuel Chang — ABM @ 3:15 pm

O alegado multimilionário Manuel Chang, ex-ministro das Finanças da República de Moçambique, durante um dos inolvidáveis mandatos de Armando Emílio Guebuza.

Do anúncio da prisão do ex-ministro das Finanças de Moçambique na era de Armando Emílio Guebuza (e actual deputado na Assembleia da República de Moçambique, pela Frelimo), ao cair da noite de 28 de Dezembro, ao tentar embarcar num vôo entre Joanesburgo e a cidade do Dubai, e que foi um verdadeiro furo da pequena publicação dirigida por Marcelo Mosse, podem-se já tirar três grandes ilacções.

A primeira ilacção, e provavelmente a com maior peso, é opotencial impacto reputacional sobre o Estado moçambicano, não só porque manifestamente se revela incapaz de lidar com a sua roupa suja, como, cada vez com maiores certezas, se revela capturado por figuras com um perfil moral e ético questionável, que aparentemente se servem do seu estatuto e posição enquanto servidores do Estado, para obterem ilegitimamente benefícios pessoais dos seus cargos, ou através de negociatas ou roubando do erário.

Esta constatação, a que se junta a perpétua suspeita de esquemas e aldrabices eleitorais, ajuda a consolidar a perspectiva de que Moçambique é um Estado Falhado, capturado pela elite política local, ainda que de forma moderadamente sofisticada, a que está associada a quase total inoperância dos sistemas legal, judicial e de vigilância – que aparentam fazerem parte do complot.

A segunda ilacção tem que ver com o estado da comunicação social em Moçambique – mas não só.

A notícia da captura de Chang em Joanesburgo (que eu tive conhecimento através de uma curta mensagem emitida pelo Canalmoz nessa mesmo noite de 28 de Dezembro) apenas afirma o facto da prisão e é acompanhada de uma imagem, possivelmente tirada à sucapa com um telefone móvel, do que parece ser um documento judicial sul-africano, em língua inglesa, supostamente a corroborar as circunstâncias do acto. Posteriormente (escrevo isto na tarde de 31 de Dezembro) várias organizações de notícias reportaram a prisão de Chang mas de forma pouco coerente, citando, no caso da Lusa a embaixada de Moçambique em Pretória para a prisão, e no que concerne às circunstâncias, fonte da embaixada sul-africana (presumo que em Maputo) citando a estação de televisão de Maputo, a STV.

Por outro lado, a peça de Marcelo Mosse diz tanto como não diz. Refere que Chang estava a ser preso por nada menos que as autoridades dos Estados Unidos da América e sujeito a ser extraditado para aquele país para ir a tribunal responder por três crimes graves, descrevendo a sua tipologia, mas não explica que crimes Chang cometeu especificamente – mas refere que não têm que ver com o crime do famoso “empréstimo Ematum”, cuja conta no fim ficou a cargo dos contribuintes moçambicanos.

Mosse não explica como e porque é que os Estados Unidos surgem neste caso, sendo que o tal documento aparentemente judicial sul-africano refere especificamente que os alegados crimes foram cometidos em jurisdição sul-africana – mas Mosse escreveu que não se sabia onde os crimes foram cometidos. O documento diz, preto no branco, que foram cometidos na África do Sul.

Mais: Mosse sugere que afinal sabe tudo e até dá umas dicas meio no ar, refere que envolve mais gente (presumivelmente da high society da nomeclatura moçambicana) mas que para já não dizia nada.

Hoje, ainda em relação a este assunto, Marcelo Mosse pontificou mais, mas ainda vagamente, sobre o seu impacto no actual regime moçambicano. Ele acha que irá ter grande impacto.

Talvez o relato mais surpreendente tenha sido o da Voz da América, que, no seu sítio na internet, para além de referir que Chang iria ser presente a um juiz sul-africano no dia de hoje (31 de Dezembro), se limitou a citar outras entidades para o seu reporte da prisão de Chang – Mosse, a Procuradoria Geral de Moçambique e a Televisão de Moçambique. Ora, se o processo originou nos Estados Unidos, talvez o mais relevante neste momento seria conhecer os detalhes das supostas alegadas acusações (graves) do governo dos Estados Unidos contra o Senhor Chang. Pensaria eu que a VoA, um organismo de comunicação do goerno dos Estados Unidos, estaria em condição privilegiada para obter e reportar em maior detalhe e com fontes seguras sobre este assunto. Mas não.

Todos parecem saber (muito) menos que o Marcelo Mosse e que os impessoais do Whatsapp.

E isto não é jornalismo, em que uns regorgitam pedaços de informação uns dos outros e não se conhece om cerne da questão.

A terceira ilacção é, a confirmar-se, a natureza do acto por parte das autoridades do governo norte-americano no que respeita a Moçambique e a figuras da elite política-económica local.

O Exmo. Leitor recordar-se-á que já não é a primeira vez que o governo dos Estados Unidos “investe” contra figuras locais, isoladamente e ás vezes de forma selectiva, se não caprichosa. Há uns anos, o OFAC, um relativamente pequeno gabinete no Departamento do Tesouro norte-americano, proclamou o patriarca da Família Bachir “barão da droga”. O acto teve algumas consequências menores, mas Bachir permanece em Maputo com a maior parte dos seus negócios e o seu património intactos. Na altura, ficou célebre a afirmação de um alto representante do Estado moçambicano, de que Bachir tinha a “folha limpa”. Ao que se sabe, os americanos mais nada fizeram, e mais nada disseram, até hoje.

Dez anos volvidos desde esse evento, a novel posição de Moçambique enquanto futuro fornecedor de gás de referência nos mercados internacionais tornou-se algo em relação ao qual o governo dos Estados Unidos não é indiferente. Até porque há vários players norte-americanos directa ou indirectamente envolvidos em vários aspectos do processo, e também entidades potencialmente adversárias dos interesses globais norte-americanos, tais como a China. No que a estes processos concerne, a postura moçambicana tem-se revelado permeável, nomeadamente aos interesses da elite local, que tende a associar-se, mais do que respeita aos interesses estratégicos do país e da sua população, a quem dá mais, em esquemas invariavelmente menos transparentes e que, suspeita-se, têm como principal resultado rechearem contas bancárias de que são beneficiários últimos em variadas praças offshore. Ora, ninguém é melhor que os serviços de inteligência norte-americanos para relevarem e analisarem as informações necessárias, e as várias agências do governo norte-americano, para utilizarem os variadíssimos instrumentos ao seu dispor para agirem em relação a estas situações. O que aconteceu a Manuel Chang é apenas um mero e menor exemplo desses instrumentos.

De momento, tudo indica que sabemos ainda muito pouco sobre este processo e que vamos ter que esperar para melhor contextualizar o que significa e ainda as suas consequências. Ao longo das décadas desde a tomada do poder, entregue de bandeja de forma inquestionada pelos revolucionários portugueses, a Frelimo teve uma capacidade surpreendente de driblar e de sobreviver. Será interessante observar o seu comportamento perante o que se vai passar a seguir. Eu, que relativamente a Moçambique já vi o equivalente a dois porcos a voar de bicicleta, espero tudo.

Ou nada.

 

30/11/2018

AS OITO MESAS ELEITORAIS DE MARROMEU

Filed under: As 8 Mesas de Marromeu, Uncategorized — ABM @ 3:43 am

 

A pequena Vila de Marromeu, colada ao Zambeze na sua margem Sul,  espelha, estes dias, o que é o Moçambique político no final da segunda década do Século XXI: um País que permanece sob o domínio quase total da elite da Frelimo.

Apesar de volvido quase meio século, a Frelimo de 2018, de um ponto de vista identitário, ideológico, funcional e até humano,  é basicamente a mesma de 1969, ano em que a eliminação de Eduardo Mondlane proporcionou a rápida metamorfosização do que era um movimento guerrilheiro nacionalista numa organização permanente, de matriz marxista, disciplinada e com uma hierarquia, com um sentido de apropriação do Estado e a intenção de o dirigir para sempre, custasse o que custasse, independentemente, nomeadamente,  da capacidade ou incapacidade de gestão, da falência dos seus modelos, da captura dos interesses do Estado pelo partido e por alguns dos seus membros, de um clima de corrupção endémica a quase todos os níveis e, decididamente, da opinião dos eleitores moçambicanos que não querem votar na sua perpetuação no poder.

Nesse sentido, os dez anos da “moralização revolucionária” protagonizada por Samora, em que, já entregue, de forma precipitada, o poder de Estado ao CC da Frelimo em 1974, esta procedeu a expandir agressivamente o seu controlo a todo o país sob a capa do marxismo bélico, da ameaça externa e em defesa da unidade nacional, constituiram um mero interregno, eclipsado no momento da sua morte, até ao surgimento, com a “paz” de 1992, das condições para a sua elite político-militar começar a capturar, com a rapacidade possível, os recursos, os contratos e as rendas.

Pois quem é que, em Moçambique, se atreve, ainda hoje, a questionar o direito dos Pais da Nação a beneficiarem um “pouquinho” da soberania que afinal conquistaram por e para o povo, ao ponto de, no caso das chamadas dívidas ocultas, estes literalmente gozam com a cara de todos em prime time?

O mesmíssimo povo cujos votos a elite e elementos da Frelimo, a nível nacional, se entretêm a driblar desde 1992, quando, relutantemente e como medida de recurso para acabar uma guerra que não conseguia ganhar, aceitou o princípio do pluralismo político e – pasme-se – o capitalismo. Uma corruptela do capitalismo, precise-se.

Neste sentido, a Frelimo está em guerra com os moçambicanos, senão desde os anos 80, pelo menos desde 1992.

 

Curto texto do Mediafax, 28 de Novembro de 2018, referindo a repetição da votação em 8 mesas da Vila de Marromeu, depois de uma verdadeira e evidente pouca vergonha ocorrida na primeira votação. Nesta segunda volta, o que tudo indicia ser um escandaloso roubo voto da população foi ainda mais visível- excepto para a CNE e a Frelimo. Já em 2013, supostamente, a gang local da Frelimo roubou a eleição local.

Quem refere o que acima refiro e conta toda história de forma taxativa e clarividente (o que por si só constitui um acto heróico de coragem cívica e até física, num país só não tem medo quem não fala ou apoia a linha oficial) é José Jaime Macuane, na muito memorável introdução ao seu mais recente trabalho académico, Mozambique’s private sector in the context of conflict, publicado no final de Outubro de 2018 pelo think-tank britânico International Growth Centre e que pode ser lido (em língua inglesa) aqui.

Quando não está a fugir dos esquadrões assassinos próximos do Poder, focados em punir, por encomenda, alegados delitos de opinião contra o Regime e as suas pessoas, Macuane  é professor numa universidade em Maputo.

O ponto saliente, para o assunto, é que o pluralismo político pressupõe a convivência pacífica de pontos de vista contrastantes, livremente expressos pelos cidadãos, pelos meios de comunicação e pelas variadas organizações, sem receios de represálias, complementado por eleições livres em que todos os votos são devidamente contados e ganhe quem os eleitores elegem.

Mas praticamente desde 1992 – ou seja, há vinte e seis anos seguidos – que, quer a legislação eleitoral (sempre complicada) quer os processos eleitorais (sempre caros), quer as instituições encarregadas de gerir os processos eleitorais, até ao mais alto nível da magistratura nacional, têm sido alvo das alterações e manipulações mais alucinantes. Votos desaparecem. Votos aparecem. Eleitores surgem do nada, vindos de machimbombo não se sabe bem de onde, e votam. Urnas são violadas. A Frelimo ordena aos funcionários públicos que votem nela. Quando os crimes e erros são detectados, as comissões e os órgãos de recurso, ou escudam-se em formalidades (“falhou o prazo por um dia”, ou “assinou o papel mas não reconheceu a assinatura”) ou pura e simplesmente os ignoram e dão a vitória ao partido no poder. Candidatos são excluídos das eleições apenas porque sim, enquanto que, no caso de outros, com cadastro criminal confirmado, nada acontece. Sistemas informáticos de contagem de votos misteriosamente surgem com diferenças básicas nas contas de somar.

E quando tudo falha, mandam a polícia e os esquadrões.

Eu não penso que as pessoas afectas à Frelimo e que patrocinam esta patente farsa de democracia pluralista para estrangeiro ver, como a que acabou de acontecer em Marromeu, agem por acaso. Eu realmente acho que são pessoas convictas de que o seu conceito de interesse pessoal e nacional assim as motivam. Para eles, Moçambique é Frelimo e a Frelimo é Moçambique. Sem lhes ocorrer alguma vez que pode haver alternativa, nem que tal possa ser decidido pelo povo em plebiscito.

E portanto fazem canganhiça, fazem da sua campanha um carnaval e abafam a oposição. E quanto mais, melhor.

Mas há aqui dois paradoxos.

O primeiro paradoxo é que, a razão fundamental para o plurismo político, a livre expressão da opinião, e eleições livres, e, fulcralmente, o direito dos cidadãos votarem em quem quiserem, para além de consagrarem direitos humanos básicos e constituirem formas pacíficas de dirimir pressões sociais na sociedade, é que representam uma formidável forma de legitimidade representativa, permitindo aos eleitos agir com base em, e invocando, essa legitimidade, dentro e fora do País.

Quem tenta subverter estes pilares fundamentais num regime que se pretende plural e representativo – o direito de um povo seleccionar e eleger os seus representantes –  e que no agregado constituem um dos direitos mais sagrados que um povo pode ter, conquistados com o advento da soberania nacional,  é ladrão, ditador e vigarista. E nunca poderá invocar nem legitimidade nem representatividade perante o povo e o Mundo.

O segundo paradoxo é que, mesmo tendo eu a impressão que a Frelimo é relativamente popular a nível nacional e em muitas regiões e localidades, no sentido em que tem muitos adeptos que genuina e legitimamente votam na sua marca, que há naquela organização uma subcorrente que, com o mesmo grau de convicção, acredita que isso por si só não é suficiente. E que, de facto, é legítimo recorrer a estes processos de fraude e manipulação eleitoral, para preservar ou aumentar o domínio que tem sobre o Estado e as suas instituições.

Apesar de eticamente repugnante, tudo isto funciona até certo ponto, mesmo na era da internet, do Whatsapp e Facebook, e permite o exercício pleno do poder, até porque não ser contra a Frelimo tem as suas vantagens, como tem acontecido. Mas este paradigma não pode durar para sempre, e constitui uma péssima herança, com consequências graves para o futuro do que é hoje o sétimo país mais miserável do mundo.

Como terá dito o defunto presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln uma vez, pode-se enganar todas as pessoas algumas vezes, ou uma parte das pessoas a maior parte do tempo, mas não é possível enganar todas as pessoas a maior parte do tempo.

Deduzo que no caso das oito mesas de Marromeu, o povo percebeu bem quem estava a enganar quem.

15/09/2018

EDITORIAL DO JORNAL “A VERDADE”, 13 DE SETEMBRO DE 2018

Filed under: Editorial de A Verdade 13.09.2018, Xiconhoca 1977 — ABM @ 1:44 pm

Palavras de ordem do Xiconhoca, 1977, um dos instrumentos da propaganda do então regime comunista de partido único e que manteria esse formato até final dos anos 80.

(Editorial do jornal A Verdade, 13 de Setembro de 2018, actualizado a 15 de Setembro de 2018, editado por mim, aludindo à próxima eleição autárquica, a realizar em Outubro de 2018).

A seriedade de um Governo também se vê nas suas acções prioritárias e, sobretudo, na sua preocupação com o bem-estar do seu povo. Há 43 anos, desde que Moçambique se tornou num país Independente do jugo colonial, o seu desenvolvimento continua a ser eternamente postergado por um grupo de indivíduos que se julga no direito de hipotecar o futuro dos moçambicanos em nome da suposta libertação da nação.

É óbvio que essa “canção” não passa de mais uma música para acalentar a população, enquanto eles prosseguem com as suas agendas de espoliar os moçambicanos. Um exemplo disso é o número de indivíduos ligados à Frelimo que detêm quase todos os recursos e controlam as riquezas do país.

A cada dia que passa, fica evidente para os moçambicanos que o Governo da Frelimo tem estado a apostar no atraso do país. É só olhar actual situação de Moçambique. Os índices de qualidade de vida continuam a deteriorar-se, a economia encontra-se numa situação lastimável e, ao longo de 43 anos, o país não conseguiu ser auto-sustentável na produção de alimentos. O país debate-se com défices notáveis em produtos que poderia produzir para o consumo interno e até ter excedentes para exportar, pois acostumou-se, nos últimos anos, a caridadezinhas, denominadas de ajuda externa, e a importar tudo que consome e, por isso, pouco ou quase nada foi feito para desenvolver a agricultura.

Quando surge uma oportunidade do Governo da Frelimo demonstrar a sua preocupação com as condições em que vivem os moçambicanos, o mesmo direcciona investimentos para sectores que não acrescentam em nada ao bem-estar do povo. Exemplo disso é a decisão do Governo de injectar, este ano, na rádio e televisão públicas, mais de 1 bilião de meticais. Claramente, trata-se de um investimento em propaganda para o partido Frelimo, visto que se aproximam as eleições. Não é novidade para os moçambicanos que a Televisão de Moçambique e a Rádio Moçambique não passam de órgãos de propaganda do Governo da Frelimo.

O mais caricato é que o Governo deixou o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) a tentar desenrascar-se, em acções de emergências durante época chuvosa 2017/2018, com apenas 145 milhões meticais. Ninguém merece um Governo que não se importa com o sofrimento do seu povo. Portanto, esta é mais uma prova do descaso do Governo da Frelimo em relação à população moçambicana.

 

Nota:

“postergar” – verbo
1. transitivo direto: deixar de preferir; preterir, desprezar.
2. transitivo direto: não fazer caso; desprezar, menosprezar.
exemplo: “um governante que posterga até mesmo artigos constitucionais”

25/08/2018

A FIRMA QUE NUNCA PERDE VOLTA A GANHAR UMA ELEIÇÃO – NA SECRETARIA

Texto gentilmente cedido por João Cabrita, escrito em 25 de Agosto de 2018.

 

Veloso, Rebelo, Chipande, Marcelino, Samora, Chissano, Guebuza, Matsinhe e Machungo. Os Fundadores da Firma (menos os falecidos, os assassinados, os presos e os desacreditados) e sucedâneos da impia ditadura colonial, são orquestrada e ordeiramente adulados, à moda comunista da época, durante o Terceiro Congresso, em Maputo, 1977. Há 56 anos seguidos que é assim, com ligeiros upgrades de estilo e alguma substância em 1975, 1977, 1986 e1994. Para um comentário desportivo de João Cabrita sobre o mais recente episódio, este respeitando a próxima eleição autárquica e envolvendo nada menos que um Machel, e ainda um segmento do “diz que diz” do grande Savana (com vénia) ler em baixo.

 

A Família Machel: Vítima do Sistema que Criou, Defendeu e Ajudou a Consolidar

É ponto assente que o regime da Frelimo travou a candidatura de um membro seu [Samito Machel, filho do Pai] à presidência do Município de Maputo. A nível partidário, manobrou para que Samora Machel Júnior não constasse da lista de candidatos a seleccionar. Por meio da chantagem conseguiu que um punhado de subscritores da campanha eleitoral abandonasse a corrida. Depois, através dos habituais capangas de que dispõe na CNE [Comissão Nacional de Eleições] invalidou a candidatura. Se o lesado vier a recorrer ao Conselho Constitucional, o mais certo é este órgão dar aval à decisão da CNE, pois aí também conta com cumplicidades várias, a começar pelo respectivo presidente.

Mas toda a estrutura instrumentalizada que vicia e adultera o sistema eleitoral vigente, não surgiu agora, nem tão pouco foi propositadamente criada para lidar com a candidatura de um membro dissidente da Frelimo. Trata-se de um estrutura que provem do regime de partido único, instituído pelo pai do candidato em causa, defendido e promovido pelos seus pares – e familiares, e apontado por estes como exemplo a seguir. Um regime que começou por criar uma caricatura de sistema judicial, abolindo o exercício da advocacia privada em que os cidadãos ficaram à mercê de decretos e directivas emanadas do poder político; alterando códigos jurídicos a seu bel-prazer para que se ajustassem à justiça revolucionária, apresentada como ‘rica experiência’ de zonas libertadas; transformando antigos combatentes em juízes de instâncias superiores como o TMR [Tribunal Militar Revolucionário] que mandava para o paredão pessoas sem direito a defesa; manietando ou comprometendo juristas. Em suma, estruturando o Estado e a sociedade à imagem e semelhança do sistema totalitário que impôs à Nação.

É este aparelho judicial que deu e continua a dar cobertura a fraudes e vigarices de toda a espécie. A PGR ou protege quem viola a Constituição ou escuda-se no princípio do segredo de justiça para travar processos e investigações. Um aparelho que desde 1994 tem vindo a legitimar fraudes eleitorais em benefício do próprio regime.

Não há memória que a família Machel se tenha alguma vez insurgido contra este estado de coisas. Ela fez sempre parte do sistema que criou, defendeu e ajudou a consolidar a situação que hoje prevalece. Nunca veio a terreiro condenar as sucessivas burlas eleitorais, ou a solidarizar-se com os defraudados. Como parte do regime, interpretou disputas eleitorais decorrentes da fraude premeditada como simples querelas entre maus perdedores, concretamente entre a Renamo e uma formação política supostamente gloriosa, quando na realidade tratou-se sempre de uma questão de oposição e regime, pois quando os maus perdedores não concorreram, foi a vez do MDM a denunciar a mesma fraude.

Hoje, a família Machel é vítima desse sistema, em moldes escandalosamente evidentes, como os registados desde 1994. Se ontem condenava a Renamo por recorrer à força para reclamar direitos legítimos, hoje apoiantes da candidatura de Samora Machel Júnior surgem em redes sociais a fazer o mesmo; ou pelo menos ameaçam que irão ao ‘focinho’ dos que ‘mexerem na candidatura de Samito’, excluindo, assim, a hipótese de recurso a tribunais que sabem de antemão ser via inconsequente.

Situações destas permitem ainda que se assista às tradicionais demonstrações de hipocrisia, mormente da parte de conhecidos comentadores, nacionais e estrangeiros, ambos acampados em Maputo e que anos a fio tentaram impingir gato por lebre, alegando que ‘as irregularidades registadas em processos eleitorais não alteram significativamente os resultados finais’. Hoje, põem de lado a ladainha repetida ad nauseam desde 1994, insurgindo-se contra a CNE. A ver vamos o que têm a dizer do Conselho Constitucional.

(fim)

O Diz Que Diz do Savana de 24 de Agosto de 2018, página 28.

07/10/2017

SOBRE A EFICÁCIA DA VIOLÊNCIA NO CONTROLO SOCIAL, POR JOSÉ JAIME MACUANE

José Jaime Macuane, nascido em Maputo, trabalha na Universidade Dr. Eduardo Mondlane e publicou este texto em 6 de Outubro de 2017, na sequência do assassinato de Mahamudo Amurane, um político Macua, Presidente da Municipalidade de Nampula pelo Movimento Democrático de Moçambique (do qual se distanciara ultimamente) no dia 4 de Outubro.

Desenho de João Augusto Silva, na capa de Grandes Chasses – Tourisme dans l’Afrique Portugaise, publicado em 1937 em Lisboa pela editora Ática.

O texto de JJM, ligeiramente editado por mim:

A Eficácia da Violência no Controlo Social

Na ciência política, o Estado é apresentado como a forma moderna encontrada para a coordenação da acção colectiva em grande escala pelos seres humanos, na prossecução dos seus objectivos.

A principal finalidade do Estado é a garantia da vida, da qual decorrem outras finalidades, como o bem-estar socioeconómico, a justiça e outros que aqui podem ser enumerados.

Quando um Estado não garante a segurança dos seus cidadãos (entenda-se a vida) e os coloca a viver sob o medo da morte súbita e violenta, esse estado (isso mesmo, com letra minúscula) está a dar sinais de falência e a comprometer a sociedade mesmo, sendo mais minimalista, o futuro dos grupos ou classes que o controlam.

Não há países que não tenham crimes, incluindo os violentos. Aliás, a violência é um traço dos conflitos recorrentes entre os seres humanos. A forma como os Estados lidam com a violência diz muito sobre a sua capacidade de coordenação da acção colectiva numa sociedade. O sociólogo alemão Max Weber definiu isso de uma forma emblemática, quando chamou o Estado a entidade que reclama para si o monopólio do uso legítimo da violência dentro de um território. Certamente existem outras discussões sobre o Estado e sobre a violência, que não vou aqui discuti-las por não ser o fórum certo. Mas, que eu saiba, nenhuma coloca o risco à vida dos indivíduos que formam o corpo politico como aceitável na legitimação do Estado.

Um Estado que permite que seus agentes e outros profissionais da violência possam apossar-se dos meios coercivos e usá-los de forma (aparentemente) desregrada, atentando contra a vida dos seus cidadãos, até pode servir os interesses de certos grupos que o controlam num determinado momento, mas, depois de algum tempo, enfraquece-se e torna-se inútil, mesmo para a defesa dos interesses estreitos de alguns grupos que possam ter ganhos decorrentes dessa violência, porque perde a legitimidade para reivindicar o tal monopólio legítimo de uso da força.

A forma recorrente como o estado moçambicano “se revela incapaz” de esclarecer os crimes violentos envolvendo figuras políticas, contribui para a perda de confiança na sua capacidade de garantir a vida e, no limite, as pessoas podem começar a procurar outras formas de proteger as suas vidas. Já apresentei a minha perspectiva sobre isso, de que é uma forma de controlo social pelo medo.

Mas o medo tem uma particularidade: ele só é eficaz para os que continuam vivos e os que esperam que em algum momento as suas vidas melhorem, caso se “comportem” e ajam como os que controlam a violência implícita e explicitamente exigem. Em situações em que a violência se combina com a falta de perspectivas de melhoria das condições de vida, como em contextos onde a economia política deixa pouco espaço para o progresso individual e colectivo fora de certas estruturas, com destaque para as políticas, tenho sérias dúvidas de que o estrito controlo pela violência seja efectivo por longos períodos de tempo.

Moçambique me parece estar a ter essa combinação, a de um Estado que de forma crescente se revela ineficaz na protecção da vida (exemplo, além dos crimes de conotação política, as ondas de crimes nas zonas urbanas), ao mesmo tempo que aumenta a percepção de que as possibilidades de progresso fora da esfera política são mínimas e o estado se encontra cada vez mais fraco para prover bens público básicos, dentre os quais serviços sociais, um bom clima económico e a segurança.

Assassinar figuras como Mahamudo Amurane, que para alguns representavam a centelha da possibilidade de num Estado que funciona, pode até ter ganhos de curto prazo para os mandantes deste crime hediondo. Mas, a longo prazo (talvez até menos, dada a situação de crise “de quase tudo” em que vivemos), os que recorrem à violência como mecanismo de controlo social terão que enfrentar uma sociedade cada vez menos propensa a vergar perante a repressão.

Por outras palavras, o efeito da repressão no controlo social terá graus de eficiência e eficácia marginal cada vez mais decrescentes. O que quer dizer que devem investir cada vez mais recursos na violência e na repressão e com resultados cada vez mais fracos. Até porque ao apostarem no investimento na violência, estarão a deixar de usar recursos para outras áreas que reforçariam a ordem política, como a economia, por exemplo, e no fim nem recursos para investirem nessa violência existirão. Claro que estou a dizer isso pensando que temos pessoas que pensam a longo prazo, o que não parece ser o que acontece neste meu país. Mas o que me parece cada vez mais claro é que o projecto de controlo da sociedade através da violência não tem pernas para andar, porque é um projecto de curto prazo. Os que acham que podem continuar a recorrer à violência para controlar a sociedade, perante um Estado complacente e às vezes cúmplice, devem-se preparar para batalhas muito mais duras no futuro, porque estão a contribuir para enfraquecer aquilo que mais prezam na sua estratégia: o medo da morte e a esperança de algum bem-estar, quando não se incomoda às pessoas erradas.

Ora, numa situação em que cada vez mais a vida é incerta, as perspectivas de melhoria das condições de vida minguam e a violência parece estar fora do controlo, destrói-se as bases do controlo pelo medo. E também da legitimidade do Estado, a entidade de controlo por excelência. Deste modo, no futuro, terão que lidar com muitas pessoas desesperançadas por um Estado que parece que não as protege e não cria condições para perspectivas de progresso futuro.

Os protestos populares em Nampula em reacção ao assassinato de Mahamudo Amurane podem ser apenas um microcosmo da revolta pela esperança roubada, mas também poder ser uma amostra do que as pessoas, quando roubadas a esperança de um Estado possível podem fazer.

Há que se ter cuidado quando se retira a esperança às pessoas.

Já dizia Sun Tzu: “Numa batalha, não encurrale o inimigo. Deixe sempre uma saída. Senão, não lhe restará outra alternativa a não ser lutar pela própria vida. Então, cada soldado inimigo valerá por dez dos seus”.

(fim)

 

António Rita Ferreira, o genial analista da realidade social, antropológica e política de Moçambique, recentemente falecido, uma vez me disse que, no dia em que os Macuas, ainda impactados pela sua cultura de matriz matrilinear e história de um relativo pacifismo, despertassem e se organizassem, que o curso da história de Moçambique se alteraria por completo em relação àquilo que se tem feito, dito e escrito desde as eras pré-colonial, colonial e pós-colonial, em que o foco e a determinação dos eventos se centrou no Sul da antiga colónia e em duas etnias relativamente minoritárias.

 

Fonte: FB de JJM, 6 de Outubro 2017, 12:24 horas

02/03/2014

A ESCOLHA DO IMPERADOR, 2014

Filed under: A escolha do Imperador 2014 — ABM @ 5:34 pm

Para quem conhece a saga de Star Wars.

May the Force be With Us.

May the Force be With Us.

O Candidato Manchuriano. Adivinhe quem é.

25/01/2014

A PRESIDÊNCIA IMPERIAL II: CHINA HOUSE EM MAPUTO

Filed under: Presidência Imperial - China House — ABM @ 8:38 pm

A luxuosa nova ala do Complexo presidencial moçambicano. Ninguém sabe quanto custou

A luxuosa nova ala do Complexo presidencial moçambicano, situado junto aos antigos Grémio e Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra, em frente à Somershield, tornados residência presidencial após a Independência. Obviamente uma Obra do Regime Guebuza, ninguém sabe quanto custou ou quais foram as contrapartidas. A cosntrução esteve a cargo de uma empresa estatal chinesa e foi paga com um empréstimo que a China fez ao erário público de Moçambique. Esta foto de satélite data de final de Setembro de 2013. O complexo foi inaugurado ontem, 24 de Janeiro de 2014.

Refere o texto noticiário da Agence France Presse publicado hoje (traduzido por mim do texto original em inglês):

O Presidente moçambicano Armando Guebuza inaugurou o opulento novo complexo presidencial de gabinetes, construído pelos chineses, em Maputo, na sexta-feira.

“Queremos expressar a nossa gratidão ao governo da República Popular da China por criar as condições que permitiram a construção deste projecto”, referiu Guebuza durante um banquete.

O edifício de dois andares, pintado em côr de pêssego, situado em frente às águas azuis da Baía de Maputo, inclui candelabros de cristal, interiores forrados a mármore e uma sumptuosa sala de banquetes.

Por comparação, o vasto novo complexo torna minúsculo o anterior edifício [Palácio da Ponta Vermelha] com apenas um andar, onde Guebuza costumava receber personalidades estrangeiras.

Representantes do governo não divulgaram os custos com a sua construção, que foram financiados com um empréstimo feito pelo governo Chinês.

Durante um discurso que incluiu um brinde com champanhe, Guebuza considerou o edifício “outro testemunho da amizade e cooperação entre o povo de Moçambique e o povo da China”.

A Foreign Economic Construction Corporation, uma empresa chinesa, construiu o vasto palácio de dois andares em apenas dezoito meses.

A empresa estatal chinesa, que também construiu as novas terminais doméstica e internacional do Aeroporto de Maputo e um estádio desportivo[no Zimpeto], começou este mês a construção [no antigo Parque de Campismo da cidade, agora o Centro de Conferências Joaquim Chissano] de um hotel de cinco estrelas, com um custo estimado de 250 milhões de dólares americanos.

Com 71 anos de idade, Guebuza terá apenas meses durante os quais poderá usufruir o seu novo gabinete antes da eleição presidencial que se realizará em Outubro próximo. Ele reside na residência presidencial, situada ao lado do novo complexo.

No ano passado, Guebuza viajou até à China para obter fundos para projectos de infra-estrutura.

Guebuza fala com Xi Jinping, o presidente chinês, no Grande Salão do Povo em Pequim, 13 de Maio de 2013

Guebuza fala com Xi Jinping, o presidente chinês, no Grande Salão do Povo em Pequim, 13 de Maio de 2013. Foto de Jason Lee, AFP, com um toque meu.

A maior parte das redes de electricidade, de caminhos de ferro e de estradas moçambicanas datam da era colonial, que terminou há quatro décadas, parte das quais foram destruídas numa guerra civil que durou 16 anos e que terminou em 1992.

(fim)

03/11/2013

A PRESIDÊNCIA IMPERIAL I

Filed under: Presidência Imperial - Hawker 850 XP — ABM @ 7:16 am

Um avião de luxo executivo Hawker 850 XP.  A força aérea" de Moçambique acabou de adquirir um.

Um avião executivo de luxo Hawker 850 XP. A “força aérea” de Moçambique acabou de adquirir um, segundo o sítio Defence Web, publicado no dia 1 de Novembro de 2013. Fabricado nos Estados Unidos da América. Tem um custo estimado de 14 milhões de dólares.

O Sítio DefenceWeb, que se especializa em assuntos militares africanos, publicou no dia 1 de Novembro o seguinte texto, algo hilariante:

The Mozambican Air Force has taken delivery of a Hawker 850XP business jet, the latest acquisition for the country’s small air arm and a major boost to its capacity.

The aircraft entered service in September, according to Air Forces Daily, after being bought second hand from the United States. It left Fort Lauderdale Executive Airport in Florida on its delivery flight on September 9 and had its US registration cancelled on September 18 following its transfer to the Force Aerea de Mocambique (Mozambique Air Force).

The aircraft will most likely be used for VIP duties and is a major boost to the Air Force, which is almost entirely inoperable, although efforts of late have been made to restore some flying capacity. The Air Force has suffered poor serviceability since independence from Portugal in 1975 and the collapse of the Soviet Union and its financial support in the early 1990s.

Portugal, due to its historic relationship with the country, has over the last several years provided much assistance to Mozambique’s military. In July 2012 Portugal delivered a second FTB-337G Milirole utility aircraft to the country, as part of the CTM (Cooperação Técnico-Militar) technical military cooperation agreement between Mozambique and Portugal. This agreement also includes training and the FAP is working with the Mozambique Air Force on pilot and ground crew training in both countries.

Indeed, Portuguese advisors are training aircrew and mechanics at the recently formed Escola Prática de Aviação (EPA – School of Practical Aviation) at the Air Force’s base at Maputo-Mavalene International Airport.

The two FTB-337Gs are used for medical evacuations, maritime surveillance and pilot training, alongside a Cessna 152 and a Piper PA-32 Seneca, acquired around 2011. A Cessna 172 is also used for training at the EPA, according to Air Forces Daily. These aircraft fly approximately 650 hours per year.

According to the IISS’s The Military Balance 2012, none of the Air Force’s combat aircraft are operational, with only a few transports (two An-26s, two CASA 212s and a Cessna 182) and several Z-326 trainers still flying.

(fim)

O interior da nova aquisição da Força Aérea de Moçambique.

O interior da nova aquisição da Força Aérea de Moçambique. Dada a natureza e configuração, presume-se que será para uso presidencial e afim, evitando assim a necessidade das personalidades que o irão utilizar, de se deslocarem pelas estradas naconais ou de voar na frota das Linhas Aéreas de Moçambique. Em desconforto.

Uma empresa especializada no assunto refere que o custo estimado desta aeronave é de 13.7 milhões de dólares, excluindo os custos de manutenção e operacionais. O texto da Defence Web refere que o avião comprado é em segunda mão e não indica o preço pago.

12/09/2013

ARMANDO GUEBUZA O INCONTESTÁVEL, 2013

Filed under: Armando Guebuza 2013 — ABM @ 6:07 pm

Haja paciência.

Haja paciência quando se recorre a estes slogans de “apoio” para caracterizar um homem que é suposto ser uma liderança política, até mesmo quando o próprio termo sugere um certo, conhecido, resvalo ditatorial, pois, excepto talvez em Moçambique, não é em democracias que os líderes são “incontestáveis”: isso só acontece verdadeiramente em ditaduras. O que se calhar diz nada. O que se calhar diz tudo. 

A foto é do jornalista Borges Nhamirre do Canal de Moçambique, e o estádio atrás é o do Zimpeto, nos arredores de Maputo, construído e pago pelos chineses, presume-se que em troca de favores, indescritos.

Há outros paralelos. Noutros tempos, Samora Machel, que se crê ser o modelo para esta propaganda um tanto deslocada no tempo, foi também conhecido por «líder incontestado e incontestável da revolução moçambicana», tal como descrito (previsivelmente, claro) por Marcelino dos Santos, a grande eminência parda do Regime, durante um daqueles comícios longos e  intragáveis, em Maputo, por volta de 1979.

24/03/2013

O CORREDOR DO ZAMBEZE E O FUTURO

Filed under: O Corredor do Zambeze, O Corredor do Zambeze — ABM @ 10:40 pm

A gigantesca, fenomenal bacia hidrográfica do Rio Zambeze, que apanha uma boa parte de Angola, toda a Zâmbia, todo o Malawi, quase metade do Zimbabué e uma boa parte de Moçambique.

A gigantesca, fenomenal bacia hidrográfica do Rio Zambeze, que apanha uma boa parte de Angola, toda a Zâmbia, todo o Malawi, quase metade do Zimbabué, partes da Namibia, Botswana, Tanzânia e uma boa parte de Moçambique.

Há dois temas que gostava de abordar à laia de introdução do texto em baixo, de autoria de Fátima Mello.

O primeiro é sobre o Rio Zambeze, ou seja, a sua bacia hidrográfica, que, para o Exmo. Leitor menos informado, pode ser vista em cima. Simplesmente dito, é gigantesca. Os moçambicanos gostam de mistificar o Zambeze e habitualmente despendem as suas duas linhas e meia sobre a enorme barragem que os portugueses fizeram (e essencialmente pagaram, antes de a “venderem” por tuta e meia a Moçambique). Só que o Zambeze não é um rio qualquer. Um pouco como outros rios que cortam o País de Oeste para Leste, na sua corrida para o mar, o Zambeze começa quase no outro lado de África e corre para Leste, descendo suavemente.

Só que África é um continente com uma plataforma continental bastante alta. Ou seja, quando chove muito nas suas bacias – que, como o nome indica, “recolhem” num ponto as águas que nelas caem- os rios não só se transformam em oceanos, como em oceanos difíceis de controlar. Mas não impossível, se bem que os custos desse controlo poderão cada vez ser mais postos em causa por razões ambientais e o impacto na flora e na fauna.

Mas, como já disse mais que uma vez, aqui residem os três eldorados moçambicanos para o futuro: água, terrenos agrícolas e energia hidroeléctrica. A atracção é quase fatal nestes dias que correm. Imune às preocupações, a elite política moçambicana, que quer ser a elite económica para os próximos cem anos, posiciona-se para recolher os lucros desses negócios previstos. Rapidamente.

Este foi o primeiro comentário.

O segundo comentário é digamos que de ironia política. Quando, mesmo antes do ditador português Salazar ter sido neutralizado por um AVC resultante duma queda, no final do verão de 1968, o seu governo anunciou a construção da barragem, então um projecto de uma envergadura nunca dantes vista numa colónia sob administração portuguesa, a Frelimo ainda do Dr. Mondlane reagiu contra. Meses depois o Dr. Mondlane foi assassinado e a Frelimo deu uma violenta guinada para o fosso do marxismo-leninista-maoista-pol-potista, a oposição expressa não foi só motivada pelo habitual argumento militar que opunha colonizador e colonizado. Fundamentava-se também na perspectiva totalmente delirante de que o vale do Zambeze seria colonizado por um milhão de colonos brancos (de onde viriam ainda hoje não se vislumbra) que tomariam as terras, destruindo as vidas de então mais que um milhão de pacíficos residentes naturais da região. O chamado Plano do Zambeze não era modernização: era o Colonialismo (com C grande) no seu pior e mais nefasto.

Fast forward quarenta anos e aqui temos nada menos que Moçambique gerido pela mesma Frelimo há quarenta anos seguidos, agora de fato Gucci e 4×4, o ex-guerrilheiro Armando Guebuza na presidência executiva e, graças a uma profícua reprodução, uns cinco milhões de pessoas que vivem ainda em abjecta miséria e doses substanciais de analfabetismo nas margens, na bacia do mesmíssimo Rio Zambeze. E qual é o plano de acção?

Os últimos cerca de 300 quilómetros do percurso do Rio Zambeze, na mira de mais mega-negócios da Elite.

Os últimos cerca de 300 quilómetros do percurso do Rio Zambeze, na mira de mais mega-negócios da Elite.

Leia-se então a nota de Fátima Mello, publicada no Wamphula Fax de 25.03.2012, repruduzida no fabuloso Macua Blogs e reproduzida aqui com profunda vénia, a propósito do chamado Corredor de Nacala, que é infimamente mais pequeno que o do Zambeze, mas que deixa adivinhar o que vai ser quando começarem os hidro e agro-negócios naquela região:

Os governos do Brasil, Japão e Moçambique estão iniciando a execução de um grande programa no norte de Moçambique, no chamado Corredor de Nacala, região que possui características físicas e ambientais muito similares ao Cerrado brasileiro. Apesar do padrão vigente de falta de informação às comunidades que serão afectadas ou, muito pior, da disseminação de informações distorcidas e contraditórias, o que se diz é que o ProSavana tem um horizonte de duração de 30 anos, abrangerá uma área estimada em 14,5 milhões de hectares nas províncias de Nampula, Niassa e Zambézia, onde cerca de 5 milhões de camponeses vivem e produzem alimentos para o abastecimento local e regional. As comunidades camponesas estão concentradas exactamente onde está prevista a chegada dos investimentos do ProSavana.

Apesar da ABC (Agência Brasileira de Cooperação) insistir na tese de que as críticas em curso decorrem de falhas de comunicação, o diálogo com organizações e movimentos sociais parceiros em Moçambique evidencia que o problema é mais grave: o Brasil está exportando para a savana moçambicana seus históricos conflitos entre o modelo de monoculturas em larga escala do agronegócio voltadas para exportação e o sistema de produção de alimentos de base familiar e camponesa.

Em recente divulgação de informações sobre o ProSavana em Maputo os responsáveis pelo programa apresentaram um mapa do Corredor de Nacala dividido em áreas que serão destinadas a atracção de investidores privados para “culturas de alto valor” e “clusters agrícolas” para a produção de grãos (entre eles a soja) pela agricultura “empresarial”, produção familiar de alimentos pela “agricultura familiar”, grãos e algodão pela “agricultura empresarial de média e grande escalas”, caju e chá pela “agricultura empresarial média e familiar”, e a “produção integrada de alimentos e grãos” por todas as categorias. Ou seja, a velha tese da convivência possível e harmónica entre os sistemas de produção do grande agronegócio e da agricultura familiar e camponesa, que no Brasil é fonte de intensos conflitos.

Enquanto os governos garantem que o programa trabalhará com a pequena produção camponesa em Moçambique, em 2011 a ABC ajudou a organizar a viagem de um grupo de 40 empresários da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), da região do Cerrado, estado de Mato Grosso, para identificarem oportunidades de negócios no Corredor de Nacala. O presidente da Associação Mato-Grossence dos Produtores de Algodão (Ampa) afirmou que “Moçambique é um Mato Grosso no meio da África, com terra de graça, sem tanto impedimento ambiental e frete mais barato para a China”.

São inúmeras as notícias de imprensa que falam de uma reprodução em Moçambique do Prodecer, o desastre sócio ambiental implantado pela cooperação japonesa no Cerrado brasileiro, que expulsou populações tradicionais de seus territórios, abriu um oceano de monoculturas para exportação e inundou a região de agro-tóxicos.

Até agora se diz que o ProSavana terá 3 eixos: um de fortalecimento institucional e pesquisa; o segundo de montagem de um estudo base para a elaboração do Plano Diretor (a instituição escolhida para elaborar o estudo é a GV Agro); e um terceiro de extensão e modelos onde afirma-se que MDA, Emater entre outros actuariam a favor das demandas da sociedade civil de apoio aos pequenos produtores. Em resposta às demandas de entidades e redes como UNAC, ORAM,

ROSA, Plataforma de Organizações da Sociedade Civil de Nampula, MUGEDE, Fórum Terra, União Provincial de Camponeses de Niassa, Justiça Ambiental entre muitas outras por informações, acesso às versões do Plano Diretor em elaboração e que as comunidades camponesas sejam consultadas, as autoridades brasileiras afirmam que o Plano Diretor será divulgado da melhor forma possível quando estiver finalizado. Ou seja, um estudo com base na GV Agro está em elaboração sem que as entidades que representam os milhões de camponeses que vivem na região sejam sequer consultadas. Apenas receberão a informação quando o Plano Diretor estiver pronto. Eventos de lançamento de versões do Plano Diretor são realizados, visando transmitir alguma informação, mas não para um diálogo qualificado nem para colher demandas e propostas das organizações e movimentos sociais.

Conversando com camponeses ao longo do Corredor de Nacala fica claro que brasileiros e japoneses estão indo às comunidades para avisar que o ProSavana está chegando. Depois afirmarão que fizeram as chamadas consultas a sociedade civil. Isso que estão fazendo não é consulta; até agora o que existe é um grave problema de metodologia na definição dos conteúdos e dos interesses que serão atendidos pelo programa, que estão sendo definidos de cima para baixo, pelos governos e empresas interessadas.

Percorrendo o Corredor de Nacala fica muito claro o que afirmam as organizações e movimentos sociais de Moçambique: a região é toda povoada por comunidades camponesas, que com seus sistemas de produção em pousio cultivam milho (o principal alimento do país), mandioca, feijão, amendoim. Ali vivem, produzem, realizam suas festas, desenvolvem em seus territórios relações familiares e comunitárias. Na região vivem cerca de 5 milhões de camponeses.

As entidades e movimentos que os representam identificam a insegurança alimentar como um grande problema no país, e desejam que a produção de alimentos realizada pelo sistema da agricultura familiar e camponesa seja fortalecida. Suas propostas incluem crédito para o fortalecimento de sua produção, apoio à comercialização e compra da produção por preço justo, apoio às associações de pequenos produtores e entidades criadas pelas comunidades. Todos querem participar de programas que apoiem seus sistemas de produção. Depois de escutar e dialogar com eles ao longo do Corredor e ver suas esperanças de que o ProSavana poderia ir ao encontro de suas propostas, quando se chega a Nacala o choque é gritante: uma cidade tomada pela construção de uma gigantesca infra-estrutura de mega armazéns, portos (e um aeroporto construído pela Odebrecht) para exportar a produção da região.

Muitos problemas precisam ser enfrentados. O direito dos camponeses a terra é o principal. A Lei de Terras de Moçambique lhes dá o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT), que é pública. O direito de uso será concedido às empresas? Como ficará a situação dos camponeses? Como diz um membro da Plataforma de Organizações da Sociedade Civil de Nampula, do centro do Corredor até Nampula “não existe área com mais de 10 hectares de terra desocupada”. Em Niassa as entidades afirmam que a província é toda povoada, excepto nas montanhas, e que todo o Corredor onde está prevista a chegada do ProSavana é a área mais habitada.

Os governos admitem que haverá reassentamentos. As entidades estão vigilantes e mobilizadas para não permitirem mudanças contrárias aos interesses dos camponeses na Lei de Terras e na legislação sobre sementes que corre o risco de ser alterada para viabilizar o uso de transgénicos. Estão preocupados com o modelo de monocultivos em larga escala e intensivo em uso de agrotóxicos que conheceram quando visitaram o estado do Mato Grosso e a área do Prodecer.

Enquanto isso, realizam acções de resistência produtiva e de fortalecimento de alternativas, como é o caso do intercâmbio entre UNAC e MPA/Via Campesina sobre sementes nativas.

Há uma década por orientação do Presidente Lula, a política externa brasileira começou a se abrir ao diálogo com organizações e movimentos sociais. Com isso se fortaleceu a necessária disputa de rumos sobre a presença do Brasil no mundo, pois ela é o espelho da correlação de forças existentes em nossa sociedade. O caso do ProSavana é crucial para que as conquistas dos movimentos sociais do campo brasileiro a favor da segurança e soberania alimentar, traduzidas em programas de apoio a produção e comercialização da produção familiar e camponesa, sejam reflectidas na presença brasileira no Corredor de Nacala. Afinal, é disso que os camponeses e pequenos produtores precisam, no Brasil e em Moçambique, para se fortalecerem contra as injustiças sociais e ambientais e violações de direitos cometidas pelo modelo do agronegócio, para garantirem o direito a terra, a segurança e soberania alimentar da população.

Que a presença do Brasil em Moçambique fortaleça os direitos dos camponeses, e que assim o Brasil seja capaz de demonstrar na prática que sua crescente presença como actor global visa de facto, reduzir as desigualdades e fazer justiça.

(fim)

18/03/2013

MOÇAMBIQUE O TERCEIRO PIOR DO MUNDO EM DESENVOLVIMENTO HUMANO EM 2012

Filed under: IDH de Moç 2º Pior do Mundo em 2012 — ABM @ 7:19 pm

O que surpreende é como não se tiram ilacções do que aqui se reproduz, e que foi divulgado na passada 5ª feira.

O que o semanário Savana divulgou, num canto, na passada sexta-feira. Fiz uma pequena correcção.

O que o semanário Savana divulgou, num canto, na passada sexta-feira. Fiz uma pequena correcção.

 

O quadro indicando a progressão do índice de IDH entre 1980 e 2012. Qual é a parte de "o desempenho é miserando" que não se entende?

O quadro indicando a progressão do índice de IDH entre 1980 e 2012. Qual é a parte de “o desempenho é absolutamente miserando” que não se entende?

O resumo da análise feita ao desempenho de Moçambique pela UNDP. Só há dois países no mundo abaixo de Moçambique.

O resumo da análise feita ao desempenho de Moçambique pela UNDP. De um universo de 187 países, só há dois países no mundo abaixo de Moçambique.

 

Os principais indicadores de desenvolvimento humano dos moçambicanos em 2012. Creio que não incluem a "Princesa Milionária".

Os principais indicadores de desenvolvimento humano dos moçambicanos em 2012. Creio que não incluem a “Princesa Milionária”.

 

 

17/03/2013

A CEREJA NO TOPO DO IMPÉRIO

Filed under: A Cereja no Topo do Império — ABM @ 6:24 pm

Valentina da Luz Guebuza, uma das filhas do actual presidente da república de Moçambique.

Valentina da Luz Guebuza, uma das filhas do actual presidente da república de Moçambique.

O timing da peça, publicada em Agosto de 2012 na sul-africana Forbes, uma daquelas revistinhas marginais e mais ou menos irrelevantes que gostariam de fazer jornalismo à americana e reverberar de forma algo pedante e lambuzante o que as putativas novas elites andam a fazer a Sul do Trópico de Capricórnio, causou alguma impressão no habitual boçalismo sonâmbulo, provinciano e domingueiro da Maputo da pós-Independência, do pós-comunismo, do pós a Frelimo de braço no ar, agora transformada na algo problemática capital da Frelimo Imperial, na pré-fase do orgasmo gaso-petrolífero-carbonífero.

A peça obviamente causou alguma impressão a muita boa gente (a mera quantidade de vezes que me enviaram cópias assim o ilustrou) que mais não seja porque, aparte das habituais generalidades anónimas e irresponsáveis – no sentido em que, em surdina, acusam sem jamais apontar o dedo de forma consubstanciada a ninguém que não seja já um animal ferido- raramente emerge à superfície uma situação em que há um nome, uma face e uma história, relacionadas com a Elite, especialmente com a Primeira Família, a cereja no topo do cada vez mais complexo edifício frelimiano.

Provavelmente sem reflectir sobre o seu impacto na populaça que lê, Valentina Guebuza, uma filha do actual presidente dum país em que, malgrado as prometidas vastas riquezas, persiste em viver dos donativos e do acrescento cíclico das dívidas doméstica e internacional e no meio duma explosão de miséria sem precedente, ilustrou graciosa e tragicamente os mecanismos de como o Poder arrecada para si – e pelos vistos só para si – os negócios e as riquezas que à partida seriam, deveriam ser de e para todos, ou pelos menos negociados e acumulados por e para todos, não por fazerem algo de especial, mas apenas porque são quem são, estão onde estão, podendo mediar o poder soberano em proveito próprio.

Essa é também, muito pouco coincidentemente, a definição geral de corrupção.

Que na essência confronta uma questão moral, ou, quiçá neste caso, de falta, de moral pública e ética política.

O título e o início do texto de Emanuel Novais Pereira.

O título e o início do texto de Emanuel Novais Pereira.

Pois é praticamente impossível, neste caso argumentar que a jovem Tina não é o que é, ou pretende ser, simplesmente por ser filha de quem é, e de ter o apoio tácito associado ao estatuto de Próxima do Poder. E de facto parte integrante do plano de acumulação de riqueza desse Poder.

Um Poder executivo vastíssimo, do ponto de vista constitucional, exercido ambiciosamente desde o início com uma marcadíssima componente empresarial pessoal (veja-se a extensão que é conhecida aqui), cujo expoente coincidiu com a vigência de dois mandatos presidenciais.

Componente essa que, sendo o seu titular septuagenário, requer sucessão, sem a qual essa acumulação provavelmente não faria qualquer sentido.

Há quem cale e consinta e que nisso considere que se reflecte uma necessidade, a necessidade de um País possuir uma classe empresarial que, não existindo historicamente, há que ser criada, o mais rapidamente possível, a qualquer custo. Penso que tal é uma perversão moral do nacionalismo, um argumento que meramente procura justificar o esbulho efectuado.

Mas há quem o aceite.

Ou ainda há quem ache que afinal a sua natureza rapaz (de rapacidade) seja afinal o curso normal para Moçambique e até o que se observa noutras sociedades próximas, onde o fenómeno do enriquecimento de outra forma inexplicável das pessoas relacionadas com o Poder eleito ocorra, sem que nada nem ninguém o pare, ou sequer o comente abertamente, sem que nenhum mecanismo legal, constitucional, social ou moral, ou ainda a pressão dos media, se faça sentir.

E quem cala consente.

Ou ainda haja quem sinta que Aquele que supostamente Libertou o País tem, por falta de melhor termo, o direito ao seu Espólio, a quase qualquer custo.

É a Síndrome do Libertador, uma espécie de fatalidade africana, pós-colonial, que parece que tudo permite e tudo sanciona, e que exige a permanente e perpétua demonização do cada vez mais remoto e irrelevante passado.

Mas terá mesmo esse direito? Será mesmo assim? Será mesmo moralmente justo, culturalmente justificado, socialmente aceitável, politicamente comportável, no Moçambique actual, o enriquecimento súbito e quase inexplicável (a não ser através da corrupção, do exercício da troca de influências e das informações privilegiadas entre a Elite) como se alega ser o caso na África do Sul do ANC? O destroçar incongruente do Estado e da sociedade zimbabweana para obtenção de pecúlio por parte dos próximos do Sr. Robert Mugabe?

É Moçambique a próxima Angola? o próximo Zimbabué?

Será moralmente sancionável que Valentina, uma filha de Armando Guebuza, agora coagida com nada menos que Celso Correia para Membros do Comité Central da Frente de Libertação de Moçambique, de facto, a próxima Princesa Milionária de Moçambique? a próxima Isabel?

A próxima Guebuza? Multi-milionária aos 32 anos?

É esta a visão para o Moçambique do Século XXI?

Penso que não. Creio que Moçambique deve obediência a um imperativo moral mais elevado que este.

Como alguns outros, tenho alguma dificuldade, ao observar as gritantes carências e antever os titânicos desafios que os moçambicanos enfrentam no futuro, em constatar estas manifestações, que deixam transparecer a sobreposição do interesse próprio sobre o do Bem Comum, o exercício do Poder Imperial quase ilimitado para criar uma bolsa de riqueza pessoal que bordeja o insalubre e que é pouco consentâneo com a realidade geral do País.

Poder esse que, em sede própria, praticamente permanece incólume, intocável e intocado por uma massa dócil, deferente e acrítica, constituindo, a prazo, a maior ameaça ao surgimento e afirmação dos elementos constituintes da liberdade e de mecanismos democráticos na sociedade moçambicana.

E aí, o exemplo deve vir de cima.

23/01/2013

SOBRE O 70º ANIVERSÁRIO DO PRESIDENTE DE MOÇAMBIQUE, ARMANDO EMÍLIO GUEBUZA

Filed under: 70º aniversário de Armando Guebuza, Armando Guebuza — ABM @ 10:52 pm

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Aspecto do Salão Nobre do Palácio da Ponta Vermelha em Maputo a semana passada, aquando da celebração do 70º aniversário do actual presidente de Moçambique, Armando E. Guebuza. A enternecedora cerimónia foi visionada pelo maravilhoso (e algo molhado) povo pela Televisão de Moçambique, durante horas e horas.

 

18/03/2012

O PENSAMENTO DE VÍTOR GUERRA: OS JOVENS QUE VÃO VOTAR PELA PRIMEIRA VEZ EM MOÇAMBIQUE EM 2014

Cartaz anunciando uma festa recente numa discoteca de Maputo a realizar na noite antes do feriado de 25 de Junho, da Guyzelh Productions.

Quer-me parecer que quem manda neste país se está a esquecer dum pormenor de extrema importancia: uma grande maioria dos eleitores de 2014 (o que se nota já nestas eleições intercalares) só ouviu falar do colonialismo em terceira mão (mesmos os seus pais souberam o que era o xibalo através dos livros escolares), Kaunda, Nyerere, Mondlane, Samora, são nomes de ruas (esburacadas muitas delas) ou de histórias que ouvem os avós contarem.

Os jovens que irão voltar pela primeira vez em 2014, não fazem ideia do que quer dizer ONUMOZ ou de quem foi Aldo Ajello, e não têm qualquer interesse em saber.

Os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014, nasceram depois de 1992, não sabem o que foi a Guia de Marcha, o cartão de residente ou a autorização do Grupo Dinamizador para poder viajar; não imaginam o que é ter que esperar a formação da coluna militar para ir até à Manhiça, e não estão dispostos a entender que alguém, seja porque motivo for, agora os queira impedir de se deslocarem dentro do seu País.

Os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014, sabem que não estão a conseguir estudar por falta de vagas ou de condições financeiras, que não têm acesso a empregos formais e que o desenrascanço é o seu dia-a-dia; não querem que ninguém lhes explique que a culpa é do colonialismo ou da guerra de desestabilização que terminou antes deles nascerem!

Os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014, agradecem imenso os sacrifícios que os “libertadores” fizeram na sua juventude, mas agora que estes já usufruiram dessa liberdade querem também o seu lugar ao Sol, querem escolas, estradas, hospitais, fábricas, empregos…

Os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014, cresceram a ouvir retóricas fáceis, promessas eleitorais (coisa que os seus pais nem sabiam o que era) e já não se deixam levar com camisetes e capulanas.

Os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014, não se contentam com um “futuro melhor”, eles exigem, dia-a-dia, um “presente melhor”.

Os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014, estão cansados de ouvir sempre o mesmo discurso de quem diz poder “incendiar o país” como forma de colher mais uns “trust funds” para o seu bolso, nunca mostrando qualquer alternativa viável de futuro.

Os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014, já não acreditam nesta democracia partidária e aguardam expectantes que os que conseguiram lá chegar não sejam engolidos pelo sistema, estão de olhos em Galiza Matos Jr, Ivone Soares, Basilio Muhate, etc.

Para bem do nosso futuro colectivo, Frelimo, Renamo, MDM e todos os outros que aparecem em periodo de eleições à espera do Orçamento do Estado, é bom que comecem a olhar com outros olhos para os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014 e se lembrem que, embora alguns o tenham tantado vender e outros tantos o tenham vindo a comprar aos pedaços… este país não é nosso…é sempre da geração seguinte!

(Vitor Guerra, nota no Facebook, 12 de Março de 2012 às 02:08 horas)

12/03/2012

OS NEGÓCIOS DO CORREDOR DE NACALA E O LUCRO DE SETE MIL POR CENTO

Nacala, uma das baías mais surpreendentes de Moçambique.

 

Cito com vénia uma notinha publicada no semanário Savana deste passado fim de semana.

 

A nota do semanário Savana, publicado em Maputo a 9 de Março de 2012. A Factura da Libertação.

08/03/2012

OBLITI PRIVATORUM, PUBLICA CURATE

Filed under: Legislação anti-corrupção, Política Moçambique — ABM @ 10:01 am

Talvez um dia.

Com vénia, transcrevo o editorial do Semanário Savana, publicado em Maputo, do dia 2 de Março de 2012, precedido de um curto comentário alusivo ao tópico da não aprovação de uma nova legislação anti-corrupção para Moçambique.

Merece ser lido.

O curto comentário. Curto e grosso.

 

O editorial, parte 1 de 2.

 

O editorial, parte 2 de 2.

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