O ano de 2011 começou bem – ou não?
Or veja-se a minha curta resenha:
1. Depois de uma série de distúrbios na Tunísia, o presidente do regime que o mantém há 23 anos, fugiu. Falta ver o que é que o regime vai fazer a seguir. Diz que vai fazer uma eleição. Mas depois de uma ditadura de 23 anos, o que é que se pode eleger? À primeira vista assunto pouco relevante, mas levanta questões quanto a outros países onde situações com algumas semelhanças existem.
2. O Sudão ensaia uma partição na linha Norte-Sul. Com o petróleo, no meio, por resolver. Hum, tirando a Eritreia, quando foi a última vez que uma nação-estado ao estilo pós-colonial africano fez isto, e viveu para contar a história?
3. Parece não haver maneira de a Costa do Marfim ir ao lugar. O habitual problema: ou se aldraba, ou simplesmente não se liga às leis e aos compromissos eleitorais. No fim, o poder fica na rua, ou com obscuros militares, talvez o menos desejável dos resultados. E uma lembrança da fragilidade dos sistemas e das instituições. E da atitude.
4. Enquanto isso, Jeffrey Sachs, académico e bardo-mor de uma certa forma de desenvolvimentismo chique de Manhattan, que parece que só ele parece saber o que é, elogiou a taxa de crescimento do PIB moçambicano e preconizou em Maputo esta semana finda coisas fantásticas para vir, juntamente com algumas verdades de La Palisse, como aquela de se ter que renegociar alguns contratos milionários para algumas multinacionais e de se ter que ter mais cuidado com as concessões de terrenos agrícolas. É sempre bom ver a realidade de Moçambique quando se vê através de uns relatórios em Nova Iorque.
5. Já Prakash Ratilal, agora tornado banqueiro mercurial e mais próximo do terreno, não é tão optimista quanto aos próximos tempos. Ele lá sabe, e tentou explicar porquê. Bombásticamente, o jornal lisboeta Público de hoje cita umas linhas do que ele disse e cobriu tudo com o relativamente bombástico título ” o modelo económico moçambicano não é sustentável”. Bem, é e vai ser enquanto metade das despesas públicas do Estado moçambicano continuarem a ser generosamente pagas pelos infames estrangeiros, juntamente com um cocktail de “soft loans” e pacotes de ajuda e ainda doses industriais de investimentos extratcivos e de infra-estruturas. Os pobres assim não morrem, os ricos ficam mais ricos e os doadores dormem melhor. É assim há quase trinta anos. É a situação win-win-win. À moçambicana.
6. Esta semana foi revelado que, para além da actual autêntica rapina das florestas moçambicanas, realizada neste caso por –surpresa! – a empresa chinesa Tienhe Ldª, parceira da igualmente chinesa Miti, Ldª, os moçambicanos, ao apreenderem uma remessa ilegal de nada menos que 161 contentores de madeira em bruto (leia-se: cento e sessenta e um contentores) após uma inspecção (por denúncia) de um navio atracado em Pemba, encontraram lá dentro de um deles (e aqui cito a sempre inquestionável AIM) “126 dentes de marfim, uma ponta de rinoceronte, animal em extinção no país, carapuças [sic] de pangolins, peças de arte fabricadas com base em marfim e excremento de elefantes”. Portanto no mínimo mataram uma manada de elefantes, um rinoceronte e tiraram os carapuços aos pangolins. A contínua matança dos animais de Moçambique para decorar as casas dos chineses e o genocídio florestal em curso em Moçambique há muito que deixaram de me surpreender. No fundo é como aquela história dos fumos corrosivos da Mozal que só corroem os centros de tratamento, mas não os pulmões dos Maputianos. A história do excremento de elefante é que é uma novidade para mim. Contrabandear excremento de elefante para a China? para quê?
7. Na frente espiritual, o Vaticano lá encontrou e validou um “milagre” que justificasse a beatificação do genial João Paulo II, a ser formalizada a 1 de Maio, dia que nos países outrora conhecidos por comunistas celebram os trabalhadores (para variar os americanos celebram o trabalho, no início de Setembro). Agora procura-se mais um milagre para a santificação. Eu acho que, por uma questão de desburocratização administrativa do processo, devia-se reverter para o sistema moçambicano de decretar heróis, ou o velho processo dos romanos, em que o imperador tinha o direito de proclamar fulano ou cicrano deus. Assim arrumava-se o assunto de uma vez com um papel.
8. Em Portugal, a campanha presidencial assume foros de patético. Em parte porque ninguém percebe bem o que é que um presidente pode fazer para lidar com o crescente clima de recessão. Todos suspeitam que não pode fazer nada a não ser possivelmente piorar as coisas. Felizmente o suplício acaba no próximo fim de semana, após o que a crise poderá continuar. Para já, todos os impostos dispararam mas só daqui a uns seis meses é que se vai começar a sentir o embate. Mas as apostas para a queda de Sócrates são mais curtas.
9. Regressados os restos mortais do saudoso Malangatana a Moçambique, ele foi sepultado na sua terra natal com a pompa e o respeito devidos. Já em Portugal, onde ele morreu, foi tratado com o mesmo respeito. Em Maputo, até o Eduardo White se deu ao trabalho de preparar algo para ser lido na cerimónia do enterro, com alguma ajuda da Lucrécia Paco. Assim, até apetece morrer.
10. Roberto Chichorro inaugura uma exposição da sua arte no próximo dia 21 numa galeria de arte em Cascais. Pelas 21:30 horas.
Olhando bem lá para cima, já me começa a parecer que 2010 foi há uma vida.