THE DELAGOA BAY REVIEW

04/08/2020

A LUTA CONTINUA – 2020

Filed under: A Luta Continua - 2020 — ABM @ 12:29 pm

Sempre que leio as recorrentes notícias sobre o que alguns chamam, algo eufemisticamente, “violência xenófoba”, contra os cidadãos oriundos de Moçambique que vivem na África do Sul, Zimbabué e Malawi, invariavelmente, lembro-me do verdadeiro inferno de morte e miséria a que a Frelimo do Samora sujeitou Moçambique e os moçambicanos a seguir à independência, e durante anos a fio, para -justamente- “libertar” os “irmãos” dos apartheids e afins. Em vez de usarem a independência para desenvolver o país, os acólitos do novo Regime implantaram uma ditadura militar comunista e toda aquela cena sob o que se tornou num popular slogan de esquerda – o de “a luta continua”- repetida inúmeras vezes por Samora Machel nos comícios e discursos que fazia, e que se traduziu em guerra, morte e fome.
Hoje, aburguesadas e passada a fase do liricismo marxista, as elites destes países beijam-se para a fotografia e entrecasam-se enquanto, segundo as várias organizações que percebem disso, conspiram para roubarem e ficarem perpetuamente ricas.

Mas no terreno, para o povo, é isto, que cito em baixo, num texto da Agência Lusa, publicado ontem ao princípio da noite.

Parece mesmo que, para eles, abusados pelas suas elites e despeitados pelos mesmos que supostamente ajudaram a libertar, a luta continua.

O texto da Lusa:

Um imigrante moçambicano morreu e pelo menos 18 pessoas também de nacionalidade moçambicana ficaram desalojadas por alegada violência xenófoba no leste de Joanesburgo, África do Sul, que eclodiu na semana passada.
“Houve um moçambicano que foi morto, queimaram tudo o que tinha, e levaram tudo, todos os moçambicanos ficaram sem nada”, relatou o imigrante moçambicano David Machava em declarações à agência de notícias Lusa. “Ele morreu anteontem [sábado], quando eles entraram aí a bater em Tokoza Pola Park”, adiantou David Machava, que vive na África do Sul desde 1987, onde constituiu família com oito filhos.
Segundo o imigrante, a maioria dos moçambicanos afetados pela recente onda de violência xenófoba residem em Pola Park, uma área do bairro de Tokoza vizinha a Katlehong. “Pode chegar a 18 moçambicanos, porque há muitos a viverem aqui em Pola Park”, contou Machava.

“Pediram documentos, bateram-me à queima-roupa, um outro moçambicano abandonou a casa dele porque lhe disseram que o iam matar e eu também estou a procurar outro sítio”, declarou. “Viraram-me o carro que estava estacionado”, referiu ainda o imigrante.
Ataques violentos desde a semana passada
Por seu lado, José Sobrinho, 37 anos, natural de Chokwé, distrito de Gaza, sul de Moçambique, disse à Lusa que o seu negócio de reparação de televisores não sobreviveu aos ataques violentos. “Destruíram os televisores que eram dos meus clientes”, adiantou, sublinhando que “a situação já está mais calma hoje, mas o que era dos clientes ficou destruído”.
José Sobrinho contou que abriu o negócio de reparação de televisores no bairro de Tokoza em 2016, embora tenha imigrado para a África do Sul em 2007. “Tenho quatro filhos, até a minha esposa não está bem [de saúde] devido a uma queda e estou a preparar dinheiro para lhe enviar porque está hospitalizada [em Moçambique]”, declarou o imigrante moçambicano, que procura agora refazer a sua vida.

A violência xenófoba contra imigrantes moçambicanos em Tokoza, referiu José Sobrinho, eclodiu na passada terça-feira (28.08) e só viria a dissipar-se no domingo (02.08) após a intervenção do exército sul-africano e do ministro da Polícia, Bheki Cele.
“Foi quase toda a semana, porque começou na terça e na sexta-feira e no sábado [a violência] piorou, há muitos moçambicanos afetados e ontem [domingo] apareceram os militares e o ministro da Polícia Bheki Cele esteve cá, e essa guerra parou. A situação ainda está calma”, disse José Sobrinho.
Casas e lojas vandalizadas
O moçambicano referiu que os responsáveis, de etnia AmaXhosa, justificaram a violência contra os imigrantes moçambicanos e a vandalização das suas casas e lojas alegando “falta de eletricidade” no bairro de Tokoza há três semanas. “Mas depois começaram a dizer que todos os estrangeiros têm de sair do país, e aí começaram já a entrar nas lojas e nas casas, tiraram coisas, mobílias e queimaram tudo. Basta ser estrangeiro e ter uma loja, que eles entram e destroem tudo”, adiantou.
Questionado pela Lusa sobre os motivos da recente onda de violência xenófoba, este imigrante moçambicano sublinhou: “O problema é que nós aqui trabalhamos, estamos em ‘lockdown’ devido a essa pandemia do novo coronavírus, mas conseguimos colocar pão na mesa, e eles não fazem nada, dependem do Governo, enquanto nós fazemos pela vida. Esse é o problema”, disse José Sobrinho.
Contactada pela Lusa, a esquadra de Polícia em Tokoza remeteu esclarecimentos para o comando da Polícia sul-africana (SAPS, na sigla em inglês) na província de Gauteng que não respondeu ao pedido até ao momento.

Em 2019, o distrito de Ekhuruleni, onde se situa o bairro de Tokoza, foi um dos focos de saques de violência xenófoba que atingiu o país em setembro, forçando cerca de 1.500 estrangeiros africanos a abandonarem a África do Sul. Cerca de 800 pessoas, na sua maior parte originária de Moçambique, Malawi e Zimbabué, procuraram refúgio em salas comuns no bairro de Katlehong, vizinho a Tokoza, a cerca de 35 quilómetros a leste de Joanesburgo, referiu o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Mais de 11 pessoas morreram e cerca de 500 foram detidas pela polícia sul-africana em setembro de 2019 durante uma onda de violência xenófoba, pilhagem e destruição de vários negócios, na maioria de imigrantes estrangeiros na província de Gauteng, a mais populosa da África do Sul.

20/05/2019

O DEBATE ELEITORAL ENTRE DE KLERK E NELSON MANDELA, 14 DE ABRIL DE 1994

Filed under: Debate De Klerk-Mandela 1994, F W De Klerk, Nelson Mandela — ABM @ 12:55 am

Re-emissão comemorativa da SABC, no 25º aniversário do histórico debate eleitoral entre Frederick W De Klerk e Nelson Mandela, antes da primeira eleição democrática na África do Sul. Na íntegra.

 

26/10/2017

PRINCE MASHELA REFLECTE SOBRE A ÁFRICA DO SUL E ÁFRICA, 2016

Filed under: Jacob Zuma, Prince Mashela e Zuma — ABM @ 1:51 am

Jacob Zuma, o actual presidente da África do Sul.

O texto que se segue é da autoria de Prince Mashela, um interessantíssimo intelectual sul-africano (um xitsonga natural de Mpumalanga) e foi publicado no sítio na internet do jornal Sul-africano The Sowetan em 9 de Maio de 2016.

O Centro para a Política e a Pesquisa (CPR), uma organização sul-africana, descreve assim o autor, que é o seu actual Director Executivo:

Prince Mashela holds a Master’s Degree in Political Science from Rhodes University, South Africa. Before becoming Executive Director of CPR, he was Head of Crime, Justice and Politics Programme at the Institute for Security Studies. He also worked as a speechwriter in The Presidency, and also in the research unit of the Institute for Democracy in South Africa. Prince cut his teeth as a researcher at the Institute for Global Dialogue, where he spent time analysing a range of areas on contemporary African politics. He is a prolific writer on a multiplicity of issues, and he is a sought-after analyst.

O artigo focaliza na actuação e atitude do actual presidente sul-africano, Jacob Zuma, mas também do eleitorado sul-africano.

Aqui, a minha tradução do artigo, a primeira vez que pode ser lido em língua portuguesa, seguida pelo texto original,  que Prince Mashela escreveu em inglês:

ÁFRICA DO SUL FINALMENTE AFRICANA, GRAÇAS A ZUMA

No meio da confusão política que tem cativado a atenção do nosso país, muita gente se tem interrogado se nós chegámos ao fim da África do Sul.

A resposta é simples: aquilo a que se chama um “fim” não existe, não quando nos referimos a um país. A África do Sul vai continuar a existir muitos anos depois de Jacob Zuma se ter ido embora.

O que Zuma fez foi fazer-nos constatar que o nosso é apenas mais um país africano, não aquele país excepcional situado no extremo Sul do continente Africano.

Durante os mandatos de Nelson Mandela e de Thabo Mbeki, alguns, entre nós, costumavam acreditar que o povo negro da África do Sul era melhor que o dos outros países Africanos.

Nós temos todos que agradecer a Zuma por nos revelar o nosso verdadeiro carácter africano; que a ideia de que a força das leis [rule of law] não faz parte daquilo que somos, e que o constitucionalismo é um conceito muito distante de nós enquanto Povo. Senão como é que nós conseguiríamos explicar as milhares de pessoas que enchem estádios inteiros para aplaudir um presidente que violou a constituição do seu país? estas pessoas não fazem ideia do que é o constitucionalismo.

Agora que nós conquistámos o nosso estatuto de sermos apenas mais um vulgar país africano, temos que reflectir e lidar com a realidade desse nosso verdadeiro carácter, e imaginar como é que o nosso futuro será.

Num país Africano típico, o cidadão médio não espera muito dos seus políticos, porque se cansa das repetidas promessas que não são cumpridas.

Num país Africano típico, as pessoas não têm quaisquer ilusões quanto à simbiose entre moralidade e boa governação. O povo sabe que aqueles que detêm o poder, utilizam-no para seu proveito próprio e para o dos seus amigos e familiares.

O conceito de que o Estado é um instrumento para apoiar o desenvolvimento do Povo é um conceito Ocidental, e que tem sido copiado por alguns países Asiáticos.

Os Africanos e os seus líderes não gostam de copiar nada do Ocidente. Ficam felizes de permanecerem Africanos e de fazerem as coisas “à moda Africana”.

Fazer as coisas à moda Africana significa o uso autocrático do poder por reis, chefes e indunas, à base de regras que não estão escritas em papel. Já alguém alguma vez viu um livro de leis tradicionais Africanas?

A ideia que um cidadão comum possa expressar dúvidas ou pôr em causa os dinheiros públicos gastos na casa de um rei ou chefe, não é Africana. Os membros do ANC no Parlamento Sul-Africano e que têm defendido Jacob Zuma são verdadeiros Africanos.

Exigir-se que um líder preste contas é um conceito estrangeiro – Ocidental. Numa situação em que haja conflitos entre o líder e as leis do País, os Africanos simplesmente mudam as leis, para proteger o líder. É por isso que não há um único branco que tenha exigido que o Rei Dalindyebo fosse libertado da prisão.

O problema com os “pretos espertos” é que eles pensam que vivem na Europa, onde os conceitos da democracia foram afinados ao longo de séculos.

O que nós temos que fazer é regressar à realidade nua e crua, e aceitar o facto que o nosso é um típico país Africano. Esse retorno à realidade vai-nos proporcionar uma perspectiva aproximada de como parecerá o futuro da África do Sul….

Este país não se parecerá muito com a Dinamarca. Possivelmente, será mais semelhante à Nigéria, onde os activistas contra a corrupção são a excepção.

Sendo o nosso um país Africano, não se parecerá com a Alemanha. A África do Sul poderá assemelhar-se mais com o Quénia, onde o tribalismo é o factor central nas disputas políticas.

As pessoas não podem alimentar a ilusão de que o dia chegará quando a África do Sul se parecerá como os Estados Unidos da América. O nosso futuro será mais como o do Zimbabué, onde um líder detém mais poder que todo o resto da população junta. Mesmo que Julius Malema viesse a ser presidente, ainda assim seria a mesma coisa.

Os líderes Africanos não gostam da ideia de haver uma população educada, pois é difícil governar gente inteligente. Os próprios Mandela e Mbeki foram corrompidos pela educação Ocidental (Confissão: este colunista também foi corrompido por essa educação). 

Zuma permanece Africano. A sua mentalidade alinha com a do Boko Haram. Ele desconfia das pessoas educadas; aqueles a quem ele apelida de “pretos espertos” [clever blacks]. Lembrem-se, Boko Haram quer dizer “Contra a Educação Ocidental”.

As pessoas que pensam que nós chegámos ao fim da África do Sul não estão cientes que na realidade nos chegámos ao começo de um verdadeiro país Africano, distante das ilusões Ocidentais de sermos a excepção em África. Os que se sentem perturbados por este genuíno carácter Africano precisam de ajuda. O melhor que podemos fazer por essas pessoas é pedir-lhes que observem ali a Norte do rio Limpopo, para descobrirem mais sobre o que é boa governação em África.

O que torna as pessoas mais nervosas sobre o futuro da África do Sul é que elas estão a pensar baseadas em modelos Ocidentais, esquecendo-se que o nosso país é Africano.

A ideia de que um presidente pode ser demitido porque um tribunal tomou uma decisão contra si é Ocidental. Só o Primeiro-Ministro da Islândia é que faz isso; Líderes Africanos jamais o farão.

Analisando cuidadosamente a noção de que a África do Sul está a chegar ao “fim” é a expressão de um sistema de valores Ocidental – de prestação de contas, de moralidade política, do contraditório, etc.

Todos estes são conceitos vindos de Sócrates, Kant, Hegel, etc. Eles não são Africanos.

Todos nós temos, então, que agradecer a Jacob Zuma por nos revelar a verdadeira República Africana da África do Sul, não um qualquer posto avançado de valores Europeus.

(fim)

A versão original:

SA finally African, all thanks to Zuma

In the midst of the political confusion that has gripped our country, many people are wondering if we have come to the end of South Africa.

The answer is simple: the thing called an “end” does not exist, not in relation to a country. SA will be there long after Jacob Zuma is gone.

What Zuma has done is to make us come to the realisation that ours is just another African country, not some exceptional country on the southern tip of the African continent.

During the presidency of Nelson Mandela and Thabo Mbeki, some among us used to believe that the black people of SA are better than those of other African countries.

We must all thank Zuma for revealing our true African character; that the idea of rule of law is not part of who we are, and that constitutionalism is a concept far ahead of us as a people.How else are we to explain the thousands of people who flock to stadiums to clap hands for a president who has violated their country’s constitution? Such people have no idea of constitutionalism.

Now that we have reclaimed our place as another African country, we must reflect on and come to terms with our real character, and imagine what our future portends.

In a typical African country, ordinary people don’t expect much of politicians, because people get tired of repeated empty promises.

In a typical African country, people have no illusions about the unity of morality and governance. People know that those who have power have it for themselves and their friends and families.

The idea that the state is an instrument for people’s development is a Western concept, and has been copied by pockets of Asian countries.

Africans and their leaders don’t like to copy from the West. They are happy to remain African, and do things “the African way”.

The African way is rule by kings, chiefs and indunas in a setting of unwritten rules. Is there anyone who has seen a book of African customary laws?

The idea that a commoner can raise questions about public money spent on the residence of a king is not African. The ANC MPs who have been defending Zuma are true Africans.

Asking a ruler to be accountable is a foreign – Western – idea. In a situation where there is conflict between a ruler and laws, Africans simply change the laws to protect the ruler. This is why no single white person has called for King Dalindyebo to be released from jail.

The problem with clever blacks is that they think they live in Europe,where ideas of democracy have been refined over centuries.

What we need to do is to come back to reality, and accept that ours is a typical African country. Such a return to reality will give us a fairly good idea of what SA’s future might look like…..

This country will not look like Denmark. It might look like Nigeria, where anti-corruption crusaders are an oddity.

Being an African country, ours will not look like Germany. SA might look like Kenya, where tribalism drives politics.
People must not entertain the illusion that a day is coming when SA will look like the US. Our future is more on the side of Zimbabwe, where one ruler is more powerful than the rest of the population. Even if Julius Malema were to become president, it would still be the same.

African leaders don’t like the idea of an educated populace, for clever people are difficult to govern. Mandela and Mbeki were themselves corrupted by Western education. (Admission: this columnist is also corrupted by such education.)

Zuma remains African. His mentality is in line with Boko Haram. He is suspicious of educated people; what he calls “clever blacks”. Remember that Boko Haram means “Against Western Education”.

The people who think we have come to the end of SA don’t realise that we have actually come to the beginning of a real African country, away from the Western illusions of exceptionalism. Those who are unsettled by this true African character need help. The best we can do for them is to ask them to look north of the Limpopo River, to learn more about governance in Africa.

What makes most people restless about the future of SA is that they have Western models in mind, forgetting that ours is an African country.

The idea that a president can resign simply because a court of law has delivered an adverse judgment is Western. Only the Prime Minister of Iceland does that; African rulers will never do that.

Analysed carefully, the notion of SA coming to an “end” is an expression of a Western value system – of accountability, political morality, reason, and so on.

All these are lofty ideas of Socrates,Kant, Hegel, and so on. They are not African.

All of us must thank Jacob Zuma for introducing us to the real African Republic of South Africa, not some outpost of European values.

 

17/01/2012

TOKOLOSHE E OS DINOSSAUROS

O divertido cartaz anunciando o convívio do antigos alunos dos Salesianos de Moçambique, em Portugal, marcado para Abril de 2012, onde se vão comer uns croquetes e recordar os bons velhos tempos da juventude.

Eu já tinha lido o texto em baixo, que é sobre a realidade sul-africana.

Mas não só.

Apesar de se focar inteligentemente e com humor em coisas digamos que básicas, o que chama a atenção nesta pequena crónica do que me parece ser um jovem sul-africano negro com cerca de vinte anos de idade, é a perpsectiva global invocada e a que eu já havia chamado a atenção por mais do que uma vez nos meus escritos e que creio que muitos de nós, com entre 45-55 anos de idade, também já constatamos, que é o facto de que em África já há algum tempo que “se está completamente noutra”.

No caso que me interessa de sobremaneira – Moçambique (sorry, South Africa) constato-o permanentemente, quando constrasto o discurso oficial e o oficioso nos jornais em Maputo e arredores, e falo com os meus amigos mais jovens, especialmente no Facebook.

Em grande medida, Moçambique, um pouco como acontece na África do Sul, sofre do mesmo problema salientado pelo jovem que assina como Vusi Mabaso e que escreveu esta nota: numa excessiva busca de legitimidade e de identidade baseadas nas tradições e nos brilhantes eventos glorioso-bélicos do passado histórico, na procura de conciliar os imenssíssimos desafios para esta geração e a que vem a seguir, uma parte excessiva do discurso público e dos esforços são dirigidos para items que não têm rigorosamente qualquer relação com a realidade e os valores presentes e ainda menos com os desafios futuros.

E esta constatação é quiçá a maior crítica que possa ser elencada contra a actual geração de políticos em Moçambique.

Em última análise, o diálogo quanto ao passado nunca poderá sobrepor-se à necessidade do diálogo quanto ao que fazer quanto ao futuro.

Pois os custos e as consequências dessa postura são e serão inaceitáveis.

O texto de Vusi Mabaso a que deu o título de The Tokoloshe, no original, em inglês:

400 years ago Africa might as well been another planet in our solar system.

We were living in peace in our thatch huts. The 10 piece of cattle were grazing under the African sky. The head of the family sat in the shade of a tree drinking beer, the wives were working the land and the kids were making clay oxen to play with.

Every man’s dream, even to this day, no matter where on this planet you might come from. It sounds like the African version of the Playboy mansion. You sit in the shade and your multiple wives work for you.

Then the Europeans arrived and laughed at our people who had no education and thought our way of life was savagery. We had to fight them with spears to survive and ultimately lost the battle. They took our land and made us their slaves. They sold us to America and we became a trading commodity.

That is, what it is. We can’t change the past. So now 400 years later, what now?

We had to learn through bloodshed that we were not a planet of another solar system. We are part of this world and in this world there are certain rules that can’t be broken if you want to have food. Whether we like these rules or not, they are a reality. We can fight them like Mugabe does but it would only result in hunger.

Too many Africans are yearning for life as we knew it back then…but they just love the white man’s BMW and Lear Jet. The donkey cart is way too primitive for their liking and the cow hides that once covered our loins are not as “cool” as a Hugo Boss suit. We are a race that conveniently wants to fall back on our traditions when it suits us.

Not everybody has the ability to be as black and white as I am, and I mean that in more than one sense. I accept and acknowledge that. But I had to ask myself where do I fit in? Do I want to go back to my ancestral land in Dundee and demand this land be given back to me so I can acquire a few wives and create my own Playboy Mansion or do I like it here in Sandton with a Blackberry?

You would be horrified if you read all the messages I get on Facebook of people swearing at me, calling me a traitor, a disgrace to all black people in South Africa and that whites are paying me to blog my views.

What they don’t know is that I have been very blessed to come from a long line of fighters that have fought from the days of the spear right up to the AK47. They fought for my freedom and as sure as this sun is going to come up tomorrow, I am not going to mess up all they have fought for.

I have to address this cultural jail that stands between my people and true freedom.

Let us look at the Tokoloshe first.

You slept with your bed raised up on a few bricks so that when the Tokoloshe comes at night, he could move freely around your room without knocking his head against any object. For those that know this superstition will know it is a small mystical hairy thing that looks like a psychotic angry little bear and catches you at night. But if he knocks his head against your bed, you are going to get this menace all over you and he has a temper like no other on earth. Stop laughing, I’m dead serious!

I haven’t seen him yet. I badly wanted to see him when I was small because while others feared him, I thought he sounded cool and wanted to befriend him. My grandmother would look at me in absolute horror when I wanted to see the Tokoloshe. She would tell my mother “Eish this child scares me”.

When my Grandfather returned from exile, he brought me a Teddy Bear from London. I looked at the Teddy and instantly knew this was the Tokoloshe I always wanted to meet. So my bear got named Tokoloshe. I got smacked a few times because I would jump on my Grandmother when she takes her afternoon nap and scare her with Tokoloshe.

But the modern new reborn Tokoloshes sit in Parliament.

Parliament…hmmmm… let us discuss running this country, being an example to the citizens and our traditions.

In a new African landscape how practical is it having multiple wives? Nice idea, being a man. Come on you guys reading this, admit it!

But 20 children? Not so good because if I see what my university education and all the sundry trimmings are costing my father I would hate to think he had to make 20 of us. He would need to join the bank robbers to keep us at university.

My mother didn’t come cheap either, so he would have had to start stealing cattle from the white farmers if he wanted more wives. She cost him 40 head of cattle back in the 80’s. But wow, was she worth every cow! You should see her today in her Chanel dress …but 5 of them?

That is the humorous side of our tradition, but the more serious side is the following reality. There are only two of us and not twenty. So from my first breath my father has been there every step of my way thus far. We are his life and the reason he works this hard. He has spent every moment available guiding me into manhood (without sending me to a bush so some traditional butcher can slaughter my stuff beyond repair) How, as a father will you possibly find the time to devout this kind of attention to 20 kids? I don’t even want to think what life would have been like without my father. Unthinkable.

But what would I have been, if my father happily cavorted around claiming it is his culture and tradition?

I probably would have been marching with Malema on the road to nowhere and my father would have been dead by now. I would be visiting a graveyard and trying to find life’s answers from a stone. Back in the 80’s when he married my mother us blacks haven’t heard of HIV/Aids and those enlightened ones that did know about it, thought it was a homosexual disease.

So unbeknown to us we were killing ourselves. Merrily living out the principles of our tradition, not knowing we are committing suicide and resulting in 2 Million orphans just in South Africa alone, let alone the rest of Africa.

Wouldn’t this be a far more worthy cause to march about than march to get stuff you deliriously think should be given to you for free?

Imagine what must be going through the mind of a 4 year old kid, who is left all alone tonight, with nobody to take care of him or her? None of these orphaned kids asked to be here, so imagine how a child has to try and make sense of all of this?

So why do I still have my parents? Because my father knew he can’t run around making babies that he can’t provide for. He had to think soberly about life with a new millennium looming. He had us because he wanted us. We were to become his legacy. We weren’t conceived in a moment of uncontrolled lust or in the name of an outdated tradition.

We won’t discuss the merits of the social grant for mothers with kids and absent fathers but alarmingly condoms are still very unpopular accessories amongst the population of Africa. Until recently we had that scary old Bat as a minister of health. Tokolosh personified. Beetroot juice and cabbage leaves will cure the disease, while the Chief would shower after a bit of inyama.

What did my father do 7 years ago when I reached puberty? He sat me down and told me the facts and how it all happens. Every time I leave the house he jokingly says he will draw blood when I return and have me tested. He jokes, but it has sunk in so deep now, I think about the consequences every time I see a gorgeous girl.

What do my people do? Until recently it was better swept under the table than discuss the matter. It became unlawful to state a person has died of AIDS on his death certificate. How big is this denial?

Please don’t make a comment after you have read this and tell me this disease was invented by the Apartheid rulers to wipe us out. I’m not even going to discuss that old stale story! And speaking about Apartheid, get over it. It has no relevance in 2011. Dead, gone, born 31-05-1961 and was executed on 27-04-1994. Our ultimate justification for everything that we do wrong can’t come back so we can stone it.

The most bizarre superstition was invented to “cure” the disease. Rape a girl and it goes away. By girl, I mean little ones that had to helpless have their lives taken from them without their consent. Grown men believing in rubbish like this. How in the name of God can you possibly justify this, no matter what your traditions or beliefs are?

We have now for far too long shrugged our shoulders and hid behind our traditions on the one hand and on the other we want to sit at the UN and pretend we have the wisdom to help decide the fate of other countries. In this world we need to merge with, you have:

1. One wife. You sleep around, you die.

2. You have more kids than you can provide for, they starve and when they grow up they will steal to survive because you didn’t have enough money to send them to a decent school. The government schools are a complete waste of time because the teachers are never in class.

3. You can’t sell or trade with your daughters. They are not consumer goods.

4. You study or qualify as an artisan so you can earn your own keep and build your own house. There isn’t enough money going around building 40 Million free houses. You can wait until the sun burns itself out, it is not going to happen. So live with it.

5. Forget the white man’s wealth. It has long gone been transferred to Sydney. There isn’t any left here. Create your own. Forget about redistribution. Use your logic. The wealth of 5 Million whites was never going to send 45 Million blacks into a blissful retirement. The white wealth Malema cries about daily, was only in the hands of a few whites.

So until we move ourselves forward and merge ourselves with the world, we will remain primitive. 17 Years after independence you don’t dance from Beyers Naude to the stock exchange and have foreign journalists film your insanity in the name of freedom. We were freed 17 years ago, embrace it and use your freedom to trade with the world, not crash your own stock market.

We can march up to the Union Buildings until the cows come home. We are not going to move ourselves forward until we free ourselves from ourselves!

(fim)

04/01/2012

SABE TÃO BEM PAGAR TÃO POUCO

Uma imagem publicitária da conhecida cadeia de supermercados da Jerónimo Martins, actualizada.

 

O ano de 2012 começou com o anúncio de que, antes que batessem as zero horas de 1 de Janeiro de 2012, o braço financeiro da família que detém, entre outros investimentos, a cadeia de supermercados Pingo Doce (e acho que Feira Nova, mas não tenho a certeza), mudara a sua sede fiscal de Portugal para …a Holanda.

Parece que as duas razões principais para esta alteração de sede social são 1) pagar menos impostos, 2) ter um acesso mais privilegiado a fontes de financiamento num mercado que ainda funciona normalmente, enquanto que em Portugal, como se sabe, os bancos estão em dieta aguda.

Supostamente, o Grupo Jerónimo Martins, cuja maioria do capital é detido pela tal empresa que agora é de registo holandês, faz tenção de fazer uns investimentos internacionais e precisa da disponibilidade e eficácia desses mercados. Nada demais: nos anos 80 e 90, grandes empresas sul-africanos mudaram as suas sedes da África do Sul para o Reino Unido, com grande sucesso e por razões sólidas.

Claro que os políticos e os politiqueiros portugueses da praça mandaram-se ao ar e ainda andam às piruetas. Afinal, a Jerónimo Martins é uma das grandes empresas de Portugal e detida maioritariamente por portugueses. É um dos grandes empregadores do país. O seu líder é um dos poucos verdadeiros donos de capital portugueses que chama os nomes aos bois. Assisti a várias das suas entrevistas, em que expressava as suas preocupações face ao que se estava a passar, ainda nos tempos completamente loucos do segundo mandato de José Sócrates.

Numa altura como estas, esta deve ser a maior bofetada, dada logo no primeiro dia deste Ano do Fim do Mundo, de quem tem capital, em relação ao que os políticos fizeram e vão fazer ao país e a quem tem capital (nota: as nossas poupanças, quando existentes, são capital).

Esta medida pode ter algumas leituras. Mas nenhuma delas abona o que Portugal é ou do que se está e vai passar.

O maior risco que se corre é que, em 2012, desesperado para encontrar receitas que não vão aparecer, o governo vai ser tentado a taxar mais o capital do que já faz. E aí corre-se o risco de o capital nacional abandonar o país.

Por outro lado, provavelmente os Pingo Doces têm mais do que razão na decisão de mudar a sede fiscal para a Holanda – que de repente em Portugal passou a ter o místico estatuto de paraíso fiscal  – pois a fiscalidade portuguesa, se já era positivamente punitiva face ao nível de vida médio da população, mais o passou a ser a partir de 1 de Janeiro de 2012.

Que o seja para quem tem mais dinheiro, é no mínimo alarmante. Pois quem tem mais dinheiro tem total facilidade e até conveniência em mudar-se para outro país.

Pois o dinheiro deles é deles.

Ou não é?

Eu acho que é.

 

"É tão bom pagar tão pouco".

 

 

 

 

 

17/11/2011

JULIUS MALEMA, O INCOMPREENDIDO

Filed under: África do Sul, Julius Malema — ABM @ 8:00 am

Recorte do jornal de Maputo O Ponto Certo, de dia 15 de Novembro de 2011.

 

Declarações de Malema após ter sido sancionado pelo ANC.

24/10/2011

INAUGURADA A ESTÁTUA A SAMORA MACHEL EM MAPUTO, 2011

A agora descerrada estátua homenageando o primeiro presidente de Moçambique, situada onde estava a estátua de Mouzinho de Albuquerque na antiga praça Mouzinho de Albuquerque. Para quem estiver distraído, há outra quase igual uns cem metros abaixo na rua, mas mais pequena. De braço no ar e tudo.

 

O obra de arte importada da Coreia do Norte.

 

Os rapazes da Libertação no momento da inauguração do monumento a Samora, vinte cinco anos até ao dia em que o Tupolev presidencial se estampou contra as colinas de Mbuzini.

18/10/2011

O PROBLEMA SOBERANO, 2010

O desafio próximo futuro para uma boa parte do mundo está em como resolver as dívidas soberanas. Achei interessante saber o que se passa nalguns países sobre os quais se fala com frequência.

Os dados respeitam a 2010, portanto ainda antes da degradação considerável ocorrida a partir do início de 2011.

A fonte é o Economist Economic Unit (com vénia)

Curiosamente, aqui se pode ver claramente que, por um número de razões, para já, no que concerne à dívida pública, os países africanos estão numa situação mais aconchegada que os paíse mais ao Norte.

PORTUGAL
Dívida Pública (milhões USD) – 174,502
Divida Pública por habitante (USD) – 16.400
População total (milhões) – 10.6
Dívida Pública como % do PIB – 82.4
% aumento da dívida pública no último ano – (1.9)

ANGOLA
Dívida Pública (milhões USD) – 17,187
Divida Pública por habitante (USD) – 910
População total (milhões) – 18.9
Dívida Pública como % do PIB – 20
% aumento da dívida pública no último ano – 11

MOÇAMBIQUE
Dívida Pública (milhões USD) – 3,651
Divida Pública por habitante (USD) – 156
População total (milhões) – 23.3
Dívida Pública como % do PIB – 37.3
% aumento da dívida pública no último ano – 1.6

AFRICA DO SUL
Dívida Pública (milhões USD) – 116,641
Divida Pública por habitante (USD) – 2,400
População total (milhões) – 49.1
Dívida Pública como % do PIB – 32.3
% aumento da dívida pública no último ano – 31

E por piada:

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE
Dívida Pública (milhões USD) – 8,975,409
Divida Pública por habitante (USD) – 29,000
População total (milhões) – 309
Dívida Pública como % do PIB – 61.2
% aumento da dívida pública no último ano – 21

ALEMANHA
Dívida Pública (milhões USD) – 2,315,786
Divida Pública por habitante (USD) – 27,900
População total (milhões) – 83
Dívida Pública como % do PIB – 75.4
% aumento da dívida pública no último ano – (6.2)

ESPANHA
Dívida Pública (milhões USD) – 804,698
Divida Pública por habitante (USD) – 17.540
População total (milhões) – 45.9
Dívida Pública como % do PIB – 61.1
% aumento da dívida pública no último ano – 7.3

Finalmente, o país mais badalado do momento:

GRÉCIA
Dívida Pública (milhões USD) – 374.760
Divida Pública por habitante (USD) – 34.100
População total (milhões) – 11
Dívida Pública como % do PIB – 128
% aumento da dívida pública no último ano – (4)

21/06/2011

BRANCO É BANCO

Filed under: África do Sul, Citações, Julius Malema, Julius Malema — ABM @ 1:17 pm

O Sr. Julius Malema, aqui no dia 7 de Setembro de 2010. Este fim de semana foi re-eleito para o cargo de Presidente da ANC Youth League. Foto de Werner Beukes, com vénia.

 

Afirmação de Julius Malema, re-eleito Secretário-Geral da Juventude do ANC este fim de semana, citado no Correio da Manhã de Maputo, esta manhã:

“A liderança do ANC terá de começar a liderar com o povo senão arriscar-se-á a ser demitida (…).  O inimigo real é o capital monopolístico branco. É contra esses que lutamos. Não é racismo, está escrito em todos os documentos do ANC”.

02/02/2011

A PRINCESA PATRÍCIA, OS DUQUES DE CONNAUGHT, CAVACO SILVA E LOURENÇO MARQUES

SUA ALTEZA REAL A PRINCESA PATRICIA DE CONNAUGHT. A MESMA DA RUA PRINCESA PATRÍCIA EM LOURENÇO MARQUES. AQUI EM 1912. MAIS OU MENOS COMO ERA QUANDO PASSOU PELA ENTÃO CAPITAL COLONIAL, QUANDO TINHA 24 ANOS DE IDADE.

A Princesa Patricia de Connaught (nome completo Victoria Patricia Helena Elizabeth) nasceu no dia 17 de Março de 1886 e morreu em 12 de Janeiro de 1974, com 88 anos. Filha de Sua Alteza Real o Duque de Connaught e de Strathearn e da Princesa Luísa Margarida da Prússia, pertenceu ao círculo mais restrito da família real britânica nos últimos anos da Rainha Vitória.

Cresceu junto dos pais e, depois de se casar algo tardiamente em 1919 com Alexander Robert Maule Ramsay (ela tinha 33 anos de idade), a princesa deixou de o ser e passou a usar o título de Lady Patricia Ramsay. Ela hoje está sepultada no cemitério real em Frogmore, perto do Castelo de Windsor, onde estão também sepultados os seus pais e os seus avós, a Rainha Vitória e o Principe Alberto.

Patricia teve um irmão e uma irmã. Naqueles tempos, mais precisamente em Janeiro de 1905, correu o boato, veiculado no Sun, um jornal britânico, de um possível casamento de uma delas com o Príncipe Real de Portugal. Facto que não passou despercebido na legação portuguesa em Londres, chefiada pelo mais tarde Marquês de Soveral, que recortou a notícia do jornal e mandou para Lisboa com um ofício. Dom Luiz Filipe acabou assassinado com o pai, o rei Dom Carlos I, em 1 de Fevereiro de 1908. Mais tarde ventilou-se, entre outros, um eventual enlace de Patrícia com o então jovem chefe da Casa de Orleáns e Bragança, o rei Dom Manuel II. Até o republicano e improvável correspondente do The New York Times, a propósito de uma visita que o jovem rei Dom Manuel fez ao Reino Unido em Novembro de 1909, elaborou um longo e fascinante texto, saído na sua edição de 14 de Novembro de 1909, especulando desalmadamente em relação a quem eram as candidatas mais prováveis para o tímido Bragança. Segundo o jornal, elas seriam Patricia de Connaught e Alexandra, uma filha do Duque de Fife. Depois de uma aturada e hilariante apreciação, o correspondente do New York Times basicamente concluiu que Patricia seria de longe a mais boazona para Manuel, mas que era independente demais para poder ser forçada a casar com seja quem for. Para além de já antes ter dado tampa ao rei de Espanha, Afonso, toda a gente nessa altura sabia que ela estava metida até às pontas dos cabelos com o Earl de Anglesey. Mas a coisa com ele também não duraria muito.

PatrÍcia de Connaught à direita. Ao centro, a sua mãe, a Duquesa de Connaught. À esquerda dela a sua irmã Margaret, que foi rainha da Suécia, mas que morreu cedo,antes do sexto parto.

Mas a especulação na altura não passou disso. Manuel II foi a Albon e voltou solteirinho da Silva. Em 1919, Patricia finalmente casou-se com o tal de Alexander Ramsay, um comandante da marinha, não da alta nobreza mas ainda assim o terceiro filho do Earl de Dalhousie.

O pai de Patrcia era Artur, Príncipe Real e, a partir de 1874, Duque de Connaught e Strathearn (1850-1942). Artur foi o sétimo de nove, o terceiro filho varão e supostamente o favorito da Rainha e Imperatriz Vitória. Foi, portanto irmão do Rei Eduardo VII, que era tio de Patrícia, e primo de Jorge V, rei entre 1910 e 1936, este o avô da actual monarca britânica, Isabel II.

Durante a maior parte da sua vida, o Duque desempenhou funções de chefia militar e de representação da coroa britânica, de que destacam os anos em que foi Governador Geral do então Domínio do Canadá, nos anos antes e durante a I Guerra Mundial, a única vez em que o Canadá teve um Governador-Geral que foi um membro da família real britânica. Patricia foi com ele e adorou os anos que lá passou, sendo ainda hoje lá recordada com reverência.

Artur e Luisa, os Duques de Connaught. Ele era filho da rainha Vitória e irmão de Eduardo VII.

A mãe de Patricia era Louise, filha do Príncipe Frederico Carlos da Prússia, com quem Artur se casou em Março de 1879. As ligações de Patricia às grandes casas reais da Europa são incontornáveis, nomeadamente a Casa de Saxe- Coburgo e Gotha, que também tinha ligações fortes com a casa real portuguesa através do marido de Dona Maria II, Fernando, que foi rei consorte de Portugal.

Uma fotografia da época com a família real britânica antes da rainha Vitória falecer em 1901. Da esquerda para a direita: Leopoldo Battenberg, Maria Luisa Schleswig-Holstein, a Príncipe Eduardo de York, a Duquesa de York com a Princesa Maria, Margarida de Connaught, Alexandre Battenberg (sentado no chão), o Duque de York com o Príncipe Alberto, a Rainha Vitória, Artur Connaught (o Duque de Connaught), a Duquesa de Connaught, a Princesa Beatrice, Patricia de Connaught (sentada no chão a segurar o Tareco), Ena Battenberg, Helena Vitória de Schleswig-Holstein e Mauricio Battenberg. Tudo boa gente.

Em Novembro de 1910, os Duques e a sua filha visitaram a África do Sul, para onde o Duque fora convidado, ou melhor, mandado ir, para, em representação da coroa britânica, inaugurar o novo parlamento da então recém-formada União Sul-Africana, que, oito anos após o conflito anglo-boer, representou o regresso dos boers à cena nacional, que eventualmente viriam a dominar.

O Duque de Connaught em traje de gala.

Fizeram o trajecto de barco, no Balmoral Castle.

Durante a viagem, passaram brevemente pela pequena capital colonial de Moçambique, Lourenço Marques. Em sua honra e em memória da sua passagem pela cidade, eventualmente a edilidade deu os seus nomes e títulos a duas artérias: A Rua Princesa Patrícia e a Avenida Duques de Connaught.

Tudo isto para que, muitos anos mais tarde, numa curta visita de três dias a Moçambique, em Março de 2008, um babado casal que vivera em Lourenço Marques meados dos anos 60 e que nunca esqueceu o que viu, viesse dizer: “O nome da nossa filha surge da predilecção que a minha mulher e eu tínhamos por uma rua em Maputo, cheia de jacarandás e que se chamava rua Princesa Patrícia.”

Disse Aníbal Cavaco Silva, dantes alferes na tropa portuguesa e, na altura em que fez a firmação, presidente da república portuguesa.

O Alferes algarvio Aníbal Cavaco Silva em Lourenço Marques, 1965.

A actual Rua Salvador Allende em Maputo (Allende foi o presidente chileno “socialista” derrubado em 1973 pela mais tarde junta militar liderada por Augusto Pinochet) era anteriormente designada Rua Princesa Patrícia. Havia lá uma conhecida pastelaria e restaurante com o mesmo nome, cujas especialidades eram entre os melhores bolos e pastéis de nata da cidade e os bifes à Princesa, regados com molho de natas. Do outro lado da rua havia a Farmácia Princesa (da sociedade Manuel Frutuoso Agostinho, Ldª, que por sua vez era do Sr. Arlindo Malosso). Ao lado da farmácia havia a Florista Magnólia, que era da Mrs. Cory Reynolds, que por sua vez era dona de uma escola onde se ensinava inglês, dactilografia, estenografia do estilo Pitman. A sua filha, Jenny, que ganhou o concurso “o bebé mais bonito da cidade nos anos 40, mais tarde casou o Sr. Gonçalo Mesquitela, que era filho de um advogado, o Dr, Mesquitela, que vivia na Matola.

A actual Avenida Friedrich Engels, em Maputo, onde se situa o Miradouro para a Baía, era anteriormente designada Avenida dos Duques de Connaught. Engels foi mais ou menos o pimp de Karl Marx em Londres.

Que eu saiba, após a efémera passagem, Patrícia e os pais nunca mais estiveram em Moçambique.

01/11/2010

NELSON MANDELA, POR ANTÓNIO MATEUS

Capa do mais recente livro de António Mateus

por ABM (Segunda-feira, 1 de Novembro de 2010)

O nome e a face de António Mateus deve despertar algumas recordações em muitos dos exmos. Leitores, pois durante muitos anos o seu trabalho foi assegurar para a RTP e outros, a cobertura dos eventos mais importantes que ocorreram na África austral. Sobre eles, Mateus já escreveu dois livros: Homens Vestidos de Peles Diferentes e Selva Urbana.

O seu mais recente desafio como escritor e jornalista está prestes a ser publicado e tem por tema o Grande Nelson Mandela, oportuno e de particular interesse pois a literatura em língua portuguesa e por autores portugueses sobre o Dr. Mandela e os eventos na África do Sul é escassa.

O lançamento formal do livro, cujo título é Mandela – a construção de um homem (a editora é a Oficina do Livro) vai ocorrer na quinta-feira, dia 11 de Novembro no Auditório Nobre do Colégio Militar, a partir das 19 horas. Todos os Maschambianos estão por este meio convidados. Quem for tem direito a cálice de vinho do Porto no fim.

Ao que sei, este evento vai ser transmitido ao vivo pela RDP África, que difunde o seu sinal pelo menos em Portugal, em Maputo e pela internet.

António Mateus, autor de “Mandela”

A biografia de António Mateus é impressionante e se calhar particularmente apta para o trabalho que agora vai ser publicado. Com 50 anos de idade, nasceu em Castelo Branco, filho de uma socióloga e de um militar. Após estudar no Colégio Militar e obter uma licenciatura na UTL, iniciou a sua actividade jornalística no jornal português O Globo em 1982. Trabalhou depois para as agências Notícias de Portugal e Lusa, de que foi chefe de delegações em Maputo e Joanesburgo, entre 1986 e 2003. Colaborou com as três cadeias de televisão portuguesas e ainda com a BBC, a Voz da América, a RDP, a Visão e o Expresso, antes ir trabalhar para a RTP em 1996, como Coordenador de Programas e Informação da RTP África. Foi Conselheiro de Comunicação da CPLP, Director da Focus e Editor de Política Internacional da RTP. Actualmente, é Redactor do Telejornal e do Jornal 2 na cadeia de televisão pública portuguesa.

Durante uma intensa década e meia, Mateus cobriu diariamente e no terreno toda uma multitude de desenvolvimentos, desde os mais mundanos até às guerras em Angola e Moçambique e respectivos processos de paz, as negociações para a retirada cubana de Angola, a independência da Namíbia e o fim do apartheid na África do Sul.

Como correspondente na África do Sul, António Mateus entrevistou inúmeras personalidades, que incluíram os prémios Nobel da Paz Nelson Mandela (tema desta obra) o Reverendo Desmond Tutu, Frederik de Klerk, a Sra Graça Machel (que figura no posfácio da obra), etc.

No lançamento da obra no dia 11, discursarão a jornalista Cândida Pinto e António Vitorino (creio que o do PS, este último não sei bem em que contexto, mas é sempre interessante ouvi-lo).

António Mateus escreve regularmente num blogue seu intitulado A Selva Urbana.

27/10/2010

O INSPECTOR MONTEIRO DOS SANTOS DA PIC

A realidade é mais inverosímil que a ficção: O Inspector Monteiro dos Santos da PIC moçambicana em 1975 era Zéca Russo

por ABM (27 de Outubro de 2010)

Há umas semanas, a propósito da queda da monarquia portuguesa e da inauguração do edifício da Câmara Municipal da então cidade de Lourenço Marques (e que fica mesmo em frente ao Desportivo na baixa de Maputo) mencionei nesta Casa que estive lá à frente aquando do julgamento dum tal Zeca Russo.

Confesso que rigorosamente nada mais sabia sobre o homem, que pensava ser um ladrão comum mas com eventualmente alguma laracha.

Mas o meu caro Carlos Gil chamou-me a atenção para um texto de 2007, feito pelo Dr. Carlos Manuel Adrião Rodrigues.

O Dr. Carlos Rodrigues descreve-se, num blogue que alimenta, assim:

Sou advogado há mais de 50 anos. Além disso fui vice-governador do Banco de Moçambique, membro da Comissão Admnistrativa do Rádio Clube de Moçambique, depois do 25 de Abril,membro do Conselho de Admnistração da RDP. Colaborei em A Voz de Moçambique, O Brado Africano, A Tribuna de Lourenço Marques. Fui director e escrevi na Objectiva 60, orgão do cine-clube de Lourenço Marques, de que fui presidente, bem como do Teatro de Amadores de LM (TALM). Colaborei ainda no Diário de Lisboa e na Capital. Fui co-autor do livro “O Julgamento dos padres do Macúti” e sou autor de diversos livros de direito, como Código Civil Anotado, Função Pública etc.

Este senhor é das pessoas com quem gosto de tomar uns chás e ouvir as suas histórias.

No seu blogue, Gaudium et Spes, que é um tesouro que ainda nem comecei a analisar, contém um texto resumido sobre o Zéca Russo.

O que ele conta ali quase que nem dá para acreditar.

Esse texto descreve a história do tal de Zéca Russo e que abaixo copio, com vénia. Mas aborda outras questões, que aqui censuro (o texto original pode ser lido na íntegra na ligação acima) para se manter algum foco, sendo de salientar que o Dr. Adrião Rodrigues estava em Moçambique na altura dos factos e ficou em Moçambique depois da Independência como Vice-Governador do Banco de Moçambique.

Então vamos ao Zéca Russo, na versão CMAR. O tal que eu vi do topo da árvore em frente ao Desportivo:

O Zeca Russo foi uma figura mítica na Lourenço Marques colonial. Filho ou sobrinho da moça das docas, figura que povoava os primeiros poemas do poeta Virgílio de Lemos, era jovem, bem parecido, simpático no trato mas cedo se começou a meter pelos trilhos do pequeno crime. Um furto aqui, uma burla acolá, adquiriu também a fama de ser uma espécie de Zé do Telhado que roubava aos ricos para dar a pobres. Não seria bem assim, mas a verdade é que ajudava a mãe, pessoa pobre que o adorava e não fazia a menor ideia da origem do dinheiro que ele lhe dava. Ao mesmo tempo Zeca ajudava familiares e amigos também pobres, com pequenas importâncias,cuja posse atribuía sempre ao trabalho ou a pequenos negócios de ocasião. Segundo me contou a sua advogada, Ruth Garcez, nesta fase ele sempre teve a preocupação de disfarçar e justificar a origem dos fundos que doava a familiares e amigos pobres, de modo que estes tinham por ele grande estima.
O mesmo já não acontecia com as vítimas dos furtos e burlas, que sabiam muito bem onde ele arranjava o dinheiro e não se coibiam de o divulgar. . Mas como os furtos e as burlas eram de pequenos montantes e o Zeca Russo era simpático e tinha fama de generoso, começaram a chamar-lhe Zé do Telhado mas não apresentaram queixa contra ele ou quando apresentaram, não se preocuparam em carrear provas para o processo, de modo que os seus pequenos crimes de juventude ficaram impunes.

Depois foi para a África do Sul, onde subiu uns patamares na prática de crimes, passando a dedicar-se em gang, a actos violentos contra pessoas e bens, sempre com o objectivo final de se apoderar de património alheio. Foi preso,mas, antes de julgado, conseguiu fugir e na fuga, ainda feriu um policia branco sul-africano o que deixou a corporação policial sul-africana com um ódio de morte ao Zeca Russo.

Veio para Moçambique, no principio da década de 1970 e, durante uns tempos, manteve-se sossegado. Mas quando viu que a África do Sul não requeria a sua extradição (nem podia) logo organizou a sua pequena quadrilha, de constituição multi-racial, e Lourenço Marques foi varrida por uma série de roubos e assaltos, sobretudo a casas e ourivesarias, de quantias elevadas, o que causou alguma perturbação na cidade.

Mas a policia depressa detectou e prendeu os autores dos crimes, que aliás confessaram.

Assim o julgamento que se seguiu não prometia grande espectáculo, porque se tratava de réus confessos e com abundantes provas contra e alguns poucos acusados como encobridores que questionavam tal qualificação.Todavia, por se tratar do Zeca Russo, o julgamento teve uma razoável cobertura mediática e grande assistência de público do qual se destacava uma claque que saudou, na primeira audiência o Zeca Russo como se fosse um herói. A advogada dele lá lhe disse que aquilo era contraproducente e as manifestações acabaram. A advogada era a Dr.ª Ruth Garcez, mais tarde a primeira juíza portuguesa, e que tinha a difícil tarefa de atenuar o mais possível a culpa do seu réu, o que fez com muito brilhantismo, sendo que os outros advogados a ajudaram, na medida em que organizaram uma defesa dos outros réus que não sobrecarregava a culpa do Zeca Russo. Mais tarde, quando a pena saiu mais pesada que o esperado, todos os advogados do processo apoiaram a Drª Ruth Garcez no recurso que interpôs, fornecendo-lhe apontamentos do julgamento e colaborando com ela no estudo de certos problemas, recurso que obteve uma substancial redução da pena. O Zeca Russo sentiu também esse apoio, de modo que ficou amigo dos advogados. Quando eu ia à penitenciária em serviço, muitas vezes encontrava por lá o Zeca Russo que gozava de um regime de semi-liberdade. De uma das vezes, eu aguardava no átrio um cliente meu que tinham ido chamar à cela e o Zeca Russo foi o primeiro a aparecer de um grupo da cadeia que ia jogar futebol fora. Só estávamos três pessoas no átrio: eu,ele e um guarda. De repente o guarda teve que sair para a rua e deixou o portão aberto e eu, de brincadeira disse ao Zeca Russo: -Você qualquer dia perde o prestigio todo, se estes tipos o deixam com porta aberta para a rua e você não foge. Por eu estar aqui não deixe de fugir que eu nem corro atrás de si nem grito “ó da guarda”. Ele riu-se e respondeu-me que não queria fugir, mas que tinha que pedir delicadamente aos guardas que o não deixassem sozinho, com a porta da cadeia aberta para a rua, porque era um desprestígio para ele. Depois, mais a sério, disse-me que os guardas sabiam que ele não queria fugir; o que ele queria era reduzir a pena com bom comportamento, perdões e amnistias, porque tinha um emprego prometido e queria mudar de vida.Acreditei nele.

(…)

… em 25 de Abril e em 7 de Setembro de 1974 estavam ambos, Tembe (um outro criminoso, este negro, relevante para o relato do Dr. CMCR) e Zeca Russo, presos em Lourenço Marques.

(…)

Uma das acções dos promotores do 7 de Setembro foi abrir as portas das cadeias, essencialmente com o objectivo de libertar os Pides presos, que saíram todos. Dos presos de direito comum, uns saíram, outros recusaram-se e ficaram. Entre os que ficaram, contavam-se o Tembe e o Zeca Russo, facto que muito impressionou a Frelimo, cujo governo, depois da independência, fez deles quadros da nova polícia. Assim, os dois acabaram em inspectores da PIC (Policia de Investigação Criminal do jovem país).

Como eles se comportaram nas suas funções, sei o que constava, que era muito mau, mas não sei se tudo o que constava era verdade e se, sendo-o, se era da responsabilidade deles.

Havia prisões a esmo, sem respeito pelos direitos das pessoas e prolongadas por períodos ilegais e inadmissíveis, aqui e ali maus tratos e violência. Os presos e expulsos do país, queixavam-se serem simultaneamente espoliados dos seus bens. A policia apreendia divisas,ouro e jóias, mas não constava que tais bens alguma vez dessem entrada num cofre ou depósito público. Mas era muito difícil verificar estas situações, mas lá que algo de irregular havia soube-o eu pelo que aconteceu. Um dia cheguei ao Banco de Moçambique, onde eu era vice-governador, e encontrei sobre a secretária um oficio da Policia ordenando a transferência de todas as importâncias depositadas em contas congeladas de um médico qualquer para uma conta da Policia junto do Instituto de Crédito de Moçambique.

De facto, meses atrás, aquando da nacionalização da medicina e do encerramento dos consultórios médicos, tinha sido simultaneamente ordenado o congelamento das contas bancárias dos médicos; mas tratava-se de uma medida provisória destinada a prevenir acções de pânico, sendo suposto que a breve prazo as contas voltariam à disponibilidade dos médicos seus titulares, como, de facto depois voltaram.

Porém, transferir o dinheiro depositado numa conta congelada, sem lei ou ordem judicial que o suportasse, para uma conta da Policia, era um puro acto de esbulho ilegal, mesmo tendo em conta a chamada “legalidade revolucionária” tão preconizada pelos juristas esquerdistas.

Resolvi telefonar ao meu amigo Dr. Eneias Comiche, então presidente do Instituto de Crédito, onde estava sediada a conta da Policia e fiquei a saber coisas para mim espantosas: que a policia dava, com frequência, ordens daquele tipo e que os bancos cumpriam (quanto ao Banco de Moçambique aquela foi a primeira e única vez em que tal ordem lhe foi enviada). Quanto à conta da Policia, ela de facto existia, ela era movimentada por uma única pessoa – o inspector Monteiro dos Santos (o Zeca Russo ) e à medida que abastecida era imediatamente posta a zero,com levantamentos pouco claros.

Imediatamente oficiei à Policia, informando-a de que, sendo ilegal o seu pedido, a transferência não era autorizada, e enviei uma circular aos bancos dando conta da irregularidade de tais procedimentos. Fiz, ainda, com o total apoio do governador, uma informação para o governo, dando conta da atitude do Banco de Moçambique e alertando-o que a disponibilizaçâo, por forças armadas, de verbas orçamentalmente incontroláveis, podia ter os maiores inconvenientes, tais como, por exemplo, a preparação de golpes de estado.

Fiquei à espera que um pedaço de “céu velho” me caísse em cima da cabeça. Mas nada aconteceu e a policia entrou na ordem quanto ao esbulho de depósitos.

Uma noite, estava eu só, no governo do banco, pois o governador tinha-se ausentado para uma reunião do comité central da Frelimo, apareceu-me um funcionário da casa forte, dizendo que tinha lá em baixo o inspector Monteiro dos Santos, da PIC (Zeca Russo), que pretendia inspeccionar a casa forte, para verificar as condições de segurança. O funcionário (um cooperante português) mostrava-se nervoso, esclarecia-me que tinha respondido que só podia facultar o acesso com autorização do governo do banco e pedia-me que, se eu a desse, fizesse o favor de o fazer por escrito.

A situação era delicada. O Zeca Russo era inspector da policia, invocava uma razão de segurança válida, do ponto de vista policial, mas eu tinha a certeza que as intenções dele eram outras, provavelmente verificar as possibilidades de assaltar a casa forte.

O Banco de Moçambique tinha iniciado a sua actividade de banco central com cerca de 150.000 contos de disponibilidades externas, o que correspondia a um chefe de família ter 100 euros para governar a casa durante um mês. Por razões que descreverei noutro capítulo, tinhamos conseguido melhorar a situação e, na altura destes acontecimentos, já dispúnhamos de cerca de vinte toneladas de ouro, em reservas, e de cerca de um milhão de contos em divisas fortes (US dólares,marcos e francos suíços). Claro que o ouro se encontrava em bancos estrangeiros e as divisas aplicadas externamente, mas na casa forte havia cerca de 200.000 contos em divisas fortes, uma grande quantidade de randes sul-africanos e uma tonelada de ouro. Enfim, mais do que suficiente para despertar a cobiça dos zecas russos deste mundo.

Pensei um bocado e tomei uma decisão que transmiti ao atrapalhado funcionário -diga ao Sr. Inspector que eu o não autorizo a ir inspeccionar a casa forte que está segura e à guarda do governo do banco. Se ele quiser traga-o ao meu gabinete que eu explico-lhe melhor a situação.

O homem sumiu-se e nessa noite nada mais se passou. No dia seguinte mandei chamar o funcionário e ele explicou-me que tinha transmitido as minhas palavras tal e qual ao Sr. Inspector e que ele se tinha ido embora sem nada dizer.

Resolvi contar o sucedido ao governador do banco e, pela primeira e única vez, ele não estava de acordo com a minha decisão e disse-mo: o inspector tinha a confiança do governo, estava no exercício das suas funções e, portanto, eu devia ter-lhe facultado o acesso. Respondi-lhe que a independência do banco central exigia que qualquer interferência da polícia nos seus assuntos internos tivesse a concordância do governo do banco e que não era muito natural que sem qualquer razão justificativa aparecesse um funcionário da policia a querer inspeccionar a casa forte; que, se admitíssemos tais práticas, a independência do banco desaparecia. Mais, que eu estava convencido, pelo que sabia da história do indivíduo, que a única explicação para o sucedido era o inspector estar a preparar um golpe. Mas que se ele, Alberto Cassimo, achava diferentemente desse ele a autorização, que eu não me ofendia nada com o assunto; só que não me metesse no processo. Aqui convém abrir um parêntesis para dizer que sempre fui muito amigo do Alberto Cassimo, pessoa de altas qualidades morais e cívicas, de uma inteligência brilhante e de uma seriedade a toda a prova. Esta foi a única vez em que num assunto importante não estive de acordo com ele.

Não tinha passado um mês sobre os factos anteriormente relatados, estava eu a ouvir o noticiário em português da SABC (South African Broadcasting Corporation), como costumava todos os dias de manhã, pelas 7 horas, quando sou surpreendido pela notícia dada com grande destaque, do assassinato, a tiro, num apartamento em Joannesburg, por um português, do inspector Monteiro dos Santos, vulgo Zeca Russo.

Segundo me disseram mais tarde, o assassino foi um angolano, sócio do Zeca Russo nos seus negócios moçambicanos e em consequência de um desentendimento quanto a contas. O caso foi tratado sem grandes parangonas e quase silenciado em Moçambique. O assassino foi preso e julgado e condenado, mas a uma pena relativamente pequena, para os hábitos da justiça sul-africana. Segundo me constou, mas não poude confirmar o facto, pouco depois de condenado, já o assassino andava em perfeita liberdade na África do Sul. A ser verdade, é evidente que o assassino não agiu só por conta própria. A verdade é que esta história macabra não teve grandes repercussões na história da África austral.

Com a notícia fresquinha, parti para o banco e fui dá-la ao governador Alberto Cassimo, que de nada sabia. Quís saber como tinha eu tido conhecimento e, quando lhe disse que era notícia da SABC, dessa manhã, achou que devia ser falsa e fruto de manobras sul-africanas para destabilizar Moçambique. Eu respondi-lhe que me não parecia que pudesse ser uma falsa noticia, já que a SABC nunca daria como verdadeiro um assassinato, ocorrido em Joannesburg e que afinal não tinha acontecido.

Umas horas depois o Cassimo telefonou-me, pedindo-me para passar pelo seu gabinete. Quando lá cheguei, ele estava transtornado e em pânico. A cor da sua pele era cinzenta e o suor caia-lhe em bica, apesar do ar condicionado e da temperatura amena. Disse-me que afinal se confirmava a morte do Zeca Russo e confessou-me que depois de eu ter recusado a autorização para ir à casa forte, ele tinha telefonado ao Sr. Inspector, convidando-o a ir lá; e o Sr inspector foi. Agora estava com medo que ele tivesse dado algum golpe. Sosseguei-o, disse-lhe que se alguma coisa tivesse acontecido, já tínhamos tido conhecimento, até porque o sistema de segurança era sofisticado, não era fácil assaltá-la, muito menos sem deixar rasto. Mas ainda mandámos fazer uma inspecção que deu o património como intacto. Falhara o último golpe do Zeca Russo.

Paz à sua alma…

26/10/2010

A RELÍQUIA

A parte da frente do medalhão: o Presidente do Transvaal, Stephanus Johannes Paulus Kruger.

por ABM (25 de Outubro de 2010)

Depois de anos de caça sem tréguas, esta noite tornei-me proprietário do medalhão ali em cima (em baixo pode-se ver a outra face). Há uns tempos, por piada, escrevi uma notinha sobre um medalhão igualzinho, mas que estava em melhor condição e que custava um balúrdio. Ainda esperei que aparecesse um maschambiano solidário que me mandasse um imêil a dizer, “ò ABM, eu cá em casa tenho um caixote cheio destas coisas, mando-te já um”.

Mas nada.

Aí há uns dias, estava entretido antes do jantar a ver velhos postais de Moçambique na internet, num desses sítios onde se pode vender basicamente tudo, desde os brincos da sogra até ilhas em Moçambique, daquelas que depois se descobre que são “concessões” que não valem um chavo e ainda por cima espantam logo os Protectores locais da sacrossanta Lei da Terra.

Num canto obscuro, junto a umas medalhas militares do tempo da Mary Cachucha, certamente reflexo de um glorioso passado colonial de um qualquer súbdito de Sua Britânica Majestade que entretanto foi ter com o Criador e cujos bens terrenos a família despachou imediatamente para um antiquário, um tal Sr. John Stewart, perdido algures na Inglaterra, tinha à venda o tal de medalhão acima, com a seguinte nota:

BRONZE MEDAL IN PRETTY GOOD CONDITION – SHOWS WEAR AND SLIGHT SCRATCHES TO BOTH SIDES.   ALSO HAS ONE EDGE KNOCK.   THE FRONT READS “OPENING VAN DEN DELAGOA BAAI SPOORWEG.   THE MAKER IS JPM MENGER F.   THE BACK ALSO HAS THE MAKER’S INITIALS “J.P.M.M.F”   THE BACK READS “NEDERLANDSCHE ZUID AFRIKAANSSCE SPOORWEG – MAATSHHAPPIJ 1895”.  MEASURES 42MM .

Eu já conhecia a sua existência, e o exmo. Leitor sabe como são estas coisas das memórias: no fundo, no fundo, é tudo apenas uma questão de preço.

Portanto fui ao correio electrónico do meu computador de linha branca com nove anos e dois upgrades e escrevinhei uma mensagem curta ao tal senhor:

“Hello Mister Stúarte, áu áre iú,  náice médale iú éve. Áu mátche?”

Na verdade a negociação durou uns dias, em que, por mensagem, eu salientava tudo o que de errado podia apontar ao objecto – o medalhão estava sujo, estava em mau estado, cheio de riscos, ainda por cima uma mossa, meu Deus!!

Do lado dele (que basicamente nem sabia bem o que aquilo era) só se limitava a cuspir para o ar e dizer que o medalhão era “veri, veri rare”.

Ao que eu respondia “rare the Tanas and the Badanas”. Argumentei que as medalhas eram comuns e que o preço que ele pensava que aquilo valia não valia. Etc.

Finalmente, esta noite fechámos negócio e a medalha segue esta semana do Reino Unido para a minha base no mato ribatejano.

Assim, por 50 dólares (correio incluído)  sou a partir de hoje e por uns tempos, dono de um dos medalhões cunhados para assinalar a inauguração, no dia 8 de Julho de 1895, da linha de caminho de ferro que passou a ligar Pretória e Lourenço Marques, um dos eventos seminais da História de Moçambique e dos CFM.

Na esperança que um dia me apareça um Empresário Moçambicano de Sucesso que partilhe o meu interesse pela história do País.

E mo compre por….

100 dólares.

Mais portes de correio.

Mais IVA.

O verso do medalhão comemorativo da abertura, em 1895, da linha de caminho de ferro entre a cidade de Lourenço Marques e a capital do Transvaal, Pretória.

23/10/2010

A ESTRATÉGIA AÉREA MOÇAMBICANA

Filed under: Africa Austral, África do Sul, Economia de Moçambique — ABM @ 12:35 am

Logotipo da Airlink, uma subsidiária das Linhas Aéreas Sul Africanas

Rotas aéreas da Airlink em Outubro de 2010(fonte: sítio da Airlink)

por ABM (22 de Outubro de 2010)

Possivelmente alguns dos exmos Leitores não repararam, quando ontem a empresa sul-africana Airlink, uma companhia aérea que assegura certas rotas numa estreita aliança com a South African Airlines, anunciou que a partir de hoje manterá quatro voos semanais (às segundas, terças, quintas e sexta-feiras) ligando Tete a Joanesburgo.

Este tipo de rota resulta em boa parte da liberalização do espaço aéreo moçambicano, que tomou a forma em legislação aprovada há já algum tempo. E tem algumas vantagens, quer em termos de preço, já que em princípio abre as rotas a alguma competição, quer em termos do serviço prestado e uma maior oferta disponível para os viajantes.

Neste caso, quem vive na zona de Tete passa a ter uma ligação directa com o aeroporto de Joanesburgo, que é o grande centro de partida para um enorme leque de destinos internacionais.

E nem sequer tem que ir por Maputo, que anteriormente era a única possibilidade. No caso de um brasileiro (a Companhia do Vale do Rio Doce tem um enorme investimento em Tete), que tem que ir apanhar um vôo para o Rio de Janeiro ou São Paulo a Joanesburgo, a ida por Maputo aumenta o seu tempo de percurso várias horas, sem qualquer benefício daí decorrente.

O mesmo sucede entre Joanesburgo e as cidades da Beira e de Pemba e entre Maputo e Joanesburgo e Maputo e Durban.

À partida tudo excelente notícias para o mercado.

Mas esta evolução – aliás esperada, coloca duas questões de base para Moçambique.

A primeira é facilmente legível, bastando olhar para o mapa de rotas da Airlink: claramente, a partir de agora e cada vez mais, o centro de gravidade de Moçambique, em termos de rotas aéreas, não é a sua capital, Maputo. É uma cidade no país ao lado, Joanesburgo.

Bom para Joanesburgo, mau para Maputo.

A segunda questão é um pouco mais delicada: qual, neste contexto, é o papel reservado e o futuro esperado, para a principal companhia aérea de bandeira moçambicana, as Linhas Aéreas de Moçambique (LAM).

Durante muitos anos, a LAM, cujo capital social é detido pelo Estado moçambicano, teve os mesmos problemas que a sua congénere portuguesa: elevados índices de ineficiência, suportados por rotas em que detinha monopólios, em que se pagavam valores relativamente elevados por uma passagem aérea. Até há poucos anos, uma viagem de negócios de ida e volta entre Maputo e Tete (ou Pemba) podia ser mais cara que um bilhete de ida e volta na Tap entre Maputo e Lisboa. Sendo que a viagem de ligação a Lisboa dura 10 horas e a de ligação a Pemba dura duas horas e tal.

Isso tinha (e tem) consequências sérias. Tornando proibitivo, por exemplo, o desenvolvimento do turismo a custos moderados na orla norte da costa moçambicana, pois torna os destinos pouco competitivos se se comparar a oferta moçambicana com outros destinos concorrentes no mundo.

E isto para não falar no custo e a chatice de obter um visto para entrar no país, uma medida que a meu ver parece captar alguma receita adicional para o Estado mas que “espanta” significativamente a procura europeia e americana para estes destinos.

E, escusava de dizer, na Europa e nas Américas é que está o dinheiro.

Sendo a LAM uma empresa moçambicana, já está a ter que concorrer neste contexto. Conseguirá, sem ter que recorrer (como a TAP) aos bolsos profundos do contribuinte moçambicano? Ao que sei, a LAM tem excelentes profissionais e o papel que desempenha na economia e na coesão territorial do país é fundamental. Seria uma pena se, neste bravo novo mundo, a empresa não conseguisse ressalvar e reforçar esse papel, com a consequência de que o centro de gravidade das rotas aéreas na região cada vez mais passe a ser a cidade de Joanesburgo.

Bom para a África do Sul, mau para Moçambique.

22/10/2010

A LIBERDADE DE IMPRENSA EM 2010

por ABM (23 de Outubro de 2010)

A organização internacional Repórteres sem Fronteiras publicou um dos produtos por que é conhecida, o seu Índice da Liberdade da Imprensa 2010, que pode ser consultado aqui, bem como o texto do seu resumo, que faz leitura interessante e algo preocupante, especialmente no que concerne….a Europa.

Mas o que queria mesmo é ver como ficaram os países lusofónicos.

A hierarquia é compilada com base num questionário com cinquenta perguntas relacionadas com coisas como a censura à imprensa, o assassinato de jornalistas, maus tratos, aprisionamento de jornalistas, etc.

E, de entre os 178 países analisados, a classificação para este ano é, por ordem do mais para o menos livre (incluindo ainda a sua classificação para 2009):

Cabo Verde – 26º (44º em 2009) – subiu 18 lugares
Portugal – 40º (30º em 2009) desceu 10 lugares
Brasil – 58º (71º em 2009) – subiu 13 lugares
Guiné Bissau – 67º (92º em 2009) – subiu 24 lugares
Timor-Leste – 94º (72º em 2009) – desceu 22 lugares
Moçambique – 98º (82º em 2009) – desceu 18 lugares
Angola – 104º (119º em 2009) – subiu 15 lugares

(São Tomé e Príncipe não participou nas classificações)

Notas:

1. Cabo Verde ficou à frente de países como a França, a Itália e a Espanha

2. O país africano com a mais elevada classificação é a Namibia, que ficou em 22º lugar (seguido por Cabo Verde)

3. Classificações dos vizinhos de Moçambique em 2010:

África do Sul – 38º
Malawi – 79º
Zâmbia – 82º
Lesotho – 90º
(Moçambique – 98º)
Madagáscar (grande filme) – 116º
Zimbabué – 123º
Suazilândia – 155º

4. Classificações de países interessantes de saber:

Alemanha – 17º
EUA – 20º
Grécia – 73º
Índia – 122º
Rússia – 140º
Cuba – 166º
China – 171º

19/10/2010

SAMORA MACHEL: A HISTÓRIA EM FOTOGRAFIA

A imagem do primeiro presidente idealizada, estilo "Grande e Querido Líder"

por ABM (19 de Outubro de 2010)

Há muita gente que já não se lembra bem de Samora Machel, e a maior parte dos moçambicanos hoje já nasceu depois dele morrer. Eu, por exemplo, nunca o conheci.

Em seguida, imagens que retratam o segundo presidente da Frente de Libertação de Moçambique e o primeiro presidente de Moçambique. Legendas de ABM.

Então cá vai.

Samora na Tanzânia, a base de operações da Frelimo, com Valeriano Ferrão e o filho dum apoiante do movimento. Valeriano mais tarde foi o primeiro embaixador moçambicano nos Estados Unidos da América, onde o conheci. Através da Ndjira, escreveu um livro sobre a sua experiência.

Josina Machel. Foi a primeira mulher oficial de Samora. Bonita. Morreu durante a guerra da Independência. Santificada pelo regime, deram o seu nome ao velho Liceu Salazar em Maputo.

Samora o Senhor da Guerra, já antes da estranha morte de Mondlane e a depuração que se seguiu. A "Frente" deixou de ser uma frente e passou a ser politicamente uma - e marxista-leninista.

Com o seu fato de El Comandante, Samora discursa no mato (não sei a quem).

Após a morte de Eduardo Mondlane, e com o apoio de Marcelino dos Santos, Samora despacha a oposição.

Socialista e sem qualquer margem negocial, Mário Soares entrega as chaves da casa a Samora em Lusaka, 7 de Setembro de 1974. Fez-se da data um feriado nacional.

A Independência em Junho de 1975 foi uma espécie de orgasmo colectivo. A Frelimo mandava, e Samora mandava na Frelimo. E a sua palavra de ordem? "A Luta Continua". As acções: despachar os colonialistas, controlar as cidades, libertar a Rodésia e a África do Sul. Resultado: a economia desmoronou-se e a Rodésia começou a desfazer Moçambique.

O povo a caminho de (mais) um comício. Os moçambicanos veneravam o seu líder, em quem confiavam para lhes trazer um novo futuro. Dizia-se que cada vez que discursava eram mais três aviões de colonialistas a voar na Tap para Lisboa. Mas o povo adorava, especialmente quando ele dizia; "é ou não é?" (a resposta colectiva: "ééé´...")

As Forças Populares de Libertação de Moçambique, os novos Donos da terra. Em Maputo, entre outros mimos, batiam à porta das pessoas às 5 da manhã e mandavam-nos ir varrer as ruas.

Ian Smith, primeiro-ministro da Rodésia até 1980. Abandonado pelos sul-africanos logo em 1975, respondeu à decisão de Samora de constituir Moçambique como santuário para a Zanu-PF com uma guerra. Num dos primeiros ataques, uma base perto da Beira, os rodesianos mataram mais gente num fim de semana que os portugueses num ano de guerra. E a situação só piorou.

A senhora que se segue: Samora casa com Graça Simbine, uma discreta chope, hoje a grande Graça Machel.

Samora o Presidente. Com os rapazes, posando para a posteridade.

O Presidente no palácio, em família, num intervalo de pausa.

O carisma de Samora era apercebido como 80% da força do regime. Até 1984.

A deusificação do Líder. Aqui, Samora com Eduardo Mondlane, liderando a gloriosa luta do povo moçambicano.

Samora e Julius Nyerere com as respectivas. Nyerere, Fidel e Stalin parecem ter sido as grandes inspirações de Samora.

Nujoma, Kaunda, Samora, Nyerere, Mugabe e, segundo o nosso leitor Sr. Jongomoz, José Eduardo dos Santos: A aliança chamada "Países da Linha da Frente". Contra a África do Sul.

Nujoma, Samora, Kaunda e Mugabe. Dos quatro países, só Moçambique foi dizimado, primeiro pelos rodesianos e depois pelos sul-africanos e pela Renamo. Angola era outra loiça.

Samora o Estadista africano na Cortina de Ferro. Até quis entrar na COMECON (não foi aceite). Aqui com um dos seus ídolos, Fidel Castro.

Samora o Estadista, outra vez com Fidel (não sei quem é o sr, à esquerda).

O líder mundial: Samora com Chou en Lai, o homem forte da China após a morte de Mao em 1976.

Samora na Roménia com o ditador Ceaucescu: a amizade socialista foi essencialmente um gigantesco fiasco. Em Maputo, havia um novo tipo de apartheid: a praia dos americanos, a praia dos russos, a praia dos alemães da RDA, etc.

Samora dá uma palmada nas costas de Yasser Arafat, líder guerrilheiro palestino. A amizade entre os Libertadores.

O Presidente, de farda militar numa visita à Alemanha comunista, dá uma dose de charme a uma alemã gorda. Curiosamente, a sua visita a Portugal nos anos 80 foi nada menos que triunfal.

O Presidente, num momento de descontracção. Em 1983, Samora já se tinha apercebido no buraco em que Moçambique se tinha metido. Os sul-africanos demoliam o país e os apoios de Leste eram insuficientes. Estava encostado contra a parede.

Samora solitário. Em 1983, dá-se a grande viragem no homem, que chocou e alienou a liderança da Frelimo e de quase todos os líderes com quem estivera: introduzir práticas "capitalistas" e assinar um tratado de paz com Pretória. Era a negação de tudo o que havia sido feito em dez anos. Mas ainda era o chefe indisputado dos moçambicanos.

O impensável acontece: Samora, com a sua farda, assina um tratado de paz e não agressão com o Velho Crocodilo. Mas a máquina do apartheid já estava fora de controlo e não ligou ao papel assinado. Em Maputo, em surdina, as dúvidas eram mais que muitas.

Samora em Komatipoort, a dez quilómetros de onde viria a morrer dois anos e meio depois. Aqui com Graça, Botha e Pik (um notório bêbado e ministro dos negócios estrangeiros de Pretória). O pacto fracturou perigosamente a unidade na elite da Frelimo. Mas os efeitos da guerra eram piores.

O Impensável 2: Samora na Casa Branca com Ronald Reagan, o arquitecto do fim do Comunismo. Sem qualquer margem de dúvida, a ideologia do Regime foi posta de lado por Samora. Mas nem assim a África do Sul e a Renamo pararam. Para o encontro com Reagan, que já estava com indícios da doença de Alzheimers, avisaram Samora para dizer o que tinha a dizer de importante nos primeiros cinco minutos, senão Reagan esquecia-se.

O Charlie-Nine-Charlie-Alfa-Alfa. O avião presidencial despenha-se na noite de 19 de Outubro de 1986. Samora, que estava sentado na frente do avião, morre. Foi sucedido por Joaquim Chissano, que exigiu um avião e tripulação que não fossem russos. No 5º Congresso da Frelimo em 1989, o da Volta dos 180 graus, o comunismo foi abandonado. Chegou a Era do capitalismo cortesia do FMI e dos Doadores. E os Empresários de Sucesso. E, segundo Carlos Cardoso, a Corrupção à escala industrial.

15/10/2010

MOÇAMBIQUE, PORTUGAL E A GUERRA ANGLO-BOER DE 1899-1902

Uma família boer rural, cerca de 1886

por ABM (15 de Outubro de 2010)

Numa Pesquisa que fiz a semana passada e relacionada com a Rua de Bagamoyo (preteritamente conhecida como Rua Araújo), descortinei alguns dados dispersos que compilei para a nota que se segue. Alguns factos são mais conhecidos que outros, mas pode ser que a compilação faça leitura interessante.

Além disso, é sexta-feira – e fim de semana!

A Guerra Anglo-Boer de 1899-1902

A grande guerra Anglo-Boer de 1899-1902 foi um conflito titânico, estranho, sinistro, opondo o vasto poderio do império britânico, então no seu pico, e duas minúsculas repúblicas “brancas” fundadas na distância possível da então britânica Colónia do Cabo, mas situadas mais ou menos do outro lado da então recentemente delimitada fronteira moçambicana (que corresponde aproximadamente às delimitações actualmente em vigor entre Moçambique e a África do Sul).

Na fronteira acabada de delimitar entre Moçambique e a República Sul-Africana (boer), cerca de 1891. Na imagem, os senhores em primeiro plano são uma delegação de Gungunhana. Os elementos da nação-estado moderna, importados da Europa, em estranha coexistência com a tradição imemorial africana.

No pico do conflito, que na altura seria, em termos mediáticos o equivalente nestes dias do que os Estados Unidos andam a fazer na região do Iraque-Irão-Afganistão desde há meia dúzia de anos, a Grã-Bretanha tinha no terreno na África do Sul cerca de quinhentos mil homens em armas.

Contra quem? Se se partir do princípio que as populações negras no Sul de África eram basicamente ignoradas e não participavam no processo político (em termos militares, desempenharam um papel importante de suporte e de retaguarda, principalmente em relação aos britânicos, que mesmo assim para eles eram considerados apenas ligeiramente menos piores que os boers), as duas repúblicas boer, o Estado Livre de Orange (território que creio hoje mantém o nome e estutura territorial) e a República Sul-Africana (durante muitos anos conhecida como Transvaal e após o arranjo de 1994 foi reorganizada para o que hoje são as províncias de Mpumalanga e Gauteng), tinham, se muito, entre homens mulheres e crianças, cem mil pessoas a viver lá.

Mesmo em língua portuguesa, existem fantásticas histórias e análises sobre quase todos os aspectos deste que certamente foi um conflito acompanhado atentamente pela imprensa a nível mundial. E sobre as suas causas.

Curiosamente, depreende-se facilmente que os relatórios de imprensa e a opinião pública naquela altura dividiam-se claramente entre os paradigmas do apoio imperial pela visão da Pax Britannica, e o apoio pela legitimidade e irredetutibilidade do combate dos boers.

A todos os títulos, à partida era um verdadeiro desafio entre um David e um Golias.

Na minha humilde opinião, na base de tudo, estavam apenas alguns, simples, factores:

1. no território do Transvaal encontraram-se os maiores depósitos de ouro que o mundo jamais viram (num canto do Estado Livre de Orange situava-se Kimberley, um dos maiores depósitos de diamantes até então encontrados, achado que esteve na base da fortuna de Cecil Rhodes e a génese da empresa De Beers);

2. a herança da visão imperial de Cecil Rhodes, um dos mais célebres colonialistas britânicos, perante a qual, tal como acontecera com Portugal anos antes ao ser corrido do que é hoje o Zimbabué, a soberania boer era simplesmente inaceitável em última instância.

E

3. um ódio declarado e visceral dos boers em relação aos britânicos, que simplesmente não os deixavam viver em paz e sossego.

Já em 1880-1881 os boers, que eram essencialmente agricultores (é que que quer dizer boer em português- a palavra diz-se “búer”) e que quarenta anos antes haviam formado as repúblicas para escapar ao jugo inglês mais a Sul na Colónia do Cabo (onde mesmo assim permaneceu durante muitos uma maioria boer que as apoiava moral e materialmente), tiveram um primeira guerra para reafirmar a sua independência em relação ao império britânico.

Guerra que foi seguida por mais incidentes, de que se destaca o fiasco do Raid de Starr Jameson em Joanesburgo em uns anos mais tarde, incidente da quase total responsabilidade de Cecil Rhodes e das suas relações (Jameson era um grande amigo seu e basicamente agia às suas ordens. Rhodes na altura era nada menos que o homem mais rico do Império britânico e o primeiro ministro da Colónia do Cabo).

Cecil John Rhodes, o arquitecto da "grande África do Sul". Odiado por Paul Kruger. Está sepultado nas colinas de Mattopos, no Zimbabué de Robert Mugabe.

A guerra de 1899-1902 foi de uma tal violência que é difícil de imaginar estes dias. Para contrariar alguns revezes iniciais, os britânicos enviaram para a zona do conflito todo o seu poderio e ainda o famigerado Lord Kitchener, já então célebre pela forma sanguinária como resolvera uma rebelião no Sudão uns anos antes (basicamente pela exterminação em massa).

Entre outras inovações, Kitchener operacionalizou um elaborado sistema de fortificações vigiadas com centenas de quilómetros de comprimento, para literalmente imobilizar e caçar os rebeldes boer, que desde cedo passaram a fazer uma guerra de guerilha (termo cunhado, e forma de acção militar primeiro inventada, nas guerras napoleónicas em Portugal e Espanha).

Kitchener implementou ainda um sistema de campos de concentração, onde colocou e basicamente torturou e matou milhares de mulheres e crianças boer, esta no fim do dia a razão porque os rebeldes acabaram por se render.

Exemplo da política de terra queimada seguida pelo exército britânico

Para além dos campos de concentração para mulheres e crianças dentro do que é hoje a África do Sul, Kitchener mandou fisicamente exilar de África os prisioneiros de guerra boer para campos de concentração localizados na Índia, no Sri Lanka, nas Bermudas e na Ilha de Santa Helena, a mesma onde Napoleão morreu exilado em 1821.

Procedeu ainda a executar uma implacável política de terra queimada nas repúblicas invadidas, em que destruiu com dinamite e fogo praticamente todas as casas, quintas, árvores, utensílios, poços, estradas, animais e colheitas dos boers. Vilas inteiras consideradas sem valor estratégico foram completamente arrasadas.

Lord Kitchener. Se fosse hoje estava preso em Haia. Naquela altura, foi um herói do Império britânico.

Desde o início que os boers estavam incomparavelmente mal armados, sendo uma das curiosidades da guerra que usavam uma espingarda de tiro único chamada Guedes, que fora desenhada por um militar português e encomendadas numa fábrica algures na Europa. Mas, por alguma razão, no fim os portugueses cancelaram a encomenda e o Transvaal comprou-as baratinho (tinham o selo real do rei português D. Luiz, imagine-se). Eficaz na guerrilha, mas nessa altura o exército britânico dispunha já de novas gerações da sinistra metralhadora Vickers-Maxim, cujo efeito era absolutamente devastador. Nos últimos dezoito meses da guerra, os boers combateram quase exclusivamente com armas que tomavam do soldados britânicos que combatiam.

Imagem do que então chamavam Comandos boer, com as suas espingardas de tiro único, excelentes para a guerra de guerrilha, algumas concebidas pelo militar português Guedes.

Para ambos os lados do conflito, o número de mortos em combate nesses quase três anos aproximou-se dos vinte mil, ou seja, perto do dobro do número total de militares portugueses mortos em 13 anos das chamadas guerras coloniais em três frentes de batalha africanas entre 1961 e 1974.

Mas o número de mortos por doença e tortura e péssimas condições foi muitíssimo mais elevado. No cômputo final, as repúblicas boer foram quase completamente destruídas e cerca de um terço de toda a população boer (civis e “militares”) pereceu nesses trinta meses de conflito.

Um terço do total da população boer morreu em dois anos e meio de conflito.

A guerra terminou com um tratado de paz que foi assinado no fim de Maio de 1902, e a inclusão das antigas repúblicas boer no que se tornou mais tarde a União Sul-Africana. Alguns boers voltaram às suas casas destruídas e tentaram refazer as suas vidas, agora como desconsolados súbditos da coroa britânica.

Com o tempo e grande habilidade, os líderes boer voltaram à cena nacional, mas isso é outra história.

Um jovem Winston Churchill fugiu do cativeiro boer através de Lourenço Marques, de onde foi para Durban, onde foi recebido como um herói. A saga foi importante para a sua carreira futura como político e estadista.

Durante todo este tempo, do outro lado da fronteira Leste e do Protectorado da Suazilândia, estavam Moçambique, Lourenço Marques, alguns portugueses e a linha de caminho de ferro que ligava a já de facto capital moçambicana à capital boer, Pretória.

O Ouro de Kruger

Alguns dos mais velhos poderão recordar-se que, em Moçambique, até aos anos 50 do século passado, falava-se no ouro de Kruger (o carismático e enigmático presidente do Transvaal.

A lenda – há até pelo menos um livro sobre ela, em português – refere que, nos últimos dias antes da ocupação de Pretória pelo exército britânico, que os boers, que dali fugiram para Leste na direcção de Lourenço Marques ao longo da linha de caminho de ferro, removeram dos cofres dos seus bancos e do tesouro nacional uma grande quantidade de ouro, que terão enterrado algures em volta da fronteira entre Moçambique e a África do Sul.

É tudo treta.

Na realidade, de acordo com as memórias do legendário líder boer Jan Smuts (em tempos era o nome dado ao aeroporto de Joanesburgo mas agora foi enfiado na gaveta pela nova África do Sul) essencialmente por causa de mau planeamento, apesar das medidas para evacuar a capital boer, uma grande quantidade de ouro permaneceu no Tesouro do Transvaal e no Banco Nacional em Pretória até ao dia 4 de Junho de 1900, o dia antes dos britânicos entrarem na capital boer (para onde, aliás, algum tempo depois a mãe do poeta Fernando Pessoa foi viver, e onde ficou até 1913).

Na manhã desse dia, apressadamente, Smuts mandou que o ouro fosse recolhido e depositado em caixas no cais da estação de caminhos de ferro de Pretória. Aí, foi colocado num comboio escoltado que ao meio dia partiu na direcção de Lourenço Marques, já sob o fogo de armas e canhões britânicos – o último comboio sob o controlo da república boer a deixar Pretória.

Exemplo dum comboio na África do Sul durante a guerra. Este estava nas mãos dos britânicos e estava assim protegido para defender o tambor com vapor sob pressão dos ataques dos boers.

Às duas horas da manhã do dia seguinte, 5 de Junho de 1900, o comboio parou na vila de Machadodorp, a meio caminho de Nelspruit (Mmmmmmbombélááá!) onde Paul Kruger, o ainda presidente boer, tinha então a sua base logística.

Uma parte do ouro foi usado logo ali para efectuar pagamentos. Segundo o diário de Meinbert Noome, um oficial boer, o resto – sessenta e duas caixas cheias de ouro – foram entregues em Lourenço Marques no dia 31 de Agosto de 1900, aos cuidados da firma alemã Wilken & Ackerman, que, em troca, creditou a conta do governo boer no estrangeiro com um crédito no contravalor, em libras, do metal que fora entregue – uma fortuna. Com este dinheiro, o que sobrou da autoridade republicana boer comprou mantimentos e apoiou muitos boers que tinham fugido da guerra.

Em Moçambique, os oficiais e administradores da antiga república boer do Transvaal instalaram-se no que fora o edifício do consulado norte-americano em Lourenço Marques e constituíram uma Proviant Commissie, que geria esses fundos e organizava e providenciava assistência aos exilados da guerra.

Uns dias depois, a 11 de Setembro de 1900, o próprio presidente Paul Kruger chegava a Lourenço Marques. Foi recebido por Gerard Pott, até então o cônsul do seu país em Lourenço Marques e também cônsul da Holanda. Após uma estadia de algumas semanas, partiu para a Europa num navio da marinha real holandesa enviado pela soberana holandesa, Guilhermina. Às oito da manhã de 24 de Setembro de 1900, o exército britânico ocupava Komatipoort, do outro lado de Ressano Garcia.

Formalmente, no entanto, a guerra ainda duraria outros oito meses.

Paul Kruger, o monumental presidente da República do Transvaal. Por ter permitido a criação de uma reserva natural na enorme língua de terra a nascente da sua república, na altura deram o seu nome ao futuro parque nacional.

E aqui chegamos à parte interessante.

De Lourenço Marques para….Peniche, Alcobaça e as Caldas da Raínha

No final de 1900, havia mais do que mil e quinhentos boers refugiados no lado português da fronteira, isto é, no Sul de Moçambique, e, desses, quase todos estavam em Lourenço Marques, empilhados uns em cima dos outros. Alguns, os mais doentes, ficaram na velha residência de Gerard Pott no centro da cidade (não confundir com os Pott Buildings, Era outra casa). Muitos morreram de doença e ferimentos na cidade.

No porto de Lourenço Marques, boers aguardam o momento para embarcar em navios para a Europa. Ao fundo pode-se ver a fachada da então fortaleza da cidade. No topo à esquerda fica o que hoje é a Praça 25 de Junho em Maputo - a antiga Praça 7 de Março.

Receosos que os boers se organizassem em território português e voltassem novamente a entrar no Transavaal e continuassem a guerra, os britânicos, que mais ou menos controlavam a cidade a partir da sua base no edifício do consulado britânico em Lourenço Marques (que ainda hoje é a embaixada daquele país ao pé da Rádio Moçambique) e segundo um relato do The New York Times datado de 7 de Março de 1901 e publicado na sua edição de 21 de Abril desse ano, baseados nas alegações de um jornalista de um dos jornais britânicos que estava então na cidade, de que os boers estariam a preparar uma contra-ofensiva a partir de território moçambicano, insistiram com as autoridades portuguesas para que os refugiados boers saissem da cidade imediatamente– mas não de volta para o Transvaal, onde ainda decorria a guerra.

Gravura da época de boers a discutir as notícias num quiosque de Lourenço Marques, durante a guerra.

Entre os refugiados encontravam-se centenas de militares boers, de que se destacava um tal General Pienaar, que estava acompanhado pela sua família (sobre ele, ver mais abaixo).

Em parte com a ajuda do dinheiro acumulado dos boers com a venda do ouro, uma solução foi encontrada.

Eles iriam para Portugal.

Em navios da marinha real portuguesa.

Os Boers em Portugal

Diz o relato do Sr. George van den Hurk:

Depois da captura britânica da linha de caminho de ferro Pretória-Komatipoort, um número considerável de Boers, alguns com as suas famílias, procuraram refúgio naquele que era, então, o território português neutro de Moçambique. Tratava-se de algo especialmente necessário para os homens que tinham sido rebeldes do Cabo, uma vez que eram frequentemente mortos pelos soldados britânicos após a sua captura. Chegou a constar que alguns deles tinham voltado a atravessar a fronteira em Lourenço Marques para combaterem os ingleses quando e como lhes conviesse. A Grã-Bretanha pressionou Portugal para lidar com esta ameaça; o resultado foi a transferência dos refugiados Boer para Portugal, onde ficaram alojados nos chamados campos abertos para prisioneiros de guerra e internados civis.


A edição do The New York Times de 14 de Março de 1901 reportava que, no dia anterior, em Portugal, estavam a ser feitos preparativos no porto de Lisboa, para acolher os refugiados boers que eram ali esperados dentro de dias.

Continua van den Hurk:

No dia 27 de Março de 1901, o General Pienaar, oito dos seus oficiais de campo e cerca de 650 soldados, chegaram a Lisboa no navio “Benguela”. Uma semana mais tarde chegava o “Zaire”, trazendo o Comandante H.P. Mostert, juntamente com três membros da sua família e um grupo de 56 mulheres e 172 crianças. [o remanescente, segundo o New York Times, dos refugiados boers em Lourenço Marques]. No dia seguinte, a corveta portuguesa “Afonso de Albuquerque” desembarcava mais dez Boers.

Ao todo, 1260 adultos e 173 crianças chegaram a Lisboa para detenção sob custódia.

(De notar que nas suas memórias da guerra, escritas num campo de prisioneiros na Ilha de Santa Helena pelo mais credível General Ben Viljoen, no capítulo 22 do seu livro, ele às tantas refere, ao relatar a retirada boer já na região entre Nelspruit e Ressano Garcia: um tal Pienaar, que se arrogou o título de general quando entrou em território português, fugiu pela fronteira com cerca de 800 homens. Contudo, estes homens foram desarmados e enviados para Lisboa. Claramente, Viljoen não estava tão impressionado com Pienaar como aparentemente estavam os portugueses. É preciso ainda referir que naquela altura o título de “general” era utilizado com enorme liberalismo.

A corveta Afonso de Albuquerque, da marinha real portuguesa.

Talvez ainda resquícios do traumatizante Ultimato britânico de 11 de Janeiro de 1890, segundo o The New York Times de 1 de Abril de 1901, os boers foram recebidos à sua chegada a Lisboa por uma grande e jubilante multidão portuguesa, gritando ovações e tratando os refugiados como verdadeiros heróis, em quase total contraste com (continua o relato) a sobranceria com que foi tratada a delegação britânica liderada por Lord Carringto, que se deslocara a Lisboa na mesma altura para formalmente notificar o rei D. Carlos da morte da rainha Vitória e da sucessão ao trono pelo seu filho, o futuro Eduardo VII.

Filheto em língua portuguesa, alusivo aos boers. Este encontrei nos arquivos electrónicos do Pacheco Pereira. Se o exmo. Leitor quiser ler, prima duas vezes na imagem. Pelo que referem os poemas, percebe-se facilmente de que lado do conflito estavam os seus autores.

Diz ainda van den Hurk:

À sua chegada, foram alojados em Peniche, onde 380 homens foram acomodados num velho forte; em Alcobaça, 376 homens ficaram alojados num mosteiro e, nas Caldas da Rainha, 320 homens, mulheres e crianças foram realojados. As famílias que tinham outras possibilidades económicas tiveram a oportunidade de alugar casas na vizinhança. Adicionalmente, pequenos grupos ficaram em Abrantes, Tomar e S. Julião da Barra.

A todo o tempo era permitida a liberdade de movimento entre os campos, bem como a troca de alojamento, se desejado. Os Boers eram vistos como prisioneiros de guerra, mas não eram guardados, nem confinados aos seus campos, embora tivessem de se apresentar duas vezes por dia aos seus guardas.

O primeiro jogo de Râguebi em Portugal

Um curioso e curto trabalho (oito páginas) escrito por Floris van den Merwe sobre a prática do râguebi durante a guerra anglo-boer contém um curioso relato sobre os refugiados boers em Portugal. Cita do livro “Os Boers em Portugal”, escrito por Darius de Klerk (terá sido publicado em 1985, mas que não consegui encontrar) o seguinte, na sua página 38:

O futebol (referendo-se ao râguebi) era completamente desconhecido em Portugal nesses dias, pelo menos nas províncias. O público em Alcobaça gostava de ver os boers a jogar este novo tipo de jogo, mas as suas regras deixaram-nos confusos durante muito, muito tempo.

E na página 48 :

Quando os boers chegaram, o parque nas Caldas da Rainha era pouco mais que um terreno desolado, por isso em breve eles começaram a utilizá-lo para jogar algum tipo de jogo com a bola. Naturalmente, os locais nunca tinham ouvido falar de râguebi nesses dias.

Após a assinatura do tratado que findou a guerra em 31 de Maio de 1902, os prisioneiros e refugiados boers foram autorizados pelos britânicos a regressar à sua terra natal., tendo tal ocorrido durante o verão, até final de Agosto de 1902.

O London Times de 21 de Julho de 1902 reportou que no dia 19 de Julho, após se reunirem em Lisboa, vindos dos vários pontos de acolhimento, cerca de 900 boers, embarcaram no navio Bavarian, que saíu em direcção à Cidade do Cabo cerca das 18 horas.

No verão de 1902, o Bavarian, no fotografia acima, levou a maioria dos refugiados boers de Portugal para a Cidade do Cabo.

Ainda hoje, no cemitério de St. George, em Lisboa, existe um pequeno monumento, inaugurado em 1913, em memória dos refugiados boers que morreram em Portugal durante esse período de exílio português.

Uma rara fotografia, com data de 1901, da "Escola dos Refugiados Boers das Caldas da Rainha". Foto dos Arquivos Nacionais da Holanda. Para ver a foto com maior tamanho, prima com o rato na fotografia e depois outra vez.

08/10/2010

DEUS, O NEGÓCIO E O PECADO NA RUA ARAÚJO EM LOURENÇO MARQUES

A Rua Araújo em dia de sol, anos 1890

por ABM (8 de Outubro de 2010)

Quis divertir-me um pouco hoje.

Vamos lá.

AGRADECIMENTOS

Esta nota é dedicada ao Nuno Quadros, que involuntariamente foi o seu agent provocateur ao mandar-me uma mensagem a dizer que S.Exa. o Aga Khan tinha inaugurado um dos casinos que operaram na Rua Araújo (acho que não, Nuno) e à Sra D. Suzette Malosso que, na plenitude dos seus 82 anos de idade, tendo crescido na cidade aqui focada, lembra-se de coisas que eu não sabia sequer terem existido e que teve a pachorra de aturar os meus interrogatórios.

INTRODUÇÃO

Creio -dizem-me- que uma das expressões enfáticas e mais badaladas da protagonizada ética limpa do então novo regime que se instalou em Moçambique com a retirada da administração portuguesa da governação do país em 1975, foi, literalmente, o encerramento dos estabelecimentos na Rua do Bagamoyo em Maputo (então Rua Araújo em LM, terminologia que se usa doravante, pois o relato situa-se nessa era) e a proibição da sua vida boémia, tida como imoral, decadente, capitalista e exploradora, entre outras coisas, dos corpos e vulnerabilidades das mulheres moçambicanas.

A agenda dos líderes guerrilheiros da Frelimo recentemente chegados à capital, aparentemente horrorizados com os seus decadentes hábitos e costumes, foi, claramente, de dar um sinal das coisas para vir e da Nova Ordem, congeminada lá no meio do mato, em Nachingwea. Aquilo que viam em Lourenço Marques era o colonialismo. e o colonialismo acabara. A prole, emocionada, estúpida e oportunista, aplaudiu logo o gesto de eliminação da prostituição e da vida boémia – e já agora de tudo o resto mais que viesse à cabeça dos Libertadores.

Libertadores para quem, mais do que a Independência, que já era obra, consideravam a Revolução para Criar o Novo Homem Moçambicano o objectivo mais sério, e para quem o exemplo predilecto da pura vivência revolucionária – um pouco como Eça ironiza quando em A Cidade e as Serras “obriga” um rico parisiense a gostar de viver na parca rispidez serrana portuguesa – era aquela vida porreiraça e espartana que tinham andado eles próprios a viver lá no mato no Norte.

A solução clara era simples: o povo genuíno vem do mato, a gente não controla bem as cidades, que estão cheias de colonos brancos que ainda por cima pensam que ainda mandam alguma coisa e que são um veneno e um empecilho à Revolução Moçambicana. Portanto vamos colocar esta gente toda na ordem, mostrar-lhes quem manda aqui e correr com o maior número possível deles, preferencialmente de forma a que o que eles pensam que é deles (mas que é nosso) fique atrás.  E acabar já com os reaccionários vícios deles.

Não demorou muito (basta perguntar a quem passou por esta altura e que especialmente é white ou quase) e as cadeias estavam cheias de gente que foi repetidamente presa durante dias e dias porque atravessou a rua na hora errada, porque não bateu uma continência que não sabia que tinha que fazer, que não parou o carro a tempo quando a banda lá no palácio se lembrou de tocar o novo hino, que se esqueceu do bilhete de identidade naquela noite em que foi ao cinema com os amigos.

E isto era só para os que não tinham feito nada.

Mas na altura a Rua Araújo foi muito mais falada porque era uma medida muito mais visível, mais colectiva e mais ostensiva. O simbolismo era inescapável, e deliberado.

As alegadas putas e os seus alegados proxenetas foram mandados para a reabilitação e a rua (o tal de Araújo que dava o nome à rua foi o primeiro Governador do Presídio de Lourenço Marques, nomeado em 1781) mudou mais uma vez de nome, desta vez para um dos locais sacros da Gloriosa Guerrilha lá longe na Tanzânia: Bagamoyo, a escola para a formação do Novo Homem Moçambicano, cortesia da Frente de Libertação de Moçambique e, durante algum tempo, de Janet Mondlane.

Mas que apropriado.

O encerramento (na altura rotulado como “limpeza”, referido numa edição de Abril de 1975 na outrora Pacatamente Burguesa mas agora Raivosamente Revolucionária revista Tempo – e em que Ricardo Rangel era sócio) coincidiu com a Independência, felizmente para Victor Crespo, o memorável almirante e o último (e único) Alto Comissário em Moçambique, que representou o novo regime português pós-golpe de Estado em 1974 antes de formalizar a entrega do poder aos líderes da guerrilha na data por eles escolhida. Pois refere quem viu,  que o Almirante passava mais tempo no Dancing Aquário na Rua Araújo a beber whiskies e a discutir as colorações epidérmicas das senhoras que lá dançavam, que no seu escritório a fingir que presidia às formalidades da governação e que defendia os interesses do seu país (em boa verdade, parece que na altura ninguém sabia quais eram esses interesses e mesmo assim por essa altura a Frelimo estava-se a marimbar para o que quer que fosse que ele dissesse, que mesmo assim foi nada).

E esse acto apenas foi um começo. No início de Novembro de 1975, numa operação de grande envergadura e que durou dois dias e incluiu três cidades, as forças da Frelimo, de AK47s em riste apontadas contra uma população urbana basicamente inocente e completamente indefesa, pura e simplesmente prenderam cerca de três mil pessoas, que consideraram suspeitas de estarem envolvidas com drogas, prostituição, roubo ou vadiagem. Pois.

Era o legalismo revolucionário, conferido e legitimado pelo Povo.

Na altura da Indepedência eu não soube de nada destas tricas da Frelimo com a Rua Araújo nem do terror dirigido aos “colonos” (ou será que era payback time?), pois estava mais ou menos tranquilamente a estudar a oito mil quilómetros de distância, em Coimbra, onde o mais que havia de aguerrido eram os desenhos dos gigantescos seios das caricaturas do José Vilhena. Um pouco como em Moçambique, a pornografia via-se era na vida política, todos os dias, nos noticiários politizados da Érretêpê.

Dez anos depois de eu ter deixado de residir em Maputo e nove anos depois da Independência, em plena era do Repolho e do Carapau, visitei a cidade, que me pareceu deserta, abandonada e parada no tempo, as pessoas com terror sequer de pensar alto, com medo de lhes ser apontado o dedo por alguém ligado à Nomenclatura. Mas não se sentia qualquer fervor revolucionário. Apenas cansaço, conformidade e um perpétuo esforço de meter alguma coisa no prato. Pois não havia quase nada. Mas ainda assim foi-me discretamente servida uma lista das Grandes Mudanças (para além da de praticamente toda a gente que eu conhecia não estar lá, claro). E o desmantelamento da Rua Araújo estava nos top dez, o que eu achava curioso, até estranho, pois apercebi-me que isso indiciava o simbolismo, na cabeça de muita gente, que aquilo acarretava, antes e depois da Independência.

Se bem que antes da Independência aquilo não era de forma alguma “a” referência nem tinha o relevo que se possa querer dar-lhe. Era apenas mais um dos locais exóticos, quiçá um pouco mais sórdido, da cidade. Eu hoje tenho 50 anos de idade, e nos passeios a pé higiénicos da família BM aos sábados à noite depois do ocasional jantar chinês no Restaurante Hong Kong, lá pelos fins dos anos 60, princípios dos anos 70, devia eu ter uns dez anos de idade, lembro-me muito vagamente do que aquilo parecia, pelo menos a parte da Rua Araújo para quem vem da Praça onde fica a estação dos Caminhos de Ferro: que tinha muitos bares porta sim porta sim, muita gente, muita música aos berros, montanhas de luzes e coloridos anúncios de néon a acender e a apagar, à porta de uns bares e dancings umas fotografias dumas meninas de coro (brancas) muito pintadas com umas coisinhas penduradas nas pontas das maminhas expostas e um ambiente mais ou menos aguerrido.

Nos dias que correm, isto é troco para bebés.

A Rua Araújo nos anos 60, de dia. À noite parecia Las Vegas junto do Índico.

Uns anos depois, a primeira referência que eu vi sobre a antiga Rua Araújo foi na forma de umas fotografias que o saudoso e agora exaltado Ricardo Rangel (que se dava muito bem com o meu pai) publicou e que tirou nessa altura, e que correspondem vagamente ao que eu vira e mais ou menos imaginava ser a Rua Araújo, claro que sem aquela carga ideológica-sociológica-pós-colonial que se sente agora, e que, despida de contexto, dava uma aura quase lunática àquele fenómeno da velha Lourenço Marques.

Casal fotografado por Rangel na Rua Araújo - o sórdido passou a ser arte

Uns anos mais tarde, já no fim dos anos 90, quando a Nomenclatura freliminana  relaxou involuntariamente os costumes públicos e, sem qualquer veio condutor, a capital moçambicana descambou quase completamente para um free for all em termos dos seus hábitos mais prúridos. Alguns decerto se lembram das legiões de jovens serpentes nas esquinas do Polana e da Sommerschield (a baixa era uma cidade fantasma à noite) depois da hora do jantar e todos os passeios em redor da discoteca do Sheik completamente tomada pelos possantes 4×4 da nova classe de “empresários de sucesso” e suas sumptuosas, esculturais acompanhantes.

(Elas eram chamadas serpentes porque quando a gente passava por elas no carro elas faziam assim: “pssssssssssst, psssssssst”)

Houve então muito boa gente na cidade que pensou, e disse, que se calhar fazia mais sentido trazer de volta a velha Rua Araújo e meter isso tudo ali. Mas as coisas não são assim tão fáceis de fazer. Hoje em dia, não estou lá muito dentro dos detalhes do negócio do prazer e do entretenimento maputiano, mas acredito que ainda há muito, muito por fazer.

A verdade sobre a Rua Araújo é muito mais profunda.

E, na minha opinião, se calhar não há rua que mais e melhor espelhe a História desta cidade que hoje é Maputo.

De facto, houve uma lógica muito clara no aparecimento do negócio por que a Rua Araújo se tornou quase mítica. Para a entender, tem que se recuar até ao fim do século XIX e entender o que se passava na região.

Se o exmo Leitor tiver a paciência, acompanhe-me nesta aventura.

A CIDADE APARECE

Apesar da apetência britânica pela baía defronte de Maputo, sucessivamente combatida pelos portugueses com a ajuda do Duque de Magenta (hoje mais conhecido como 2M), o flanco sul da então frágil, precária, indefinida colónia portuguesa, estava praticamente abandonado aos seus habitantes, que faziam mais ou menos o que sempre fizeram, os portugueses tendo o ocasional problema com os ingleses, que se alternavam com os Boers a tomar conta do que é hoje a Suazilândia, e os boers do Transvaal, que também gostariam de ficar com a parte Sul do actual Moçambique.

O momento verdadeiramente fundacional para a cidade – e de tal forma que em meros vinte anos o epicentro de todo o Moçambique se deslocou dois mil quilómetros do eixo Ilha de Moçambique-Nampula para a Baía de Lourenço Marques, ao ponto de a elegante e centenária capital ter sido descartada para os pântanos em redor da Ponta Vermelha – foi o conhecimento pelo mundo da descoberta de ouro no Rand, uns campos situados a Norte da pacatíssima capital boer do Transvaal (nome formal: República Meridional Sul-Africana), Pretória.

Tirando as negociatas do Albasini, pouco fluía entre o interior e a costa.

A "cidade" original não era uma cidade: era uma ilha. A uma distância regulamentar do Presídio, fez-se um aldeamento precário. Na parte baixa desse aldeamento vê-se a Rua dos Mercadores - a original rua de Maputo - mais tarde a Rua Araújo

Assim, quase subitamente, em 1874, na pequena língua de terra situada a Poente de onde Joaquim Araújo se lembrou de mandar edificar o lastimável Presídio de Lourenço Marques, centenas de pesquisadores e aventureiros americanos e australianos ali desembarcaram ao mesmo tempo para se dirigirem para o interior, enquanto que, do Transvaal, centenas de boers faziam a caminhada no sentido contrário, para vir buscar mercadorias e mantimentos aos navios. Nesse ambiente de “fronteira” completamente desregulado, de negócios, bebida e prazer, logo se esboçou um – o primeiro- o primeiro de todos – arruamento onde essas actividades se desenvolveram:

A Rua Araújo.

Que na altura, à boa antiga portuguesa, não tinha nome de gente, mas um nome que traduzia a sua utilidade: o de Rua dos Mercadores. Era um assentamento precário, com casas feitas de madeira, suficientemente sólidas para se poder lá dentro guardar, comprar e vender tudo e em que o português era provavelmente a terceira ou quarta língua mais falada.

Um ano depois, ao fim da tarde do dia 12 de Setembro de 1875, um violento incêndio consumiu tudo o que havia entre a actual estação dos caminhos de ferro e a sede o Banco de Moçambique (dantes o BNU). Para evitar situações semelhantes,o então governador português, um tal de Augusto Castilho, mandou que as casas passassem a ser feitas com materiais mais duráveis: argamassa, tijolo, adobo, telha, zinco. E logo a seguir veio o Major Joaquim José Machado e a sua equipa, que esboçou o plano director do actual centro da cidade. São essas as casas que os postais mais antigos de Lourenço Marques hoje mostram.

A Travessa da Palmeira (hoje fica entre a sede do BIM e a Nova Mesquita). Após o incêndio de 1875, as casas passaram a ser feitas de alvernaria, tijolo e telha.

Com as notícias da descoberta de ouro em Magaliesberg e em Barbeton, a pressão de ligar a Baía ao interior sul-africano britânico e boer foi quase insustentável. Logo se abriu a que ficou conhecida como a Estrada de Lindenbugo (que começava no fim da actual Av. 24 de Julho, a seguir a um enorme quartel que acho que ainda lá está). Lindenburgo (se é que ainda tem esse nome) fica situada a meio caminho entre Maputo e Pretória. Naquela altura Nelspruit (Mmmmmbombélááá!) basicamente não existia e seria assim até o comboio passar por lá anos mais tarde.

As coisas encaminhavam-se, perante o ar atónito dos Rongas, que ali viviam em redor, e que assistiam certamente preocupados com o reboliço enquanto que por sua vez iam fazendo as suas negociatas e de vez em quando umas razias para saquear.

A Rua Araújo, quando em Lourenço Marques se vivia um ambiente de fronteira

Mais um aspecto da Rua Araújo no fim do séc. XIX

Os momentos-chave seguintes foram a inauguração da linha de caminho de ferro para Pretória (1895), logo a seguir a abertura do porto marítimo da cidade, culminando com o desencadear da Guerra Anglo-Boer (1899-1902), um complicado imbróglio militar e político, que trouxeram muita, muita gente à cidade e montanhas de negócio. Nessa altura, Lourenço Marques (ou a sua designação inglesa, Delagoa Bay) estava nas primeiras páginas dos grandes jornais de todo o mundo, a Baía bloqueada pela poderosa marinha britânica (foi ali usado pela primeira vez no mundo o telégrafo sem fios para a coordenação de operações militares-navais. Enfim, vale o que vale).

A linha de caminho de ferro abriu em 1895. O edifício da estação chegou mais do que dez anos depois. Directamente em frente, ficava a Rua Araújo, e à direita o porto marítimo.

E o que é que, fisicamente, estava precisamente no meio disto tudo?

A Rua Araújo.

De facto, a Era de Ouro da Rua Araújo não foi nos anos 50, 60 e até 1975.

Pelo contrário, foi nas quatro décadas anteriores.

OS DIAS DE OURO

Capa dum folheto publicitário em inglês, sobre Lourenço Marques, anos 20.

Estabilizada a guerra e colonizado o Transvaal pela Grã-Bretanha (cujo consulado em LM, desde que abriu sempre esteve no mesmo local onde hoje se encontra a actual embaixada em Maputo), o negócio aumentou sempre e cada vez mais, tendo Lourenço Marques, que entretanto foi praticamente comprada e desenvolvida com capitais ingleses, sul-africanos e boers através de companhias, lá a partir dos anos 20, criado e desenvolvido um negócio novo, complementar, e extremamente rentável, para além do import/export e do álcóol: o negócio do lazer e do prazer para os brancos sul-africanos.

Dia de "São Navio" em Lourenço Marques. A cidade toda acorria ao Cais para assistir ao espectáculo, e cuscar quem chegava e quem partia. Era um evento. Depois ia tudo beber um copo para a Praça 7 de Março.

De facto, a cidade tinha várias valências nesse sentido. Para além de ser organizada, limpa, e bonita, tinha um clima aprazível, ficava junto ao mar, tinha acessibilidades (barco, comboio, estrada, telégrafo para o mundo exterior), boas instalações, boa comida, instalações desportivas e tinha o exotismo informal cultural luso-africano que nem se sonhava existir na África do Sul.

O antigo campo de golfe da Polana. Situava-se imeditamente a seguir ao actual Hotel Polana e estendia-se até à actual embaixada americana e entrava um pouco para dentro da actual Sommerschield.

A entrada do Pavilhão de Chá, junto à antiga praia da Polana e a 150 metros a Norte do actual Clube Naval de Maputo

O bar da Estação de caminho de ferro de Lourenço Marques estava ao nível do que de melhor havia no mundo na altura

Lourenço Marques, com as suas praias, o Pavilhão de Chá, os seus vários hóteis, quiosques, clubs e restaurantes, alegremente acolhia esse negócio, nos anos 20, 30 e princípios dos anos 40.

O cais da estação de caminho de ferro de Lourenço Marques

Nessa altura, para além dos navios, que traziam centenas de marujos, passageiros e homens de negócios à cidade, vinham diariamente comboios de Joanesburgo e de Pretória, cheios de carga e gente, na busca de repouso ou de prazer, ou para apanhar um barco para a Europa, ou regressar à África do Sul.

E, para além de bowling, golfe, a caça, a pesca e o ténis, Lourenço Marques tinha bebidas à descrição, jogo e prostituição, práticas estas proibidas e reprimidas pelos estóicos britânicos e ainda mais pelos puritanos boers. Em Lourenço Marques, para além de vinho, whisky, camarões e cerveja à descrição (incluindo aos domingos e feriados religiosos) até fados e touradas havia,  perante o espanto dos visitantes. E cinema, e excelente ópera italiana, esta no resplandecente Varietá, que ficava do outro extremo da Rua Araújo, junto à Praça Sete de Março (hoje 25 de Junho, o dia da Independência em 1975), a sala de estar da cidade – com chás e delicados bolos de pastelaria servidos às cinco horas da tarde, enquanto música tocada no seu coreto por bandas contratadas, quase todos os dias.

Antes do Polana abrir, o Carlton era o hotel de escolha em Lourenço Marques. Ficava situado a meio da Rua Araújo. Mesmo depois de abrir, durante muito tempo o Polana era considerado fora do caminho.

Cedo a cidade se tornou ponto de visita obrigatório para os milionários e as classes mais abastadas de Joanesburgo e de Pretória, que para ali se dirigiam em conforto exuberante no Blue Train, um comboio de luxo que parava semanalmente na estação de Lourenço Marques.

Que ficava a cem metros da Rua Araújo.

Para além dos navios de passageiros que atracavam todas as semanas no porto, mesmo ao lado.

As touradas e as pegadas de touros eram uma atracção turística única em África.

A meio da Rua Araújo, do lado direito, cedo abriu o Casino Belo, mais exclusivo, e mais abaixo o Casino Costa, os únicos casinos no Sul de África. O Casino Belo (no edifício mais tarde funcionou o conhecido Dancing Aquário, para quem se lembra) era uma luxuosa máquina de fazer dinheiro. Estava aberto toda a noite, sete dias por semana. Tinha uma grande orquestra (o chefe de orquestra do Casino Belo durante dez anos chamava-se Jorge Vara e era o pai da D. Suzette, por isso é que eu sei isto tudo) tocava diariamente, sete dias por semana, das 9 da noite até às 4 da manhã, com um intervalo de meia-hora.

Aspecto da sala de jogo do Casino Belo na Rua Araújo, em Lourenço Marques. Lá dentro, era obrigatório o uso de fato ou smoking e vestido comprido para as senhoras.

Ali encontravam-se as famosas e as originais Taxi Girls de Lourenço Marques(não são as que mais tarde se chamavam pelo mesmo nome, e que basicamente eram prostitutas). Estas eram jovens sul-africanas desesperadamente belas, vestidas de rigor com vestidos compridos, todas as noites, e como referi não eram prostitutas (o que não significa que não dessem uma volta com quem lhes apetecesse). O que elas faziam era que à noite conversavam com os clientes, entretiam-nos e bebiam um copito ou outro. E qualquer homem podia comprar uma “fita” de bilhetes por dois e quinhentos cada bilhete, e por cada bilhete a menina dançaria com ele uma música. No fim quase todas elas acabaram por casar com portugueses de sucesso na cidade e hoje fazem parte do DNA dos descendentes de quem lá viveu (imagino que estrategicamente omitindo os detalhes da sua procedência).

Curiosamente, naquela altura as crianças podiam entrar no Casino, que tinha também umas limousines com motoristas fardados para levarem os clientes e seus convidados para os hotéis ou de volta para o Blue Train.

O Varietá, na altura creio que a segunda Casa de Ópera em toda a África excepto o Cairo, situado na Rua Araújo, no local onde hoje se situam o Cinema Matchedge e o Estúdio 222.

Nesses tempos, ganharam-se e perderam-se verdadeiras fortunas nos casinos da Rua Araújo. Após uns dias de loucura na roleta e no bacharat, muitos dos visitantes mal tinham dinheiro para pagar o bilhete de comboio de volta para Joanesburgo e Pretória e houve um número considerável de suicídios, cometidos por gente que perdeu tudo o que tinha nas mesas de jogo.

Na Rua Araújo, o negócio da noite não era só para os ricos. Era socialmente vertical. Os bares, cabarets e salas de jogo da Rua anualmente atendiam milhares e milhares de marinheiros, viajantes, homens de negócios, etc, trazidos pelo movimento louco no porto e no caminho de ferro.

Curiosamente, quase todo o negócio era entre brancos – incluindo, malgré as suspeitas da Frelimo, a prostituição. Mas do lado esquerdo da Rua Araújo, houve mais tarde uma casa amarela, o Bar Pinguim, que era o único sítio na Rua Araújo onde havia, para além de prostitutas brancas, prostitutas negras e mulatas e cujo ambiente era puro caos estilo filmes do Texas. Nos anos 50 era um hangout favorito de, entre outros, o poeta Reinaldo Ferreira.

Durante esses anos, a autoridade policial, especializada e presente, mantinha a ordem, num misto de negligência latina e pauladas vigorosas. Alguns se recordarão dum agente de polícia alto e encorpado que vigiava a Rua Araújo, e que era legendário por resolver problemas de rua com uma saraivada de cacetadas, o que supostamente funcionava bem junto dos marujos e dos tropas mais alcoolizados.

Convenientemente situadas perto da Rua Araújo, havia grandes casas de prostituição, negócios legais, de porta aberta. As prostitutas eram praticamente todas brancas, a maioria francesas e sul-africanas. Refiro por exemplo uma luxuosa mansão que existia na rua a seguir à antiga Paiva Manso (não faço ideia qual é o nome da rua hoje) e que era a maior e considerada a melhor, gerida por uma senhora que era conhecida na cidade pela sua generosidade e que tinha vários filhos que se formaram todos na África do Sul.

Belo, proprietário do principal casino, era uma figura conhecida na cidade, riquíssimo, generoso, respeitado. O primeiro frigorífico eléctrico doméstico que houve em Moçambique foi ele que o instalou em sua casa. Teve três filhos, um deles o Ernesto, outro que foi gerente da Casa Coimbra (aquele prédio mesmo ao lado esquerdo do Banco de Moçambique na 25 de Setembro em Maputo) e um terceiro sobre o qual nada sei.

O FIM DE UMA ERA

O fim desta Era Dourada da Rua Araújo começou quando, lá muito longe, do outro lado do mundo, em Lisboa, o ditador Oliveira Salazar, tentando perpetuamente fintar os jogos de cadeira locais com as diferentes facções sociais (são sempre as mesmas: radicais vs católicos vs maçónicos vs monárquicos, a treta do costume), com a intervenção do seu antigo amigo e antigo colega de carteira, Manuel Gonçalves Cerejeira, então Cardeal de Lisboa e representante da Igreja Católica Apostólica Romana em Portugal, celebrou em 1940 (ano em que se celebrou também o tricentenário da reaquisição da independência portuguesa das mãos dos Hespanholes) um entendimento formal entre o Estado português e o Vaticano, a que se chamou Concordata.

Através desse documento, para todos os efeitos, a Igreja Católica encerrou um trágico capítulo aberto com o advento da I república e assumiu uma parceria com o Estado português que teve assinaláveis ramificações por todo o Império.

Em Lisboa, os três amigos: o Cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira, o Presidente do Conselho, Oliveira Salazar, e o seu Presidente, Óscar Carmona. Dos três, só Salazar nunca meteu os pés em Moçambique.

Talvez não seja coincidência que nessa altura, se começou a construir a actual Catedral de Maputo, que foi concluída em 1944, recorrendo os poderes locais para a sua construção essencialmente a trabalho escravo nativo, o que enfim, é mais uma pequena vergonha e uma expressão do tal colonialismo no seu pior (alguém devia meter lá uma placa na parede para que se soubesse e se lembrasse essa vergonha).

A expressão da Trilogia do Poder Imperial no centro de Lourenço Marques: o Estado (a Câmara Municipal), a Igreja (a Catedral) e o vulto de Mousinho. Em 75, Samora despachou Mousinho para um canto da "fortaleza" antes de rebaptizar o local de Praça Mousinho de Albuquerque para Praça da Independência. E de meter uma gigantesca fotografia sua na fachada. Mousinho out, Samora in.

Em Agosto de 1944, já a II Guerra Mundial estava a começar a chegar ao seu término, num navio Serpa Pinto obscenamente artilhado para acolher Sua Católica Eminência, o Cardeal Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira, viaja para Moçambique e desembarca em Lourenço Marques para inaugurar com imperial pompa a nova catedral, que ficou situada mesmo ao lado do também novo e imponente edifício da Câmara Municipal de Lourenço Marques, talvez para simbolizar a nova parceria entre o Estado e a Igreja – algo que acontecia pela primeira vez em Moçambique, cujo pluralismo religioso era palpável.

O quarto de cama de Gonçalves Cerejeira no Serpa Pinto

A sala de jantar do Cardeal Cerejeira no Serpa Pinto

O Serpa Pinto até tinha uma espécie de "sala do trono" para o Cardeal Cerejeira. Isto hoje dava um filme.

Pouco depois, a prostituição e os jogos de casino foram ilegalizados e desmantelados em Lourenço Marques.

Na Rua Araújo, ficaram os bares, os dancings e o ocasional jogo ilegal. A prostituição passou para a clandestinidade.

O RESSURGIMENTO

Mas a Rua Araújo não morreu.

Pouco depois, no início dos anos 60, com a instauração do apartheid do Sr. Verwoerd na África do Sul e a preparação e o início do que veio a ser a guerra pela Independência, Lourenço Marques conheceu um período de enorme movimento de pessoas, de investimento e de crescimento. Muitos portugueses vieram viver e trabalhar para a cidade, o número de visitantes da África do Sul, que agora viajavam em carros particulares, cresceu significativamente, e os navios começaram a chegar da Metrópole cheios de jovens militares sózinhos, muitos desejosos de fazer uma escalada na Rua Araújo para beber uns copitos e talvez experimentar o deslumbre de uma experiênciazinha sexual, para depois se ocuparem da defesa do território. E o movimento de navios, aviões e comboios cresceu quase exponencialmente. A cidade fervilhava.

O mito das LM Prawns: acima, o Restaurante da Costa do Sol, nas mãos da família luso-greco-moçambicana Petrakakis desde 1938.

Os usos e os costumes entretanto liberalizaram-se, muito mais em Moçambique do que era a norma quer na Metrópole portuguesa, quer no ambiente severo de Calvinismo puritano imposto na África do Sul – apesar de, nas praias e nos cafés de Lourenço Marques, serem as bifas que deixavam os locais de boca aberta, as meninas locais manietadas pelos velhos costumes dos seus pais portugueses.

Ainda que com a Pide a mordiscar, o Regime nervoso e a guerra dois mil quilómetros ao Norte a desenvolver-se, o ambiente na cidade tornou-se muito mais sofisticado e multiracial, começaram a aparecer galerias de arte, surge toda uma geração de pintores e escultores portugueses e moçambicanos, brancos e negros e com temas africanos, lojas de moda, a Sociedade de Estudos, a Casa Amarela, os bikinis, a mini-saia, veio a revolução musical com o rock, vomitado 24 horas por dia, sete dias por semana pela LM Radio, a Estação 2 do Rádio Clube que era de longe a mais popular em todo o Sul de África. Do Rádio Clube veio também a  marrabenta e inaugurou-se também a primeira estação de FM stereo, com jazz e música clássica, em todo o território português.

Em termos de desporto, tudo havia e tudo se fazia tudo na cidade. Campos de futebol de básquet, piscinas, golfe, mini-golfe, hóquei, equitação, aviação, tiro, regatas, pesca, pesca submarina. Era uma obsessão. Em entre 50 e 60 surgem estrelas como Coluna, Velasco, Matateu, Eusébio, Lage, Mário Albuquerque, Fernando Adrião, Dulce Gouveia, Mussá Tembe e tantos outros. A lista não acaba.

Nos anos 60, o pai BM, à esquerda, treinava equipas de futebol em Lourenço Marques.

Por sua parte, a Rua Araújo acompanhava todo este ambiente à sua maneira, com mulheres, marijuana, misturada com cerveja, vinho, shows de striptease (alguém se lembra da famosa travesti Belinda?) e com verdadeiras sessões de pancadaria que inevitavelmente envolviam comandos, fuzileiros e a polícia de choque a correr atrás deles com cacetetes. Segundo o Eduardo Pitta, até havia um discreto underground gay e lésbico na Rua Araújo que a Maluda vagamente confirma. O Carlos Gil esteve lá nos seus tempos de teenager e no seu livro Xicuembo deu uns lamirés da fauna louca que aquilo era.

Como em toda a parte, dizem-me que havia prostituição para todas as cores, todos os gostos e todas as bolsas. Mas se calhar a Rua Araújo não era o ponto principal dessa actividade. quando muito era um ponto de começo.

O Hotel Central e o Dancing Aquário, um conhecido empório da Rua Araújo e ponto de paragem de Vítor Crespo.

Foi esta Rua Araújo que Ricardo Rangel conheceu e retratou nos anos 60. E que, em meados dos anos 70, ajudou a destruir na sua revista.

De certa maneira, para a velha rua, esse foi apenas mais um momento da sua vida.

Uma nova metamorfose do que fora.

Viva a futura amizade entre os povos da CPLP !

E com o tempo, essa imagem do que fora nos anos 60 e 70, congelou-se e tornou-se num cliché, e pior, no todo, excluindo os quase cem anos que o precederam. Até Licínio de Azevedo recorreu agora a ele para o seu recente filme “Margarida”.

O tal símbolismo que eu acho que, isoladamente, não teve.

EPÍLOGO

Hoje, a Rua Araújo – a Rua do Bagamoyo – sobrevive precariamente, um dinossauro da história da Cidade, o seu berço irreconhecido, maltratado, desrespeitado, ignorado pelos cidadãos da Cidade, aguardando por melhores dias, quando eventualmente haja outro ressurgimento da Baixa da Cidade e uma outra apreciação do seu rico passado.

Que forma terá esse ressurgimento, ninguém sabe.

Uf. Depois disto, vou jantar ao chinês ali na esquina.

Bom fim de semana.

14/06/2010

A POLÍTICA DAS GALINHAS

Filed under: África do Sul — ABM @ 5:09 pm

por ABM (14 de Junho de 2010)

A cadeia de comida rápida Nando’s, que vende galinhas grelhadas na África do Sul e noutros países (tiveram uma loja em Portugal mas durou pouco), tem a particularidade de na sua imagem institucional ainda reter algumas coisas dos portugueses, como a sua história e aquele galo lá em cima que me parece muito com os de Barcelos (o piri-piri é de Moçambique), mas, mais importante, recorrem à publicidade mais estapafúrdia para vender os seus produtos.

Com pedidos de desculpas para os menos letrados na língua inglesa, vejam-se abaixo dois dos anúncios que foram utilizados recentemente na África do Sul.

Um, parodia o actual presidente sul-africano, que se casou pela quinta vez recentemente, e que antes da eleição esteve metido num processo judicial por violação duma mulher. Mas a base da piada é a tese de que fora da África do Sul toda a gente pensa que os homens todos têm mais que uma mulher. Daqui ao prato de galinha frita, não sei.

O outro parodia Julius Malema, um jovem quadro do ANC que parece que quer correr com os brancos daquele país à paulada, e o trocadilho que há na língua inglesa, associado à palavra change, que pode querer dizer “mudança” mas também “troco”. Neste caso, o Julius começa por dizer que o que o seu país precisa é de change (mudança) mas depois explica como ele obtém change (troco) quando vai ao Nando’s comprar galinha.

Não sei bem como é que isto se traduz em termos do número de pernas de galinha vendidas.

http://www.youtube.com/v/UbIRV4b99T0&hl=en_US&fs=1&

http://www.youtube.com/v/L8Aq042KPSg&hl=en_US&fs=1&

18/04/2010

UM AR DA SUA GRAÇA

por ABM (18 de Abril de 2010)

Graça Machel deu uma curta entrevista em Joanesburgo e que foi publicada ontem no jornal britânico Mail & Guardian.

A curta entrevista, sobre o papel dos britânicos em África e nomeadamente em relação aos últimos anos no Zimbábué, é interessante quer pelo seu tom, quer por alguns dos comentários feitos avulsamente. Deliciosamente concluída com um comentário por Eddie Cross, um parlamentar zimbabueano do MDC, que parece concluir que, por piores que os britânicos sejam e tenham sido, que nada poderia ser tão mau como o colonialismo português. Para isso, refere que Samora Machel terá dito que, no que toca aos colonialistas, os britânicos foram de longe os melhores.

Donde se pode concluir que há bons e maus colonialistas. Os leitores britânicos devem-se ter babado com esta. Ah, rule Brittania, eles é que sabiam fazer as coisas.

Interessante para o exmo leitor que lê inglês, é ver os comentários feitos pelos leitores no fim da peça.

Graça é provavelmente a mulher mais rica de Moçambique e neste momento patriarca da dinastia Machel, apesar de ser simultaneamente a terceira mulher do grande Nelson, o que lhe confere um estatuto à parte.

A entrevista:

One of Africa’s most eminent political figures has condemned Britain for taking a patronising “big brother” attitude to its former colonies.

Graça Machel, a founder member of the Elders group of world leaders and the wife of former SA president Nelson Mandela, warned British politicians to “keep quiet” about countries such as Zimbabwe and let African diplomacy take its course.

Machel (64) is a former first lady of Mozambique, where she served as education minister, and has won numerous international awards for her advocacy of women’s and children’s rights.

In an interview with the Guardian in Johannesburg, she indicated that the crisis in Zimbabwe has revealed the shortcomings of a persistent imperialist mindset.

“Can I be a little bit provocative?” Machel said. “I think this should be an opportunity for Britain to re-examine its relationship with its colonies. To acknowledge that with independence those nations will want to have a relationship with Britain which is of shoulder to shoulder, and they will not expect Britain to continue to be the big brother.

“When a nation is independent, there is no big brother. They are partners. Part of the reason why Britain finds it difficult to accept Zimbabwe is precisely because that relationship of a big brother is influencing [efforts] to try to understand.”

Britain, along with the European Union and United States, has imposed travel restrictions and asset freezes on Zimbabwe President Robert Mugabe and his political and business allies. It has defied calls from South Africa to end these measures for the sake of the power sharing agreement between Mugabe’s Zanu-PF and the Movement for Democratic Change (MDC).

Earlier this year Foreign Secretary David Miliband said the UK would be “guided by what the MDC says to us about the conditions under which it is working and leading the country”. Critics said this handed Zanu-PF a propaganda coup, allowing it to portray the MDC as a puppet of Britain and blame it for sanctions.

Machel added: “I’m not saying things are OK, they’re all fine in Zimbabwe. I’m saying a different kind of dialogue, a different kind of bridge to try to understand the other side could have produced a different result from what it is.

“The more the British shout, the worse the situation will be in terms of relationship with Zimbabwe. That’s why sometimes I really question, when something happens in Zimbabwe and Britain shouts immediately. Can’t they just keep quiet? Sometimes you need just to keep quiet. Let them do their own things, let SADC [Southern African Development Community] deal with them, but keep quiet, because the more you shout, the worse [it is].”

Expectations
Asked if Britain’s attitude is patronising to its former colonies, Machel replied: “I’m afraid so. And what I’m saying is they have expectations which do not always coincide with what are the aspirations and expectations of those who are their former colony.

“When you change the relationship, you just have to give yourself to take the humility to stop and listen. And when you listen, then you take into account the other side. You put your case, then you take the other side. In a way, you harmonise interests of both sides.”

Zimbabwe will mark 30 years of independence this weekend. Britain remains politically and economically influential and denies Mugabe’s claim that it reneged on promises to fund the redistribution of land to the black majority.

Mugabe’s response, the chaotic seizure of white-owned farms, has been blamed for the collapse of Zimbabwean agriculture.

‘There’s more to Africa than Zimbabwe’
Machel, whose first husband was the late Mozambique president Samora Machel, called on Britain to take a broader view of the African continent. “That’s one of the issues, particularly with the British people: because of the emotional attachment they have with Zimbabwe, in many cases they define the continent in terms of Zimbabwe. Zimbabwe is one country among 53 countries, so you have all the rest of 52 countries. Well, let us put aside Somalia also, which is a failed state. But you have 50 countries who are running a relatively normal situation in the continent.

“I would like to raise with you the issue that yes, Zimbabwe has failed, and it is hurting British people directly, but there’s much, much more to Africa than Zimbabwe.”

Machel, who became Mandela’s third wife in 1998, also accused developed countries of double standards on CO2 emissions and climate change.

“This has been very clearly stated at the negotiations to Copenhagen. They know — the developing world, including China — that Africa has very small responsibility in the impact of climate change, but Africa is the one paying the highest price.”

Britain’s intentions are still treated with scepticism in Zimbabwe, even among some members of the MDC. Eddie Cross, policy coordinator general of the MDC, said: “Perfidious Albion. I tell you, you Brits have a well-deserved reputation for perfidity in your colonial relations … I think Britain’s always been very sophisticated in its relations with its former colonies — it’s got more experience than any other state in the world — but it doesn’t necessarily make them right.

‘You would never choose to be colonised by the Portuguese’
“Britain’s role in the last 10 years has often been difficult for us in the MDC to interpret and read. Sometimes they’ve backed certain initiatives in Zimbabwe which have not been helpful in terms of pursuing a principled transfer of power and I think sometimes the Brits regard us as being rather naïve in the MDC and they have a rather jaundiced view of Africa and African politics.”

But Cross, an economist and MP, added that other European powers probably behaved worse: “Samora Machel once said to me: ‘If you were to choose to be colonised, you would never choose to be colonised by the Portuguese.’ The colonial record was pretty dismal. For the British it was probably the best.”

15/04/2010

NÃO ME MATE, EU NÃO SOU O BOER

Filed under: África do Sul, Mundial de Futebol 2010 — ABM @ 8:52 pm

por ABM (15 de Abril de 2010)

Em tempos, era comum para os meus amigos moçambicanos que viajavam até Johannesburgo nos seus carros, ao passarem a fronteira em Ressano Garcia, mudarem as suas matrículas de fundo preto e letras em branco, por uma espécie de matrículas inventadas mas com as cores características das matrículas da província de Gauteng.

Isto porque havia a percepção de que os moçambicanos eram alvos preferidos para os asslatantes.

Na face das recentes polémicas relacionadas com o assassínio de um antigo líder radical sul-africano, com uma canção cujo refrão é “mata o boer” e as declarações e atitudes do líder do sector da juventude do ANC, o Sr. Julius Malema, já me mandaram a foto acima (obrigado JP e CA) como forma, que espero ser humorística, de alguns brancos que visitam a África do Sul, se tentarem proteger contra eventuais represálias de terceiros pela circunstância da cor da sua pele.

Acima, no verso das t-shirts de uns turistas brancos à chegada ao aeroporto Oliver Tambo em Johannesburgo, a frase que se pode ler é “por favor não me mate, eu sou apenas um turista, não o boer”.

Entretanto, como aparentemente e para início de festa metade das pessoas que se esperavam na África do Sul não apareceram, está em curso a venda de quinhentos mil bilhetes para os jogos de futebol, a metade do preço. A alternativa era vermos os jogos do Mundial em estádios vazios.

Este campeonato mundial de futebol na África do Sul promete.

11/02/2010

MANDELA FOREVER

Filed under: África do Sul, Nelson Mandela — ABM @ 2:49 am

por ABM (Cascais, aos 11 de Fevereiro de 2010)

Como o tempo passa. Faz hoje 20 anos que o Dr. Nelson Mandela saiu em liberdade formal depois de décadas na prisão. Foi o princípio do fim – ou o fim do princípio – de uma aventura.

09/02/2010

OPENING VAN DEN DELAGOABAAI SPOORWEG

Filed under: Africa Austral, África do Sul, História Moçambique — ABM @ 4:47 am


por ABM (Cascais, 9 de Fevereiro de 2010)

Se eu fosse rico, tinha comprado na semana passada o medalhão que se retrata em cima, da autoria de um tal Johan Philip Mathias Menger, o artista principal do Royal Mint em Utrecht, Holanda.e que foi feita para comemorar a abertura em 1895 da linha de caminho de ferro que passou a ligar Lourenço Marques a Pretória, então capital da Zuid-Afrikaanse Republik.

Quem o pôs à venda foi um senhor de Durban, na África do Sul, em leilão que começou a 90 dólares. Mas quando subiu rapidamente desisti.

Existem duas variedades desta moeda.

Neste caso, numa face vê-se a efígie de Paul Kruger, o então presidente da República Sul-Africana e pode-se ler a frase em africaanse, “OPENING VAN DEN DELAGOABAAI SPOORWEG” (abertura do caminho de ferro da Baía de Delagoa).

Do outro lado, vê-se o símbolo da companhia de caminhos de ferro daquela república boer e a frase “NEDERLANDSCHE ZUID-AFRIKAANCHE SPOORWEG – MAATSCHAPPIJ” (Companhia dos Caminhos de Ferro da África do Sul Holandesa).

As iniciais do Senhor Johan Menger aparecem em baixo: J.P.M.M.F.

A medalha é de bronze, tem um diâmetro de 44 milímetros e um peso de 38.3 gramas.

Estas moedas de bronze aparecem de vez em quando. Muito mais raras são as feitas em prata: apenas foram produzidas vinte.

22/01/2010

MAPUTO EM PANO DE FUNDO

por ABM (Cascais, 21 de Janeiro de 2010)

Não pagámos a renda e eu fiquei desligado durante dois dias. Coisas da internet.

Junto uma canção excelente, agradável, segundo o nosso leitor Sr, Sérgio Braz (cuja informação agradeço) da banda moçambicana 340 ml, que anda por Gauteng.

Os seus membros são Pedro (voz, sampler e percursão), Tiago (guitarra, coro e teclado), Rui (baixo e coro) e Paulo (percussão e coro) estudaram e vivem na África do Sul.

Já editaram dois álbuns: Moving (2003) e Sorry For The Delay ( 2008).

Como certas histórias que se contam por aí, eu oiço tanto a canção, ou vejo as pessoas a dançar à minha frente, como vejo ali tudo o que está à volta.

Maputo, Moçambique, no esplendor da sua decadência e renascença.

E danço.

A canção é Fairy Tales.

Voltem sempre. Magnífico.

05/01/2010

White Trash

Filed under: África do Sul, Politicamente Correcto, Racismo — ABM @ 2:50 am

Foto 5 de Roger Ballen - Dresie e Casie, irmãos gémeos, Transvaal Ocidental, 1993

Foto 5 de Roger Ballen - Dresie e Casie, irmãos gémeos, Transvaal Ocidental, 1993

por ABM (Cascais, 4 de Janeiro de 2010)

Ora hoje começa a semana, o ano e a década.

O estatuto de membro do Maschamba tem as suas (poucas) benesses. Assim, generosamente, o JPT enriqueceu a minha mais do que dúbia colecção bibliográfica, oferecendo-me a semana passada um livrinho de fotografias tiradas por Roger Ballen, aparentemente mais uma celebridade de quem, na minha usual e algo indiferente ignorância, nunca tinha ouvido falar. “Afenal”, ele até tem um canto na internet e uma fundação (uma fundação?).

Para além da arte, da qualidade e do estilo, Ballen, que supostamente vive na África do Sul há muitos anos, teve a iniciativa de ter saído algumas vezes do seu indubitavelmente requintado atelier em Joanesburgo até à África do Sul “profunda”, para tirar umas fotografiazitas a alguns dos brancos mais feios que eu já vi na minha vida – aquilo a que nos Estados Unidos se chama normalmente white trash.

O livrinho ofertado pelo Senador JPT tem 64 fotografias, a esmagadora maioria delas sobre o supracitado tema (edição Photo Poche Societé da Natahan, 1997), qual delas a mais assustadora – de uma forma mais ou menos simpática, em que se vislumbra a beleza do feio – e que, presume-se, desafia alguns dos conceitos convencionados sobre os cidadãos brancos daquele país vizinho de Moçambique, que para o observador casual invariavelmente parecem ser estupidamente ricos, estupidamente bonitos e estupidamente bem apetrechados com Porsches, BMW’s, barcos a motor para levarem para a Ponta do Ouro, Inhambane e Xai-Xai e casas de sonho.

Os tais que quando vêm a Moçambique dizem, em inglês, desconcertantemente para o local, I am coming to Africa.

Até 2000, apesar da proximidade geográfica e de quatro dos meus irmãos terem estudado em Nelspruit, Sabié e Belfast, antes da independência apenas estive lá uma manhã, em 1968 (só me lembro da secção dos rebuçados e dos chocolates do OK Bazar) e mais uma semana, em 1984, quando, um nadinha mais desperto para a vida, passei lá uma semana antes de visitar Moçambique pela primeira vez depois da Independência.

Dessa segunda vez, já meio americanizado, fazia algumas perguntas indiscretas aos brancos com quem contactei, que manifestamente não estavam lá muito confortáveis com a situação mas que repetidamente me diziam oh, but we love our blacks! Boa sorte, desejei-lhes eu a todos, de todas as cores, e meti-me de volta no avião para Nova Iorque.

Em 2001, temporariamente a residir em Maputo e após ter feito a descoberta de que se se for de carro directo de Maputo pela estrada N4 na direcção Oeste, se vai dar a Pretória e a Joanesburgo, um dia pus-me à estrada para visitar a casa, no centro de Pretória, onde vivera o incontornável Paul Kruger, presidente do Transvaal entre 1880 e 1900, quando se pirou para a Europa via Lourenço Marques, após o exército inglês ter invadido a sua capital.

Curiosamente, Kruger hoje é recordado pelo (para mim, insípido) facto do seu nome adornar o parque animal que fica na fronteira com Moçambique, um estratagema de charme então congeminado pelo verdadeiro fundador do parque há uns cem anos, um pouco como se fez com a Guebuza Square naquele centro comercial indescritível na baixa de Maputo.

Ao entrar de carro em Pretória, prontamente me perdi e andei às voltas até que à direita duma rua vi o que me pareceu um centro comercial numa área que obviamente era um reduto africaner na cidade. Fui lá para comprar uma Coca-Cola e pedir direcções para a casa de Kruger. Ao estacionar o carro no parque, veio um boer, obviamente muito pobre, mas muito sério e profissional, com um vago ar de agente da Pide, pedir-me dinheiro (em Afrikaans) para guardar o carro.

Dentro do centro comercial, que tinha um ar meio delapidado mas limpo, mais brancos pobres a pedir esmola. Ali dentro só se falava afrikaans (para informação do exmo leitor, eu só sei dizer cac, boerewors e dankie em afrikaans). Na caixa à minha frente estava um casal de boers de idade, obviamente reformados e pouco abonados, a fazer as contas para pagar meia dúzia de coisas para comer (não tinham o dinheiro suficiente e um pacote de manteiga teve que ficar para trás).

Claramente, aquilo para mim, que não conhecia lá muito bem a África do Sul, foi, posso dizer agora, um “momento Roger Ballen”.

Aliás, foi mais do que isso. É que em tempos, na universidade Brown e sob a tutela magistral do meu velho e querido professor de ciência política, Newell Maynard Stultz (então casado com uma sul-africana branca) estudei algumas coisas sobre a evolução do sistema político sul-africano – o que se publicava então (e aqui está uma crítica a um dos seus livros).

E um dos elementos fortes do que nos anos 30 e 40 do século passado se passou teve que ver, para além daquela vaga mania de que Deus lhes tinha dado a África do Sul em testamento e do eterno amor-ódio entre os boers e os sul-africanos de extracção britânica, de um quase prodigioso esforço de educação, de urbanização e de apoio, entre os próprios boers, que em parte explica (minha óptica) muitas das barbaridades que mais tarde se tornaram peças fundamentais do apartheid. Pois até aos anos 40, com a excepção da comunidade boer do Cabo, a maioria dos boers era pobre, analfabeta e rural – tal e qual a quase totalidade da população negra naquele país naquela altura. Portanto parte do apartheid tinha por fim descriminar em favor desses boers pobres, rurais e analfabetos.

Contra quem, dou um rebuçado se o exmo. leitor descobrir.

Mas obviamente e naturalmente e ainda assim muitos ficaram pelo caminho, agravado pela mudança de regime e as sucessivas tentativas da Nova África do Sul de reverter décadas de privilégio e de colocar a população negra sul-africana, senão no centro das atenções dos poderes, pelo menos em pé de igualdade – com os ocasionais exageros da praxe.

Um desses episódios de algum exagero ocorreu em Novembro do ano passado, quando o segundo maior banco sul-africano – o Primeiro Banco Nacional – publicou na sua revista interna que a instituição iria disponibilizar bolsas de estudo aos filhos de todos seus empregados cujos rendimentos anuais fossem inferiores a cem mil randes (isso dá 8.333 randes por mês).

Excepto – literalmente – se eles fossem brancos.

Ou seja, na incompreensível complexidade do actual paradigma sul africano, as bolsas eram exclusivamente destinadas aos filhos dos funcionários “pretos”, definidos algures na lei como descendentes de africanos com a pele total ou parcialmente negra, indianos e chineses.

Uns dias depois a história estoirou nas primeiras páginas dos jornais sul-africanos e um sindicato sul africano acusou os seus responsáveis de serem racistas, mas agora contra os brancos.

O banco, pouco habituado a este tipo de controvérsias, lá teve que fazer um rápido passodoble de relações públicas, seguido de uma espécie de marcha-atrás meio repolhuda, com o seu CEO a tentar explicar que aquilo afinal correspondia ao que a actual lei exigia mas que, enfim, eles iam ver se era mesmo assim e se pudessem também dariam uma ajudinha aos filhos brancos dos seus empregados brancos que ganhavam menos que 8333 randes por mês.

Entretanto, algumas pessoas (do que vi maioritariamente brancas e com nomes que me parecem boers) até formaram um grupo no Fêicebúke para destilar o seu veneno.

O ponto da questão aqui volta a ser o do branco sul-africano pobre. Dantes descaradamente protegido e promovido pelo sistema, mas agora, talvez precisamente em memória do que aconteceu antes, deliberadamente descriminado, até ao detalhe de o segundo maior banco do país publicamente adoptar a política de negar bolsas de estudo aos filhos dos empregados brancos que auferem menos, apenas por os seus pais serem brancos.

Acho que, da maneira como as coisas andam, o Senhor Roger Ballen vai ter matéria abundante para as suas fotografias por mais uns anos.

Ademais, o ANC tem o azar de não ter sítio para lhes fazer uns 24/20.

11/12/2009

Best New Song

MEDAL Nobel-Prize

por ABM (Cascais, 11 de Dezembro de 2009)

Com o JPT em trânsito para a Europa e a Sra Baronesa para o seu retiro de verão em Goa, a loja ficou mais vazia esta semana.

Mas o mundo não parou. Ontem, sentado enquanto bebericava um espesso café com leite, assisti ao vivo na BBC à cerimónia de entrega, pelo Comité Nobel, do Prémio da Paz ao actual presidente dos Estados Unidos, Barack Hussein Obama.

Como muitos dos exmos leitores, cresci com os sucessivos anúncios das entregas dos prémios Nobel a uma variedade de personalidades, quase sempre tudo boa gente, merecedoras dos mais rasgados elogios, nunca deixando de achar curiosa a particularidade de ser uma prerrogativa da Suécia, um relativamente pequeno país escandinavo mais conhecido pelo seu clima inclemente, pela beleza das suas mulheres e pela qualidade dos seus automóveis (Saab e Volvo), gerir e atribuir estes prémios em relação à nata da raça humana. Fazem-no há mais que cem anos e toda a gente leva aquilo muito a sério.

Uma curta pesquisa leva-nos ao seu criador, Alfred Nobel, que na primeira chance pirou-se da Suécia e foi viver para a mais mediterrânica San Remo, com uns saltos a Paris, e ao seu testamento, onde, para além de umas massas valentes para um conjunto de pessoas de que hoje não reza a história (incluindo uns pós para os seus criados e o seu jardineiro – simpático) deixou um fundo estimado, na moeda actual, em cerca de 250 milhões de USD.

Isto supostamente porque Nobel, que enriquecera obscenamente com o negócio dos armamentos e explosivos, ficara horrorizado com a constatação do que se pensava de si quando, aquando da morte do seu irmão Ludwig em 1888, um jornal de Paris por engano ter publicado o seu obituário, intitulando-o le marchand de la mort est mort, elogiando-o mordazmente pelo seu feito de ter “encontrado melhores formas de matar mais gente mais depressa que nunca dantes na história”.

Seja como for, Nobel canalizou a maior parte do seu património para instituir os prémios (apenas cinco no início) que, depois de uma série de peripécias, começaram a ser atribuídos em 1901.

A nomeação de Barack Obama para o prémio Nobel da Paz de 2009 a meu ver só pode ser contabilizada contra o credo que Obama defende desde que decidiu concorrer para a presidência dos Estados Unidos e o que a sua eleição significou para o mundo, após dois mandatos de George W. Bush e o seu quase narcisismo nacionalista (para não falar do resto, incluindo a actual recessão). Pois que – como o próprio ocupou boa parte do seu discurso de aceitação a explicar, algo eloquentemente – nem ele tem obra feita, nem se pode omitir que é um presidente e comandante-em-chefe de um dos mais poderosos exércitos na história do mundo, envolvido em duas guerras violentas neste momento e a congeminar outras tantas.

Mais do que tudo, Obama sobressai pelos valores internacionais que defendeu – internacionalismo, cooperação, de querer tentar fazer coisas novas, de promover valores fundamentais por que, aliás, os Estados Unidos se bateram praticamente desde que ascenderam à cena internacional entre a I e a II Guerras mundiais, tais como a democracia e os direitos humanos. E uma causa relativamente nova – a preservação do ambiente.

Num mundo cada vez mais globalizado e à beira de um ataque de nervos após oito anos de Bush, ainda por cima vindo do primeiro presidente mulato de um país que até recentemente lutava contra os demónios da descriminação racial e com uma história atribulada no cumprimento da sua promessa de igualdade para todos e ascendência com base no mérito, o surgimento algo inesperado deste homem na cena internacional – um mundo cada vez mais globalizado de cidadãos não brancos, terá sido uma inspiração para muitos. Vagamente reminiscente do que foi a atribuição do mesmo prémio ao grande Nelson Mandela (conjuntamente, para quem já não se lembra, a um muito menos celebrado mas igualmente meritório Frederick de Klerk) em 1993.

Mas, convenha-se dizer, se isto fossem os Prémios MTV, Obama nesta altura teria ganho apenas o prémio “Best New Song”.

Ademais, não sei se repararam que no seu longo discurso ele não disse praticamente nada sobre o Médio Oriente, a quase permanente dor de cabeça do mundo desde que acabou a II Guerra Mundial e que promete novas violências.

A ver vamos no que isto vai dar.

24/10/2009

Viva Nelspruit

Filed under: África do Sul — ABM @ 3:22 am

formuleone

por ABM –

Eu sempre tive alguma dificuldade em explicar aos meus irmãos moçambicanos a ligeira confusão na minha cabeça quando, acho que em 1976, num rasgo de fervor revolucionário e acto de exorcização dos fantasmas coloniais – ou talvez apenas para mostrar ao mundo quem é que mandava ali agora – Samora Machel mandou mudar o nome da capital de Lourenço Marques para Maputo.  Acho que disse que esse tal de LM era nome de colonialista imperialista e isso tinha, depois de 500 anos, acabado. Os residentes prévios interrogavam-se onde é que ele fora buscar o nome, os fabricantes de mapas apressaram-se a confirmar se era mesmo assim para alterar a topografia oficial. Toda a gente achou fantástico.

Eu hoje não ligo ao assunto. Mas na altura confesso que achei estranho quando eu dizia para mim próprio em voz baixa “eu sou filho do Maputo”. Aquilo soava mesmo maningue estranho. E durante algum tempo dançava com os dois termos. A quem era dos tempos eu dizia LM, quando era outras pessoas eu dizia Maputo. Quando anos mais tarde visitei Maputo pela primeira vez desde que saira para ir estudar em Coimbra, em fins de Novembro de 1984, a cidade já uma sombra ferida do que fora há menos de dez anos, digna e limpa mas morta e à beira de um ataque de nervos, cheia de regras esquisitas como as de não poder andar nos passeios em frente a uma série de edifícios e de tirar fotografias na via pública. As pessoas falavam baixo comigo para não se ouvir o que diziam.

Quando no fim dos anos 90 regressei para lá viver e trabalhar, o efeito dissipou-se e a cidade foi-se metamorfoseando para o que é hoje: Maputo, capital de Moçambique moçambicano. Mas ainda vi muita gente na cidade que quase se ofendia quando aparecia o ocasional portuga mais distraído que chamava à LM à cidade – como se houvesse ali algum resquício de atitude “colonial” ou saudosismo – ou falta de respeito.

O mais provável é que velhos hábitos, como chamar os nomes às coisas que se conhecem, custam a mudar. No fundo no fundo as pessoas não gostam de mudança. Nem mesmo os moçambicanos. É provavelmente por isso que há nomes que nunca foram tocados, como 2M, Zambi, Costa do Sol, Sommerschield, Polana, Laurentina Piri-Piri, etc. São patrimónios colectivos, referências que transvazam em muito a intenção original, símbolos mais de familiaridade quotidiana do que expressões culturais que “dizem” algo. Ninguém se lembrou de mudar o nome a Ressano Garcia (o portuga que fez a Avenida da Liberdade em Lisboa). mas ninguém se lembraria de o mudar hoje, creio. É apenas mais uma toponímia, moçambicanizada.

Esta propensidade não é exclusiva dos marxistas (se bem que estes adoram fazê-lo), dos moçambicanos e muito menos dos africanos. Os portugueses fartaram-se de o fazer depois da sua “revolução” em 1974. Tudo o que era Salazar e Caetano levou uma imediata e valente machadada. Os recantos mais patéticos do pequeno Portugal encheram-se de “Avenidas 25 de Abril”, “Rua General Humberto Delgado”, “Praça da Liberdade”, etc. Mas não sei bem porquê os portugueses não mudaram o nome às cidades, nem aos aeroportos (excepto o do Porto quando o Sá Carneiro foi assassinado) . A minha quinta ribatejana fica perto de Alcoentre, uma pequena vila que mantém o mesmo nome sem qualquer alteração desde a colonização árabe, há mais do que mil anos. Mas em Alcoentre a maior revolução que houve em 50 anos foi a colocação de um semáforo no cruzamento principal da vila (informalmente descrito como “os quatro ventos”), onde a brigada do reumático senta-se em dias de sol, como lagartos, a ver os carros a passar.

Na vizinha África do Sul, cujas zonas urbanas eram a coutada exclusiva da civilização branca naquele país (protegidas pelas pass laws do apartheid) e tal como no resto de África, a toponímia era tipicamente boer-anglo-saxónica. Logo após a passagem do testemunho em 1994, houve pressões no sentido de “africanizar” os nomes. Durante uns anos, andou tudo à estalada sobre o assunto, os brancos a dizer que aquilo era tudo só para chatear branco, os negros para mostarem que aquela merda já não era o que era.

Mas eis que agora o governo do Senhor Zuma passou um decreto a mudar as coisas. Para quem não leu, copio em seguida os novos nomes das cidades sul-africanas, cortesia da Lusa, lembrando que a partir de agora quem for fazer compras de fim de semana a Nelspruit já não vai a Nelspruit: vai a “Mbombela”.

Talvez agora, por apenas uns dias, os meus amigos moçambicanos que fazem as romarias a Nelspruit vão entender um pouco melhor a confusão que senti quando Lourenço Marques passou a chamar-se Maputo.

E boas compras em … “Mbombela”!

PS – o Fórmula 1 mantém o nome.

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Lusa – 21 de Outubro de 2009 :

Nelspruit, a cidade mais próxima da fronteira de Ressano Garcia com Moçambique, e Machadodorp, uma vila baptizada no séc. XIX com o nome de um português, são algumas das cidades e vilas sul-africanas que mudaram de nome por decreto.Outras localidades da mesma província (Mpumalanga), que foram re-baptizadas por decreto assinado pela ministra das Artes e Cultura, Lulu Xingwana, são Belfast, agora chamada eMakhazeni, e Waterval Boven, re-baptizada Emgwenya.

Nelpsruit, conhecida por muitos moçambicanos que desde sempre ali se deslocam para fazer compras ou para consultas médicas, passou a chamar-se Mbombela, enquanto Machadodorp, que tinha o nome do engenheiro português Joaquim Machado, que realizou o levantamento topográfico da zona antes da construção da linha de caminhos-de-ferro para Moçambique, em 1894, tem o nome oficial de eNtokozewni.


Desde que assumiu o poder, em 1994, que o Congresso Nacional Africano, apoiado pelos Governos provinciais e nacional, alterou centenas de nomes da toponímia sul-africana, desde estradas e aeroportos a edifícios públicos de natureza vária, apesar dos protestos, em muitos dos casos, de organizações e associações cívicas de afrikaners e sul-africanos brancos de outras origens, que acusam o partido no poder de pretender eliminar por completo a sua herança histórica.

Algumas cidades importantes cujos nomes foram já alterados são Port Elizabeth (para Nelson Mandela Bay), Bloemfontein (para Mangaung), e Durban (para eThekwini), enquanto outras, como a capital, Pretória, mantêm o nome antigo apenas como referência do centro da cidade apesar da municipalidade ter sido re-baptizada (Tshwane no caso de Pretória).

Em todos os casos as autoridades permitem que as cidades e vilas mantenham o nome anterior durante um período transitório de cerca de três anos.

(fim)

29/09/2009

A Menina de Ouro Deles

Filed under: África do Sul — ABM @ 1:37 pm

ATHLETICS-WORLD/

(Ou um caso de femininibilidade desportiva duvidosa)

(por ABM)

Apesar de alguma, muito penosa e controversa evolução, as sociedades estão basicamente organizadas, habituadas a subscrever profundamente raciocínios quase perfeitamente binários no que concerne certos aspectos da existência humana – como são raça, sexo, religião, e opção sexual. Desvios da norma são rapidamente rotulados como aberrações ou anomalias e descriminados, legal, moral, socialmente ou ambos.

Poucos casos, no entanto, causaram mais confusão e debate recentemente que o de Caster Semenya, uma jovem atleta sul-africana que subitamente se tornou mundialmente conhecida quando, no dia 19 de Agosto, durante os campeonatos do Mundo de atletismo em Berlim, a capital da Alemanha, ganhou a final da corrida dos 800 metros, vencendo a segunda classificada e anterior detentora do título de campeão do mundo por 2.45 segundos.

Talvez por ser alta, musculada, praticamente não ter seios e ter uma voz grossa, desde que Caster apareceu nos campeonatos na Alemanha que se especulava nos meios do atletismo se haveria alguma situação anómala envolvendo a atleta, tal como consumo de esteróides, uma mudança de sexo, ou outra condição. Testes químicos efectuados após a sua prova no dia 19 de Agosto rapidamente provaram que ela não tinha consumido nenhuma substância na longa lista de químicos banidos pela Associação Internacional de Federações de Atletismo (AIFA).

Na África do Sul, em parte porque Caster é negra, em parte por causa da fixação nacional em raça, desportos e em ganhar, a reacção à controvérsia foi em geral de indignação e de acusação de obscuras manobras racistas (algumas das adversárias na corrida não eram da mesma raça que Caster) e uma conspiração para negar à África do Sul a medalha de ouro dos 800 metros.

Só que, segundo um artigo do Economist a propósito deste caso, emergiu então a informação de que, de facto, antes da corrida, a AIFA mandara fazer testes físicos à atleta sul-africana e, com base dos resultados recebidos, terá recomendado à federação sul africana de atletismo (que vai pela sigla ASA ou Athletics South Africa) que retirasse Caster dos campeonatos. O seu presidente, o Senhor Leonard Chuene, recusou, afirmando que previamente ninguém tinha alguma vez suscitado dúvidas sobre se Caster era efectivamente uma mulher ou não.

Mas a saga não acabou aqui. Segundo informações surgidas mais tarde, foi revelado que Leonard Chuene mentiu sobre o seu desconhecimento sobre a situação de Caster. De facto, antes da equipa sul africana viajar para a Alemanha para disputar os campeonatos mundiais, o presidente da ASA havia mandado fazer testes físicos e já sabia que o corpo de Caster exibia algumas características femininas e masculinas, o que quase certamente poria em causa o seu desempenho nas competições. Mas, aparentemente mais preocupado em trazer para a África do Sul uma medalha de ouro, guardou os resultados dos testes na gaveta e tentou minimizar a crítica. Numa reunião da Direcção da ASA no final da semana passada em Kempton Park em que era suposto deliberar sobre o papel do Sr. Chuene neste escândalo, nada foi dito nem feito.

Apesar de não serem conhecidos os detalhes dos resultados dos testes feitos a Caster, do que transpirou ela é – não se sabe até que ponto – hermafrodita. Para uma pessoa qualquer, esta circunstãncia poderia até certo ponto passar despercebida da sociedade ou até pela própria. Só que Caster era campeã de atletismo da África do Sul e ia entrar em competições internacionais. E aqui as regras mudam completamente. Nomeadamente, para quem não reparou, na maioria dos desportos discrimina-se a participação com base no sexo, ou seja, homens e mulheres têm que competir separadamente. Adiconalmente, há, por uma variedade de razões e em muitos desportos, um maior e melhor desempenho dos homens do que das mulheres. Regra geral os homens são maiores e têm mais força e resistência.

Assim, em resultado de situações que foram aparecendo ao longo dos anos, foram sendo desenvolvidas regras e testes para assegurar que não existam circunstâncias, ocorridas natural ou artificialmente, que dêem uma vantagem ilegítima a uma dada pessoa se comparado com – no caso do ateletismo feminino – uma mulher “normal”. Nomeadamente, o facto básico, se desconcertante, que uma característica masculina é a presença de níveis elevados de testosterona, uma substância que, se presente numa mulher (com ou sem aspas) lhe daria uma significativa vantagem sobre as restantes.

O adjectivo “normal” é colocado entre aspas pois a definição de “normal” é não absoluta mas relativa e sujeita a discussão por um painel de especialistas. Um artigo de opinião publicado no Los Angeles Times e da autoria de Megan Daum, cita fontes da organização ISNA, que se especializa em questões vulgarmente identificadas em língua portuguesa como hermafroditismo, indicando que em cada 100 pessoas nascidas, em média uma exibe uma ou mais características do outro sexo. É mais ou menos a frequência com que se vê alguém na rua com cabelo ruivo.

No caso de Caster, a imprensa refere que ela tem ambos órgãos masculinos e femininos, se bem que os seus órgãos masculinos não sejam visíveis a olho nu. Terá testículos internos mas não um útero ou ovários.

Como parte do clima de exaltação algo carnavalesca que se tem vivido na África do Sul, a revista You, que ali se publica, publicou um trabalho fotográfico em que Caster é figura de capa, exibindo a atleta em sensuais poses femininas, de saltos altos, pintada e com roupa de moda.

Neste momento não há registo de que os órgãos internacionais que gerem o atletismo mundial hajam retirado a medalha de ouro que Caster conquistou em Berlim em Agosto. Essa medida penderá de uma análise detalhada dos relatórios dos testes médicos efectuados e uma ponderação dos mesmos.

Quanto à atleta em si, pouco tem dito. A imprensa reporta que de nada suspeitava e que aguarda a evolução da sua situação, sendo que já não competiu numas provas recentes, pendendo um esclarecimento quanto à sua condição de “femininibilidade desportiva adequada”.

Neste caso, ditada pela AIFA.

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