THE DELAGOA BAY REVIEW

18/06/2023

A QUEDA DO AVIÃO PRESIDENCIAL MOÇAMBICANO EM 1986 E OS CANOS DE ESGOTO COM CIMENTO EM MAPUTO

O Tupolev TU-134A estacionado num aeroporto, anos 80, uma versão aproximada do americano DC-9, que serviu como avião para uso exclusivo do presidente de Moçambique até se despenhar na África do Sul, a 150 metros da fronteira de Moçambique, na noite de 19 de Outubro de 1986, matando 35 pessoas, entre elas o Presidente Samora Machel. Foto com copyright do Sr. Aad van der Voet.

Cruzei-me ontem quase por acaso com o sítio “Histórias do Almirante Cloudberg“, quase exclusivamente sobre acidentes aéreos, e que em 3 de Abril de 2021 publicou um interessante relato sobre a queda do avião que transportava o então presidente de Moçambique e a sua comitiva, no regresso de uma viagem à Zâmbia.

Se bem que eu considere que a autoridade em língua portuguesa sobre o assunto seja o João Cabrita, que publicou um longo e detalhado texto sobre o assunto, num contexto em que voavam as mais fascinantes teorias da conspiração em redor do evento, o texto e as imagens de Cloudberg, que é mais uma versão “para burros”, mais sucinta e debruçada sobre o evento em si, é mais acessível e fácil de compreender, se o Exmo. Leitor fôr, como eu, alguém que não domina bem o complexo lado técnico que ajuda a explicar o que aconteceu. Pena é que o texto esteja na língua inglesa.

No essencial, penso que o que Cloudberg conclui alinha com as conclusões de Cabrita: aquilo foi borrada pura e simples da tripulação russa.

Samora Moisés Machel na sua fase de Dear Leader. Considerado carismático e genuinamente adorado pelos que o conheciam e por parte da população, com o apoio da máquina de propaganda do então partido único da ditadura comunista moçambicana, a sua morte inesperada aos 53 anos de idade e as circunstâncias chocaram todos.

Para contextualizar, Cloudberg faz uma resenha rápida e sofrível do que sucedeu em Moçambique antes e depois da queda do avião.

Durante a assinatura do Acordo do Incomáti, numa estreita faixa de terra entre as Vilas de Ressano Garcia e de Komatipoort, 1984. Para os apoiantes de Samora, um acto de coragem e de realismo. Para muitos, uma humilhação e um acto de desespero. A situação militar em seguida piorou e eventualmente faltou pouco para que a Renamo entrasse pela Julius Nyerere adentro. Mas os Boers só queriam ganhar tempo, Chissano e Machungo acabariam com o comunismo formal e os americanos apoiaram a Frelimo. O regime sobrevive até hoje.

Mas até no melhor pano cai a nódoa.

Ao descrever o que eu habitualmente refiro como a Grande Debandada Branca de Moçambique, em que mais que 90 por cento de todos portugueses e brancos que estavam em Moçambique simplesmente abandonaram o território até meados de 1976 (porque podiam e pelos vistos queriam), despojando o país nascente de quase toda a mão-de-obra capacitada, Cloudberg, sem nunca citar fontes, e obviamente com um conhecimento quando muito rasante da realidade moçambicana, faz borrada da grande.

Especificamente, escreveu:

Most of the country’s approximately 250,000 white Portuguese had fled after FRELIMO asked that they either become citizens of Mozambique or leave within 24 hours. Аs in many other newly independent African countries, the fleeing colonizers destroyed as much infrastructure as they could on the way out, driving bulldozers into the sea, plundering factories, and filling the sewers with concrete. To make matters worse, there was no one in Mozambique who could rebuild it: 95% of the population was illiterate, and virtually no one had a college education.

Traduzindo:

“A maior parte dos cerca de 250 mil brancos portugueses fugiram depois de a Frelimo exigir que eles ou se tornassem cidadãos de Moçambique ou abandonassem o país em 24 horas. Tal como aconteceu em muitos outros novos países africanos independentes, os colonos em fuga destruíram tanto quanto puderam a infra-estrutura antes de saírem, metendo tractores e retroescavadoras para dentro do mar, destruindo fábricas e entupindo tubos de saneamento com cimento. Para piorar as coisas, não havia ninguém que pudesse reconstruir: 95 por cento da população era analfabeta e praticamente ninguém tinha um curso universitário”.

Ora, ignorando a inenarrável mas muito popular prática do Guebuza do 24/20 que por acaso aconteceu um pouco mais tarde, já tive uma vez uma breve troca de impressões sobre esta questão recorrente do “colono destruidor” com o Joe Hanlon, um académico velhinho de Londres que de outro modo até faz um trabalho decente a acompanhar as habituais desgraças que vão afligindo aquele país (por exemplo, a roubalheira do BCM, a roubalheira do Banco Austral que culminou com o assassinato do Siba-Siba Macuácua, a roubalheira dos 2 mil milhões pelo Guebuza e agora a roubalheira pré-eleitoral orquestrada pelo Celso para, presume-se, roubar mais uma vez uma eleição – a que vem aí).

Uma vez, mais uma vez mais ou menos a despropósito, o Joseph comentou que os “colonos” antes de saírem, raivosos com o fim do colonialismo, colocaram cimento nos tubos de esgoto dos apartamentos nos prédios de Lourenço Marques. Escrevi-lhe na altura uma nota a perguntar se ele estava lá e viu, ou onde é que ele foi buscar essa história. A sua resposta foi de uma linha: “é o que se dizia em Maputo”.

Ah era o que se dizia em Maputo? essa é que é a fonte fidedigna do historiador Hanlon?

Cloudberg introduz algumas variações neste tema. Primeiro, generalizando. Os colonos destruiram tudo antes de fugirem lá onde estavam nos países independentes em África e portanto em Moçambique foi igual. E juntou à história do cimento nos canos de esgoto a destruição de fábricas e a cena de pegarem nos tractores e Caterpillars e conduzirem-nos para dentro do mar.

Eu próprio li algures, mais do que uma vez, por exemplo, que o inacabado Prédio 4 Estações, que seria o primeiro mega-hotel para o próspero negócio do turismo, eventualmente demolido para um frelo qualquer vender por milhões o terreno depois onde os americanos construiram (finalmente)a sua nova embaixada, não era aproveitável precisamente porque o dono mandara entupir todos os canos com cimento antes de fugir.

O 4 estações era um dos prédios de referência inacabados aquando da independência. Outros eram as Torres Vermelhas, o 33 Andares e vários outros na Cidade. As obras ficaram a meio e foram abandonadas no tosco.

Ora, quem faz estas alegações, especialmente de passagem em textos que nem sequer são sobre este assunto, não as faz inocentemente. Fá-las porque, primeiro, emprenha pelos ouvidos, ou seja, ouve-as ou lê-as e acha que são verdade, mesmo que não encontre as evidências concretas, e depois reproduze-as com o intuito de dar um certo contexto aos relatos. E o contexto é que os coitados dos moçambicanos da Frelimo tiveram que lidar com os efeitos dos colonos maus raivosos que destruiram os seus bens e negócios antes de, presumivelmente, abandonarem o território, sem nada, a maior parte dos quais foram parar aos sítios mais recônditos do planeta, para recomeçarem as suas vidas a partir do zero absoluto.

Obviamente, terão feito isso tudo nas barbas dos guerrilheiros armados da Frelimo e da população, que pelos vistos observou placidamente os actos de destruição.

O problema é que, não obstando terem havido, pelo menos em teoria, situações de sabotagem ou destruição de património detido pelos seus (até então) donos, não só considero tais relatos pouco credíveis, como acredito que, na realidade, e na quase totalidade, a economia a seguir à independência colapsou simplesmente porque as pessoas se foram embora.

Aliás, não foram os únicos. Portugal hoje está pejado de discretos ex-frelos brancos outrora dedicados e fiéis comunas que no fundo da gaveta esconderam o passaporte português e que no fim de uma ou duas décadas desistiram do sonho. Agora votam no Livre e no Bloco e quando têm saudades lêem o Mia.

Ah pois, como os compreendo.

Em 1975-6, a maior parte desta gente, quando confrontada com o que vinha, e decidiu ir-se embora dali, quando muito, levou a tralha das suas casas em contentores, cujo conteúdo, segundo uma lei emanada pelo Governo de Transição, tinha que constar numa lista, era avaliado e tinha que pagar uma taxa de 25 por cento ao governo. A moeda local, o escudo moçambicano, não era convertível e por isso quem tinha dinheiro não o podia levar para lado nenhum. E quem cometeu o acto de coragem de ficar, viu praticamente tudo a ser nacionalizado. Isso significa intervencionado pelo Estado, que a partir daí tomou conta dos negócios como quis, nomeando pessoas da sua confiança para os gerir. Veja-se o caso (e os CVs) do Sérgio Vieira e do Eneas Comiche e de muitos outros.

Foi uma festa.

Hoje, em Portugal, a tal tralha trazida nos contentores de Moçambique aparece no OLX à venda pelos descendentes dos vindos, a preços de saldo. “Vende-se: cama de umbila, trazida de Moçambique”. Ninguém a quer. As pessoas hoje desenrascam-se com o lixo da Ikea.

Conheci um caso de perto, que foi o da UFA, um grande negócio com uma fábrica na Machava que empregava mais que mil pessoas, quase todos moçambicanos. Faziam sapatilhas, peças de borracha, etc. O negócio pertencia ao Sr. Rui Ferreira, um empresário com algumas posses (e um apoiante do Desportivo, onde eu nadava, por isso o conhecia, a mulher e os dois filhos). Quando a Frelimo lhe confiscou a empresa, nomeou logo uma espécie de comissão de gestão com homens da sua confiança, frelos com farda, arrogantes e completamente ignorantes daquele negócio e que passavam o tempo a convocar todos os trabalhadores para reuniões plenárias para, durante horas, cantarem hinos da Frelimo, proferirem “palavras de ordem”, se ouvirem a falar das virtudes do comunismo, do fim do colonialismo racista e do novo Moçambique. O Rui Ferreira, que viva numa conhecida e luxuosa casa mesmo abaixo do Hotel Polana, que era toda redonda (abarbatada depois pelos russos e acho que ainda hoje a residência do embaixador russo em Maputo), no fim saíu de Moçambique clandestinamente, estritamente com a roupa que tinha no corpo, (discretamente fretou uma avioneta que o levou para a África do Sul) pois até em sua casa era vigiado atentamente pelos empregados. Morreria desolado uns anos depois.

Cartaz com Samoraspeak da propaganda da Frelimo.

De facto, naquela altura, o Dear Leader e o seu regime constantemente endrominavam e exortavam toda a população, dirigida por inenarráveis Grupos Dinamizadores e comités de bairro e de quarteirão, para estar vigilante de qualquer situação que configurasse a menor resistência ao novo regime. Especialmente os brancos, que eram directamente e indirectamente referidos pelo próprio regime como responsáveis, ou pelo menos a personificação, do regime colonial inventado pelos portugueses e a sua natureza insidiosa. As pessoas, especialmente os brancos, eram presas por coisas como ir ao cinema e não terem em sua posse o bilhete de identidade. O assédio, especialmente nas cidades, era notório. Aconteceu à minha irmã Cló à porta do Manuel Rodrigues e aconteceu ao filho mais novo do Rita-Ferreira (um historiador de referência de Moçambique) um dia durante um intervalo de um filme no Cinema Dicca. O Reinaldo, que tinha apenas 16 anos, foi preso enquanto fumava um cigarro à porta do cinema por não ter o BI com ele e foi levado por dois guerrilheiros armados com AKapas para uma prisão no Xai-Xai. O pai só deu pela falta dele porque quando o filme recomeçou depois do intervalo, ele não aparecia. Levou dias a perceber o que tinha acontecido e o Rita-Ferreira contou-me o filme de terror que foi que soltasem o filho – que não fora acusado de nada. Depois disso, fez as malas e foi viver para Portugal e nunca mais voltou a Moçambique.

Tirando um advogado cujo nome prefiria omitir (era o Almeida Santos, claro) que fez fortuna em Moçambique e que depois foi um destacado político do PS em Portugal , não conheço, em 50 anos, um ex-residente branco de Moçambique que era rico, que saiu rico e que continuou rico. Nem um. Ou um único relato de um ex-residente branco a dizer que encheu os canos da casa com cimento, que sabotou a fábrica ou que atirou o carro ou o tractor ao mar.

Mas eu, que penso que leio mais que a média das pessoas, tenho que ler estas historietas do diz que disse que viu e que aconteceu.

Portanto, a história que Cloudberg conta sobre a queda do avião onde Samora viajava é muito interessante e reveladora. Mas destes apartes, tal como aconteceu com o José Hanlon, prescindo. A destruição maciça da economia de Moçambique a seguir a 1974 era perfeitamente evitável e se aconteceu foi por decisão e desígnio expressos da Frelimo, que lá tinha as suas razõezinhas para nunca jamais confiar num branco, desde o primeiro dia em que foi fundada. Aliás já antes. E a razão é puro racismo de preto para branco, um tabú de que não se fala. Foi uma doce vingança com luva branca (ah ah) e que soube ao mel mais doce, mas que, como se vê, paga-se e teve um custo. A desculpa para um retrocesso civilizacional não foi um acidente estúpido e implausível como as circunstâncias em que morreu Samora Machel em 1986 e não resultou de actos de destruição insanos de ex-colonos raivosos.

28/03/2023

TUDO VAI MELHOR COM COCA-COLA

Imagem retocada e colorida.

Um Samora Machel informal bebe uma Coca-Cola ao lado de um Robert Mugabe sempre anal-retentivo, numa cerimónia, anos 80. Sempre considerei o visível ascendente de Samora sobre Mugabe mistificante.

15/08/2018

SAMORA MACHEL VISITA CABORA BASSA, MAIO DE 1975

Estas imagens são parte do trabalho do fotojornalista holandês Frits Eisenloeffel, exibido aqui e reproduzido com vénia, pela sua importância histórica. (nota: o copyright das imagens é da Sra Immeke Sixma, viúva de Frits).

A visita ao Songo ocorreu em Maio de 1975, creio que inserida na “Marcha do Rovuma ao Maputo”, que antecedeu a declaração formal da independência da colónia portuguesa, em 25 de Junho desse ano, na capital em Lourenço Marques.

Se algum dos Exmos. Leitores conhecer alguém não mencionado aqui, ou conhecer este evento, peço que escreva uma nota para aqui.

Marcelino dos Santos e Samora Machel, então respectivamente  Vice-Presidente e Presidente da Frente de Libertação de Moçambique, falam com um (penso) quadro superior do empreendimento de Cabora Bassa.

Marcelino e Samora.

Marcelino e Samora.

A comitiva da Frelimo visita a barragem, então na fase final da obra.

Marcelino e Samora, durante um discurso perante os trabalhadores e famílias no Songo.

 

Sebastião Mabote, Marcelino e Samora.

 

A assistência 1.

 

A assistência 2.

 

Samora superstar.

 

Samora.

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