THE DELAGOA BAY REVIEW

07/10/2010

SOBRE A FORTALEZA DE MAPUTO

Postal turístico da Fortaleza de Maputo, anos 60

por ABM (7 de Outubro de 2010)

No dia 4 de Abril de 2009, o nosso Grande Senador escreveu neste repositório de informação totalmente grátis que é o Maschamba, uma nota intitulada Vasco da Gama, em que, tendo estado na cidade de Inhambane, basicamente resmungava por ver uma estátua meio pirosa mas perfeitamente utilizável do conhecido navegador português que veio por ali abaixo e subiu por ali acima a caminho das Índias, espetada na parte de trás de um edifício municipal local. Na sua histórica viagem, em 1497 Gama parou para uma aguada e uns petiscos em Inhambane, onde terá sido bem tratado, e seguiu caminho para Norte, à procura dos tão falados negócios da Índia.

No dia 10 desse mês, às páginas tantas, eu, que ainda não tinha o nobre estatuto de estar deste lado da paliçada, depois de ler o texto Senatorial e de resmungar qualquer coisa sobre isso dos monumentos históricos portugueses (que agora, quer se goste ou não, são moçambicanos, pois estão no local e fazem parte da sua história), a propósito do tema, escrevi o seguinte:

O que queria realçar é o seguinte: a que hoje chamam Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição em Maputo é basicamente uma fraude, uma espécie de castelo da Disneylândia feita durante a II Guerra Mundial pelos então patrões da cidade para os turistas sul-africanos que vinham a LM fazer uns negócios e dar umas voltas no Casino Belo (que ficava na Praça Mac Mahon (ou lá como se chama hoje) em frente à estação dos CFM e ir à praia.

O local corresponde mais ou menos ao sítio onde houve de facto uma miseranda paliçada de paus e barro na ponta da língua de terra onde estava a “fortaleza”. Não é bem o mesmo que as fortificações de Moçambique, Sofala, Tete, etc, que sim, foram feitas nos tempos das rotas da Índia (de que LM nunca fez parte). Mas, pronto, tem um ar “vintage” colonial e, mais importante, tinha um átrio porreiro para se pôr o cavalo do Mousinho a olhar para a cara do António Enes.

Estes tiques das elites no poder são perfeitamente entendíveis. No tempo dos faróes egípcios, quando havia um que tinha sido por alguma razão percepcionado como um grandessíssimo cabrão, o que vinha a seguir mandava apagar das inscrições de pedra a sua cara, o seu nome e descrições dos seus feitos. Supostamente, era como se não tivesse existido nunca. Quatro mil anos depois, estes “black holes” eram perfeitamente identificados e reconstruídos. É uma chatice, esta mania de uns quererem os factos, e outros quererem os factos que querem, uma espécie de história feita por encomenda.

Felizmente, daqui a duzentos anos ninguém em Moçambique se vai lembrar deste episodiozito e antecipo que, sem dor nem remorso, os moçambicanos de então recordarão com a indiferença que o tempo causa, e aproveitarão o tal património que resta (sendo o único que se me afigura como inapagável a velha Lourenço Marques) para atrair turistas e contar estórias coloridas. Para suprema irritação de alguns dos presentes, na velha língua dos portugueses.

O nosso Senador, como é costume e usando da sua poderosa e abundante verve sociológica, discordou logo e despachou-me socraticamente: “discordo que [a fortaleza de Maputo]seja uma “fraude” no sentido de dar uma autenticidade genética aos monumentos.”

Hã?

Dado que ontem tive que andar a correr nos meus ficheiros à procura dos postais da velha câmara Municipal de Lourenço Marques para outro texto, por acaso cruzei-me com umas fotografias da “fortaleza” e um magnífico texto creio que da pena do Sr. Pedro Nunes, num blogue chamado Moçambique Multimédia, (que copio desavergonhadamente e com vénia até ao chão)  e que creio que passam da opinião meramente verbal para algo um pouco mais condicente com o que eu referi há um ano e meio atrás.

Mas antes do que se segue um brevíssimo comentário: Moçambique tem uma grande história e da melhor e mais esplêndida arquitectura militar portuguesa em quase todo o mundo. Menciono aqui a da Ilha de Moçambique, e há mais algumas espalhadas por aí. Tudo do mais genuíno que há.

Bom para o turismo.

Então vamos lá. Refere o Sr. Pedro Nunes:

Em diagonal à velha Casa Amarela é a Fortaleza Nova do Presídio, reconstruída em 1940 sobre o alicerce da primitiva. Que aliás nunca existiu, capaz e completa em qualquer tempo.Entra-se, e é um pequeno museu de sugestivas antiguidades históricas.Artilharia velha na parada, armas e peças no quartel da entrada á direita, epígrafos e pedras de armas arrancadas ás fortalezas do Norte e postas nas paredes do quartel da esquerda, com restos dum arco e pilastras de Sofala (1506), relíquias de arte sacra noutra ala em que se guarda a primitiva imagem de Nossa Senhora da capela do Presídio ( que data de 1819), retratos, bustos, espadas e recordações de grandes figuras históricas noutra sala e na caserna em frente os restos da vida quotidiana de outros tempos.

Fora plantas, desenhos e fotografias de sítios e coisas antigas.Conjunto eloquênte, acima de tudo simbólico, a principiar na Fortaleza reconstruída no alicerce primitivo, com imaginação e estilo, e poderosamente sugestiva. A falta mais sensível será,além de não ser verdadeira, não ter agora o flanco sul metido ao rio, com água pelo rodapé da muralha enterrada funda na praia, mas isso é culpa antiga dos aterros do começo do século XX e das grandes obras que já haviam modificado e acrescentado a Fortaleza para a fazer Quartel de Caçadores, e depois Capitania dos Portos, com casas à frente e alcândoradas nos baluartes e nas cortinas. Qualquer semelhança que possa haver entre a fortaleza atual, bonita como um brinquedo, e a realidade histórica, é, pois, pura imaginação.Durantes décadas seguidas o problema máximo da terra foi sempre acabar-se a fortaleza, isto é, transformarem-se em alvenarias as barracas, as palhotas e a estacada, fazer-se ao menos de pedra vermelha barrada a cal, em amarelo ou branco, o segundo baluarte, com pequenas ameias abertas no murinho estreito.

Sede de todos os embrionários serviços públicos da povoação, a fortaleza velha, á medida que perdeu o valor militar por ter passado a defesa para a orla do Presídio, foi-se rodeando de “acrescentos” encostados ás muralhas aproveitadas para paredes, e, transformadas as casernas em quartos com alpendres, ninhadas de crianças a brincar pela extinta parada, arames de roupa estendida ao sol em toda a parte, parecia a irreconhecível fortaleza uma típica Ilha do Porto, a quem nem sequer faltava o ambiente castiço dos marítimos da capitania a gozar a folga, exibindo-se nas preguiçosas cadeiras de lona em calças velhas e camisola interior.A restituição foi ao menos um ato de justiça elementar, com as conjecturas possíveis.

Mas os portugueses ficaram, embora fossem morrendo, uns atrás dos outros, governadores, oficiais e soldados.Adaptava-se cada um como podia com os velhos instintos da “Lusotropicalidade”. A verdade é que a “Feitoria da Sociedade dos negociantes da Baía de Lourenço Marques”crescia em Delagoa – designação internacional que a terra tinha.E foi assim que a cidade principiou, com dezesseis pessoas apenas.Construiu-se o Armazém Real,com a cal conduzida, provavelmente, da barreira de conchas que existe na margem do Rio Matola..Eram negros, além do pedreiro, o carpinteiro que fez as portas assim como o ferreiro de Inhambane que fabricou as ferragens,e o calafate que consertava a lancha do Estado.

A iluminação dos quartéis era com azeite de baleia, fabricado nas praias da baía pelos baleeiros Ingleses e Americanos.Quem tratava dos doentes era um curandeiro Landim, que, por cada soldado que curava recebia de pagamento uma capulana. De vez em quando entrava um navio estrangeiro que trocava qualquer coisa por marfim, pois o barco de viagem só chegava de ano a ano, e ás vezes naufragava.
Assim ia a vida em Lourenço Marques no começo do século XIX, ao principiar o estabelecimento miserável que é hoje a cidade encantadora, fascinante e requintada.

Antes das fotografias, há ainda mais uma coisa que acho piada mas que é essencialmente um segundo e delicioso barrete e que é…..(ta-raaam)

O ENFORCAMENTO DO GOVERNADOR RIBEIRO DIONÍSIO NA ÁRVORE

Dionísio António Ribeiro foi um governador de Lourenço Marques. “Governador de Presídio”, isto é, o que significava que governava principalmente a si próprio, pois então não havia nada de nada no local a não ser uma palhotas.

Isto até ter perturbado os poderes locais, que o prenderam e o executaram. Ponho o cargo dele acima entre aspas porque, se se ler a pouca literatura que existe sobre o assunto, o homem era mais um habilidoso pulha vigarista malcheiroso negociante de banha da cobra que basicamente fazia uns biscates para o governo português, o que era pouco ou nada (leia-se o Lobato e o Fernandes).

Ribeiro, que, ao que se entende dos relatos, naquela altura era o que hoje se pode chamar em Maputo um “empresário local de sucesso”, tentou forçar a sua sorte nos negócios usando o seu então recente e dúbio título de “Governador de Presídio” (a edificação em si era uma inegavelmente nojenta e destituta espelunca) e as poucas munições de que dispunha, para tentar extorquir concessões das tribos locais, de que se menciona os Maxaquenes.

Ora, uns dissidentes do Sr. Shaka Zulu (nada menos) liderados pelo Sr. Manicusse (ou Soshangane, nunca acerto nestes nomes) que por acaso passaram por lá enquanto fugiam dos homens do Sr. Shaka Zulu, deram-lhe cabo do canastro, derrubaram mais uma vez o “presídio” e foram para mais ao Norte, arrasando e conquistando tudo e todos pelo caminho (menos os Chopes, não me perguntem porquê) para fundar o mais tarde chamado Império de Gaza.

O Manicusse lá em cima, foi o que foi pai de Muzila, que foi pai de Gungunhana. Também havia monarquia cá.

Conto este episódio porque se os exmos Leitores forem ver na internet hoje em dia menções sobre a Fortaleza de Maputo, quase todas vêm com uma colorida chachada sobre uma “lenda” em que refere que Dionísio Ribeiro (após supostamente ter sido arrastado da “fortaleza” pela porta…) foi enforcado pelos funcionários do Sr. Manicusse numa velha árvore hoje situada mesmo em frente à entrada Poente da actual “fortaleza”. Isto tudo em 1883.

E que a “fortaleza foi atacada e a guarnição dizimada”.

Ai sim?

Bem, de facto, há aqui uns pequenos problemas.

O primeiro problema é que o episódio de Dionísio Ribeiro ocorreu cinquenta anos antes, ou seja em 1833, não em 1883, mais ou menos na altura em que os Suázis e os Zulus andaram pelo que é hoje o Sul de Moçambique a matar e a arrasar tudo e mais alguma coisa.

Há quem diga que deve ter sido em parte resultado do aquecimento global versão século XIX: para além do Sr Shaka Zulu, claro, que não era para brincadeiras, naquela altura uma grande parte de Moçambique atravessou uma das piores secas de sempre, quase dez anos seguidos, o que causou todo o tipo de problemas entre as populações, de entre os quais o colonialismo era provavelmente o menos importante. Muita gente morreu de fome e houve muito milando porque as populações tiveram que ir à procura de água e de comida.

Ribeiro terá sido morto mais precisamente, no dia 13 Outubro de 1833.

Eu sei que isto da data pode parecer uma gralha, mas pelos vistos a gralha já se espalhou de tal maneira que a ficção tornou-se a realidade. E agora até já temos o neto de Soshangane a matar o Dionísio, cinquenta anos depois de ele ter sido morto pelo avô.

Segundo, antes que se invente uma heróica investida na “fortaleza”, na verdade Dionísio Ribeiro foi capturado quando estava a tentar fugir numa barcaça da Ilha Xefina (pois que a “fortaleza” não aguentava com três homens a atirar pedras, nem tinha uma “guarnição” por assim dizer).

Terceiro, antes que se faça disto mais um daqueles episódios de resistência proto-nacionalista moçambicana contra os tugas de então (pois pelos vistos só havia dois em LM, e ainda por cima odiavam-se) os registos indicam que todo o episódio não passava, na realidade, de uma teia de tricas entre ele, um outros tugas rivais dele chamados Vicente e Nobre, e o Governador provincial, que estava no conforto do seu palácio lá na Ilha de Moçambique*.

Tiveram foi azar, pois Soshangane também não era para brincadeiras.

Finalmente, e não menos importante: em 1833 a veneranda árvore não existia no local para se poder lá pendurar o desgraçado do Ribeiro.

Não estava lá.

Ok.

Vamos então às fotografias, cortesia da Casa.

Não se esqueça: para ver melhor prima nas fotos para ampliar.

A "fortaleza", fim do séc. XIX. Sim, é "aquilo" à direita. Se o exmo. Leitor ampliar a foto verá os canhões a apontar para a baía. Aquilo à esquerda da "fortaleza" é um pontão de terra.

A "fortaleza" vista de poente no mesmo dia. É o que está directamente em frente ao exmo. Leitor, incluindo a cabana à direita. Pode-se ver o mastro meio dançante, onde creio estar uma bandeira

Uma nota de rodapé: entre a foto em cima e a que se segue, houve extensíssimos trabalhos de aterramento na cidade, em que se puxaram as areias das barreiras (que caiam abruptamente sobre a baía, tal como ainda se vê hoje na Catembe) e se aterrou a baía para o local em que se encontram hoje.

Uma consequência desses trabalhos é que a esquina da “fortaleza” que havia até há uns 110 anos no que é hoje a baixa de Maputo, e que nas duas primeiras fotos está directamente em cima da baía, agora está a uns cem metros da água.

Veja-se:

Nesta fotografia já se nota muito da actual Maputo. Mas se o exmo Leitor olhar atentamente, nesta precisa foto a "fortaleza" ainda está no seu estado original, tal como se vê nas fotos em cima, mas dentro de terra uns cem metros e atrás do então edifício da Capitania Buildings, que o ofuscava

Nesta foto, tirada já depois da II Guerra Mundial, a "fortaleza" foi "reconstruída" em pedra da Ponta Vermelha, fachada que basicamente nunca na vida teve, e com aquelas ameias óptimas para os miúdos brincarem, canhões, placas centenárias na parede, etc. Tudo ficção.

Aquilo no fundo foi um pouco como o que parece que os Aga Khans fizeram ao Hotel Polana agora. Oops: Polana Serena Hotel Maputo.

Após o derrube (criminoso) dos Capitania Buildings e uns trabalhos de jardinagem, a "fortaleza" assume o seu esplendor, aqui cerca de 1973. Boa para enganar os boers que vinham passear até à cidade

Portanto, exmo. Leitor, goze a Fortaleza de Maputo e lembre-se: se quiser, com um bocado de dinheiro, pode sempre construir o seu próprio passado.

O Vasco da Gama empedrado entretanto deve continuar esquecido lá no quintal do Conselho Municipal de Inhambane.

* ver Alexandre Lobato, “A Invasão Vátua de Lourenço Marques em 1833”, em Quatro Estudos e Uma Evocação para a História de Lourenço Marques (Estudos Moçambicanos, Junta de Investigações do Ultramar, 1961) pp. 119-140.

01/11/2009

As Alterações Toponímicas de Maputo

Filed under: Alexandre Lobato, História Moçambique — ABM @ 2:46 am

por ABM (Cascais, 1 de Novembro de 2009)

Com a devida vénia ao Sr Jorge Luis P. Fernandes, reproduzo o trabalho de sua autoria sobre a tourada dos nomes da Cidade de Maputo e do país.

De lê-la, fico com a impressão que os moçambicanos aprenderam o truque dos nomes com os portugueses. Portanto, tudo em família.

Segue-se o texto, em duas partes, que fala sobre toponímia, selos e carimbos. “Afenal”, o Sr. Fernandes escreveu isto no seu site,  filatelicamente.online.pt.

Avancemos, então:

(1ª parte)

AS ALTERAÇÕES TOPONÍMICAS E OS CARIMBOS DOS CORREIOS


QUANDO SE CHAMAVA “DELAGOA BAY” A LOURENÇO MARQUES

BREVES CONSIDERAÇÕES TOPONÍMICAS E HISTÓRICAS

Baía da Lagoa, Lourenco Marques, Delagoa Bay (ou simplesmente Delagoa), Xilunguíne (ou Chilunguíne), Mafumo (ou Camfumo, existindo ainda outras variantes de grafia) e finalmente (mas não consensualmente) Maputo são tudo topónimos que dizem respeito à grande e bela cidade, com o seu magnífico porto, capital do país à beira do Índico que actualmente é a República de Moçambique. Lourenco Marques foi ainda a capital do território que, sob a soberania portuguesa, administrativamente começou por ser província ultramarina, depois colónia, para passar novamente a província e a seguir a estado; foi rebaptizada com o nome de Maputo em 3 de Fevereiro de 1976, depois da independência do país (Fig.1).

Muitos daqueles nomes e as sucessivas mudanças administrativas tiveram e continuam a ter expressão na Filatelia, o que bem demonstra a importância deste passatempo, eminentemente cultural, nas suas diversas vertentes (isto, usando um estafado, mas sempre verdadeiro e actual lugar comum).

Vem a propósito referir que os primeiros selos do território, do tipo “Coroa”, têm simplesmente a legenda “Moçambique; logo a seguir as emissões de D. Luís aparecem com a designação de “Província de Moçambique“; depois, nos selos de D.Carlos vemos “Portugal/Moçambique“, passando novamente ao comum “Moçambique“, que perdurou largos anos; com o Acto Colonial de Salazar temos a emissão evocativa das vitórias de Mouzinho de Albuquerque (1930/31) que leva inscrita a designação “Colónia de Moçambique“, logo seguida, em 1938, das séries comuns a todos os territórios ultramarinos portugueses com a “imponente”, mas pouco duradoura legenda “Império Colonial Português“; voltando-se depois à simplificação de “Moçambique“, esporadicamente aparecem as emissões comemorativas do Centenário do Selo Postal de Portugal com a inédita legenda “Ultramar Português” (que não voltou a repetir-se), fixando-se logo a seguir, até à independência, a forma “República Portuguesa/Moçambique”. Curiosamente, entretanto, os selos de imposto postal tipo “Pelicano” e outros levaram, primeiro, a legenda “Colónia de Moçambique“, ressuscitando, depois, a “velha” inscrição das emissões monárquicas “Província de Moçambique1“.

Por outro lado, no tempo colonial o topónimo Lourenço Marques teve grande expressão, obviamente, no panorama filatélico, quer nos selos propriamente ditos, quer nos variadíssimos carimbos dos Correios (Fig.2), usados durante muitos anos; e não nos esqueçamos que o respectivo Distrito teve os seus próprios selos, emitidos de 1893 a 1921. A mesma importância,no âmbito filatélico, se verifica em relação a Maputo, após a independência, sendo interessante lembrar que uma emissão da República de Moçambique, de 1987, comemorou o centenário desta cidade que, necessariamente, em 18872 se chamava Lourenço Marques (Fig. 3).

Fig. 3 Motivo do selo, Lourenço Marques em 1876 – planta do Presídio com a Linha de Defesa, publicada na “Planta Geral da Cidade e Porto de Lourenço Marques” (1926).

Mas deixemos de lado Xilunguíne e Mafumo, nomes sem interesse filatélico objectivo e fixemo-nos no topónimo Delagoa Bay, que os ingleses “inventaram” a partir da portuguesa Baía da Lagoa, nome polémico que fez correr muita tinta e que ainda, actualmente, por vezes é referido num contexto que demonstra ignorância sobre o seu real significado. Não é conhecido qualquer carimbo dos Correios com este nome que, contudo, aparece com grande frequência nos endereços das correspondências dos fins do século XIX e princípios do século XX, respeitantes a Lourenço Marques.

A Baía de Lourenço Marques foi descoberta por navegadores portugueses, logo após a primeira viagem de Vasco da Gama á Índia, aparecendo já referenciada em 1502, no célebre mapa de Cantino. Era conhecida, nesses primeiros tempos, por BAÍA DA LAGOA, pois acreditava-se que os vários rios que nela desaguavam provinham de uma grande lagoa existente no interior (3). O seu reconhecimento geográfico só viria a ser feito em 1544, no reinado de D.João III, por um obscuro navegador chamado Lourenço Marques, piloto das naus da Índia e negociante (tratante, como então se dizia, isto é a pessoa que fazia tratos ou negócios), por ordem, segundo se crê, do Capitão de Sofala e Moçambique, João de Sepúlveda. Supõe-se, embora não sejam conhecidas provas documentais, que foi D.João III, que havia mandado explorar a região reconhecendo a sua importância para o trato do comércio, lhe deu o nome de Lourenco Marques, homenageando aquele navegador.

Mas não tendo havido uma ocupação efectiva dos portugueses, a Baía começou a ser frequentada por navegadores de outras nacionalidades, holandeses, ingleses e franceses, chegando mesmo a haver tentativas de estabelecimento de feitorias, que fracassaram, por holandeses e austríacos no século XVIII.

A soberania portuguesas foi restabelecida quando em 1782 desembarcou na Baía o primeiro governador de Lourenço Marques, Joaquim de Araújo, fundando com um reduzido destacamento de homens mal preparados e equipados, o presídio de Nossa Senhora da Conceição, no local do “providencial estuário [do rio] do Espirito Santo [onde se] pode à”priori” concluir que esse lugar estava predestinado para base de um empório comercial, apenas ali se cruzassem com as correntes do “hinterland” as do tráfego oceânico” (4), Sítio inóspito e constantemente ameaçado pelos ataques dos regulados vizinhos, onde nasceu a povoação, depois vila (1876), mais tarde cidade (1887) e capital (1898), com o seu importante porto, que se chamou Lourenço Marques e que alguns teimavam em designar por Delagoa Bay. Teimosamente ou por inconfessados interesses…

DELAGOA BAY, UM TOPÓNIMO QUE TARDOU A DESAPARECER

Segundo o historiador Dr, Alexandre Lobato (5), na segunda metade do século XVIII a designação internacional de Lourenço Marques era Delagoa; e tanto assim era que os holandeses, que tentaram instalar uma feitoria no local, construíram uma fortificação a que chamaram Forte Lagoa.

E nos fins do século XIX acentuava-se a influência inglesa na região, graças á política de intrigas que então se praticava com os chefes indígenas, à influência exercida pelas companhias magestáticas; enfim todos os meios eram utilizados para minar os interesses portugueses e contestar a nossa soberania, que se consolidou definitivamente em 1875 com a sentença arbitral de Mac-Mahon (6). Houve até um jornal que se intitulava “Delagoa Bay Gazette” Vejamos o que a este propósito escreveu o citado historiador moçambicano: – “Estava-se no esplendor da influência britânica. A Inglaterra tornara a fazer mão-baixa do Transval. Vivia-se a época faustosa das grande companhias inglesas de Delagoa Bay, pois Lourenço Marques voltara a chamar-se Delagoa, como vinha escrito nos caixotes que a alfândega despachava”. Nos caixotes e nas correspondências, acrescentamos nós:

Este estado de coisas chegou a um ponto tal que, diz-se, um governador do Distrito, aborrecido e ofendido nos seus brios patrióticos de bom português com o teimoso e abusivo uso de Delagoa, deu instruções para que toda a correspondência endereçada com esta designação fosse imediatamente devolvida. Não anotámos, infelizmente, a origem da referência lida algures, há muitos anos, e por isso nunca conseguimos confirmar este facto, que seria de muito interesse para a história Postal de Moçambique. Desconhecemos, assim, se existe algum documento oficial. Mas a verdade é que uma carta da época devolvida ao remetente, com anotações que explicassem a razão da devolução, seria uma peça de história postal (e não só…) extremamente interessante! Pode ser que um dia apareça ainda tão sensacional documento filatélico – no lugar próprio e em mãos certas -, que se encontre esquecido em velho arquivo ou que faça parte de uma colecção, devidamente resguardado, é certo, mas sem que seja notada a sua importância…

Ilustramos estas notas, talvez não tão filatélicas como é habitual nos nossos escritos, com alguns exemplos, dos muitos que são conhecidos por todo o lado:- Na gravura 4, em carta em 1899, nota-se o endereço do remetente com as duas designações – LOURENÇO-MARQUES/DELAGOA BAY; repare-se que as letras de Delagoa Bay são maiores do que as de Lourenço Marques. Por outro lado, numa carta de 1905 (Fig.5), omite-se pura e simplesmente o topónimo da cidade, considerando-se que Delagoa Bay apenas, era mais do que suficiente para a correspondência chegar ao seu destino, sem problemas; como usual, o remetente é uma importante firma inglesa, aliás muito conceituada em Moçambique pelos tempos fora. Um curioso bilhete-postal ilustrado de 1906, que reproduz uma vista da Ponta Vermelha (Bairro de grandes tradições na cidade), tem a legenda impressa Lourenço Marques (Fig.6), a que o remetente entendeu por bem, à cautela, acrescentar o famigerado (Delagoa Bay), na sua letra, com parenteses e tudo!

A terminar, fazemos notar que a Baia de Lourenço Marques, foi desde sempre também conhecida como Baía da Lagoa, o que nada tem a ver, evidentemente, com a abusiva Delagoa (palavra, aliás, de morfologia errada), referindo-se á cidade. Um mapa de 1899, por exemplo, grafa com todos os pormenores: Lourenço Marques para a cidade/capital; Rio de Lourenço Marques ou do Espirito Santo; Bahia de Lourenço Marques ou da Lagôa.

BIBLIOGRAFIA

– Colecção de recortes do arquivo do autor.

– Jornal “Noticias” (Lourenço Marques) , número especial, Natal de 1966. – “Lourenço Marques, Xilunguíne – Biografia da Cidade”, por Alexandre Lobato; edição da Agência Geral do Ultramar – Lisboa, 1970.

NOTAS

1 Fizemos neste espaço um breve resumo do assunto, pouco exaustivo e, consequentemente, com falhas de pormenor.

2 Lourenço Marques foi elevada à categoria de cidade por Decreto de 10 de Novembro de 1887, no reinado de D.Luís I.

3 Segundo Alfredo Pereira de Lima, historiador moçambicano, que foi responsável pelo Gabinete de História da Câmara Municipal de Lourenço Marques.

4 Segundo Jaime Cortesão, citado por Alfredo Pereira de Lima.

5 Alexandre Marques Lobato, ilustre historiador; nasceu em Lourenço Marques (1915) e faleceu em Lisboa (1985). Publicou vários livros e valiosos estudos sobre a história de Moçambique.

6 O presidente da República Francesa, Marechal Mac-Mahon, por sentença arbitral, decidiu a favor de Portugal o litígio com a Inglaterra sobre os direitos de soberania destes territórios, no sul de Moçambique.

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( 2ª Parte)


NOTA PRÉVIA – Na primeira parte [acima] deste artigo, referimos que os nomes XILUNGUÍNE e MAFUMO não tinham interesse filatélico objectivo, já que não existe qualquer marca de Correios com estes nomes; mas esta asserção não significa que os topónimos não mereçam a nossa atenção, dada a sua evidente importância histórica e directa ligação com Lourenço Marques e Maputo, estes sim bem conhecidos dos coleccionadores. O seu estudo tem a maior relevância para a compreensão das razões por que, após a independência de Moçambique, foi escolhido para a capital do novo país o nome de MAPUTO. Já anteriormente no artigo número XIX, desta série, abordámos, embora de forma breve, esta escolha, que só não foi polémica porque na altura as condições políticas não eram propícias a discussões públicas deste género. Prometemos então voltar ao assunto, o que agora fazemos, depois de um interregno que lamentamos, alheio à nossa vontade.
Assim, este artigo fecha a série de trabalhos que ao longo de muitos anos escrevemos para “A Filatelia Portuguesa”, esperando, em breve, fazer as necessárias adaptações para a sua publicação em forma de livro electrónico, na sequência de outros livros assinados por distintos filatelistas, meritória e inédita iniciativa do CNF, que nos cumpre exaltar.
Desejamos ainda, para finalizar esta introdução, realçar com muita convicção o facto de que, de modo algum, consideramos, esgotado o tema que respeita às alterações toponímicas em Moçambique e o seu reflexo nos Correios; se nos permitem os colegas mais ortodoxos, dizemos que consideramos importante o seu valor para a História Postal do país. Contudo, não podemos deixar de lamentar que apenas tivéssemos o apoio e colaboração de dois ou três filatelistas – a quem publicamente agradecemos –, apesar de várias vezes termos feito apelos nesse sentido. Salvo algumas breves referências em contextos vários, nada vimos até hoje publicado sobre este aliciante tema, para além dos nossos modestos trabalhos.
E se para Moçambique ficam lançadas as bases, em relação aos outros antigos territórios do Ultramar Português, rigorosamente nada foi estudado ou publicado, ao que saibamos. A área de estudo é aliciante (atrevíamo-nos a dizer, até, que historicamente é relevante), especialmente no que se refere a Angola. Nestes quase 30 anos de independências muitos elementos perderam-se – é quase certo – e um estudo preciso e bem documentado, está, parece-nos, irremediavelmente comprometido. No futuro, os estudiosos e coleccionadores de História Postal neste âmbito, jamais perdoarão à nossa geração tal desinteresse, apatia e incúria na recolha de elementos e peças filatélicas, tarefa que não teria sido difícil na altura…

HISTÓRIA; GEOGRAFIA E TOPONÍMIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Informa-nos António Cabral, no seu utilíssimo “Dicionário de Nomes Geográficos de Moçambique – Sua Origem”, de que nos socorremos frequentemente, que Lourenço Marques era conhecida por LOLENZOMAQUI (corruptela do topónimo), XILUNGUÍNE ou CHILUNGUÍNE (o lugar dos brancos) e CAMFUMO (de KA-MPFUMO, o lugar do governo, do poder – governo e poder dos régulos, entenda-se, pois o topónimo/antropónimo, nome do rei ou sede do regulado2, era já usado pelos naturais antes da fundação de Lourenço Marques).
Tínhamos aqui duas hipóteses para o novo nome de Lourenço Marques (excluindo à partida a corruptela, obviamente). Contudo, XILUNGUÍNE, dada a evidente conotação colonialista, também estava fora de causa. Melhor colocadas (digamos até com todas as hipóteses) estavam as versões portuguesas CAMFUMO/CAFUMO/MAFUMO, ou o vernáculo KA-MPFUMO/KA-MFUMO da língua Ronga.
Mas porque razão foi escolhido MAPUTO? É a resposta a esta questão, que vamos tentar descortinar.
Como pode ver-se na nota publicada na época pelo “Diário de Noticias”, que abaixo se transcreve, a designação CAMFUMO3 chegou a ser considerada, tendo sido usada pelos correspondentes dos jornais portugueses presentes nas cerimónias de independência de Moçambique, o que é um pormenor de muito interesse. À partida, o pequeno artigo, assinado “G. de M.”, que parece serem as iniciais de Guilherme de Melo, ilustre poeta moçambicano (leia-se nascido em Moçambique) radicado em Portugal, contém vários erros, de que destacámos dois: um de somenos importância, mas que convém assinalar, refere-se ao dialecto Ronga, falado no sul de Moçambique; não se trata de um dialecto, mas sim de uma Língua, actualmente uma das línguas nacionais do país. O segundo erro, este bastante grave, é dizer-se que CAN FUMO ou KA-PHUMO (nas versões do autor), era o “régulo Maputo, o senhor das terras onde em 1763 se estabeleceu a primeira feitoria portuguesa”. Isto não é de todo verdade, como veremos.


A LOCALIZAÇÃO GEOGRAFICA DE MAFUMO E MAPUTO

Existem várias versões do topónimo que, na opinião de muitos, deveria ter sido o nome da capital da República Popular de Moçambique4, mas que não o foi, diz-se, por expressa vontade de Samora Machel.
Assim: a) Na versão mais vernácula: KA-MPFUMO, sendo este o nome que muitos consideram correcto; KA-MFUMO, KA-FUMO e KA-PHUMO (versão pouco vista), b) Nas versões mais usadas pelos portugueses: MAFUMO, CAMFUMO e CAFUMO, sendo CAMFUMO a designação mais corrente, embora alguns historiadores modernos tenham optado por MAFUMO.5
Não restam quaisquer dúvidas de que o regulado KA-MPFUMO, com a sua sede, e situava exactamente no local onde, em 1782, foi fundado o presídio6 de Lourenço Marques.
Alguns exemplos, dentre os muitos que poderíamos citar: Um mapa datado de 1780 tem como título “Part of the District Called Mafumo”; noutro mapa de 1825 assinala-se o rio Mafumo, que depois se chamou do Espírito Santo e que desagua na baía de Lourenço Marques (Baia do Maputo, depois da independência); sabe-se que os austríacos tentaram implantar uma feitoria no local em 17777, firmando tratados de soberania com os régulos das duas margens do rio Mafumo; Diocleciano Fernandes das Neves e Ilídio Rocha, no livro “Das Terras do Império Vátua às Praças da República Boer”8 referem-se várias vezes a KA-MFUMO, como sendo Lourenço Marques, chamando-lhe até o régulo maior do distrito; também modernamente, Alexandre Lobato, refere abundantemente este facto.

Citemos agora alguns elementos referentes à localização das terras do régulo MAPUTO, que se situavam no extremo sul de Moçambique, o que pode verificar-se no mapa que se reproduz (Fig. 3), onde foram enquadradas, para fácil referência, os diversos nomes mencionados neste trabalho.

Fig. 3 – Brasão de Lourenço Marque

Assim, na “História de Moçambique” de René Pélissier, lê-se a certo passo: “Vê-se que as gentes do Maputo eram “vizinhos” difíceis para os portugueses e é manifesto que o Maputo, a sul do paralelo 26º 30′ e do rio Maputo”… Também no livro “Usos e Costumes dos Bantos” podemos aprender que: “Os verdadeiros Rongas são, parece-me, os clãs Mafumo e Matola, situados a este da baia [Lourenço Marques]. Ao sul da baía encontra-se o clã Tembe e os seus dois subclãs, que se tornaram independentes: Matatuíne e Maputo. Ao norte de Lourenço Marques existem os clãs Maiota e Magaia”… (o sublinhado é nosso).
Modernamente existiam, administrativamente, no sul de Moçambique, entre outros, os concelhos de Lourenço Marques, com sede na cidade do mesmo nome, e Maputo, com sede em Bela Vista.
Por estes sucintos exemplos é fácil notar que, geograficamente, MAFUMO e MAPUTO, nada tinham de comum. E se considerarmos que as mudanças toponímicas na República Popular de Moçambique, na maior parte dos casos, se fizeram revertendo ao antigo nome (p.e. Matola/Salazar/Matola (nome de regulado); Búzi/Nova Lusitânia/Búzi (Búzi significa cabrito!); Xai-Xai/João Belo/Xai-Xai (onomatopeia?); Angoche/Antonio Enes/Angoche (nome do sultanato e da ilha)9; se tivermos em conta estes exemplos concretos, dizíamos, só podemos considerar que a decisão de Samora Machel dar o nome de MAPUTO à cidade capital, com a qual muitos não concordaram, foi puramente política. Estávamos em Moçambique na altura e tivemos a oportunidade de ouvir (confidencialmente, claro!) muita gente a discordar do nome; mas como é óbvio, na circunstância, discordar em “família” era uma coisa, expressar o seu pensamento publicamente era outra…
Se tivesse sido considerada a lógica dos factos apontados, no que concerne á localização geográfica dos regulados, certamente hoje não teríamos carimbos de correio com o nome de MAPUTO, mas sim CAMFUMO ou CAFUMO (ou até, quem sabe? o difícil vernáculo KA-MPFUMO). Coisa que certamente não nos causaria estranheza!
Posto isto só podemos aventar que a decisão política poderá ter sido tão simplesmente pelo facto de que o regulado MAFUMO, naquele período de guerras entre clãs com os portugueses pelo meio; intrigas e traições de vária ordem (estratégia muito usada na altura; prepotências e violência de ambas as partes, com lutas, massacres e inúmeros sacrifícios de militares e das populações branca e negra, aquele regulado, dizíamos, apoiou muito fortemente os portugueses. Por outro lado o MAPUTO manteve-se como território independente, território este que se estendia para fora das fronteiras oficiais portuguesas, estabelecidas por sentença arbitral do presidente da República Francesa, Marechal Mac Mahon, em 1875. O regulado do MAPUTO nunca se subjugou e sempre enfrentou Portugal. Vejamos pois, para terminar, mais alguns “prós e contras”, baseados em factos históricos, abordados de forma sintética, como convém nestes casos.

MAFUMO, O AMIGO
Lourenço Marques estava implantada em território Tsonga ou Tonga, sendo os regulados mais importantes da zona: Mafumo, Tembe, Maotas, Magaia e Matola. Todos estes régulos eram vassalos de Portugal e pagavam tributo. Como se vê, o régulo MAPUTO, não fazia parte deste grupo, que constituía as chamadas Terras da Coroa.
Efectivamente a expedição de Joaquim de Araújo, que em 1782 fundou o presídio foi tão bem recebida que o régulo Matola “não podia dar maior demonstração de afabilidade e cordial afecto pelos portugueses. [… Joaquim de Araújo] foi bem recebido com toda a gente pelo dito Rey e pelos seus apaniguados”.10
Sabe-se também que o MAFUMO, que pagava agora tributo no rei da Moamba, em 1805, depois da fundação de Lourenço Marques, portanto, tornou-se espontaneamente vassalo de Portugal, apoiando as forças portuguesas na guerra contra o MAPUTO e outros régulos.
Como se verifica por esta brevíssima resenha, o régulo MAFUMO era amigo e aliado de Portugal; isto, não obstante ter atacado e assolado Lourenço Marques algumas vezes, devido a intrigas que levavam a alianças pontuais.

MAPUTO, O INIMIGO
Em fins do século XIX a influência de Portugal no extremo sul de Moçambique era praticamente nula. O regulado do MAPUTO, independente, lutava contra os portugueses, atacando frequentemente o presídio, provocando mortes e devastação, aterrorizando as populações, como aconteceu p.e. em 1833 e 1872/73. Intrigas, lutas, protestos amargos do MAPUTO, que se queixava das traições dos governantes portugueses, levaram a que estes, mais do que uma vez, fossem humilhados e insultados.
Mas com as vitórias e avanços de Mousinho de Albuquerque, tornando-se cada vez mais consistente a ocupação efectiva do Império de Gaza, o regulado do MAPUTO perdia influência. Mousinho de Albuquerque instalou-se em Bela Vista e exigiu a submissão de todos os chefes de povoação e o pagamento de vultosas indemnizações de guerra. Ninguém apareceu ou enfrentou Mousinho, que em Fevereiro de 1896, deu inicio a razias em toda a região, castigando a insubordinação dos régulos, Tudo em vão! Afinal de contas o régulo maior e os seu homens tinham passado a fronteira, continuando a resistir, num ultimo desafio. Mas a independência do MAPUTO tinha chegado ao fim.
Supomos que estes factos históricos, muito resumidos e aqui superficial mente analisados, terão influenciado o Presidente Samora Machel: em 3 de Fevereiro de 1976, Lourenço Marques oficialmente passou a chamar-se MAPUTO!

Esta 2ª parte do nosso estudo sobre a mudança de nomes da capital de Moçambique não tem grande expressão filatélica. Obviamente, para ser bem compreendida, deve ser considerada como um complemento da 1ª parte, antes publicada nesta Revista. Julgamos que, no contexto global, estas notas têm algum interesse.

NOTAS
1 Ver “ A Filatelia Portuguesa”, nº 116, Abril de 2003.
2 Os nomes dos régulos ou regulados confundem-se muitas vezes; era comum falar-se dos régulos MAFUMO ou MAPUTO p.e., sem ter em conta o nome do indivíduo que em determinada altura exercia a chefia; em muitos casos ignora-se até os seus nomes próprios.
3 Adiante referiremos várias designações para o mesmo topónimo; por uma questão de metodologia, usaremos MAFUMO sempre que a boa compreensão do texto não exija o uso de outra variante.
4 O nome do país foi posteriormente alterado para República de Moçambique, i.e. foi eliminado “Popular”.
5 P.e. Alexandre Lobato. Como se viu MAFUMO vem de KA-MPFUMO, da língua Ronga, sendo que KA significa “para onde”; MPFUMO designa “chefe” e transformou-se em “fumo”, designação que com o mesmo significado sempre foi usada no tempo colonial.
6 “Presídio” significa, nesta acepção e sempre que é usado neste trabalho, “praça de guerra ou forte e a gente que a guarnece”, embora a palavra também possa referir-se a prisão.
7 Tentativa que resultou num fracasso total, tendo a guarnição sido completamente dizimada pelas doenças e ataques dos régulos.
8 Este livro integra duas partes: “Itinerário de uma Viagem à Caça dos Elefantes”; livro da autoria do primeiro dos autores mencionados, publicado em 1878; e um extenso Posfácio, escrito por Ilídio Rocha, em 1986, com o título de “Dois Portugueses na História da África Oriental”
9 Ver outros artigos desta série.
10 Nessa altura o MAFUMO era aliado (súbdito?) do régulo Matola.

BIBLIOGRAFIA
– Colecção de recortes do arquivo do autor.
– Vários trabalhos do autor sobre esta temática,
– Dicionário de Nomes Geográficos de Moçambique – Sua Origem, por António Cabral, Lourenço Marques – 1975.
– Lourenço .Marques, Xilunguíne – Biografia da Cidade, por Alexandre Lobato, Lisboa – 1970.
– História de Moçambique, por René Pélissier (Vol. 1 e 2), Imprensa Universitária nº 62, Editorial Estampa – Lisboa.
– Usos e Costumes dos Bantos, por Henrique A. Judot (Tomos 1 e 2), Imprensa Nacional de Moçambique, Lourenço Marques – 1974.
– Das Terras do Império Vátua às Praças da República Boer, por Diocleciano Fernandes das Neves e Ilídio Rocha, Publicações Dom Quixote, Lisboa – 1987.

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