THE DELAGOA BAY REVIEW

23/06/2011

UMA NOTA SOBRE OS CABRAL DE MOÇAMBIQUE

José Cabral, Governador-Geral de Moçambique, 1926-1938 e Governador do Estado da Índia, 1938-1945.

Este texto é decalcado de um comentário que fiz hoje num outro blogue onde escrevo.

José Cabral não deu apenas o nome ao parque que aliás ele mandou criar com base num pedaço da então Concessão Sommershield, e que hoje tem o nome de Parque dos Continuadores. Nem tão só à rua lá em Nampula ou a Vila Cabral.

Nunca o estudei atentamente. Mas o tenente-coronel José Cabral foi Governador-Geral de Moçambique entre 1926 e 1938, tendo apanhado em cheio com os efeitos da Grande Depressão mundial na então colónia. O advento da Grande Depressão em Moçambique trouxe com ele enormes pressões nomeadamente no mercado de trabalho, que tiveram contornos raciais graves e com enormes repercussões então e para o futuro.

Cabral foi em seguida Governador da Índia entre 1938 e 1945 (no que sucedeu Francisco Craveiro Lopes, pai de Nuno, que desenhou a Igreja de Santo António da Polana e foi Presidente da República) tendo aí apanhado em cheio com a II Guerra Mundial e em que Goa e Mormungão eram dos poucos portos neutrais disponíveis.

Não lhe conheço uma biografia, o que é uma pena.

José Cabral fez muita coisa. Refiro apenas algumas.

Uma foi que mudou o então Museu Provincial da Vila Jóia, desenhado para residência do cônsul Pott (e onde actualmente está sediado o Supremo Tribunal da República de Moçambique) para o edifício onde se situa, que era para ser uma escola primária mas que foi convertido para um museu, que se chamou Álvaro de Castro, nome de um anterior Governador-Geral. Com a Independência, o museu alterou a designação para Museu de História Natural, e muito ficou a dever ao Augusto Cabral, um seu descendente, que o dirigiu entre 1979 até à sua morte em 2006.

Este Augusto Cabral supostamente foi o patrono crucial do artista Malangatana quando este primeiro abordou as artes.

José Cabral conhecia Moçambique relativamente bem, pois, quando era capitão, fora nomeado Governador de Inhambane logo após a República ter sido proclamada em Lisboa, em finais de 1910. Nessa altura, presidiu à conclusão da linha férrea entre Mutamba e Inhambane e à construção da ponte-cais daquela cidade.

Foi José Cabral que assinou o Diploma que criou em 1936 (Nº de 26 de Agosto de 1936, com o entusiástico apoio do Eng. Francisco dos Santos Pinto Teixeira) a Direcção de Exploração dos Transportes Aéreos, a DETA, uma divisão dos Caminhos de Ferro de Moçambique, que, muitos anos mais tarde, se tornou na actual LAM. Efectivamente, esta foi a primeira linha aérea portuguesa.

Com o Diploma Legislativo Nº 238 e a Portaria Nº 1044 de 18 de Janeiro de 1930, assinados por José Cabral, foi criado pela primeira vez o ensino normal escolar para a população indígena de Moçambique – enfim uma versão básica do ensino dado em Portugal, muito baseado na visão (racialmente tingida, como era normal na altura) e trabalho de Solipa Norte, que ajudou a criar a primeira escola particular em Moçambique em 1898 e que fora, desde 1919, Inspector da Instrução Primária de Moçambique.

Com o Diploma Legislativo Nº 36 de 12 de Novembro de 1927, José Cabral redefine de forma muito mais abrangente o conceito previamente mais restrito de “indígena”, que fora e viria a ser alvo de enorme controvérsia, especialmente pela população mestiça das cidades (ver um trabalho interessante de Zamparoni sobre o assunto), conceito esse que foi essencialmente espelhado no Acto Colonial de 1930 e integrado em 1935 no texto da constituição portuguesa. Pelo meio, tricas sem fim, com Raúl Honwana, João Albasini e Karell Pott pelo meio, que acusavam os Cabrais de tentarem dividir negros e mestiços na luta pela igualdade racial (sobre o primeiro Augusto Cabral, ver em baixo).

O Governador-Geral de Moçambique pouco depois da sua tomada de posse.

Pouco após a sua chegada a Lourenço Marques em 1926, o Governador-Geral viu-se envolvido numa célebre luta com os interesses do alemão Hornung e a sul-africana WNLA pelo controle do negócio agrícola, muito ligado aos esquemas de exploração da força de trabalho nativa de Moçambique. Em resultado desse conflito, que envolvia a criação de um enorme projecto agrícola no Umbelúzi, e que perdeu, Cabral chegou a oferecer a sua demissão, o que não aconteceu.

Com o Decreto 16.119, em 1929, aboliu o chibalo. Para se perceber melhor porquê e para quê, veja-se a tese de doutioramento de Zamparoni, 1998. Aquilo naquele tempo era inacredtivável.

Há outros membros da poligonal Família Cabral que merecem referência.

Augusto Cabral

Um é o de António Augusto Pereira Cabral, que foi Secretário Civil do Governo de Inhambane (nomeado antes de José Cabral ter sido nomeado Governador de Inhambane) e que era creio que irmão deste. Em 1910 António publicou uma codificação dos usos e costumes das populações de Inhambane. Em 1915 foi nomeado Director de Serviços dos Negócios Indígenas, lugar que ocupou durante cerca de vinte anos seguidos e que ainda ocupava quando José Cabral foi nomeado Governador-Geral por João Belo, então o último Ministro das Colónias da primeira república, que conhecia Moçambique como as palmas da mão, tendo lá vivido cerca de trinta anos (após a sua morte súbita em Janeiro de 1928, o porto de Xai-Xai teve o seu nome).

Outro é o de José Cabral, nascido em 1952, e que é considerado um dos fotógrafos de referência de Moçambique, juntamente com o Ricardo Rangel e o Kok Nam. O Zé vive em Maputo, onde pratica a sua arte. De quem é filho não sei.

Decididamente, este é um assunto que daria quase um estudo de família. De uma família com uma ligação clara a Moçambique e que parece reflectir tudo aquilo que nos aconteceu de glorioso e de infame no século XX. Tópico não para uma nota de rodapé como esta mas para algo mais substancial.

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