Imagens retocadas.
Eu tinha 14 anos e três meses de idade e vivia despreocupadamente com a minha família na então próspera e muito colonial Lourenço Marques quando, numa quinta feira, 25 de Abril de 1974, à hora de almoço, o meu Pai disse que, nas emissões em onda curta da BBC e da RSA (Radio South Africa, que emitia de Johannesburgo) relatavam que tinha havido um golpe de Estado em Lisboa. Na Cidade, o rumor corria mas na rádio, nem uma palavra. Ao fim da tarde, quando fui para o meu habitual treino de natação na piscina do Desportivo, confirmei que todos estavam a falar do assunto. Lembro-me, nesse fim da tarde, ter pressentido que o que se podia estar a passar teria possivelmente um enorme impacto na minha vida e da minha família. Em primeiro lugar, porque Moçambique, a única terra que de que eu me considerava parte, poderia, a breve trecho, tornar-se independente. O que eu via como, ao mesmo tempo, épico e problemático.
A partir daí, a velocidade a que o tempo passava, a sucessão estonteante dos eventos e a necessidade da tomada de decisões com grande impacto face ao que ia acontecendo, mesmo para um adolescente com 14 anos, impuseram uma maturação sem precedentes. Considero que foi nessa altura que a minha adolescência acabou. Pois era necessário estar à frente dos eventos e prever as suas consequências.
Dez meses mais tarde, estava em Coimbra, Portugal, por minha decisão, para continuar os estudos e nadar, pois a Lourenço Marques que eu conhecia estava-se a desmembrar, depois de meses de indefinição e os eventos de Setembro e Outubro. A maioria dos professores, portugueses, abandonavam a Cidade e no Liceu Salazar, já re-baptizado de 5 de Outubro, estudantes mais velhos alinhados com o que estava para vir começavam a ensinar marxismo e a questionar o estatuto “burguês” de se ser estudante ali. No Desportivo, os treinadores fizeram as malas e foram para Portugal. A total incerteza face ao futuro e a crescente agressividade dos novos senhores do poder deixava pouca margem para a imaginação e em casa os meus Pais ponderavam o que fazer.
Estive em Coimbra desde 20 de Fevereiro de 1975 e 20 de Setembro de 1977, após o que saí de Portugal. A então pequena e pacata cidade no centro de Portugal foi um palco relativamente isolado e pacífico mas privilegiado para assistir ao que sucederia ao país nesse intervalo de tempo. Também em Portugal, nessa altura, assisti à mesma incerteza total e imprevisibilidade perante o futuro. A poeira só começou vagamente a assentar depois do 25 de Novembro de 1975 e em 1976, quando, pela segunda vez, houve uma eleição parlamentar que correu sem grandes incidentes. Mas não fiquei convencido. Para quem vivia em Lourenço Marques, Portugal era um país cheio de problemas, pobre, largamente analfabético e embrenhado em lutas filosóficas e políticas que não me interessavam.
Passaram hoje 49 anos sobre o dia do tal golpe de Estado em Lisboa, convertido em feriado nacional e defendido como o Dia da Liberdade da III República portuguesa. Sou relativamente indiferente a estas caracterizações. Sim, o golpe foi essencial para o que aconteceu a seguir e que eventualmente trouxe uma certa liberdade de expressão aos portugueses. Mas, do que me recordo, o resto do ano de 1974, 1975 e parte de 1976 foi um período em que essa tal liberdade era tudo menos certa. O paradoxo é ter-se escolhido essa data inicial para assinalar um final quiçá feliz mas que não teve nada a ver com os eventos desse dia. É sinal evidente da vitória dos que perderam essa luta que foi o dia 25 de Abril de 1974 a data escolhida. Aliás nem estou certo de qual foi a data em que se percebeu que Portugal não ia para o comunismo e que iria ter um regime parlamentar semi-presidencialista em que poderia haver rotatividade entre os partidos políticos. Foi a data da primeira eleição para a Assembleia Constituinte? o 25 de Novembro de 1975? ou a primeira eleição parlamentar e presidencial, em Abril de 1976?
Em Moçambique, o movimento nacionalista guerrilheiro tomou conta do poder, apropriou-se de tudo, desmantelou a maioria da economia no espaço de meses e literalmente correu com os portugueses (que incluia brancos como eu que pouco tinham já que ver com Portugal) e instaurou uma ditadura comunista que pretendeu exorcizar os fantasmas do passado e construir um novo regime e uma nova sociedade. 49 anos mais tarde, ainda é essencialmente um regime de partido único gerido continuamente pelas mesmíssimas pessoas, ou os seus Candidatos Manchurianos, escolhidos a dedo, e que agora são a nova elite colonial. O serem pretos e da casa atenua para muitos o pecado.
As últimas décadas têm sido de guerra, de ameaça de guerra e de instabilidade civil, aliada a um sem fim de tragédias naturais.

Portugal, mais uma vez, caminha firmemente para conquistar o seu lugar como um dos países mais pobres da Europa, dos mais endividados do Mundo, dos mais taxados em termos da capacidade financeira dos seus contribuintes, dependente de uma relação assistencialista com a União Europeia, com uma população não só envelhecida e pobre mas em que a maioria dos seus jovens que se educam emigra ou pensa emigrar. Para fazer face à implosão populacional, prevê-se trazer milhões de imigrantes para manter o Estado funcional. Virão quase todos da Ásia, de África e alguns do Brasil. A previsão de crescimento da economia nos próximos cinco anos é de, como nas últimas três décadas de….um por cento por ano.
Portanto, o que mais tendo a celebrar neste dia é ter sobrevivido esta loucura quase alucinante até agora com a cabeça no lugar e ainda algum sentido de humor. Onde tantos vêem copos meio cheios, eu, menos optimista, tendo a ver copos meio vazios. Hoje tenho 63 anos de idade e dou graças por já não ter que aturar muitos mais anos disto.
E para assinalar aqui esta data, algo surpreendentemente, um amigo moçambicano (de “gema” ou “originário”, como agora se diz lá) enviou-me a semana passada uma ligação a um texto, publicado há quatro anos por Alexandre Reigada, que eu não conhecia e que publicou num sítio que parece ser um movimento político de direita. Por coincidência, ou não, Reigada nasceu em Vila Pery (hoje Chimoio) e parece que esteve lá até lhe acontecer, e aos dele, o que me aconteceu.
Eis o texto, que reproduzo na íntegra em seguida, a que ele deu o título “25 de Abril: uma história negra” e que contém uma interessante versão alternativa ao discurso politicamente revisionista actual.

(início)
Em 1960, no seguimento da renegociação do acordo da Base das Lajes, a visita de Eisenhower desanuvia as relações entre Portugal e os Estados Unidos da América. Marcello Mathias exigia maiores contrapartidas, conseguiu algumas, mas ficou insatisfeito. Porém, a questão do Ultramar português continuava sem resolução e os EUA assumiram sempre um papel dúbio.
Em meados dessa década surge a oposição “democrática” nas universidades, sobretudo em Lisboa. Incluía maoístas, marxistas-leninistas, trotskistas, hippies ecologistas, geralmente oriundos de famílias abastadas. Do meio empresarial e jurídico emergiu um grupo de liberais com interesses nos negócios e na política. Ambas as facções se posicionaram, ora à Esquerda ora à Direita, no sentido de salvaguardar o seu futuro.
A entrada de jovens tecnocratas na SEDES, para quem o eldorado era a CEE, marcou uma nova fase na contestação ao Estado Novo. O aparecimento da Ala Liberal, dos grupos comunistas e de extrema-esquerda, facilitou o relacionamento destas forças com os diferentes blocos internacionais. A Ala Liberal, oriunda da alta burguesia, formada entre outros por Francisco Sá Carneiro, Magalhães Mota, Mota Amaral e Francisco Pinto Balsemão, defendia um regime parlamentarista de partidos políticos e a adesão à CEE. Não consideravam a defesa do Ultramar como algo importante. Este grupo recebeu fortes apoios de alguns sectores do Estado Novo ligados à tecnocracia, à banca e aos grandes meios monopolistas, assim como aos meios empresariais e firmas jurídicas.
A década de 60 ficou sobretudo marcada pela Guerra do Ultramar. Em 15 de Março de 1961, no norte de Angola deu-se o genocídio de largas centenas de pessoas — brancas, negras, mulatas — por hordas de mercenários vindos do Congo Belga, aliciadas pela UPA, depois FNLA, de Holden Roberto, que era apoiado ostensivamente pela esposa do Presidente Roosevelt e pelo Committee on Africa. Na ONU, Portugal era injuriado por nórdicos e ingleses, e até o representante do Nepal boicotava o nosso país.
O Estado Novo poderia, deveria e estava a ser renovado gradualmente, com índices de crescimento anuais a rondar os 6%, mas o surgimento destas organizações subversivas, a fossilização da Assembleia Nacional, a acção doutrinária clandestina levada a cabo pelos comunistas, a politização radical promovida nos meios académicos e militares e a intromissão estrangeira, precipitaram os acontecimentos.
A partir de 1973, as manobras políticas aceleram-se. Em Abril ocorre o III Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, onde se concretiza um acordo prévio entre socialistas e PCP. Duas semanas mais tarde, com o alto patrocínio do Governo alemão da RFA, é fundado o Partido Socialista, em Bad Munsterfeld (arredores de Bona). No seguimento, ocorre um encontro dos liberais em Lisboa.
Entre 1 e 3 de Junho, realiza-se no Porto o I Congresso dos Combatentes do Ultramar, favorável à defesa do espaço ultramarino “em nome da grandeza e unidade de Portugal”. A frase mobilizadora é: “Não seremos a geração da traição”. Em resposta, 400 oficiais contestatários fazem um abaixo-assinado contra o Congresso e um grupo de oficiais na Guiné envia inclusive um telegrama de desagrado. Por essa altura, é promulgado o Decreto-Lei 353/73 que diminui o tempo do curso de oficiais da Academia Militar e permite a incorporação de milicianos no Quadro Permanente, devido à falta de capitães. Os oficiais da Academia Militar protestam, recebem melhores salários e o decreto é revogado. Mas o protesto continua e, em Dezembro, no seguimento de uma reunião em Óbidos, surge o Movimento dos Capitães.
Uma peça fundamental de toda esta história, e que permite descortinar a real dimensão daquilo que estava em jogo, foi o IV Plano de Fomento para o período de 1974-1979, publicado em 26 de Dezembro de 1973, e que por via do golpe não se implementou. Esse, era o instrumento basilar em matéria de desenvolvimento económico. O que dizia então de tão importante? No capítulo X, alínea b), com o título Energia Nuclear, o Governo estabelecia como prioritária, “a construção, manutenção e condução de reactores nucleares industriais, licenciamento e segurança de centrais nucleares”, prevendo três núcleos em Portugal Continental, na Urgeiriça, Guarda e Nisa, para entrada em funcionamento entre 1976 e 1984. Perante isto, cada um tire as devidas conclusões.
No início de 1974, os generais Kaúlza de Arriaga e Silvino Silvério Marques reúnem-se e concluem que o Presidente do Conselho, Marcello Caetano, já não estaria em condições de liderar o processo da Guerra do Ultramar. O general Spínola foi chamado a participar na mudança, mas afastou-se, regressando porém no dia 25 de Abril.
A NATO, a CIA e a Internacional Socialista comunicavam com o chamado Grupo dos Liberais e Socialistas, enquanto o Partido Comunista era uma marioneta nas mãos da URSS. Não houve nada de português no 25 de Abril: tratou-se de uma acção estrangeira hostil, levada a cabo por forças internas colaboracionistas. Sabemos inclusive que o recém-fundado PS tinha ligações aos Serviços Secretos da RFA e de França. A extrema-esquerda estava divida numa dezena de facções antagónicas, desde o MRPP à LUAR, recebendo apoio de nações tão díspares quanto a Holanda, a Checoslováquia e os países nórdicos. Este era o jogo de forças nas vésperas do golpe. A China e Cuba operavam sobretudo no Ultramar.
Houve jogadas e manobras políticas, no mesmo momento em que as operações militares se desenrolavam. O bluff foi o elemento central dessas operações, pois os golpistas tinham um poder militar muito reduzido. Dentro das Forças Armadas, surgiram várias facções lutando entre si sem qualquer preocupação com a segurança e continuidade histórica de Portugal. A operação foi de tal forma montada que muitos, devido à sua ingenuidade, idealismo ou, em muitos casos, fanatismo, nem se deram conta de que estavam a ser instrumentos de forças antiportuguesas. A actuação psicótica das forças políticas então surgidas lançou o País numa anarquia e numa crise de identidade e sobrevivência que dura desde então.
Nos dias e meses seguintes ao golpe, embarcações de guerra da NATO, porta-aviões norte-americanos, submarinos holandeses, alemães e franceses, aportaram no estuário do Tejo. O aparato parecia o de uma ocupação estrangeira. Na realidade, alguns até já cá estavam antes, a coberto de um exercício dessa mesma NATO. Quando o sistema parlamentarista foi implantado, em final de 1976, levantaram âncora. A infiltração e persuasão dera resultado. Portugal podia começar a ser desmantelado, vendido a retalho, a preço de saldo.
Começou no imediato a lavagem ao cérebro das populações, uma propaganda subversiva, tão ou mais perniciosa do que aquela que pretendia abolir e injectada em grandes doses através dos meios de comunicação social e das escolas.
A “descolonização exemplar”, ou seja, o abandono cobarde e precipitado do Ultramar por parte da nova situação política, conduziu a um traumatismo equivalente ao de Alcácer-Quibir, gerando uma das mais graves agressões à identidade nacional e viciando igualmente as relações entre Portugal e os novos países africanos, situação que se prolonga até à actualidade.
Conclui-se, pois, que o relato oficial do 25 de Abril não trata da verdade dos factos, mas sim da propaganda, doutrinação ideológica e formatação da opinião pública. A versão que consta dos manuais escolares é retorcida e elimina tudo aquilo que é embaraçoso e contradiz a narrativa vigente.
É para nós por demais evidente que Marcello Caetano estava ao corrente das jogadas que se desenrolavam na sombra. O inevitável iria acontecer, o golpe militar estava iminente, faltando então assegurar que o lado vencedor fosse o menos oneroso para o país — o que parece ter sido a sua última tarefa enquanto Presidente do Conselho. Entre a integração no espaço mais próximo dos países da NATO, projecto político defendido pelo general Spínola, e o comunismo dissimulado do Movimento dos Capitães, a escolha era óbvia. Mas Marcello e Spínola não deram conta de que estavam a cair numa armadilha engendrada por poderes sombrios exteriores a Portugal.
Os acontecimentos são estranhos. Na verdade, houve duas tomadas da PIDE, uma pela facção próxima de Spínola e outra pela facção dos capitães. Significa isto que dois golpes ocorriam em simultâneo: a transição para Spínola e o movimento dos capitães. Os elementos da PIDE renderam-se porque pensavam estar a entregar-se às forças de Spínola. Não se deram conta da manobra e caíram na armadilha.
O grande erro de Marcello Caetano foi não ter decretado o recolher obrigatório, o estado de sítio e o estado de emergência. No Largo do Carmo, a massa de populares na rua lançados pelo PCP, MRPP e gente dos futuros sindicatos (UGT e CGTP) impediram as medidas de contragolpe (sobretudo a acção de um helicanhão) no sentido de dispersar as forças revoltosas em redor do quartel aí situado. As forças do MFA, vindas de Estremoz e Santarém, não conhecendo Lisboa, eram guiadas por estudantes universitários ligados a grupos maoístas e da extrema-esquerda.
Cinco mil homens estiveram envolvidos directa ou indirectamente no golpe do 25 de Abril. Muitos não foram membros activos, limitando-se a uma passividade conivente. Todos foram cúmplices do crime de Lesa-Pátria.
Um dos muitos factos curiosos (e pouco explorados) é a participação activa no golpe de pessoas como o tenente de Infantaria Andrade e Silva (parente do Ministro do Exército, general Andrade e Silva, que, sabemos hoje, de acordo com documento de Vasco Gonçalves — actualmente no Centro de Documentação do 25 de Abril — estava ao corrente das intenções do Movimento dos Capitães e nada fez para o impedir), bem como do major de Cavalaria Fernandes Tomás ou do capitão de Infantaria Ferreira do Amaral, ou ainda dos oficiais da família Santos Silva. Todos eles membros de famílias com ligações à Maçonaria, a qual esteve historicamente envolvida na transição de todos os regimes em Portugal, desde o Liberalismo.
Refira-se que o Movimento dos Capitães, depois do sucesso do golpe, mudou a designação, muito convenientemente, para o termo mais genérico de Movimento das Forças Armadas (MFA), fazendo crer enganosamente que as Forças Armadas estiveram envolvidas na nova situação como um todo. Porém, as principais unidades militares do País não se sublevaram, embora algumas tenham optado por uma neutralidade que teve o seu quê de oportunismo, no caso das que ficaram na expectativa de “ver o que dava”. Na verdade, o 25 de Abril não é mais do que uma história de traição. As poucas unidades sublevadas desencadearam um golpe de Estado, que colocou o país na iminência de uma guerra civil. A sociedade foi polarizada até hoje.
O Posto de Comando dos golpistas estava na Pontinha, ou seja, fora da malha urbana de Lisboa, ao tempo, nos arredores. A Rádio Renascença, que era considerada a voz do próprio regime, transmitiu a segunda senha às 0h21m, a canção “Grândola, Vila Morena”, o que significa que houve conivência de alguém da emissora católica. Quem estivesse a ouvir não poderia deixar de estranhar a passagem de um tema tão conotado com a esquerda mais radical. As operações foram desencadeadas de madrugada, na calada da noite.
A Escola Prática de Cavalaria (EPC) de Santarém, com dois esquadrões, foi a principal unidade envolvida nas movimentações militares que se cingiram quase exclusivamente a Lisboa. Tal como no 5 de Outubro, o resto do País soube depois, já não pelo telégrafo, mas desta vez pela televisão. A EPC de Santarém estava encarregue de ocupar o transmissor da Marconi, o Banco de Portugal e o Terreiro do Paço. Duas Companhias de Caçadores 5 foram encarregues de ocupar o Quartel-General da Região Militar de Lisboa e cercar o Rádio Clube Português, que seria o posto transmissor rádio do Movimento.
A Escola de Engenharia e duas companhias de Caçadores ocuparam as duas antenas transmissoras de Porto Alto, para evitar o corte de comunicações. A Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas, já ocupada, instalou seis bocas-de-fogo no Cristo-Rei dirigidas à capital. A Força Aérea não agiu, manteve-se “neutral” tal como tinha prometido ao Movimento. A Escola Prática de Administração Militar ocupou a RTP e forças da Carregueira ocuparam a Emissora Nacional. A Escola Prática de Infantaria de Mafra ocupou o Aeroporto de Lisboa com duas companhias. Da Figueira da Foz, veio uma unidade que chegou durante a tarde a Lisboa. De Estremoz saiu um esquadrão que participou na tomada do Quartel do Carmo. Enquanto isso, os Lanceiros e alguns Comandos às ordens de Jaime Neves (não representativos desta força, pois o grosso dos Comandos estava no Ultramar e jamais teria participado na traição perpetrada por este seu oficial) ocupavam o quartel da Penha de França, sede da Legião Portuguesa.
No Porto, a acção passaria pela ocupação do CIAAC e do Quartel-General, com apoio de uma companhia de Comandos de Lamego para servir de reforço. Em Viana do Castelo, duas companhias haviam-se comprometido com o Movimento. Muito pouco para uma revolução que se dizia de cariz nacional. No resto do País, exceptuando a ocupação de certas unidades antagónicas, nada se passou.
O ministro do Exército, Andrade e Silva, estava no Ministério do Terreiro do Paço às três da manhã. Não tomou nenhuma medida efectiva de resposta. O ministro da Defesa, Silva e Cunha, telefonou a essa hora para saber da situação. Foi informado pelo ministro do Exército de que não havia qualquer problema em qualquer unidade, estava tudo tranquilo, não se preocupasse, não havia alteração da situação. Ou seja, Andrade e Silva não sabia o que se passava, ou (mais provável) mentiu para encobrir o golpe e tranquilizar aqueles que poderiam ter reagido para evitar o seu desenlace. Se deveras foi conivente, tal significa alta traição. A verdade é que estava no gabinete a uma hora tão tardia quando iria partir para o Alentejo às 7 horas da manhã, estando fora o dia todo. Lembramos ainda que os telefones do Ministério do Exército estavam sob escuta dos golpistas.
O jornalista Joaquim Furtado estava de serviço nessa madrugada, no Rádio Clube Português, o primeiro alvo a ser tomado porque tinha um gerador e continuaria a emitir em caso de corte da luz. Foi este jornalista quem leu o comunicado anunciando um mero movimento de capitães, como Movimento das Forças Armadas, o que, como já referimos, indiciava falsamente tratar-se de uma sublevação geral. De seguida, tocou o Hino Nacional. Para quem ouvia no resto do país, pareceria tratar-se de um facto consumado. De seguida, a Emissora Nacional e a RTP, ocupadas sem incidentes nem resistência, foram também essenciais para o controlo da informação e contra-informação, se necessário fosse, com a difusão de notícias falsas. A sua acção foi essencial para o sucesso do golpe.
Na verdade, nas primeiras horas só ocuparam os objectivos civis, que no entanto foram vitais. A PIDE informou que havia tropas de Santarém na rua, a coluna de Salgueiro Maia, mandando somente entrar de prevenção. A única reacção foi primeiro a de um esquadrão do Regimento de Cavalaria 7 que, enviado para interceptar a coluna de Salgueiro Maia, dirigiu-se para o Terreiro do Paço. As tropas de Santarém tinham chegado a esse local às 6 horas da manhã. Salgueiro Maia enquadrou o alferes que já estava envolvido no golpe. Ou seja, inadvertidamente, mandaram para a defesa do Terreiro do Paço e dos ministérios uma unidade que estava do lado dos golpistas.
Chegou depois um segundo esquadrão que, estranhamente, também se juntou às forças de Salgueiro Maia. A estratégia de engodo foi a seguinte: diziam às unidades leais que vinham chegando para reagir ao golpe que também estavam ali para proteger os Ministérios e assim as foram enganando e anulando os contra-golpes. As forças militarizadas da GNR que iam também elas chegando ao Terreiro do Paço, ou se renderam ou afastaram-se, sem intervir. A PSP desapareceu de cena. Nesse momento, surge no Tejo a Fragata Gago Coutinho, leal ao Estado Novo, cuja tripulação acabou por se amotinar, possivelmente ao saber que estava na mira das peças de artilharia provenientes de Vendas Novas, já aqui referidas, que a essa hora se encontravam junto ao monumento do Cristo-Rei.
Todas as unidades que vieram para resistir ao golpe e contra-atacar foram enganadas, dizendo-se-lhes que todas as Forças Armadas, inclusive a GNR, estavam envolvidas. Os revoltosos interceptavam comunicações das forças leais, do comandante da Região Militar de Lisboa, a partir do posto de comando, e davam ordens trocadas, desarticulando assim a reacção. Aos militares de patente mais elevada, nas suas comunicações via rádio, afirmavam inclusive que os generais Spínola e Costa Gomes também estavam metidos no golpe, quando haviam tido o cuidado de não se comprometer. Diziam que toda a tropa estava sublevada e incitavam-nos a passar para o seu lado. Tudo na base da batota com que jogavam o destino de Portugal.
Simultaneamente, começava em Lisboa a acção subversiva dos grupos comunistas de várias tendências, que colocaram os seus militantes e simpatizantes nas ruas. Isso inibiu muito uma resposta em força das tropas leais. Seja como for, houve muito jogo duplo e atitudes dúbias.
Deu-se então o episódio do tenente Alfredo Assunção, recebido com um par de estalos do brigadeiro Junqueira dos Reis, que se recusou a conferenciar com um oficial de baixa patente revoltoso. Também o major Pato Anselmo, comandando uma força do Regimento de Cavalaria 7, na rua da Ribeira das Naus, recusou conferenciar com o alferes golpista Maia de Loureiro. Mesmo após várias tentativas de aliciamento, o major continuava sem se render nem passar para o outro lado. Do lado dos golpistas, mandaram então um civil, armado, Brito e Cunha, ex-comandante na Guiné, às ordens do tenente-coronel Correia de Campos, que avançou dando a entender que estava desarmado e depois sacou a arma e ameaçou matá-lo. Só assim (contra as regras militares, pois não se parlamenta armado) o major Pato Anselmo acabou por ser preso.
Silva Pais, director da PIDE informou Marcello Caetano com detalhe sobre a situação. Aconselhou-o a ir para o Quartel do Carmo, o comando central da GNR. Sabemos hoje que Marcello Caetano foi abandonado por todos e traído por muitos. Ainda não se rendera e já havia a circular em Lisboa jornais vitoriando o golpe. A meio da tarde, o general Spínola foi então mandatado pelos Capitães para receber a rendição de Marcello Caetano, que entregou o poder ao general para que não caísse nas ruas. Saiu pelo portão central do Quartel do Carmo dentro de uma chaimite, seguiu para a Ilha da Madeira e depois para o exílio no Rio de Janeiro, onde faleceu. Não voltaria a pisar solo português.
O general Spínola, em 1975, lançou um sério aviso: “o que estes senhores estão a fazer é a levar o Estado à bancarrota, a praticar a política da terra queimada. Estes senhores não são portugueses. São traidores à Pátria”. Tinha razão, como o comprovam três bancarrotas e Portugal queimado em incêndios catastróficos que arrasaram inclusive o Pinhal de Leiria, símbolo da nossa História.
Juntamente com todos estes dados, outras reflexões se impõem, uma vez que também elas contribuem para provar que o 25 de Abril não só começou por ser uma mentira manhosa, como ainda hoje continua a não passar disso mesmo. Vamos aos factos:
a) A “revolução dos cravos” que, pretensamente, se fez contra a exploração capitalista, acabou por abrir as portas a que hoje vigore um capitalismo ainda mais agressivo e um liberalismo ainda mais degradante.
b) A propaganda oficial diz que o golpe se fez para acabar com a intromissão estrangeira nos assuntos nacionais, e hoje até mesmo a quota de pesca da sardinha e o calibre da fruta são decididos em Bruxelas.
c) Ainda hoje há quem acredite na mentira sobre a qual assentou a espoliação de uma parte substancial da população portuguesa radicada no Ultramar, de que Portugal era o último país europeu com colónias. Ora, a França ainda hoje não larga mão nem sequer de Maiote (território insular situado entre Moçambique e Madagáscar), colónia paupérrima que constitui o mais carenciado dos seus departamentos. Nem de Maiote nem de muitas outras colónias, tal como de resto acontece com o Reino Unido, cujos territórios ultramarinos não poucas vezes servem de paraísos fiscais, bases militares ou entrepostos para tráficos e esquemas de todo o tipo.
d) Desde 1986, ano da anexação de Portugal pela CEE, esta III República recebeu um total de apoios comunitários que ronda os 200 mil milhões de euros (segundo estatísticas oficiais). Paralelamente, nesse espaço de tempo, a dívida pública ascendeu a 250 mil milhões e a dívida privada a 500 mil milhões. Os maiores credores são as bancas alemã e francesa. O país que recebe maiores receitas fiscais das nossas empresas é a Holanda.
e) Aquando da recente visita a Angola do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, este homenageou Agostinho Neto, mas não visitou o cemitério de Santana, em Luanda, que se encontra num estado lastimoso e onde jazem militares portugueses caídos em defesa da Pátria, na Guerra do Ultramar. Sabemos pois, através deste e de outros episódios igualmente sintomáticos, com que espécie de “patriotismo” e “amor a Portugal” podemos contar da parte da classe política filha da revolução.
(fim)