THE DELAGOA BAY REVIEW

16/10/2009

DONA MISSISSI EM LOURENÇO MARQUES,1886-1890

Filed under: História Moçambique, Rose Monteiro em LM 1888 — ABM @ 7:26 pm

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por ABM –

Para o Exmo leitor Maschambiano que ler inglês, este livro [Delagoa Bay. Its Natives and Natural History, London, George Philip & Son, 1891], disponível inteiramente grátis (indo pela internet aqui), foi impresso em Londres em 1891 e foi escrito por uma senhora chamada Rose Monteiro e que esteve no que é hoje a capital moçambicana nessa altura.

Rose fora casada com o célebre JJ Monteiro, que residiu na mesma casa na Ponta Vermelha onde ela regressou em 1887, entre 1876 e 1878. Monteiro, que na altura foi agente da Colónia do Cabo em Lourenço Marques, encetou os primeiros esforços para importar mão de obra nativa para o Cabo. O seu esforço, pejado de incidentes que sugeriam ser essa mão de obra “forçada”, foi denunciado pelo cônsul inglês ali estacionado e a prática foi descontinuada por esta via. Monteiro morreu em Lourenço Marques em 1878.

Segundo o seu relato, Rose M (os locais, que justificadamente parecia que a odiavam, chamavam-lhe “Mississi”) residiu Maputo em 1876-1878 e outra vez por volta de 1889.91. Ela, que parece que foi uma espécie de “Calamity Jane” dos livros de banda desenhada do Lucky Luke, viveu sózinha numa casa -uma cottage– sem água doce (que era apanhada à mão em garrafões em nascentes junto à praia) com um piano, um cão, um gato e uma colecção de insectos algures na colina da Ponta Vermelha (que os anglos insistiam em chamar Reuben Point) donde podia observar a baía e o seu “azul profundo”. Do outro lado, via-se o mato verde do “País de Tembe” e atrás o “País de Maxaquene”.

A vila de Lourenço marques não tinha porto, a linha férrea de Pretória parava algures perto de Ressano Garcia e os navios, que na altura poucas vezes ali paravam, tinham que atracar a 400 metros da praia. A pequena guarnição policial portuguesa/nativa é descrita deliciosamente como uma cambada de bêbados, vigaristas e ladrões que  invariavelmente doentes e que não sabiam disparar as suas armas, cujo estado deixava sérias dúvidas se elas de facto funcionavam.

Do que se percebe Rose tinha alguns meios e era uma mulher de armas, empenhada em coleccionar insectos e bicharada em geral (tarefa iniciada pelo marido) que em seguida remetia para Kew Gardens em Londres. Dormia com um revólver ao pé da cama.

Segundo Rose, as nativas de onde hoje é Maputo eram todas fumadoras (?). Os homens “snifavam” tabaco. Dedica infindáveis páginas aos primeiros residentes e aos empregados domésticos, sumariamente descritos como kafir boys, termo que oiço dizer ser hoje ilegal pronunciar na rua na África do Sul, e que creio que nunca pegou em Moçambique, onde a única coisa à “cafreal” era a galinha grelhada do Restaurante Piri-Piri.

Todos eles eram, segundo Rose, “muito, muito, lentos a fazer tudo”, ladrões e mentirosos e mais uma longa lista de faltas, todas descritas minuciosamente. Aliás, o leitor prepare-se para referências que fariam um credenciado racista nos dias de hoje corar de vergonha.

Mas, abstraindo do exotismo e das imensas descrições de animais, insectos, plantas e árvores, há informações que hoje surpreendem. Haviam legiões de macacos nas árvores onde hoje é o Bairro Central. Na zona situada atrás da Ponta Vermelha chamada Poulana, habitavam esquilos, iguanas e lagartos exóticos. Rose reporta que, em 1890, residiriam em Lourenço Marques apenas duas ou três mulheres portuguesas – com quem não convivia pois ela não falava uma palavra de português. Ainda existiam as pequenas tribos dos Maxaquenes, os Poulanas e os Mahotas. Havia um rico e belo pântano, cheio de vida animal, onde hoje está toda a infra-estrutura dos caminhos de ferro mesmo antes do porto. Um tremor de terra abalou a localidade em Julho de 1882. Três fortes tremores de terra foram reportados no Bilene (no livro, Billyene) em Dezembro de 1881. A Vila esteve em pé de guerra durante cinco dias por se esperar um ataque dos Swazis – tudo acudiu mas foi falso alarme. Em 1890 já havia um campo de ténis na “cidade”. Em 1887, para quem como Rose residia na Ponta Vermelha, ir “à cidade” era uma viagem à lingua de terra que se situa hoje entre a Praça 25 de Junho (creio que antigamente era a Praça 7 de Março) e a terminal da estação dos caminhos de ferro.

Rose especificamente refere que se iria coibir de fazer comentários de índole político-partidária. Imagino que fosse certamente para evitar levar um 24/20 das autoridades portuguesas no local, pouco dadas aos comentários habitualmente demolidores vindos dos visitantes estrangeiros, ainda por cima no preciso momento em que o Reino Unido acabara de criar o episódio do Ultimato em 1890. Mas, como quem não quer a coisa, aponta o dedo: os portugueses são uns tipos porreiros mas não estão ali a fazer rigorosamente nada e – pior – confraternizam com os kafirs (o leitor prepare-se: a mulher repete esta palavra umas mil vezes no texto).

Apesar disso tudo, o livro, que tem algumas imagens em que a de cima é um exemplo, é um debruçar interessante sobre o que foram os primeiros anos da formação da actual Maputo e o início de uma enorme mudança para o Sul de Moçambique do epicentro da autoridade colonial portuguesa, cuja base durante quase quatrocentos anos fora uma pequenina ilha situada a quase dois mil quilómetros ao Norte.

Bom fim de semana.

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