THE DELAGOA BAY REVIEW

15/09/2021

A FACTURA

Filed under: A factura, Marcelo Mosse — ABM @ 12:18 am

Não sigo em detalhe todas as tricas que grassam por África, mas já percebi que Paul Kagame, o actual President for Life do Ruanda, gere um regime musculado e tolera pouco a dissidência.

Há-de haver razões bem fundamentadas porque é que ele se predispôs a fazer a Filipe Nyusi o considerável favor de, ao estilo do defunto Mousinho com os Namarrais nos tempos da Afirmação da Soberania, ir tentar matar gente para Cabo Delgado e assim fazer a Maputo o frete insalubre de eliminar o foco da rebelião na zona, que assim, se não de outra qualquer forma, parece descobrir fazer afinal (e ainda) parte de Moçambique.

Razões essas que eu, claro, desconheço, pois só leio jornais e os jornais, especialmente os de Maputo, têm sido um tanto quanto omissos quanto à questão.

No que parece haver menos dúvidas é a forma como Paul Kagame encara a sua oposição.

Exceptuando a generosa meia dúzia no parlamento que não oferece oposição nem alternativa, a oposição em Moçambique, soi disant, apesar de uma constituição que diz que permite a existência de partidos políticos, desde os chamados Acordos de Paz de 1992, nunca realmente se desarmou. Não confia na Frelimo, a quem chama “cães” (e vice-versa). Andam nisso há décadas, longe de Maputo, e-mail para cá, e-mail para lá. Nem eles vêm a Maputo nem Maputo vai lá. Moçambique felizmente é um bocadinho maior que o Ruanda – e a coisa vai sendo empurrada com a barriga sem ninguém ficar particularmente perturbado.

Em Maputo, como não há insurgentes armados a colocar bombas em carros na Julius Nyerere, a coisa cinge-se a matar -se ou a estropiar-se o ocasional jornalista, o académico com ideias peregrinas ou um qualquer que disse ou não disse alguma coisa. A mensagem que passa para quem tem razão para se preocupar é que, se falas muito levas. As pessoas ficam com medo e calam-se e isso basta. A ordem pública vigente permanece assim vigente, situação que não é inteiramente dispiciente para o 180º país mais pobre e um dos mais corruptos no mundo, dirigido pelo mesmo grupo de pessoas no poder continuamente há mais tempo que os 42 anos do Professor Salazar, o tal que dizia que “Moçambique é nossa”. Ainda por cima eles, que já foram nacionalistas, depois comunistas, e agora captalistas da Nova Vaga, andam correntemente ocupados a tentar descalçar a bota de mais um simples esquema de roubo ao mais alto nível, este de pelo menos dois mil milhões que dólares, uma quantia colossal e que ninguém ainda sabe para onde é que foi, se está em contas no Dubai ou em contas em Abu Dabhi (tenho plena fé que vai tudo acabar bem e que nenhum dos acusados na verdade sabia de nada ou tinha quaisquer culpas no cartório).

No Ruanda não é bem assim. O país é pequeno (literalmente do tamanho de entre Marracuene e a Ponta do Ouro), 13 milhões de habitantes, 95 por cento cristão, gerido a pulso pelo Senhor Kagame, não há lá corrupção nas repartições nem as dezenas de ONG’s que compõem a importante Indústria da Calamidade em Maputo. Têm um exército armado até aos dentes por causa dos vizinhos, que não se sabe bem quem é que paga, e parece que lá mata-se por tudo e por nada.

Parece ainda que a taxa de sinistralidade dos oponentes do Sr. Paul Kagame é muito elevada.

Então, por uma questão de mera sobrevivência, os cidadãos ruandeses dissidentes do regime fogem. Aparenta que há refugiados políticos do Ruanda um pouco por toda a parte e consta que o Senhor Kagame, que se acreditarem foi re-eleito na última vez com uns estonteantes 98.47% dos votos a favor, de vez em quando manda esquadrões da morte para os eliminar fisicamente, preferencialmente com dois tiros na cabeça. Também os há em Moçambique, e presumo que pensariam estes, por estarem longe, estarem mais seguros. Até formaram uma Associação.

Mas afinal nem por isso. Li – e isto antes do anúncio da expedição punitiva ruandesa a Cabo Delgado – que um cidadão ruandês refugiado em Moçambique fora “suicidado” na Inhaca. Desapareceu. E acho que houve mais um caso.

Surgiu entretanto a questão de serem os militares do Ruanda que foram para Cabo Delgado fazer o que os moçambicanos não fizeram em dois, três anos. É um grande favor.

Um que dificilmente tem preço.

Paul Kagame é, então, o novo melhor amigo de Moçambique.

Que tem para com ele uma dívida de sangue.

E os Ruandeses dizem que fazem aquilo tudo da bondade dos seus corações.

Entretanto, hoje, o jornal do Marcelo, que leio quase sempre e que raramente falha nestas coisas, publicou o seguinte:

Uma reportagem posterior da Deustche Welle deu mais alguns detalhes. O assassinato na Matola não foi coisa simples de um gajo com uma pistola. Não. Eram três carros cheios de gente numa perseguição e o cidadão ruandês a quem Moçambique deu refúgio levou seis tiros na cabeça.

Mas ninguém realmente viu as caras e as matrículas.

São “desconhecidos”.

Em Kigali, o Senhor Kagame deve ter recebido as notícias.

Sem surpresa.

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