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02/08/2023

SAMORA COM TODOR JIVKOV DURANTE VISITA À BULGÁRIA, DEZEMBRO DE 1974

Filed under: Samora com Todor Jivkov 1974 — ABM @ 11:09 pm

Imagem retocada e colorida.

O desdenho de Samora e da cúpula da sua organização pelos futuros ex-colonos. que dominavam a economia, traduz-se bem pelas suas prioridades e pelo facto de, apesar de os militares portugueses terem entregado o poder ao seu movimento guerrilheiro comunista numa bandeja em Lourenço Marques na tarde do dia 20 de Setembro de 1974, ele só entrar na capital moçambicana depois de uma “marcha” (penso que copiando as épicas “marchas invasoras” de pessoas como a do Mussolini sobre Roma e a do Marechal Gomes da Costa sobre Lisboa – se bem que mais provavelmente a de Fidel Castro sobre Havana) escassos dias antes da cerimónia formal no Estádio Salazar, marcada para as zero horas do dia do 13º aniversário da escritura de constituição do movimento, lá em Dar.

No amanhecer da independência, mais depressa viajou a sítios exóticos e distantes tais como … a República Popular da Bulgária, onde foi recebido pelo chefão local, Todor Jivkov, com honras de Estado.

Todor Jivkov, Primeiro Secretário do Comité Central do Partido Comunista da Bulgária e Presidente do Conselho de Estado da República Popular da Bulgária, à esquerda, sentado frente a Samora, que liderava uma delegação da Frel para se discutir a “cooperação” enquanto que, mais a Sul, a economia de Moçambique se esfumava a olho nú. A senhora no meio é possivelmente a tradutora. Em Sófia, a capital búlgara, Dezembro de 1974. Será que ali à esquerda de pé é o Kok?

Para combater em Moçambique nos anos 60, a Frelimo buscou o apoio de uma série de países, quase todos ditaduras comunistas de partido único afiliadas com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e a República Popular da China. E a regra de ouro nos anos por volta da independência é que país que ajudou na Luta de Libertação valia por dois. É o caso com a (felizmente já extinta) República Democrática Alemã e a República Popular da Bulgária. Ainda por cima ambos membros da incongruente e inconsequente mas badalada – e, logo, cobiçada, para quem não estivesse dentro dos detalhes – COMECON, uma versão rasca e falsa da União Europeia mas para ditaduras comunistas europeias.

Na cabeça de Samora, ainda por cima, a Bulgária já tinha sido também colonizada (primeiro pelos otomanos e depois pelos alemães) e portanto “compreendiam” melhor os dilemas e desafios dos moçambicanos traumatizados por nada menos que cinco séculos seguidos de sevícias. Ah pois.

Pessoalmente, acho que não era bem isso. Todor Jivkov, surgido tardiamente e que para os padrões comunistas até era um gajo porreiro (prendia pouco, matava menos e roubava quase nada, o que, curiosamente, lembra o Professor Salazar) basicamente estava mais preocupado com o seu país e os interesses do seu país, que entendia como 1) ser mais papista que o Papa em termos de uma subserviência militante à URSS mas 2) ao mesmo tempo manter uma agenda própria (aquela dele comprar petróleo aos russos de borla, refiná-lo e depois vendê-lo à Europa Ocidental a preços de mercado era genial). Os interesses búlgaros prendiam-se muito mais com a economia e com a situação geopolítica regional, que sempre foi muito complicada. Esta coisa do internacionalismo búlgaro de apoiar os movimentos de libertação, especialmente os da África longínqua, onde a Bulgária tinha mais ou menos zero de interesses, era basicamente um frete encapotado aos russos, era boas relações públicas, relativamente barato e até dava para uns minutinhos no telejornal.

No fundo, para os búlgaros, era uma distracção.

Samora, Marcelino e os seus acólitos eventualmente descobririam isso. Apesar de Samora ainda em 1980 dizer na cara de Jivkov orgulhar-se de ter feito Moçambique passar de colonialismo abjecto para um estado marxista-leninista “científico” e portanto precisar de ajuda para tudo e mais alguma coisa (ah ah – Todor deve ter tido uma dôr de estômago de ouvir estas e outras), a ajuda gratuita (“cooperação”, no doblespeak moçambicano) cedo começou a escassear. Quanto a ajuda militar, quando dantes incluia umas minazitas, umas AK’s e uns rockets, pois ambos os lados faziam uma guerra o mais barato possível, agora os frels queriam sistemas anti-aéreos, MIGs e tanques. Pois, nem pensar nisso. E em 1981, perante a petição algo delirante de Samora de Moçambique aderir à COMECON, alguém lá teve que ir ao palácio dizer-lhe que nem sequer pensasse nisso.

Os RDA’s basicamente tiveram a mesma reacção, mas no modelo germânico. À pala da “cooperação”, inventaram os Madgermanes, uma versão surreal dos Magaíças em que a diferença era que ao menos os portugueses colonialistas pagavam aproximadamente o que lhes deviam e as minas do Witwatersrand eram ali mesmo ao lado, onde não nevava muito.

Samora, que viveria até Outubro de 1986, rendeu-se à realidade de que dos “amigos de peito” da Libertação nada viria e, perante os desafios que enfrentava, deu uma volta contorcionista de 180 graus e passou a lidar directamente com os putativos arqui-inimigos, a vizinha África do Sul de PW e os EUA de Reagan e Chester.

Na Bulgária, Todor, que em 1979 receberia do governo “socialista” de Lisboa da altura um Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique (o Infante deve ter-se virado na tumba) sobreviveria precisamente até à semana após o dia em que o Muro caíu em Berlim em Novembro de 1989. Ainda o chatearam um bocado lá em Sófia mas no fim de cinco processos judiciais foi inocentado de quaisquer crimes e viveu mais ou menos em paz até morrer em 5 de Agosto de 1998. Metade dos políticos búlgaros eram todos ex-comunas que ele conhecia – um primeiro-ministro tinha sido seu segurança -e afinal de contas eram todos democratas socialistas. A Bulgária, que é um pouco maior que Portugal e com dois terços da sua populaçáo (6.5 milhões) é hoje membro da União Europeia, da NATO e com um nível de vida que, dentro de uns anos, a continuar o socialismo cha-cha-cha do Costa, superará o português.

A memória das visitas de Samora já é distante e algo distópica.

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