THE DELAGOA BAY REVIEW

17/03/2013

A CEREJA NO TOPO DO IMPÉRIO

Filed under: A Cereja no Topo do Império — ABM @ 6:24 pm
Valentina da Luz Guebuza, uma das filhas do actual presidente da república de Moçambique.

Valentina da Luz Guebuza, uma das filhas do actual presidente da república de Moçambique.

O timing da peça, publicada em Agosto de 2012 na sul-africana Forbes, uma daquelas revistinhas marginais e mais ou menos irrelevantes que gostariam de fazer jornalismo à americana e reverberar de forma algo pedante e lambuzante o que as putativas novas elites andam a fazer a Sul do Trópico de Capricórnio, causou alguma impressão no habitual boçalismo sonâmbulo, provinciano e domingueiro da Maputo da pós-Independência, do pós-comunismo, do pós a Frelimo de braço no ar, agora transformada na algo problemática capital da Frelimo Imperial, na pré-fase do orgasmo gaso-petrolífero-carbonífero.

A peça obviamente causou alguma impressão a muita boa gente (a mera quantidade de vezes que me enviaram cópias assim o ilustrou) que mais não seja porque, aparte das habituais generalidades anónimas e irresponsáveis – no sentido em que, em surdina, acusam sem jamais apontar o dedo de forma consubstanciada a ninguém que não seja já um animal ferido- raramente emerge à superfície uma situação em que há um nome, uma face e uma história, relacionadas com a Elite, especialmente com a Primeira Família, a cereja no topo do cada vez mais complexo edifício frelimiano.

Provavelmente sem reflectir sobre o seu impacto na populaça que lê, Valentina Guebuza, uma filha do actual presidente dum país em que, malgrado as prometidas vastas riquezas, persiste em viver dos donativos e do acrescento cíclico das dívidas doméstica e internacional e no meio duma explosão de miséria sem precedente, ilustrou graciosa e tragicamente os mecanismos de como o Poder arrecada para si – e pelos vistos só para si – os negócios e as riquezas que à partida seriam, deveriam ser de e para todos, ou pelos menos negociados e acumulados por e para todos, não por fazerem algo de especial, mas apenas porque são quem são, estão onde estão, podendo mediar o poder soberano em proveito próprio.

Essa é também, muito pouco coincidentemente, a definição geral de corrupção.

Que na essência confronta uma questão moral, ou, quiçá neste caso, de falta, de moral pública e ética política.

O título e o início do texto de Emanuel Novais Pereira.

O título e o início do texto de Emanuel Novais Pereira.

Pois é praticamente impossível, neste caso argumentar que a jovem Tina não é o que é, ou pretende ser, simplesmente por ser filha de quem é, e de ter o apoio tácito associado ao estatuto de Próxima do Poder. E de facto parte integrante do plano de acumulação de riqueza desse Poder.

Um Poder executivo vastíssimo, do ponto de vista constitucional, exercido ambiciosamente desde o início com uma marcadíssima componente empresarial pessoal (veja-se a extensão que é conhecida aqui), cujo expoente coincidiu com a vigência de dois mandatos presidenciais.

Componente essa que, sendo o seu titular septuagenário, requer sucessão, sem a qual essa acumulação provavelmente não faria qualquer sentido.

Há quem cale e consinta e que nisso considere que se reflecte uma necessidade, a necessidade de um País possuir uma classe empresarial que, não existindo historicamente, há que ser criada, o mais rapidamente possível, a qualquer custo. Penso que tal é uma perversão moral do nacionalismo, um argumento que meramente procura justificar o esbulho efectuado.

Mas há quem o aceite.

Ou ainda há quem ache que afinal a sua natureza rapaz (de rapacidade) seja afinal o curso normal para Moçambique e até o que se observa noutras sociedades próximas, onde o fenómeno do enriquecimento de outra forma inexplicável das pessoas relacionadas com o Poder eleito ocorra, sem que nada nem ninguém o pare, ou sequer o comente abertamente, sem que nenhum mecanismo legal, constitucional, social ou moral, ou ainda a pressão dos media, se faça sentir.

E quem cala consente.

Ou ainda haja quem sinta que Aquele que supostamente Libertou o País tem, por falta de melhor termo, o direito ao seu Espólio, a quase qualquer custo.

É a Síndrome do Libertador, uma espécie de fatalidade africana, pós-colonial, que parece que tudo permite e tudo sanciona, e que exige a permanente e perpétua demonização do cada vez mais remoto e irrelevante passado.

Mas terá mesmo esse direito? Será mesmo assim? Será mesmo moralmente justo, culturalmente justificado, socialmente aceitável, politicamente comportável, no Moçambique actual, o enriquecimento súbito e quase inexplicável (a não ser através da corrupção, do exercício da troca de influências e das informações privilegiadas entre a Elite) como se alega ser o caso na África do Sul do ANC? O destroçar incongruente do Estado e da sociedade zimbabweana para obtenção de pecúlio por parte dos próximos do Sr. Robert Mugabe?

É Moçambique a próxima Angola? o próximo Zimbabué?

Será moralmente sancionável que Valentina, uma filha de Armando Guebuza, agora coagida com nada menos que Celso Correia para Membros do Comité Central da Frente de Libertação de Moçambique, de facto, a próxima Princesa Milionária de Moçambique? a próxima Isabel?

A próxima Guebuza? Multi-milionária aos 32 anos?

É esta a visão para o Moçambique do Século XXI?

Penso que não. Creio que Moçambique deve obediência a um imperativo moral mais elevado que este.

Como alguns outros, tenho alguma dificuldade, ao observar as gritantes carências e antever os titânicos desafios que os moçambicanos enfrentam no futuro, em constatar estas manifestações, que deixam transparecer a sobreposição do interesse próprio sobre o do Bem Comum, o exercício do Poder Imperial quase ilimitado para criar uma bolsa de riqueza pessoal que bordeja o insalubre e que é pouco consentâneo com a realidade geral do País.

Poder esse que, em sede própria, praticamente permanece incólume, intocável e intocado por uma massa dócil, deferente e acrítica, constituindo, a prazo, a maior ameaça ao surgimento e afirmação dos elementos constituintes da liberdade e de mecanismos democráticos na sociedade moçambicana.

E aí, o exemplo deve vir de cima.

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