THE DELAGOA BAY REVIEW

25/04/2013

A SÍNDROME DO PODER MODERADOR PORTUGUÊS

Há trezentos anos que a mudança está institucionalizada através do conceito da revolução. Parece que para muitos esse paradigma ainda não mudou.

Por muito odiado que se diga ser assim, há duzentos anos que a mudança está institucionalizada no sistema político português através do conceito da revolução. Parece que para muitos esse paradigma ainda não mudou.

Numa celebração assinalada com aquele entusiasmo datado com que hoje a maior parte de quem se lembra (por exemplo) do concerto de Woodstock, realizado em 1969 nuns campos adjacentes à vilória com o mesmo nome do Estado norte-americano de Nova Iorque,  os eleitos portugueses juntaram-se no edifício do parlamento português na manhã deste dia 25 de Abril de 2013, para recordar o pronunciamento militar que em 1974 deu por finda a agonia marcelista e o impasse do regime de então.

Do lado esquerdo, celebrou-se a festa e o atentado comuna que se seguiram e a instauração da República Socialista – agora ferida de morte – enquanto que do lado direito ruminou-se e pouco mais.

Ou seja, enquanto simbologia, transmitida ao vivo pelas estações de televisão, aquilo foi uma seca tão má como me lembro, tenuamente, de terem sido, nos anos 60 e 70 até 74, as comemorações da “gloriosa revolução nacional” que em 1926 enterrou quase de vez a Primeira República.

Só houve uma diferença.

Essa diferença, no entanto, marca uma outra continuidade.

A diferença consistiu no mais uma vez apagado e pouco inspirador ponto feito pelo Presidente português, a respeito de qual deverá ser o seu papel no actual firmamento político e contexto em que o seu país vive.

Em resumo, Cavaco Silva aproveitou esta missa sacra de um feriado que só por milagre e conveniência escapou a recentes cortes, para publicamente afirmar duas coisas.

A primeira é que, do seu ponto de vista, o ordenamento político-constitucional-social do momento está a funcionar adequadamente.

A segunda é que não contassem com ele para interferir nesse actual quadro.

Ora, em termos curtos e grossos, Aníbal Cavaco Silva achou por bem alinhar-se a 100 por cento com o actual governo, liderado por uma coligação entre o PSD e o CDS.

Isto num momento de uma crescente agudização dos efeitos da falência do actual regime.

Sendo sua prerrogativa, há algo que não entendo, quer na postura que Aníbal Cavaco Silva escolheu divulgar, que no próprio sistema político português.

Façamos um pouco de reflexão histórica.

O actual ordenamento constitucional português, em traços largos, e peque toda a nefasta propaganda com as sucessivas revoluções nos últimos 200 anos, não mudou significativamente desde que o mercurial Dom Pedro IV enfiou a Carta (e o hino) pela goela dos portugueses dentro. Para além de uma nojenta mas fascinante trica familiar entre os Bragança, essa imposição levou décadas e incluiu tanta revolta e reviravolta que o Século XIX português foi essencialmente um século horribilis da sua história, pois o modelo levou tanto tempo a ser aceite (ou imposto) e entretanto destruiu-se mais do que se fez.

E mesmo aí, logo a seguir foi prontamente tomado e adulterado pela nascente e crescente burguesia lisboeta.

Que, quando, mesmo aí, tal não lhe agradou a percentagem do pecúlio, tornou-se “republicana”.

Ora, se se ignorarem as tradições, a principal diferença entre os regimes monárquico e republicano reside na figura ao topo, o monarca ou o presidente.

E entre esses, a diferença é que o presidente é escolhido por eleição para um mandato relativamente curto, o rei não era nem podia ser eleito, e exercia o seu reinado enquanto estivesse vivo e são.

O que não se alterou significativamente foram os únicos poderes consagrados dessa figura cimeira – o chamado “poder moderador”.

Para mim, que assisto de fora e de longe, este atributo é uma espécie de solução luso-rasco-latina, inventada para lidar, como uma espécie de fusível de sistema, para o caso desse sistema entrar em curto-circuito. Ou seja, se as pessoas, os partidos, o parlamento, as instituições não funcionarem, está previsto que o monarca, ou o presidente, intervenham, de forma não especificada, no sentido de dar um choque e – espera-se – restaurar a situação para um simulacro de normalidade e operacionalidade..

Para além de uma sumária ganância pelo poder e pelas suas mordomias, as infâmias, os assassinatos e a conspiração que finalmente derrubou a monarquia portuguesa em 1910,  tinham apenas como fim fazer com que os agentes políticos – na altura uma ditadura reles liderada por uma gang lisboeta que se auto-intitulava Partido Republicano Português – pudessem também passar a controlar esse poder.  O resultado foi, para variar, o caos quase completo, interrompido mais tarde durante meio século pela mão hábil e sinistra de António Oliveira Salazar.

Com o pronunciamento militar organizado pelo moçambicano Otelo e os seus “camaradas” em 1974, surgiu de seguida uma “nova” burguesia, filha e neta da de 1910, que retomou o assunto do pecúlio. misturando ao meio o delírio da República Socialista, que tinha por fim criar uma sociedade “sem classes”, em que a todos seria garantida uma vida decente. Na realidade, tudo não passou de um cheque em branco para se poder roubar alegremente o erário público e incorrer em défices de proporções épicas, agora impagáveis.

Na nova dispensação constitucional portuguesa após 1974, permaneceu o parlamentarismo sui generis português, e, no topo, uma espécie de presidente-rei, que vive no velho e minúsculo palácio de Dom Carlos e Dona Amélia, e exerce praticamente o mesmo poder moderador do anterior residente com sangue azul.

O problema é que o exercício desse místico poder moderador enfrenta – sem solução à vista – os mesmíssimos desafios enfrentaram quem o exerceu quer na monarquia, quer na primeira república. No reinado de Dom Carlos, ainda hoje é agonizante ler-se as notas deixadas pelo Rei, perante um sistema em quase perpétua colisão e incapaz de usar o seu mandato para procurar e implementar as soluções que o País exigia. Na primeira república esse exercício tornou-se dilacerante. Durante o Estado Novo, Salazar açambarcou-o e protegeu-o com uma ditadura, e mesmo assim, no fim, Américo Tomás, tendo-o efectivamente, usou-o erradamente, não desbloqueando a ditadura, entregando o poder à rua.

E aqui estamos em Abril de 2013, assistindo a Aníbal Cavaco Silva – e o eleitorado português – enfrentando os mesmos desafios. O elusivo poder moderador que consiste na única parte não cerimonial do cargo que desempenha, para pouco serve, e em pouco assiste os portugueses na procura de soluções e confronto das dificuldades presentes. Pois na face de grande confrontação política, a sua intervenção não é aceite como forma de desbloquear ou de prevenir o caos. Os portugueses – alguns portugueses – não aceitam que o chefe de Estado seja ao mesmo tempo árbitro e jogador.

Ora, a prerrogativa presidencial, nos termos da constituição, permite-o.

A República Socialista portuguesa já não existe, simplesmente porque é inviável. Na forma, ainda persiste, com o seu texto constitucional repleto de promessas de farturas e oportunidades regiamente garantidas, incluindo na permanência, na constituição, do poder moderador do presidente, esta espécie de fóssil da Era de Montesquieu.

Até quando?

Pois que, a alternativa, nestas circunstancias, é fazer revoluções.

Entretanto, a crise continua.

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