THE DELAGOA BAY REVIEW

31/05/2010

O LEÃO ADORMECEU

Filed under: António Botelho de Melo, Caçador, Rui Quadros — ABM @ 12:58 am

Maria Duarte Silva, Rui Quadros e Suzette Malosso, anos 60

por ABM (31 de Maio de 2010)

Gostava de, com muita pena, assinalar a morte de Rui Quadros ontem em Maputo e, para além de apresentar as minhas condolências à sua família (conheço o Nuno e a filha, que já deve estar grande desde que a vi há uns anos) e de referir algumas memórias sobre este invulgar homem.

O pai do Rui Quadros era administrador de posto no mato, perto da então Lourenço Marques. Rui Quadros tinha um irmão, Jorge (que morreu em circunstâncias esquisitas na Guiné-Bissau) e várias irmãs- para além do Nuno. Com os anos ele tornou-se caçador-guia, e veio a ser um dos melhores caçadores-guia de Moçambique, juntamente com Amadeu Peixe, Luís, Vasconcelos, etc. Durante anos trabalhou para a Safarilândia (do Jorge Abreu e o irmão, tios da Susana Abreu, uma grande nadadora moçambicana dos tempos) uma empresa que organizava caçadas, acompanhando muitos dos visitantes mais distintos que vinham a Moçambique desfrutar das suas maravilhosas paisagens selvagens e fauna.

Antes da independência, ele era uma verdadeira lenda na cidade. Dele, que conheceu Moçambique como muito pouca gente, se dizia, afectuosamente, que “andava como um preto, dormia como um preto, e falava como um preto”. Para além de português e inglês, ele falava fluentemente várias línguas de origem africana.

O Rui Quadros entrou no imaginário dos BM de uma forma curiosa. No final dos anos 60, Rui Quadros, que estava no auge da sua celebridade, um dia convidou o meu irmão Fernando, que devia ter uns dez anos de idade, para ir caçar com ele. O Nando estava no fim de umas férias escolares curtas e todos pensávamos que ele ia caçar apenas durante o fim de semana, o que era no mínimo uma experiência única. Só que o fim de semana vem e vai e nada de Rui Quadros nem de Fernando. Os dias passaram. Ao fim de dez dias, e uma semana sem aparecer nas aulas (hoje assunto de lana caprina mas naqueles tempos era crime de Estado) o pai BM manda um SOS para todos os lados para tentar perceber o que se passava e por onde eles andavam. Na noite do domingo seguinte, aparece em nossa casa o Rui, que entrega um Fernando todo sujo, malcheiroso e esfarrapado mas absolutamente encantado com os dias em que andaram perdidos no mato a caçar e a passear. Depois de um valente banho e do jantar, sentámo-nos todos na sala a ouvi-lo a contar as suas aventuras da caça com o famoso Rui Quadros.

Depois da independência, o Rui esteve algum tempo na África do Sul e mais tarde em Portugal, onde chegou a explorar uma espécie de quinta de animais selvagens no Alentejo. Mas, volvidos uns anos, ei-lo de volta em Moçambique. Ele de facto parecia que pertencia ali, e não encaixava nos formalismos de gravata da Europa. Vi-o inúmeras vezes na esplanada do Piri-Piri, olhando o tempo a passar e magicando novas formas de voltar ao mato.

O mato a que pertencia.

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