Um Cadillac 1958, decorado para as Festas.
Já estou saturado disto, e vou explicar o quê e porquê.
Eu já vivi em vários países e neles passei anos ou a trabalhar, mas também de férias e Natal, ano novo, etc.
Mas Portugal nisto bate o recorde.
“Isto”, é a mania de os meios de comunicação social portugueses, e aqui destaco as estações de televisão, de acharem que, ao nos avisarem das formas mais repetidas e escabrosas possíveis, conseguem afectar o comportamento das massas no sentido de conduzirem de forma a não se matarem ou os outros.
À partida nada teria contra. A sinistralidade automóvel é uma infeliz ocorrência, infeliz mas inevitável, dado que qualquer pessoa que pode tem e utiliza um automóvel para as suas deslocações.
E em Portugal existe de facto amplíssima evidência de que os condutores portugueses manifestam uma certa tendência para a bestialidade comportamental quando estão sentados nas suas viaturas a ir para algum lado.
Mas – e eis o meu “problema” – há alturas e maneiras de fazer as coisas. O que se tem feito em Portugal é, a meu ver, patético.
Uns dias antes do Natal, anuncia-se habitualmente uma gigantesca (já de si caricato dados os parcos recursos e os salários miserandos dos nossos oficiais e forças policiais) “mega-operação” de fiscalização das estradas nacionais.
Nestas alturas, lá aparece a meio do noticiário um ministro qualquer ou, mais habitualmente, um bem-falante comissário qualquer das forças policiais, a tentar ser simpático, dizendo que, este Natal, vai haver um polícia em cada esquina, um carro-patrulha em cada estrada, vários helicópteros a vigiarem-nos, operações auto-stop que vão apanhar os bêbados que se atreverem a conduzir na estrada depois daquela 24ª Superbockzita.
Habitualmente, terminam com uma série daqueles conselhos que eu já sabia quando deixei o triciclo e comecei a aprender a andar de bicicleta: verifique os pneus do carro, não conduza bêbado, conduza “defensivamente” (o que quer que isso queira dizer num país destes), não páre no meio da rua para fumar um cigarrinho, não fale no té-lé-lé enquanto conduz, bla bla bli, bla bla blá.
Não conheço estudos destas coisas. Mas -sinceramente – duvido imensíssimo da eficácia destes avisos avulsos, dirigidos a uma corja automobilizada que passa quase o ano inteiro a cometer alegremente os maiores atentados nas estradas nacionais, e de quem se espera depois que, durante as férias de Natal e ano novo, subitamente se convertam numa espécie de monges budistas, e que, se nunca o fizeram antes, de repente passem a apertar o cinto, a ter o seguro em dia e a deixarem de conduzir a cem à hora na faixa do meio das auto-estradas com um pisca ligado, ignorando soberanamente pessoas como eu que lhes passam e que, pelo menos mentalmente, anotam apelidos profusos e pouco lisonjeiros, dirigidos às suas progenitoras.
Não. Eu acho que essas pessoas, e que são muitas nesta terra, estão-se positivamente a marimbar para estes avisos e estas estatísticas e vão continuar a comportar-se tal e qualmente como dantes.
A meu ver, essa gente assim só vai à paulada, “paulada” aqui definida como medidas com eficácia real, não com a Sôra comissária da PSP/GNR/Autoridade não sei de quantos de olho pintado a civilmente explicar-lhes as coisas num noticiário.
Mas isso não é o pior.
O pior é que, quando se aproxima o Natal ou o fim do ano, como se já não fosse suficiente esta cacofonia securitária pseudo-noticiária dirigida aos incumpridores profissionais, as estações e os relações públicas destas organizações partem para programas de elaborado terror estatístico, suponho que para ver se nos assustam “mesmo”.
Assim, no dia de Natal, a família toda reunida a olhar com alguma surpresa para o perú assado de pernocas para o ar ali na mesa apesar das sucessivas medidas primeiro do Sócrates e depois do Passos Coelho para que lá nada esteja, na televisão ali ao lado, cada noticiário não começa com uma doce e quente mensagem de boas festas, uma bela árvore de Natal qualquer que um simpático cidadão se lembrou de decorar a suas custas, ou a milionésima alusão à pobreza digna da manjedoura onde terá nascido em Belém o Salvador.
Não, não.
A primeira coisa que sai com urgência de última hora da boca do jornalista é a estatísticazinha necrológico-rodoviária da “operação” das polícias e mais uns conselhozitos para o caso de algum asno mais autista ainda não as ter ouvido na semana anterior.
Estas “operações” habitualmente têm nomes mediáticos ainda que um tanto para o frântico-patético mas firme: qualquer coisa como “Operação Natal Branco” ou “Operação Festa Segura”.
O fulano que lê as notícias no dia de Natal abre as hostilidades com uma estatística que é suposto fazer-me pensar duas vezes antes de atacar a perna do perú assado: “Boa noite, volvidas 18 horas após do início da Operação Perú Tranquilo, já se contabilizaram setecentos e quarenta e dois acidentes, dos quais noventa e nove graves, de que resultaram 187 feridos e doze mortos. Comparado com igual dia do ano passado, os dados agravaram-se, traduzindo-se em mais doze feridos, dos quais um grave, mais trinta e sete acidentes que no ano passado mas felizmente menos um morto. Junto das portagens da auto-estrada de Aveiras de Cima encontra-se o repórter especial Joaquim Tiralinhas com o Major Lopes Sepúlveda da GNR/PSP/Autoridade Motorizada Nacional. Atão Joaquim, como vão as coisas por ai? e o que diz desta taxa de mortalidade nas nossas estradas?”
E a seguir o Joaquim repete tudo o que o colega diz antes, e depois vem o nosso oficial Sepúlveda repetir tudo outra vez, com mais uns conselhozitos ao pessoal, enquanto os carros vão passando em procissão desenfreada.
E durante toda a época das festas, é assim.
Sinceramente: não há pachorra.
Nos Estados Unidos, onde vivi uma vida, só se falava no trânsito nas notícias quando um tipo qualquer desatava aos tiros na auto-estrada, quando um avião aterrava na via pública ou quando caía uma ponte.
Em Moçambique e na África do Sul, onde a sinistralidade, aí sim, é verdadeiramente espectacular comparada com as mais tépidas estatísticas portuguesas, as notícias de acidentes e mortos e feridos só chegam perto da ordem do dia quando é algo de nota. E por nota digamos…dez mortos num só acidente.
Abaixo disso simplesmente não é “notícia”, e acho isso assim muito bem. Se eu tentasse acompanhar as desgraças todas que ocorrem no mundo a cada momento perdia a conta e dava em maluco.
Especialmente entre o Natal e o ano novo.
E realmente não vejo nestes países os média a fazer campanha hora a hora no Natal a ver se todos nos comportamos, para no resto do ano pura e simplesmente ignorarem o problema. Isto parece ser uma invenção portuguesa, certamente copiada de um outro qualquer país que alguém achou que parecia mais civilizado que os ocidental-ibéricos.
Portugal é o país onde já vi ao vivo na televisão a polícia a dar prémios e dinheiro junto das discotecas e bares da 24 de Julho em Lisboa por verificarem que, numa inspecção de estrada, os condutores não possuiam alcoól no sangue.
Obviamente azar meu, que não bebo e nunca ninguém me deu nada por isso.
Nem eu espero receber nada, pois afinal esta é a condição em que somos supostos conduzir as nossas viaturas. E, já me ensinara o Pai Melo em menino, ninguém deve ser recompensado por fazer o que se espera que todos e cada um de nós faça normalmente.
Isso assim já parece o que acontece com os maquinista da CP, que recebem um “prémio” por aparecerem a horas no emprego.
Pensei nisto tudo quando há bocado li o seguinte, num mistificante sítio em língua portuguesa chamado Boas Notícias.
Cito:
Desde 1960 que o número de vítimas mortais resultantes de acidentes rodoviários não era tão baixo em Portugal. O ano passado, os números caíram abaixo da fasquia das 700 mortes na estrada, o que não acontecia há mais de cinco décadas.
Os dados, ainda provisórios, foram divulgados esta terça-feira [3 de Janeiro de 2012] pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR). De acordo com a entidade, em 2011, o número de mortos em consequência de acidentes de viação diminuiu 7% face a 2010.
O balanço demonstra resultados semelhantes aos obtidos em meados dos anos 60, indicador positivo visto que, à época, o parque automóvel era bastante inferior ao atual: existiam apenas 212 mil veículos em circulação, muito menos do que os seis milhões que hoje percorrem as estradas nacionais.
Além disso, nos últimos dez anos, o número de mortos e de feridos graves registado diariamente diminuiu para metade. Em 2002 registaram-se, em média, 4 mortos e 13 feridos graves por dia, ao passo que em 2011 os números desceram para 2 e 7, respetivamente.
No ano que terminou recentemente, aponta a ANSR, assinalaram-se 690 vítimas mortais, 2.416 feridos graves e 39.215 feridos ligeiros.
Eu consigo entender porque é que esta tal de ANSR se deva e tenha que preocupar com estas coisas, e que tenha que seguir estas estatísticas, que no caso português, dizem-me, têm um cunho algo terceiro-mundista, provavelmente algo a ver com os seus habitantes, os seus peculiares hábitos afro-latinos e o facto de que as estradas que não se pagam tendem a ter padrões de construção e manutenção burundianos.
Ao compararem esses dados com as médias europeias, ficam arrepiados, e acham que têm que fazer alguma coisa. Pois: tragam um milhão de condutores suecos para Portugal. Talvez a coisa assim melhore.
Este ano fiz uma daquelas resoluções para o próximo Natal e Ano Novo: deixarei de ver os telejornais. Não preciso que mas estraguem com mensagens pseudo-orwellianas que não me são dirigidas e que a meu ver valem pouco ou nada.
Quero comer o perú em paz com a família e os amigos.
Se querem ter uma taxa de zero de sinistralidade, deixem de usar os noticiários para nos chatear e achincalhar com informação que de notícia nada tem, coloquem o exército na rua e baixem os limites de velocidade durante dez dias.
E mesmo aí não sei se o pepino torcerá.