THE DELAGOA BAY REVIEW

06/02/2010

Churchill e Quental na Parede numa Sexta-Feira

por ABM (Alcoentre, sexta-feira, 6 de Fevereiro de 2010)

Foto tirada há momentos de duas imagens penduradas no centro de operações do Maschamba da Região Não Autónoma do Ribatejo.

Winston Churchill é para mim uma figura genial e tragicomédica, incontornável para o século XX e uma figura que viveu como poucos a sua era. A imagem de Churchill achei interessante porque o apanha (na Florida, princípios dos anos 60 no iate de um amigo ricaço americano) de chapéu à cowboy e a ler uma cópia da revista Time. Passou por Lourenço Marques aquando da guerra anglo-boer em 1900 e no fim da vida passava férias numa Ilha da Madeira avant AJJ.

A imagem de Quental trouxe-a de Ponta Delgada (comprada numa loja de velharias) uma vez que fui lá há alguns vinte anos, para um “encontro de escritores açorianos” – encontro em que eu era o único presente que para variar não era nem açoriano nem escritor. Mas como o meu avô MIM era um poeta e figura castiça local, e era bom rapaz e filho assumido de açorianos, fui aceite como membro incondicional da confraria com um vago estatuto de “observador”.

Para além das suas crises de neurastenia (agora diz-se “bipolar”) e de alguns exotismos e namoros socialistas (os de então) Antero de Quental foi alguém que, de quase lado nenhum, surgiu nas letras portuguesas nos anos 60 do século XIX e foi dos primeiros que, sem aprumos, diagnosticou de forma inequívoca aquilo que até hoje considero o discurso mais verdadeiro e perturbador sobre a cultura e civilização portuguesas – as herdadas. Isto numa altura em que, como posteriormente se veio a repetir, o sistema político do seu tempo apostava numa entente cordiale entre oponentes políticos que se revesavam na disposição do espólio nacional. Chamaram-lhe, na propaganda daqueles tempos, “regeneração”. Tirando o Fontes (e mesmo assim), aquilo foi mais uma pulhice feita em Lisboa.

Mas ao menos naquele tempo o António José da Vila (Marquês de Ávila) assinou a portaria de interdição publicamente e fechou as conferências, não é bem o mesmo que se faz agora, que é mandar um recado à Prisa por interposta pessoa, dizer à PT para comprar um grupo de comunicação e ainda subterraneamente despachar as vozes que incomodam.

Houve uma altura em que eu rotineiramente oferecia às pessoas com quem me dava, cópias do texto da sua conferência (do Casino) intitulada Causas da Decadência dos Povos da Península Ibérica. Que li pela primeira vez em 1980 nos EUA numa cadeira na Universidade Brown, dada pelo Onésimo Teotónio Almeida. Tinha a dupla vantagem de dizer o que havia a dizer em poucas páginas e de custar só cinco euros. Cento e cinquenta anos depois de escrito, como muito do que disseram a seguir os seus amigos Eça e o Oliveira Martins (e outros), mantém uma actualidade perturbadora. José Bruno Carreiro e a sua (de Antero) namorada (post mortem) Ana Maria Almeida Martins escreveram ampla e brilhantemente sobre ele.

Dessa viagem, tenho uma fotografia exorcizante de eu a acenar em cima do banco do jardim em Ponta Delgada onde em Setembro de 1891 o Antero deu (sem pontaria) o tiro que acabou por o matar.

Bem, isto tudo a propósito da interessante citação feita pelo JPT de um comentário do Ruy Cinnati sobre uma estátua que ele tinha em casa de São João Baptista com um tomahawk na mão.

23/12/2009

José António Saraiva, os Jovens e o Pai

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por ABM (Cascais, 23 de Dezembro de 2009)

A propósito dos meus queixumes cinematográficos sobre os jovens, refiro a crónica de José António Saraiva, que dá a sua visão sobre o assunto. Claro que peca pela abrangência. Mas em média está correcto e aponta o dedo aos filhos da classe média (bem, da média-baixa para cima).

Li esta coluna não porque comprei o semanário lisboeta Sol, de que JAS é director, mas porque estava um monte de jornais para oferta à saída do cinema a semana passada e eu peguei numa cópia.

Gosto muito de ler JAS desde os idos tempos em que comprava, numa mercearia portuguesa na zona de Fox Point, em Providence, Rhode Island (EUA) inexplicavelmente espessas cópias do Expresso. Não era todas as semanas pois a mercearia só recebia algumas cópias e se eu chegasse tarde não havia nada para ninguém.

JAS era para mim o prato forte e leitura obrigatória do Expresso e nunca entendi muito bem a decisão dele sair de lá para fundar o Sol. Do pouco que sei, este jornal, não sendo editorialmente mau, não vale muito sem ele e parece-me que tenta ser o antigo Expresso sem o ser. O problema é que nem o actual Expresso se parece com o antigo Expresso.

Pode ser que seja eu que tenha mudado. Mas não acho.

Acresce que o jornal tem tido problemas financeiros aparentemente sérios e tem seguido uma estratégia muito peculiar de insistir em ser vendido nos países africanos onde se fala português, o que não entendo pois o mercado lá para as notícias e análise que o jornal faz cá não é grande. Não só não é grande como não se compadece com as pressões culturais, diplomáticas e políticas que caracterizam o tortuoso eixo que liga Lisboa às capitais dos países onde se fala português – especialmente Angola e Moçambique (que conheço melhor) onde há bons jornais e bons escribas.

E, do que fui informado, uma parte do capital do Sol está nas mãos de interesses angolanos. Qual a lógica, não sei.

Mas JAS continua em forma, mais velhinho e sábio como alguns de nós. O estilo e a substância não alteraram muito com os anos.

E, meritoriamente, sai no feitio ao pai, o grande António José Saraiva, que tive o prazer de ver quando visitou a Universidade Brown e em que falámos de um livro que ele então havia publicado recentemente, A Inquisição e os Cristãos Novos, que eu acabara de ler e tinha feito um (ridículo) trabalho para uma cadeira creio que do prof. Onésimo Teotónio Almeida.

Para mais sobre a Inquisição e os Cristãs Novos, leia-se esta entrevista de Francisco Bettencourt, que em tempos leccionou na Brown e em que fala da obra do pai Saraiva (chamando-lhe uma “tese marxista” – hum).

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