THE DELAGOA BAY REVIEW

19/02/2013

LOUIS ARMSTRONG E SAINT LOUIS BLUES EM MOÇAMBIQUE, 1971

A capa do disco de 33 rotações, dos anos 50, de Louis Armstrong, baseado num documentário feito pelo grande Ed Murrow.

A capa do disco de 33 rotações, dos anos 50, de Louis Armstrong, baseado num documentário feito pelo grande Ed Murrow.

Tive alguma sorte em ter tido o pai que tive. E uma das sortes foi, em boa parte por causa dele, ter crescido numa casa com livros bons para ler, o que me ajudou a criar o hábito de ler, que considero útil, mas também de poder conhecer e aprender a apreciar boa música. Descobri pela primeira vez, na casa que os meus pais alugavam na Polana, em Lourenço Marques – hoje Maputo, a capital de Moçambique – o prazer da música clássica e do jazz. Beethoven, Sinatra, Debussy, Gounot, Bizet, Louis Armstrong e Walter Wanderley, todos estavam disponíveis, num monte de discos de 33 rotações, que eu ia descobrindo e podia tocar num velho gira-discos que ligava ao velho rádio Telefunken do Pai Melo, anos antes de uma pequena bolha de prosperidade ter possibilitado a evolução para um sistema de stereofonia.

É sobre Louis Armstrong que eu queria escrever umas linhas. Aos dez anos de idade já conhecia vários dos seus discos e simplesmente adorava ouvir as suas baladas, que eram para mim autênticos hinos. Mas não só. A sua presença no filme Hello Dolly, com Barbra Streisand, que vi algumas vezes pendurado no camarote do lado direito do Cinema Scala, na baixa, e ouvi depois dezenas de vezes em casa, quando mais tarde consegui adquirir o disco, e ainda o impacto do que acabou por ser talvez um dos sucessos maiores e mais inesperados da sua carreira – What a Wonderful World – que saiu em 1968, tudo isso representava um dos grandes prazeres da vida de então para mim, alheio às vicissitudes e dramas que poderiam rodear uma já de si despreocupada pré-adolescência. Louis Armstrong foi o único artista por quem eu alguma vez chorei, quando, na primeira semana de Julho de 1971, soube pelo Rádio Clube que tinha falecido. Foi tragicómico, eu com 11 anos choroso o dia inteiro, a família toda a interrogar-se o que é que se passava comigo (típico, quando finalmente, e em confidência, pensava, revelei a causa da minha tristeza à Mãe Melo, toda a família e arredores se pôs a gozar comigo, o que me deixou revoltado).

De longe, para mim o símbolo e o expoente dessa era de descoberta e deslumbramento musical é a canção cuja gravação reproduzo em baixo, contida num disco que o Pai Melo tinha em casa, e que ainda tenho guardado volvidos estes anos todos, e que descobri por acaso esta noite que uma alma caridosa colocara no Youtube. E que deixo aqui como registo. Trata-se talvez do maior dos hinos do velho jazz americano, Saint Louis Blues, composto numa noite (supostamente) por W. C. Handy.

Aqui gravado ao vivo no Lewisohn Stadium em Nova Iorque em 14 de Julho de 1956, por nada menos que Louis Armstrong e a sua banda de então, os All Stars, acompanhados pela Orquestra Sinfónica de Nova Iorque, dirigida pelo incomparável Leonard Bernstein. Na audiência, sentado à frente, nada menos que o próprio W.C. Handy, então com 83 anos e já cego.

Absolutamente sublime.

15/08/2012

SÓ SE VIVE UMA VEZ

Filed under: Frank Sinatra, Sinatra em Moçambique — ABM @ 9:48 pm

A Voz.

Do meu ponto de vista, este foi o mais memorável concerto de Sinatra. Foi no Madison Square Garden em Nova Iorque, na noite de domingo, dia 13 de Outubro de 1974. Dois meses antes, nos EUA, Richard Nixon demitiu-se de presidente dos EUA em desgraça, na sequência do escândalo de Watergate. Um mês antes, os mandantes do golpe de estado militar em Portugal entregaram o governo do então Estado de Moçambique, onde eu nascera e vivia em infantil e iludida felicidade, aos comissários da Frelimo, depois de um acordo assinado num país ao Norte e que foi celebrado em Lourenço Marques de forma digamos que politicamente menos correcta. E uma semana e um dia depois deste concerto em Nova Iorque, uma qualquer altercação entre militares na baixa de Lourenço Marques descambou em mais um incidente grave, acelerando o êxodo maciço dos brancos de Moçambique, de súbito tornados personnas non gratas. Na Ásia, os norte-americanos perdiam o pulso ao Vietname do Sul, que deixariam precisamente no dia 25 de Abril de 1975, o mesmo dia em que, já eu em Coimbra a estudar num liceu e a nadar, os portugueses elegiam uma Assembleia Constituinte, desferindo a primeira machadada no plano comunista de simplesmente tomar o poder. Ainda assim tentaram. Até ao fim do outono de 1975, o país estaria a ferro e fogo, a seguir viria a República Socialista, uma palhaçada medíocre, tépida e demagoga que só entraria em falência técnica em meados de 2010 com José Sócrates. Ao lado do Vietname, no Laos, ainda em 75, um obscuro general comunista, Pol Pot, iniciou um dos grandes e mais insanes massacres do Comunismo no Século XX, que em dois anos chegou a um total estimado de dois milhões de pessoas deliberadamente mortas.

Estes foram tempos não menos memoráveis para um jovem com 14 anos de idade, o sétimo de oito filhos dum casal açoriano com um marcado sentido de aventura “imperial”, que despertava cedo para o mundo e para os verdadeiros desafios da vida.

Mas Frank Sinatra, que aprendi a gostar de ouvir com o meu pai no seu modesto gira-discos em Lourenço Marques, é Sinatra. Inconfundível, inimitável, genial, o seu repertório o luxo de uma geração. Em 1975, em Coimbra, com 15 anos de idade, matei-me em poupanças e nem sei bem como, comprei um disco da Voz, que ouvi vezes sem conta e com o qual de olhos fechados celebrava a vida e o futuro enquanto tudo se parecia estar literalmente a desmoronar em meu redor. Não desisti. Nada disso. Ainda o tenho. O disco de Sinatra resume o concerto que, graças a um simpático senhor no Youtube, se pode ver e ouvir em baixo.

E cujo hino, My Way, dedico, um tanto parola mas genuína e sentidamente a algumas pessoas:

Ao Manuel Petrakakis, que partilha o meu apreço sinatriano e me fazia o favor de o tocar quando eu ia para a Costa do Sol comer os camarões no restaurante dele nas noites quentes da agora Maputo.

Ao grande Kok Nam, um grande homem que fazia grande fotografia, relação do meu pai que também foi minha, que esta semana foi cedo demais e cuja vida pretendo celebrar mais uma vez.

Ao Luis Nhachote, que mantém acesa a chama do grande jornalismo em Moçambique quando parece que há gente que se prostitui por duas moedas.

Ao meu pai Melo, que me ensinou uns truques para encarar a vida.

Ao meu irmão Chico.

31/12/2011

ENTRADAS EM 2012 COM A BANDA DE ROSY AND RALPH AND THE SCARECROWS

Felizes Entradas EM 2012 - se possível.

 

Boas entradas a todos os exmos. Leitores. Cá estamos para dialogar neste que promete ser um ano de arromba.

O início de 2012, ou melhor, o fim do ano de 2011, foi para mim assinalado por uma discreta mensagem pelo Feicebuque do Sr. Ralph Pretorius, desde a Itália.  Não estava a ver quem era, até abrir a sua página e fiquei literalmente de boca aberta.

Era Ralph, da banda Ralph and Rosy and the Scarecrows.

Wow!

Vou explicar.

A banda Ralph and Rosy and the Scarecrows, foto tirada no no palco do Dancing Aquário na Rua Araújo em Lourenço Marques, no final dos anos 1960. Da esquerda: Maurílio, Amaro, Rosy, Rui, Ralph e António Pedro Rocha.

Para além do desporto, o Grupo Desportivo Lourenço Marques tinha uma vida social bastante activa, à semelhança da maioria dos restantes clubes da cidade.  Provavelmente os momentos mais altos dessa actividade eram o Carnaval e a Festa de Passagem de ano. Onde, por se estar em plena estação quente e de chuva, acontecia tudo, desde noites de calor de fugir a trombas de água que deixavam a zona onde se dançava encharcada (houve um ano em que choveu tanto que a piscina grande transbordou de água para o relvado).

Mas houve um ano que nunca esqueci.

Foi o ano em que a banda de Rosy and Ralph tocaram no Desportivo no baile de passagem de ano. Tendo eu nascido em 1960, na altura eu devia ter entre os 8 e os 10 anos de idade. Na altura eu não percebia nada de nada nem sabia quem ia tocar.

Mas quando a banda se colocou no pequeno palco improvisado na esplanada do Desportivo e começou a tocar, fiquei absolutamente hipnotizado pela sua música em que a Rosy era a “lead singer”.

A banda de Ralph Pretorius - Rosy Ralph & the Scarecrows no Dancing Aquário, cujo gerente era o Gil Ogeda. Oh, pois. Esse mesmo.

Até esta noite de passagem de ano, foi uma memória que nunca esqueci, mas que era ténue em termos específicos, até ver estas fotos do Ralph.

O Ralph diz que a Rosy já não está connosco desde há quatro anos atrás. Mas não é verdade. Nas minhas memórias ela estará sempre presente, linda, enigmática e perfeita na forma como ela cantou e dançou naquela noite duas vezes “The age of Aquarius” e “Let the Sun Shine In”.

Que é também o meu signo.

Fiquei nas estrelas.

Um Feliz 2012 para Ralph e a Família Pretorius e para todos.

E muito obrigado pelas boas memórias. Das melhores.

A banda tocou em vários países, e aqui na Itália. Da esquerda: Rosy, Silvio,Claudio,Luca Ralph e Johnny.

A canção de que nunca mais me esqueço ter sido tocada pela Ralph & Rosy em Lourenço Marques:

17/12/2011

ZECA AFONSO EM LOURENÇO MARQUES, 1964-1967

Filed under: Música, Zeca Afonso e Moçambique — ABM @ 2:38 pm

José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, ou Zeca Afonso, falecido em 1987, e cuja música marcou uma era e permanece um valor apreciado, teve uma relação indescurável com Moçambique.

Entre 1937 e 1938 esteve brevemente em Moçambique (8-9 anos de idade) onde viveu pela última vez juntamente com os pais e irmãos, que viviam em Lourenço Marques (e tanto quanto eu saiba, viveram, até 1974).

Dois dos seus filhos cresceram em Lourenço Marques.

A filha mais nova, Joana, nasceu em Moçambique em 1965

Entre 1964 e 1967 deu aulas de geografia no Liceu Pêro de Anaia na Beira (1965) e em Lourenço Marques no Liceu António Enes, este último que eu frequentei brevemente entre os 13 e os 14 anos.

Em 1967 regressou à então Metrópole, deixando os filhos com os seus pais.

Zeca Afonso, ao centro de óculos e gravata, com os rapazes em Lourenço Marques, no Liceu António Enes. A foto é do Filipe Vieira.

Na Beira, quando deu ali deu aulas por um período, musicou Brecht na peça A Excepção e a Regra e colaborou com o Teatro de Amadores da Beira.

A sua Canção de Embalar foi também composta em Lourenço Marques em 1965. “Toada medievalesca em tom menor. Letra e música ocorreram quase simultâneamente. A estrela d’alva surge acima do horizonte para os lados de Xipamanine com a cumplicidade das res­tantes. Quando os adultos dormem e as luzes se apagam nas janelas os meninos levantam-se e vão cumprimentar as estrelas.”

Sobre a canção do Desterro (emigrantes) do Álbum “Traz outro amigo também” de 1970, José Afonso terá dito: “[foi] sugerida em Lourenço Marques, pela leitura dum artigo da Seara Nova sobre as causas da emigração portuguesa. Tenta-se evocar a odisseia dos forçados actuais, partindo em modernas naus catrinetas, como os Mendes Pintos de outras épocas, a caminho dum destino que na História se repete como um dobre de finados.”

Sobre como foi em parte Lourenço Marques para Zeca Afonso, José de Viseu escreveu o seguinte: “Conheci-o na Beira, aí por alturas de 1959. Era professor do Liceu. Pediu-me para lhe arranjar um guitarrista, pois sabia compor, cantar e de que maneira, mas os seus conhecimentos na guitarra eram parcos, como me confessou.
Falei com o Fernandes, amigo, que tinha um conjunto que tocava no Beira Terrace nos fins de semana e feriados.
O Fernandes era pai da Zizi, uma cantora de muito mérito e que num concurso promovido pelo Rádio Clube de Moçambique, “Moçambique a cantar” ou coisa parecida, foi destronada por uma cançonetista bastante inferior, mas que era filha do então Presidente da Câmara Municipal da Beira. Para ser agradável ao Zeca, que já tinha nome pelas canções que se ouviam muito em segredo, o Fernandes lá tentou o guitarrista. Não soubemos se o conseguiu ou não pois entretanto fomos transferidos para Lourenço Marques. Aqui, decorridos alguns meses encontrámo-nos de novo nas tertúlias do Café Continental, onde na companhia do Dr. Filipe Ferreira, Dr. Barradas, mais tarde professor do Conservatório Nacional, Armando Morais, o médico dos C.F.M., Zeca Afonso, sempre só e nós, com as respectivas esposas, conversávamos sobre os problemas que então nos inquietavam. E eram muitos. A guerrilha no norte, a política na Metrópole, a incerteza de um futuro que muitos de nós acreditávamos ser de crise grave, a polícia secreta, que sabíamos estar ali ao nosso lado tentando escutar as nossas conversas, as injustiças que havia em determinados sectores da Administração Pública, nomeação de pessoas colocadas directamente pelo Governo Central em lugares que gostaríamos de ver ocupados por moçambicanos, a falta de liberdade de imprensa que era obrigada a publicar notícias, que só poderiam ser compreendidas pelas entrelinhas, a leitura do Le Monde, que o Armando Morais recebia directamente do Consulado Geral da França em Lourenço Marques e que era proibida e que passávamos uns aos outros para ler sofregamente pois dava especial realce às notícias sobre Portugal, a politica ultramarina do governo de então e a forma como era entendida a guerrilha pelas nações europeias e Estados Unidos e a possível independência de Moçambique, tendo em vista a posição dos Democratas de Moçambique, bem como as ideias oriundas da Frelimo, tudo bem reflectido pelos vários comentadores do Le Monde.
O Zeca muito dado a explosões de revolta, exprimia-se quase sempre em voz alta, não se importando que estivessem ou não na vizinhança os pides que vigiavam o local. Alguns não disfarçavam e olhavam em desafio para a nossa mesa, como se fossemos nós agentes do mal…Sabíamos quem eram, pois não era normal que para ali viesse tanta gente, desconhecida, com aquela côr “muito branca”…de quem chegara recentemente da Metrópole. As nossas tertúlias do Café Continental!… Ainda hoje nos lembramos de como nos faziam bem…”

Talvez a memória mais gráfica desses tempos seja a que se segue, de Guilherme Pereira:

“Nos meados dos anos sessenta (1965), aluno do então 4º ano do liceu, em Lourenço Marques, vi na pauta que esse ano teria como professor de geografia e história um tal de José ( nota: a pauta omitiu o nome Afonso) Cerqueira dos Santos, ilustre desconhecido. O professor, soube depois, tinha sido proíbido de ensinar no então continente e desterrado em Moçambique, sob condição, da PIDE, de não se meter em política. Sentado na primeira fila da aula, reparei no primeiro dia de aulas que o professor trazia um par de peúgas de cores diferentes. Penteava-se com os dedos. O ar era displicente, o sorriso cúmplice e doce. Tais ingredientes, por serem nesse tempo contra a corrente, fascinaram-me. Apresentou-se timidamente e omitiu a actividade no mundo das cantigas. Era um professor excepcional. Incitava-nos à investigação e a questionar tudo, desde os manuais a ele mesmo. Retive para sempre uma frase:” Não estou aqui para impingir, mas para insistir e resistir, convosco de preferência”.

Um dia, na discoteca Baily, em Lourenço Marques, descobri entre os velhos discos em saldo, um single com o meu professor agarrado a uma velha viola. Zeca Afonso. Duas músicas: “Menino do Bairro Negro” e “Natal dos Simples”: Comprei o disco. Na aula seguinte, quando os colegas tinha saído, confrontei o professor com o disco. Disparou, estupefacto: “Onde é que arranjaste isso?”. Expliquei o que se tinha passado. O espanto do mestre era legítimo – ele fora expulso de Portugal e proscrito nas rádios justamente por causa daquele disco e das posições que defendia em defesa dos humilhados, contra a hipocrisia intelectual dominante, todos os dogmatismos e o regime fascista.

Havia, no então Rádio Clube de Moçambique, um programa em que semanalmente eram divulgados os cantores mais votados. Elvis Presley liderava. Organizei no liceu uma votação para o disco do nosso professor. Teve adesão maciça. Na semana seguinte, Zeca Afonso liderava o “Hit Parade” e assim esteve durante nove semanas. Tive que emprestar o disco ao radialista João de Sousa, mais tarde meu colega, que desconhecia o autor. A PIDE acordou. Mandaram confiscar o móbil do crime, sentenciando a proibição do cantor. Por essa altura, já eu andava em tertúlias clandestinas com o meu professor. Ele cantava. Eu dizia o “Mostrengo” de Fernando Pessoa. Imaginam o resultado: no fim do ano, a PIDE decretou novo exílio ao professor, que foi ensinar para o Liceu Pêro de Anaia, na cidade da Beira, a mais de 500 quilómetros. Depois, seria recambiado para Portugal e definitivamente banido do ensino.”

E uma nota do Professor João Boaventura, que foi meu professor de ginástica no Liceu António Enes: “Lembro-me de [Zeca Afonso] me ter perguntado qual era a actividade desportiva que lhe podia aconselhar, tendo-lhe indicado o judo porque estava em Lourenço Marques um colega meu, o Prof. Pedreira, a ensinar a arte marcial. E de facto foi praticante interessado e aplicado.”

Para quem quiser ler mais umas coisitas, o Alexandre Felipe Fiúza escreveu um texto com 21 apetitosas páginas algo pomposamente intitulado Representações do Espaço Africano na Moderna Canção Popular Portuguesa: O Caso José Afonso. Que pode ser lido premindo AQUI.

E aqui vai a Canção de Embalar:

E um testemunho em vídeo sobre os seus tempos de Moçambique:

12/12/2011

AS DÍVIDAS SÃO PARA SE PAGAREM

Crise? Qual crise? Um grande álgum dos Supertramp, 1975. Tema desta pequena crónica sobre o momento que se vive em Portugal.

(em cima, a incomparável Marlene Dietrich cantando “Para onde foram as flores” em Londres, 1972. Para além de grande actriz, foi sempre anti-nazi, o que lhe valeu ter sido ostracizada por muitos dos seus compatriotas).

Sempre paguei as minhas dívidas. Mesmo quando não tinha dinheiro, sempre paguei as minhas dívidas. Nunca pedi dinheiro emprestado, sabendo que não o quereria ou poderia vir a pagar. Se tinha dificuldades em pagar, arranjava maneira de liquidar as minhas dívidas. Antes de pedir dinheiro emprestado, fazia contas detalhadas ao centavo, para ver como e quando é que iria pagar o que devia.

É normal. Isto faz parte da vida e não consigo ver as coisas de outra maneira.

Não confundo, nem sou capaz de induzir alguém a confundir, entre “emprestar” e “emprestadar”. A isso chama-se enganar o próximo.

Especialmente amigos e “amigos”. Essa é uma das maiores traições a que assisto e que, no meu caso, dificilmente consigo perdoar.

Se respeito o meu dinheiro, respeito muito mais o dos outros, pelo mero facto que considerei sempre ser um enorme privilégio, e uma marca de respeito e confiança depositadas em mim, quando alguém me emprestava dinheiro ou pedia conselho sobre dinheiro. Trair esse respeito e essa confiança, não o pagando (com juros) é para mim entre as maiores falhas de carácter e de formação que posso conceber.

Com já meio século de existência, já passei por desafios de toda a ordem e, também por razões da profissão que exerci, distingo claramente entre vários tipos de pessoas: as que sabem gerir dinheiro e as que não sabem gerir dinheiro, e as pessoas que têm palavra e as que não têm.

As pessoas que não têm dinheiro e não têm forma de o pagar têm um nome: são pobres – ou para lá caminham.

Eu já fui pobre. Hoje considero-me remediado a resvalar para o pobre (mas não de espírito). Mas, por experiência e por ter a abertura para o conceber, sei o que é ser pobre. Sei o que é ganhar dinheiro e sei o que é perder dinheiro. Ambos os casos exigem uma boa dose de controlo, de humildade e especialmente de carácter. Nada me exaspera mais que ouvir alguém que é, ou se tornou pobre, e que teima em não o constatar. Quem é pobre não pode ter vícios e tem que trabalhar se quiser deixar de ser pobre.

Nos dias em que correm, ser-se pobre, não sendo agradável, tende a não ser um estatuto social, que já foi, quase como uma casta. A pobreza supera-se pelo trabalho e a educação, especialmente a educação. Para quem tem idade para trabalhar e uma educação mínima, a pobreza é por definição uma situação transitória. Para quem não tem idade para trabalhar, assisto com exagerada frequência jovens – que são por definição pobres – a viver alegre e por vezes exuberantemente à custa dos pais, abusando vergonhosamente do compacto social geracional, enquanto que os mais velhos minguam vergonhosamente na miséria, sem o apoio desses jovens, que entretanto cresceram e que insistem em tentar viver a boa vida sem ter em conta o outro lado da moeda desse compacto social geracional.

Os esquemas e apoios dos governos valem o que valem, especialmente no caso dos mais velhos. Em Portugal, o governo faliu. Faliu porque gastou muito mais do que arrecadava em termos de impostos e faliu porque pediu emprestado tanto dinheiro que já nem os juros consegue pagar.

A palavra de um governo expressa-se nos documentos de dívida que assina e que entrega a terceiros, que lha concedem. A partir de meados deste ano, em Portugal, a palavra do governo deixou de ter qualquer valor. Por isso, teve que “pedir ajuda”. “Pedir ajuda” significa pedir mais dinheiro emprestado, desta vez acompanhado de algumas garantias de que “desta vez” vai arranjar maneira de pagar o que deve, corrigindo o seu caminho, que é arrecadar mais dinheiro e pagar atempadamente o que deve.

Quanto a isso, acredita quem quiser. Os mercados tendem a não acreditar.

Neste processo, as responsabilidades pessoal e a colectiva entrecruzam-se. Na actual crise portuguesa, pessoas que sempre pagaram o que deviam e pouparam nos tempos da fartazana estão a ser coagidas a cobrir as asneiras de quem se endividou e viveu acima das suas posses durante, nalguns casos, décadas. Noutros casos, pessoas sem grandes posses viram o tapete ser-lhes puxado por baixo dos pés, ou porque são empregados do Estado e o Estado cortou-lhes o salário, ou porque a economia inverteu e perderam os empregos. Nestes, perdem desmesuradamente mais os segundos, mas os primeiros falam como se fosse o fim do mundo e até fazem greve. Os desempregados não fazem greve. Não podem.

Ficaram mais pobres e não gostam. Mas por ficarem mais pobres, devem procurar reduzir nos seus custos e limpar as suas dívidas. Quem é pobre não pode e não deve ter vícios. Se não conseguem, devem falar com quem devem dinheiro e negociar uma situação alternativa. Não dizer nada e não fazer nada é irresponsável.

Portugal não ficou mais pobre em 2011. Portugal foi sempre pobre, muito mais do que se suporia ao se olhar para o que as pessoas, as empresas e o governo faziam até há pouco tempo. No fim, apenas se andaram todos a enganar nos últimos quinze anos e finalmente, graças a um contexto internacional muito grave e uma última loucura de um agora ex-primeiro-ministro, sujeitaram-se a uma mudança tectónica na medida em que essa realidade se tornou incontornável.

Agora, as pessoas, as empresas e o governo lamentam-se e procuram formas de lidar com a situação.

Uma das formas é consumir menos, o que vai provocar falências e mais desemprego, menos impostos e por essa via menores gastos do governo, nomeadamente com apoios sociais e reformas. As consequências vão ser claramente negativas e corre-se o risco de uma espiral em que uma coisa alimenta outra.

Um dos argumentos mais apetecíveis para lidar com esta situação é, em vez de se trabalhar mais e arranjar maneiras de ir buscar o dinheiro para se pagar o que se deve, é ….não se pagar o que se deve.

O argumento mais simples é que a culpa é de quem emprestou o dinheiro, não de quem o pediu emprestado e que agora diz que se enganou ou que não sabia o que estava a fazer. Ou a melhor: que foi enganado.

Ao nivel macroeconómico, o ajustamento à nova realidade tem sido penosamente demorado, como sempre parece a ser a tendência em relação às coisas portuguesas. Aumentaram-se e vão-se continuar a aumentar os impostos, e espera-se que se arranje maneira de diminuir as despesas do governo, o que não está a acontecer.

O grande embate virá no próximo ano, se entretanto Portugal não sair do euro, o que, a acontecer, será uma catástrofe sem precedente. Nesse embate, irá haver um confronto entre uma realidade em que, no mercado de trabalho, os que ainda têm empregos tê-los-ão mais ou menos garantidos, e outra, em que cerca de um milhão de desempregados (jovens e “velhos”) não terão nada e ficarão sem nada.Nem sequer subsídios de desemprego ou poupanças. Face à grandeza dos números e o seu impacto, poderá haver consequências. Entre elas a tentação de não se pagarem as dívidas. Ou de partir para aventuras políticas pouco condicentes com a actual dispensação constitucional.

Mas neste capítulo já está a haver um custo. Ninguém já empresta dinheiro a Portugal e a empresas e bancos portugueses há quase um ano.

Ninguém a não ser o Banco Central Europeu, sem o qual Portugal já teria, mais do que falido, entrado em colapso total. O BCE não é o credor de último recurso na União Europeia. Mas tem-no sido para Portugal, em parte porque, contabilisticamente, Portugal é irrelevante em termos económicos na Europa – 1 a dois por cento do seu PIB.

Muitos acusam agora os alemães de intransigência em bloquear a abertura das comportas do financiamento “barato e farto” europeu. Esquecendo-se que isso para os alemães significa serem eles a pagar do bolso deles pelas asneiras feitas por, entre outros, os portugueses. Ainda por cima sem qualquer garantia de que não voltariam a fazer a mesmíssima coisa logo a seguir.

Este fim de semana, esperava-se um “momento da verdade” numa reunião de líderes europeus. Em que os putativos maus da fita eram os alemães, que, pelos vistos, um pouco como eu, acreditam que as dívidas são de quem as contraiu e são para serem pagas. Daí resultou uma solução meio acinzentada e imprecisa de se vir a fazer alguma coisa num futuro próximo. Ganhou-se algum tempo, apenas, os britânicos mais uma vez e como sempre ficando à margem da festa.

A economia de mercado tem disto: periodicamente, da mesma maneira que produz riqueza, ajusta-se às novas condições do mercado. Nesse ajuste, não se compadece com os desejos dos governos e menos ainda com o bem estar e “direitos adquiridos” dos seus eleitores. O que urge é, dentro do que se pode fazer, tentar prevenir contra a miséria (que se distingue da pobreza e a qual não permite uma vivência digna).

No fim, os alemães, que pagaram há cem anos a ferro e fogo e aprenderam a lição (tiveram o inferno de Weimar, a depressão, Adolf Hitler, uma guerra intestina) têm razão: a melhor maneira de não ter que lidar com as dívidas excessivas é mesmo não pedir demasiado dinheiro emprestado.

Tivesse agido desse modo, Portugal não estaria na posição em que se encontra hoje.

E a mesma lição se aplica a todos e cada um de nós.

Tudo o resto é conversa.

De mau pagador.

01/12/2011

O FADO EM MOÇAMBIQUE ATÉ 1973: UM ESBOÇO, POR MARGARET NABARRO

Em Lisboa, a grande Maria João Quadros, do Clã Quadros, continua a promover o fado, com uma pitada de piri-piri moçambicano. Uma bela foto de Chico Aragão, com um retoque meu.

Artigo escrito em inglês por Margaret D. Nunes Nabarro no início de 1973 e revisto em Janeiro de 1976, reproduzido e minimamente editado do sítio O Fado e Portugal, inserção de 19 de Agosto de 2004. Se o exmo. Leitor não sabe ler inglês, aprenda que já é altura ou, alternativamente, use o Gúgele Translate.

Para saber quem é a Dra. Margaret Nabarro, veja no fim do artigo.

O artigo:

Not only was the fado heard in Lisbon, but it was also heard in Moçambique, particularly in Lourenço Marques, […]. In theory, Portugal does note have colonies, but the overseas territories were all considered Provinces of Portugal and each province had representation in the Parliament and the Central Government of Metropolitan Portugal in Lisbon (1). Since 1970 there were changes and some of the Government of Moçambique territory was delegated directly to that province (1). Now Moçambique is independent.

With the basic fact in mind that Lourenço Marques was a city within the organization of Portugal, it can be clearly seen that one of the characteristic arts of Portugal, namely the singing and presentation of fado, formed an active part in the life of its citizens (2).

As in Lisbon, in Lourenço Marques there were meeting places where those who wished could go to hear fados sung. Probably the Adega da Madragoa (2), which was in the basement of the Clube dos Lisboetas in the upper part of the city on the hill approaching the Polana area, was the most typical in its setting. The Adega functioned on Thursdays and Saturdays and sometimes more frequently during peak holiday seasons. There was also another meeting place called the Tertúlia Festa Brava. This was a semi-open-air meeting place in amongst the trees bordering the Esplanade and the Avenida da República. This fado-house functioned now on most days and also on Sundays. In 1972 yet another fado meeting place, O Ribatejano, opened in the Bairro Marcello Caetano in Vila Salazar (Now Matola), just outside Lourenço Marques. This place normally functioned ad the week-ends. There used to be another meeting place, the Restaurante Tipico O Fado, which tended to cater more for the tourist, especially the tourists from neighbouring South Africa. The standard was good but, I felt, not quite so critical and particular as the standard in the Adega da Madragoa. In Restaurante Tipico O Fado, the main artists were António Matos, Maria Vicente, Branco Portugal and José António for the singing of the fado. The guitar player (i. e., Spanish guitar player) was Hermenegildo Lopes and the viola player (i. e., the Portuguese guitar player) was Carlos Lopes. The Restaurante Tipico O Fado has now closed but most of the artists have performed in the Tertúlia Festa Brava.

As in Portugal, the accompaniment to the Fado in Lourenço Marques was provided by the two guitarists, the Portuguese guitar providing the melody and the Spanish guitar providing the harmony, often a ground bass. The Adega da Madragoa, although catering for the tourist trade was samewhat more sophisticated. Many of the students and younger intellectuals of the city were attracted to Adega and met there. Most of the people who performed in the fado meeting places were amateurs, but amateurs of a high standard. However, Maria Vicente and Branca de Portugal who used to sing at the Restaurante Tipico O Fado were professional fado singers. They also sang at the Tertulia, the Rádio Clube de Moçambique or even sometimes in the Adega. Eulália Duarte, who for some time ran the Adega da Madragoa, was also a professional fado singer. She was very conscious of the traditions of fado singing and in the early seventies she made another trip to Metropolitan Portugal to study the trends in both Lisbon and Coimbra. Eulália Duarte as a devotee of the Lisbon fado and she sang the many types of variations of the Fado theme heard there. At the Adega, Eulália was usually assisted by several other performers, notable amongst these were Joel Henriques (who also sang in Beira and Luanda), Joaquim Bica and sometimes Hermenegildo Lopes. Lopes also used to play and sing in the Restaurante Tipico O Fado and he sometimes performed in the Tertúlia.

Joel Henriques was a young man who came from Angola and he studied the art of fado singing in Lisbon. Travelling a good deal in the African Provinces of Portugal, he was often asked to sing in the various cities he had to visit for business reasons. Henriques usually sang the more serious and sentimental type of fado, the typical feeling of saudades emanating from his performances. His voice is that of a strong baritone, produced artistically, and he has the ability to control the volume extremely well. He was also able to express his emotional feeling with the dynamics and enunciation of the words.

Joaquim da Bica was an older man and he has a light baritone voice, he was also an amateur but a competent performer who had specialised in what might be called the group fado. He had a delihgtful sense of humour and he was able to develop a style whereby he could, with great ease, get the audience to join in the chorus of the fado.

Hermenegildo Lopes was, I thought, more suited to the playing and singing of the Coimbra style of fados. His performance was much more reminiscent of the Portuguese Renaissance style of the jongleurs and the troubadours. He had a light baritone voice and he sang and plays in a manner very suitable to the performance of the older type of ballad.

The two guitar players at the Adega were Alves Martins on the Portuguese guitar and António Fonseca on the Spanish guitar. Alves Martins was a very clever improvisor and he as remarkably quick to pick up snatches of melody and accompany any fado singer. António Fonseca was very well versed in the art of ground bass and frequently improvised delightful contrapuntal phrases above his ground to add to the beauty of the melody of the Portuguese guitar. Alves Martins made a special study of the musical form of Air and Variations. He has written many compositions based on the folk music of Metropolitan Portugal. During an evening at the Adega it as usual for the guitarist to play a set of Air and Variations as a solo work.

Although most of the fados performed in Lourenço Marques came from Lisbon, there were examples of locally produced fados. Artur Fonseca, the brother of António Fonseca, the guitar player, studied music in Lisbon and he is a composer of considerable repute. One of his best successes is the fado “Uma Casa Portuguesa”. This fado is internationally known and has been sung and recorded in Lisbon by many famous singers including Amália Rodrigues, who is still regarded by most as the “Queen of fado singers”. The libretto of «Uma Casa Portuguesa» was written as a poem by two young Lourenço Marques poets, Matos Sequeira and Reinaldo Ferreira. The first performance was given in Lourenço Marques in the Spring of 1954 (3) at the Rádio Clube de Moçambique and the singer was Sara Chaves. Fado canção, «Triste Viuvinha» (The sad young widow) is another fado written and composed in Lourenço Marques. The words are by Reinaldo Ferreira and the music by Artur Fonseca. Fonseca did not remember the actual date of composition but it is from the same period as «Uma Casa Portuguesa».

Before meeting places such as the Adega became established, much was done by the Rádio Clube de Moçambique to propagate the love and opportunity of listening to fado for the people of Mozambique. Each week on Monday evenings the Rádio Clube presents a programme of fados at nine o’clock usually before an invited audience because this helped to create a better atmosphere. All the professional and amateur performers of Lourenço Marques perform at these Rádio Clube sessions. When occasion warrants, such as the visit of a famous fado singer from Lisbon, special performances were arranged at the Rádio Clube and in some of the fado houses.

A fado singer of considerable repute who was born in Lourenço Marques is Maria João Quadros. She recorded four fados, «Malmequer Desfolhado», «Sou do Fado», «Rosa da Madrugada» and «Não Troces». This record was generally released in Mozambique and Southern Africa during 1970.

A new fadista (4) was proclaimed in April 1968 at the Adega in Lourenço Marques. Her name is Rosa Feiteira. She had a very humorous portrayal of the fado and she received a great ovation for her interpretation of group fado.

Rosa Feiteira.

Amongst the younger generation of students there were two promising aspirants — Manuela Lobo and Zito Pereira. They both have a good background of fado singing in the classical manner and they sang many times in the Adega. Zito was [an]acclaimed fadista in the Johannesburg Portuguese Club and by invitation he performed fados in the Portuguese National Pavillion at the Rand Easter Show, in Johannesburg (5). He had in 1971 and again in 1972 the main billings as fadista at the Adega in Lourenço Marques.

In Lourenço Marques there was an Association of old students of Coimbra University. Amongst these old students was a lawyer, Dr. Almeida Santos, who, whilst in Coimbra, was regarded as an expert in the art of fado singing. Dr. Santos along with the guitarists, Engineer Roxo Leão, Engineer Caseiro da Rocha and Dr. António Pinho de Brojo formed a group in Lourengo Marques. They made an interesting recording (6) with the help of the Rádio Clube de Moçambique. The inscription on the record says that Dr. Santos and his friends dedicate the recordings to the «Homage of the second Holiday Course of the University of Coimbra». Dr. Santos also claims that these fados represent «the most sublime lesson of Portuguese intellectuality”. He goes on to say «that Coimbra taught us; it is neither life nor time with its vicissitudes and contradictions which will be able destroy the Coimbra spirit, tradition or academic solidarity because it is a live inheritance which connects the present with the past of which Portugal is so proud». Dr. Santos tells us that in the Coimbra fado «rests another link between all the scholars of Coimbra of all generations and of all time».

Namaacha is a small town up in the Lebombo Mountains not far from Lourenço Marques. Being much cooler in the hot summer weather, it was a popular resort of the Lourenzo Marquians. The owner of the bookshop, Livraria Académica, Dr. A. Nunes, used to get together a small group of people who sometimes arranged fado evenings in Namaacha. These evenings tended to follow the Coimbra tradition rather than the Lisbon tradition.

Fado singing was also done in Beira but it was not so well organized as in Lourenço Marques. There is not a special fado house but in the Boite — «Ronda do Fado» at the Hotel Moulin Rouge there were periodically fado evenings. The Ronda do Fado was run by Alfredo Duarte Marceneiro, who is the son of the famous Lisbon fadista, Alfredo Marceneiro. Alfredo Duarte Marceneiro was not very happy in Lisbon so apparently at quite a young age he ran away and eventually settled in Beira after a chequered career as a comedy entertainer. In Beira he conceived the idea of a fado house but eventually resorted to the odd fado evenings instead of the usual cabaret at the Boite. He sang fado himself but tended to be more of a comedian rather than a fadista. When occasion warranted it, Eulália Duarte, Alves Martins, António Fonseca and Zito Pereira flew up to Beira to present Fado in the «Ronda do Fado». There were one or two very amateur groups in Beira who kept the art of fado singing alive at private parties but they were nothing like the standard of the amateurs available in Lourenço Marques.

In Nampula in the north of Mozambique they also tried occasionally to organize fado evenings. Unfortunately there was no resident guitarist so it was usually a visitation the Adega group in Lourenço Marques with a few of the local amateur fadistas joining in. Johannesburg in South Africa, a close neighbour by African standards to Lourenço Marques, supports a large Portuguese community. Largely due to the excellent work of the Social Centres of the Catholic Church at the Cathedral of Christ the King and at St. Patrick’s in La Rochelle, fado evenings are now regularly held in Johannesburg. These evenings started off as purely small local affairs in Cathedral Place and in the Parish Hall in La Rochelle but they have now spread considerably in the City and recently two fado houses, the Chave d’Ouro and the Vasco da Gama have opened in Johannesburg. These two places function basically as Portuguese restaurants but now at the weekends they arrange for the best Portuguese talent available in Johannesburg to perform. For special occasions the group from Adega da Madragoa were invited to Johannesburg. Since the Independence of Moçambique quite a number of fadistas from Lourenço Marques now live in Johannesburg. One of the people who was responsible for the upsurge of interest in fado in Johannesburg was Sr. Rui Forjaz de Brito, formerly Noticias correspondent in Johannesburg. His family are the owners of the fado house in Lisbon by the name of «Timpanas» where they specialise in Modern Fado. Presently fado is enjoying tremendous popularity in Southern Africa, particularly in Johannesburg. It has been very much encouraged formerly in Lourenço Marques and now in Johannesburg as a morale booster.

The war activities sapped a lot of the young man-power for the fighting forces who went up to the North of Moçambique. The singing and performance of fado creates a solidarity amongst all the Portuguese peoples wherever they are in the world.

Notes: (1) This was originally written in 1972-1973. (2) Adega da Madragoa, Clube dos Lisboetas, Avenida de Brito Camacho, 580, Lourenço Marques. (3) The exact date of the first performance does not appear to be recorded but it is thought by Artur Fonseca to have been in September 1954. He composed the work during the winter period (June/July) of that year. It was first recorded by Amalia Rodrigues on a 78 r. p. m. record during the latter part of 1955. (4) Fadista — the name given to a fado singer who has by public acclaim been voted as a worthy, accurate and correct performer of the art of fado singing. (5) This happened in April 1968. He sang as a fully fledged fadista at the Adega da Madragoa, in Lourenço Marques .(July 1972). (6) «Coimbra em Lourenço Marques» — Alvorada AEP 60 544.

Sobre a AutoraMargaret Nabarro studied Geography and Anthropology at the University of London and Musicology, Practical Music and English at the University of Birmingham (England). She holds the Graduate Diploma of the Birmingham School of Music and she has the Diploma in Education of the University of Birmingham. In 1953 she emigrated from England to South Africa when her husband became Professor of Physics in the University of the Witwatersrand, in Johannesburg. She continued her studies in Musicology at the University of the Witwatersrand and later at the University of South Africa, in Pretoria. She obtained the degree of Master of Music for a dissertation on The Structure of Viols and Violins and an Analysis and comparison of some of the music written for these instruments. Margaret Nabarro became a Research Fellow in the Ernest Oppenheimer Institute of Portuguese Studies at the University of the Witwatersrand. In this capacity she began a study of Musicology in Portugal and Moçambique. She has prepared a study on the Structure of the musical instruments of the Chop! tribe in Moçambique. In Lisbon and Coimbra, Margaret Nabarro made an intensive study of the fado. With this background she then studied fado in Lourenço Marques and this work lead to the article presented here. She has also spent some time working at the University of Lourenço Marques. After consultation with the late Professor A. Jorge Dias and his wife, Senhora Margot Bias, about methods to be used, Margaret Nabarro made two extensive study tours in Portugal in the Bragança-Miranda do Douro area and in the region of Castelo de Vide and Marvão. Here she worked amongst the Marranos, discovering much about their customs, cultural background and music. She has flow taken her degree with a D. Musicololy Doctoral thesis in Ethniomusicology titled “The Music and Cultural background of the Western European Sephardi Jews and the Portuguese Marranos: An Ethnomusicological Study” (1975).

E agora silêncio que vai cantar a Maria João Quadros.

O FADO PORTUGUÊS MAIS MOÇAMBICANO

Em baixo, o fado, cantado pela diva.”] Crónica dedicada à Maria João Quadros e ao José Luis Silva.

A propósito de se achar que o fado passou a ser mais hoje que há uma semana.

Hoje em dia é quase politicamente incorrecto alguém debruçar-se sobre o que é e o que era – pelo menos para alguns – ser-se, ou ter-se sido, português em Moçambique. Por todas as razões e mais alguma, a experiência, sustentada nos alicerces de uma imposição colonial, ruiu como um baralho de cartas. Se não necessariamente assim, tinha que ser. A esmagadora maioria dos cerca de (e meros) vinte mil portugueses que por lá andam estes dias nem suspeitam como foi e, às vezes infeliz e caricatamente, focam-se quase unicamente na sua recém-adquirida “moçambicanização”, vestindo toscamente a nova capulana cultural, dizendo “maningue”, deixando aquilo que são metido na gaveta para quando vão de férias à terrinha ver os familiares, os amigos do liceu e fazer umas comprinhas à FNAC no Colombo. Como se enganassem alguém com essa postura, em particular os moçambicanos. Em Portugal, tornam-se estrangeirados – o termo vernacular mais venenoso é “cafrealizados”, estatuto que a RTP Internacional e a internet atenuam de alguma forma. Confrontados por alguns locais com um passado sobre o qual leram nas sebentas, e os que lá estiveram antes, são displicentes e categóricos: esses não eram portugueses como eles. Eram muito piores: eram todos racistas, colonialistas, ressabiados (afinal a despossessão sumária dos seus bens e experiências sem apelo nem agravo será, para estes, justa e merecida) e agora, ainda por cima, saudosistas, termo que de vez em quando estudo com assumido sentido de humor e que, do que assisto, rotula quase tão perfeitamente quem o profere como a quem se dirije.

Tudo isto tão vão como inconsequente, no tempo e numa era de vertiginosa globalização, em que, dentro de vinte anos quase ninguém de entre as partes envolvidas estará vivo para dizer como foi.

Atrás ficarão os mitos, por mais algum tempo.

Depois, tudo será esquecido.

Excepto uns registos resumidos do passado, manietados pelas ideologias prevalecentes, a língua colonial, agora na posse plena das duas populações, e os vultos sorumbáticos das estruturas arquitectuais e demais infra-estrutura, sombras discretas de um passado adivinhado.

Como foi ser-se português, numa estranha diáspora algures no meio da África Oriental Portuguesa, na reluzente Lourenço Marques colonial, nos anos 30, 40, 50 do século XX?

É assunto que daria panos para mangas. No substrato, o enorme confronto entre a pequenez, a tacanhez, a falta de oportunidade e o espartilho social, económico e até moral a que os indígenas portugueses referem em relação à sua terra, e a oportunidade, os “horizontes mais largos” (termo usado por José Maria Tudela numa entrevista ao Correio da Manhã, 23 de Agosto de 2002) e a óbvia descompressão social, moral e material encontrada no caldo colonial urbano moçambicano.

Em que, admita-se, a esmagadora maioria dos moçambicanos negros, excluídos das cidades e da economia, eram pano de fundo. Envolvente, mas pano de fundo mesmo assim.

Apanhado numa geração de transição, eu próprio já só apanhei sombras desses tempos ao mesmo tempo bucólicos e turbulentos, de cujo fim Rui Knoply deu aviso claro num majestoso poema. Felizmente, através de preciosos conhecimentos aqui e ali, vou apanhando histórias, escritos, recolho impressões desse outro mundo e cujo chão me viu nascer.

Assim, aqui assinalo, pela segunda vez neste blogue, e a propósito de o fado (juntamente com a música da mariachi mexicana) ter sido decretado “património imaterial da humanidade, uma pequena mas inesquecível manifestação dessa era.

Este fado – Uma Casa Portuguesa – foi composto pelo Maestro Artur Fonseca, que dirigia a orquestra de salão do Rádio Clube de Moçambique, com letra de Reinaldo Ferreira, poeta e bardo que andou anos por Lourenço Marques, onde morreu e que (ainda) está sepultado no cemitério hoje abandonado do Alto-Maé em Maputo, e Vasco Matos Sequeira, na altura um reconhecido jornalista e poeta, cujo pai, Gustavo, era historiador.

Cantado pela primeira vez pela angolana Sara Chaves no Teatro Manuel Rodrigues em Lourenço Marques numa quase certamente quente noite de uma 4ª feira, 30 de Janeiro de 1952, num sarau em honra de uma delegação do Colégio Militar de Lisboa, que então visitava Moçambique.

Mais tarde memoravelmente interpretado pela diva, Amália Rodrigues.

Este fado é alegre, musicalmente agradável, reprodutor de uma exo-saudade idílica e exageradamente generoso, em parte porque não tropeça nas muitas razões que fizeram com que Portugal, uma miserável pequena ditadura e uma sociedade em quase tudo parada no tempo, fosse um tão apetecível lugar de onde se emigrar. Bom para ser escrito e composto numa mesa do Café Scala em Lourenço Marques, num dia de verão, enquanto se bebia uma Laurentina e mastigava uns tremoços.

Naquela altura, Portugal só era lindo para quem estava em Moçambique porque estava tão longe.

Vindo a sua letra da mão de Reinaldo Ferreira, que supostamente foi comparado apenas com Fernando Pessoa por António José Saraiva e Óscar Lopes e de quem se terá dito ter “o mesmo sentir pensado, a mesma disponibilidade imensamente céptica e fingidora de crenças, recordações ou afetos, o mesmo gosto amargo de assumir todas as formas de negatividade ou avesso lógico”, o poema só pode ser interpretado como um dos mais sublimes exercícios de sarcasmo dos afectos concebidos na língua portuguesa. Talvez aí tenha estado a mão de Vasco Matos Sequeira.

Mas este fado nunca foi visto nem apercebido como tal, em parte por se enquadrar tão precisamente na grelha popularucho-travestipoética prevalecente e imposta nos círculos de então.

Nesse aspecto, para mim, será sempre um fado moçambicano, dos tempos em que alguns ali viviam uma forma muito peculiar de se ser português.

Em que a distância, a saudade e o isolamento se prestavam à alegoria.

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13/07/2011

MOODY’S BLUES

Filed under: EUA, Moody Blues, Moody's Rating Agency — ABM @ 3:14 am

O logotipo da empresa de rating norte Americana Moody's.

Em baixo segue a minha melhor recordação dos únicos Moody Blues que eu conheço há quase trinta anos.

Que me recordo perfeitamente porque foi o primeiro CD que eu comprei na vida, na Stereo Connection junto da Thayer Street em Providence, EUA.

Foi um verdadeiro deslumbre. Ainda tenho esse CD.

Que começa assim:

O poema:

Cold-hearted orb that rules the night
Removes the colours from our sight,
Red is grey and yellow white
But we decide which is right
And which is an illusion.
Pinprick holes in a colourless sky
Let insipid figures of light pass by.
The mighty light of ten thousand suns
Challenges infinity, and is soon gone.

Night-time: to some, a brief interlude,
To others the fear of solitude.
Brave Helios, wake up your steeds!
Brings the warmth the countryside needs


Dawn is a Feeling

Dawn is a feeling
A beautiful ceiling
The smell of grass
Just makes you pass
Into a dream

You’re here today
No future fears
This day will last
A thousand years
If you want it to

You look around you
Things they astound you
So breathe in deep
You’re not asleep
Open your mind

You’re here today
No future fears
This day will last
A thousand years
If you want it to

Do you understand
That all over this land
There’s a feeling
In minds far and near
Things are becoming clear
With a meaning

Now that you’re knowing
Pleasure starts flowing
It’s true life flies
Faster than eyes
Could ever see

You’re here today
No future fears
This day will last
A thousand years
If you want it to

17/04/2011

LISBOA NUM SÁBADO DE PRIMAVERA

No topo do Elevador da Glória, junto ao Bairro Alto.

Vista para a Praça da Misericórdia. À esquerda fica a Igreja de São Roque.

Uma pensão na Travessa do Fala-Só. Na encosta que desce do Bairro Alto para os Restauradores.

Rampa do Elevador da Glória, que liga o Bairro Alto aos Restauradores.

A mesma rampa, vista para cima.

A Rua da Glória, que desemboca para a rampa do Elevador da Glória. Almocei ali à esquerda, onde estão os vasos a entupir o passeio...

Quando ia para Cascais pela Avenida da Índia, depois de visitar um alfarrabista, apanhei uma enorme bicha e tirei esta foto enquanto esperava ao sol. Afinal a bicha de carros devia-se a um semáforo que estava avariado e que só ficava verde durante quatro segundos. E o pessoal parava todo "mesmo". Absolutamente patético. Portugal já não é o que era....

29/03/2011

SOBRE POSE E POSTURA

Winston Churchill, um estudo sobre postura política no século XX.

(em baixo, o inesquecível desempenho da cantora Madonna ao vivo durante a cerimónia dos Prémios MTV em 1990, interpretando Vogue, um estudo sobre pose)

Algumas pessoas, especialmente José Sócrates e os seus acólitos e adeptos, preparam-se para argumentar, durante a campanha para a próxima eleição parlamentar, que ele, José Sócrates, é a pessoa indicada para prosseguir o caminho que ele próprio tem vindo a traçar para Portugal.

Que ele tem as ideias.

A experiência.

A visão e a motivação.

E vão acusar a sua oposição, principalmente os senhores do PSD e do CDS-PP, de o terem derrubado excusadamente, apenas para tomarem o poder e fazerem o mesmo, ou melhor, pior, que ele, invocando uma insidiosa agenda “neo-liberal”.

Os que alimentam essa visão não entendem algo muito fundamental, que a meu ver pode estar por detrás da razão porque, há uma semana, até o seu relutante apoiante, o PSD, em circunstâncias extraordinárias, deixou cair o seu governo, ainda nem a metade de um mandato minoritário de quatro anos.

E o que considero fundamental, reparto em duas partes.

O que é Fundamental Agora, 1

A primeira, é que os líderes devem ser as pessoas indicadas para as circunstâncias.

Se calhar, José Sócrates realmente nunca foi a pessoa indicada para coisa nenhuma. A meu ver, meramente, estava no sítio certo e na hora certa quando, das catacumbas do seu partido, surge do nada para assumir a liderança do PS. A coisa correu bem durante uns dois anos, até que em 2007 a situação inverteu gravemente. Desde aí, o seu desempenho tem sido essencialmente uma fuga para a frente, acompanhado de uma pestilenta campanha de relações públicas, indignas de um partido que é uma de duas alternativas no infeliz sistema efectivo de alternância que existe em Portugal.

A partir de meados de 2008, José Sócrates tornou-se praticamente numa ameaça à estabilidade da República. Com doses de paninhos quentes, manipulação dos dados e da percepção pública, não só não alertou para os perigos em frente, como ainda por cima deu todos os sinais errados de que as dificuldades eram poucas e facilmente superáveis. Inacreditavelmente, já ia num quarto surrealmente designado “plano de estabilidade e crescimento” quando alguém teve o desassombro de o parar, antes que a chacina fosse terminal.

A partir de 2008, Sócrates devia ter sido retirado do cargo que ainda ocupa. Com dignidade, mas com firmeza.

Pois, se já não era, ele tornou-se então um verdadeiro erro de casting.

Eu faço uma analogia. Em 1939, a Europa enfrentava os ventos da guerra e Neville Chamberlain, um político adepto mas conciliador, ocupava o cargo de primeiro-ministro. Tentara negociar com Adolf Hitler, que tinha a sua agenda marcada para fazer essa guerra. A partir do momento em que a guerra se tornou inevitável, foi substituído por Winston Churchill, até então uma velha raposa que ruminava publicamente contra a ameaça nazi. Naquela hora de mortal ameaça, eu acredito que Winston Churchill foi a pessoa indicada e ao nível do desafio que a Grã-Bretanha – e a Europa e o mundo – precisavam. Mesmo assim, e não deve ser menosprezado o gesto – Chamberlain manteve-se no governo e prestou um valiosíssimo apoio ao esforço que se seguiu. Churchill não estava só.

No actual contexto português, José Sócrates é – já o provou ser – a pessoa errada para liderar Portugal e os portugueses perante o enorme, histórico, desafio que se avizinha.

Mantê-lo no poder seria como o Reino Unido ter mantido Neville Chamberlain como primeiro-ministro para combater Hitler.

O que é Fundamental Agora, 2

A segunda, que parodio acima com um magnífico vídeo de Madonna, e decorre da primeira, é que, na vida e especialmente na política, há uma diferença abissal entre pose e postura.

E se calhar aqui reside o mais sério factor que obsta contra José Sócrates.

José Sócrates, que com ele lamentalvelmente arrasta todo o seu partido, é uma pessoa que privilegia a pose em vez da postura. Sabe estar bem para a fotografia e para o telejornal e dizer as coisas que muita gente gostaria de ouvir.

Em tempos fáceis e de vacas gordas (ou melhor, de empréstimos baratos) essa postura é se calhar inconsequente.

Mas o que se avizinha é um desafio de proporções bíblicas. No poder tem que estar alguém para quem a pose é menos relevante, a palavra de circunstância desvalorizada face ao caminho que tem que ser traçado. É preciso falar verdade e falar duro, ter uma visão e seguir o difícil caminho que tem que ser seguido.

Nesta altura, mais do que nunca, é preciso visão, coragem, e acima de tudo postura, para que se prove agora, hoje, que nós, esta geração de portugueses, em democracia, consegue enfrentar as dificílimas decisões que avizinham e superar as dificuldades e os desafios, deixando às gerações futuras um Portugal melhor.

O dramático é que o PS tem pessoas com esta fibra, com visão e postura. Conheço alguns, cujo percurso segui ao longo dos anos. Capazes de, sem traír os princípios seminais que tipificam o espaço no espectro político que procuram assegurar, fazer o que tem que ser feito e, mais importante, redefinir o modelo ideológico do socialismo português, que está obsoleto e completamente desconfigurado da realidade.

José Sócrates não é uma delas.

14/02/2011

ENSAIO DE UMA CRÓNICA SOBRE O SAUDOSISMO

Filed under: António Botelho de Melo, Catita Brothers, Deep Purple, Música — ABM @ 1:55 am

"WE'LL ALWAYS HAVE LOURENÇO MARQUES"

por ABM

Tenho-me divertido nos últimos dois meses. O meu amigo Gil já está farto porque, diz-me,  já foi e já veio dessa. Eu nem sabia que existia.

Tinha um amigo que só de ouvir uma uma frase alusiva ao tópico quase que vomitava, intelectualmente. Ah como o compreendia. Ele, coitado, não tem como saber. E no fundo não quer saber, nem compreender. Pois perturba. E irrita como o caraças.

E como eu o compreendia. A saudade, desta forma, com este rótulo, nesta interessante, legislada língua, à partida, envenena antes que se possa caracterizar, ou falar dela.

Mas como me tenho divertido.

É como estar noutro mundo, dentro de outro mundo, dentro de um outro mundo.

Um dia hei-de falar sobre isso.

Mas ainda é cedo. Demasiado.

Tenho que me divertir primeiro.

Com o tal de saudosismo.

O dos outros.

E o meu.

15/12/2010

ROSTROPOVICH, BACH E STRADIVARIUS

Filed under: António Botelho de Melo, Música, Mstislav Rostropovich — ABM @ 3:00 am

por ABM (14 de Dezembro de 2010)

Nos anos 80, estava eu então em residência na pequena cidade de Providence, capital do Estado de Rhode Island, quando, tentando basciamente encantar a filha de um professor de Estudos Orientais de uma universidade local, convidei-a para ir à majestosa e então recentemente restaurada casa de ópera da cidade, que ficava na baixa da cidade.

Apreciador de música clássica e já a trabalhar, comprei se calhar os dois melhores bilhetes da casa para mim e para a menina, na primeira fila, para ouvir e ver a actuação de um clássico russo (bem, na acepção de “russo” daquela época) que tinha acabado de fugir da União Soviética por ser considerado um dissidente e aquelas coisas todas que lhes chamavam na altura.

O nome dele era Mstislav Rostropovich e tocava violoncelo.

Vem a noite do espectáculo (nos EUA vai-se a estas coisas entre as 6 e as 7 da noite, o que em Portugal decididamente não acontece) e lá aprecemos os dois todos arrepimpados, eu de fato e lacinho e a menina de vestido longo e xaile da moda. No palco, à hora marcada, entrou o que me pareceu um velhinho simpático, a carregar o violoncelo. Sentou-se mesmo, mesmo à minha frente. E, na hora e tal que se seguiu, proporcionou-me um dos grandes espectáculos da minha vida.

Não era só a beleza, a qualidade, da música que ele interpretou que me chocaram. Principalmente, foram duas coisas: a enorme energia que saía daquele homem, mas também as coisas que ele conseguia fazer com aquele instrumento. Conseguia oscilar do mais estrondoso trovão, para a mais suave melodia, ténue como uma brisa. Mas que maravilha.

Desde então ouvi-o muitas vezes a tocar, em discos, depois CD’s, e na internet. Outro dia uma amiga mandou-me a ligação em cima. Que me embalou enquanto escrevia esta nota. E me lembrava daquela noite.

Uma nota final: nos conhecimentos artilhados na internet, parece que os lusofónicos andam um pouco a reboque dos anglofónicos. Felizmente que falo ambas as línguas, senão estava lixado.

10/11/2010

JUROS DA DÍVIDA PORTUGUESA A SETE POR CENTO

por ABM (11 de Novembro de 2010)

A canção acima, dedico ao Manuel Petrakakis, do Restaurante da Costa do Sol, como eu apreciador de Frank.

O título, a José Sócrates.

20/10/2010

1974 E JESUS CRISTO SUPERSTAR

por ABM (20 de Outubro de 2010)

Enquanto em Portugal se espera o desfecho da saga do Orçamento de Estado para 2011, ouvi esta noite uma canção que me trouxe uma memória africana. E muito minha.

A minha adolescência acabou exactamente aos 14 anos e três meses de idade, nas semanas que se seguiram ao dia 25 de Abril de 1974, quando, em Lourenço Marques (a actual Maputo), onde eu vivia em comparativa modéstia, se instalou a quase total incerteza sobre o que ia acontecer ao então Estado português de Moçambique, a seguir ao golpe de Estado militar em Portugal – a Metrópole. Não era preciso ser-se cientista para se perceber isso: via-o na cara das pessoas com quem contactava (os putatativos colonialistas racistas fascistas), lia-o nos jornais, sentia-o no semblante dos meus pais, especialmente no da minha mãe que já se interrogava o que iria ser de Moçambique. E de nós.

Claro que viria a Independência. Mas que independência?

Esta noite, a canção que ouvi se calhar foi a última boa memória antes do turbilhão a seguir ao 25 de Abril. Foi algo que me tocou.

A canção é de um filme: Jesus Cristo Superstar (JCS).

Vi o filme duas vezes, no então Cine-Teatro Manuel Rodrigues (hoje o Cine África).

Jesus Cristo Superstar, que revi outro dia, e que se baseou na peça composta pelo legendário Frank Lloyd Weber (que na altura eu não sonhava quem era) é o que na altura se chamava uma ópera rock. Tem tidos os tiques da música da altura e do movimento hippy que na altura era o último grito da moda para a juventude, incluindo a de Lourenço Marques.

O filme tem grandes canções, uma grande encenação (foi filmado em Israel) e excelentes actores, que por acaso creio que nunca mais vi no cinema. Naquela altura, quase toda a gente que eu conhecia conhecia as suas principais canções. Recordo-me, por exemplo, de numa aula de canto coral (naquela altura canto coral era obrigatório, hoje em dia suspeito que não) numa aula com cinquenta pessoas no Liceu Salazar, toda a gente (incluindo eu) sabia cantar a canção em baixo.

Excepcionalmente, consegui, por autêntico milagre, fazer com que o pai BM, que não alimentava vícios a ninguém lá em casa, me autorizasse a comprar o disco do filme (na verdade eram dois LP’s – hum, quem ler isto com menos que 20 anos de idade não saberá o que é um LP). Só depois é que eu descobri que até o pai BM gostava da música, especialmente o tipo que fazia de Judas, um actor negro norte-americano com uma voz fantástica.

E até tive uma experiência mágica.

Perto da casa onde os BM viviam na Polana, na 24 de Julho, estava a ser feito um daqueles prédios horrorosos com vinte andares de altura. Uma madrugada, ainda era noite, levei para o topo do prédio, que ainda estava no tosco, o gira-discos, o amplificador, uns auscultadores, uns binóculos e um dos discos de Jesus Cristo Superstar. Note o exmo. Leitor que tive que subir duas vezes vinte andares em plena escuridão num prédio tosco para o meu experimento.

Lá em cima, montei tudo junto to tecto do poço do elevador do prédio (era o ponto mais alto do edifício), ligando os aparelhos a um fio eléctrico que por lá havia para a obra. Subi para o tecto do poço do elevador com os auscultadores e os binóculos, deitei-me sobre o cimento e esperei.

Daquele local, não só se via toda a cidade, que dormia silenciosamente, como ainda se via toda a paisagem em redor, desde os Libombos a Poente, como a Ilha da Inhaca, a Nascente, do outro lado da enorme baía.

Lentamente, fez-se luz e amanheceu. E quando, no preciso momento em que, na direcção da Inhaca, começou finalmente a aparecer o topo do disco solar, como se estivesse a sair por detrás do mar, apontei os binóculos para lá, liguei o gira-discos e coloquei a canção de abertura de Jesus Cristo Superstar. A que está lá em cima.

Na altura foi para mim uma experiência excepcional, tal e qual como eu imaginara antes que seria, ver de perto o sol, majestoso, sublime, imparável, lentamente, a sair do mar e a ascender ao céu, com aquela música.

Enfim. Coisas de miúdo. A chatice foi depois a trazer aquilo tudo de volta para casa.

Mas havia outro aspecto que tornava Jesus Cristo Superstar peculiar. O filme saíra primeiro na África do Sul e lembro-me que se dizia que primeiro fora proibido em Moçambique. Porque o seu conteúdo de alguma forma ofendia as sensibilidades da Igreja Católica. Mas não sei como nem porquê, mais tarde deixaram-no passar. Na altura perguntei à mãe BM, que era a minha consultora especial para assuntos do catolicismo, qual era o problema com Jesus Cristo Superstar. O que ela ouvira fora que no filme a) a figura de Judas era apresentada como boa e que a sua traição a Cristo na realidade não era a sua vontade, mas sim o mero cumprimento da vontade do pai de Cristo (que acho que toda a gente sabe quem É…). Na realidade, no filme, Judas até refila por causa disso, o que na verdade não me lembro de aprender lá durante o meu Gulag na catequese; b) no filme, Maria Madalena era uma simples prostituta, o que creio que também não era bem o que se fazia dela nas Sagradas Escrituras, em que, enfim, ela era uma mulher de pecado…e ficava-se por aí nos detalhes; c) finalmente, fazer passar a entourage de Jesus Cristo – afinal os fundadores do catolicismo – como uma cambada de hippies com calças à boca de sino e lenços coloridos na cabeça a cantar rock, bem, isso simplesmente devia ser demais para suas conspícuas eminências e suas dignas batinas.

Em baixo, a Maria Madalena canta I Don’t Know How to Love Him. Todas as miúdas da minha idade naquela altura em Lourenço Marques conheciam esta canção praticamente de cor.

Depois disto, a minha adolescência passou a ser mais adulta.

Pois, de repente, para variar, tive que fazer pela vida e escapar-me de duas revoluções seguidas.

17/10/2010

GLOBALIMUSICALIZAÇÃO

Filed under: Música, Vampire Weekend — ABM @ 6:25 pm

por ABM (17 de Outubro de 2010)

Pela mão do meu amigo Diogo Cabrita, que para além de grande médico é um verdadeiro repositório vivo da música na crista da onda, acima os Vampire Weekend, uma banda nova-iorquina, a tocar California English.

Ora quem diria. Espero que gostem. Há aqui qualquer coisa, não sei….

Bom fim de semana.

16/10/2010

A ÁFRICA IMAGINADA – E A INVENTADA

por ABM (16 de Outubro de 2010)

Esta nota a propósito de uma conhecida música pop creio que dos anos 80, bastante popular quando eu vivia nos Estados Unidos, chamada I bless the rains down in Africa, tocada por alguém ou uma banda chamada Toto. Acho que foi um êxito mundial.

Eu não sei se o exmo Leitor conhece a música. Fica aqui uma versão não cantada, aptamente tocada pelo Senhor Andy Mcgee:

http://www.youtube.com/v/Z-XYjK1HQ-M?fs=1&hl=pt_PT

Linda, não é?

Pois.

O que eu não sei é se o exmo. Leitor sabe o que é que diz e o que significa a letra da música.

Essa tarefa deixarei nas capazes mãos de um senhor chamado Steve Almond, infelizmente em inglês, porque acho que o Steve não ainda não fala português, ainda menos a versão rebeldemente desortografiada falada aqui do Maschamba.

Mas alinho com o que diz, com apenas um comentário meu:

Como em Moçambique há alguns que se lembram dos saudosos tempos do idealismo revolucionário vivido após a Independência, quando as maiores barbaridades foram feitas com a mais entusiástica, deslumbrada estupidez e empenho ideológico, há também alguns aqui nas Europas, onde há muitos brancos e (ainda) alguns que viveram em África, que ficam exasperados com as suas menções das Áfricas Minhas, os saudosismos dos bons velhos tempos em África (aqui num contexto pejorativo, pois suspeitam logo insidiosamente de terem sido do branco colonial andar de cacete a dar na cabeça do negro), essa coisa toda.

Por inerência ao meu passado e estatuto, eu passo a vida a ouvir disso.

Confesso que não me aquece nem arrefece minimamente.

Eu acho que cada um de nós tem as memórias que tem e deve gozá-las. Às vezes é a única coisa que nos sobra, num mundo cada vez mais plastificado, globalizado, estilizado, desfigurado – socratizado?

Mas o que me exaspera mais é a África inventada, pura e simplesmente.

Como aquela balada meio doce-da-treta de nada menos que do “revolucionário” endeusado do rock americano, o Bob Dylan, ainda por cima composta em plena guerra colonial:

I like to spend some time in Mozambique
The sunny sky is aqua blue
And all the couples dancing cheek to cheek.
It’s very nice to stay a week or two.
There’s lots of pretty girls in Mozambique
And plenty time for good romance
And everybody likes to stop and speak
To give the special one you seek a chance
Or maybe say hello with just a glance.
Lying next to her by the ocean
Reaching out and touching her hand,
Whispering your secret emotion
Magic in a magical land.
And when it’s time for leaving Mozambique,
To say goodbye to sand and sea,
You turn around to take a final peek
And you see why it’s so unique to be
Among the lovely people living free
Upon the beach of sunny Mozambique.

Que eu saiba, o nosso Bob na altura nem sequer meteu os pés em Moçambique, e suspeito que os nossos Libertadores em Dar devem ter dado sete saltos de fúria quando ouviram a letras. Aquilo parece uma cançoneta de segunda categoria  feita para um anúncio turístico de Moçambique nos anos 60.

Aqui, cantada por um japonês que não percebi quem era mas que até não é mau de todo.

http://www.youtube.com/v/md4gbjjRX3o?fs=1&hl=pt_PT

Por minha parte, quando eu dizia a alguém dos Estados Unidos que era de Moçambique (tirando o Chester Crocker, que conheci uma vez, ninguém suspeitava onde ficava) vinham sempre com algum comentário estúpido sobre a canção do Bob Dylan, que na altura nem conhecia, nem ele nem a canção.

Mas, voltando à vaca fria, em I bless the rains down in Africa , cuja letra foi escrita por um tal David Page, atinge-se um novo nível de surrealismo.

É que não há pachorra para aturar este liricismo tipo porno-chachada sobre África. Não é que isto não seja a minha África. É que isto nem sequer existe. Não faz sentido nenhum.

Num curto discurso proferido em 16 de Julho de 2009, o Steve Almond, cujas afinidades africanas parecem ser poucas, mas que aparenta ter bom senso, explica porquê. Sublimemente, ainda que um pouco virado para uma audiência norte-americana, para quem esta canção recorda os tempos de engate namoradeiro dos meninos e meninas de liceu.

http://www.youtube.com/v/4b2aGe8_Ag0?fs=1&hl=pt_PT

09/10/2010

REINALDO FERREIRA: POEMAS, MÚSICA E A RUA BAGAMOYO

Reinaldo Ferreira

Quando ontem acabava um texto sobre a Rua Bagamoyo (anteriormente, Araújo), a D. Suzette cantarolou uma canção que atribui ao poeta Reinaldo Ferreira. Só sabia esta parte do poema:

Rua Araújo que
o tempo entardeceu
de ti não fujo, porque
sofres como eu
Saudade eterna dos
Tempos que já lá vão
(….?)

Se alguém souber do resto, agradeço mandar para aqui.

Reinaldo Edgar Azevedo e Silva Ferreira, cuja obra tem uma ligação a com Moçambique, foi para Lourenço Marques em 1941, onde chegou a chefe de posto e fez obra no então Rádio Clube de Moçambique. Hoje está sepultado no cemitério central de Maputo, cidade onde morreu em 30 de Junho de 1959. Tinha apenas 37 anos de idade. Na sua campa estará inscrito um texto de sua autoria:

Mínimo sou.
Mas quando ao Nada empresto
A minha elementar realidade,
O Nada é só o resto.

Numa crónica no jornal português A Capital, publicada em 24 de Junho de 2005 e citada em Sorumbático, Carlos Pinto Coelho escreveu “…..todos sabíamos de cor algum poema dele e dava-me sempre para imaginar o Reinaldo, boémio intranquilo e solitário, rabiscando aqueles versos a uma mesa do Pinguim, que era um dos cabarets de putas e marinheiros da Rua Araújo, junto ao porto. Aquela Rosie só existiu, talvez, na mente daquele homem genuinamente angustiado, para quem a vida era só interrogação, solidariedade, elegância e pouco mais.”

Quando não estava a trabalhar no Rádio Clube, entre doses de Johnnie Walker e pastéis de bacalhau, Reinaldo oscilava habitualmente entre o Café Scala e o Bar Pinguim na Rua Araújo.

Em baixo o poema Eu Rosie, supostamente (supostamente pois parece que não encontrei confirmação) referente a uma Taxi Girl da Rua Araújo, real ou imaginada, que aliás já foi aqui referido pelo nosso Senador há cerca de um ano, mas sem os detalhes “araujianos” que lhes estão associados:

Eu, Rosie, eu se falasse eu dir-te-ia
Que partout, everywhere, em toda a parte,
A vida égale, idêntica, the same,
É sempre um esforço inútil,
Um voo cego a nada.
Mas dancemos; dancemos
Já que temos
A valsa começada
E o Nada
Deve acabar-se também,
Como todas as coisas.
Tu pensas
Nas vantagens imensas
De um par
Que paga sem falar;
Eu, nauseado e grogue,
Eu penso, vê lá bem,
Em Arles e na orelha de Van Gogh…
E assim entre o que eu penso e o que tu sentes
A ponte que nos une – é estar ausentes.

Mas, só para chatear, o Reinaldo escreveu um dos grandes hinos da portugalidade, imortalizada na cidade das acácias pelo Maestro Artur Fonseca e VM Sequeira:

Numa casa portuguesa fica bem
pão e vinho sobre a mesa.
Quando à porta humildemente bate alguém,
senta-se à mesa co’a gente.
Fica bem essa fraqueza, fica bem,
que o povo nunca a desmente.
A alegria da pobreza
está nesta grande riqueza
de dar, e ficar contente.

Quatro paredes caiadas,
um cheirinho á alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo
sob um sol de primavera,
uma promessa de beijos
dois braços à minha espera…
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!

No conforto pobrezinho do meu lar,
há fartura de carinho.
A cortina da janela e o luar,
mais o sol que gosta dela…
Basta pouco, poucochinho p’ra alegrar
uma existéncia singela…
É só amor, pão e vinho
e um caldo verde, verdinho
a fumegar na tijela.

Quatro paredes caiadas,
um cheirinho á alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo
sob um sol de primavera,
uma promessa de beijos
dois braços à minha espera…
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!

Enfim, este poema de moçambicano tem pouco, mas tem piada saber pois quase qualquer português a sabe cantar.

Mas Kanimambo, que também é dele, já tem qualquer coisa de africano, naquela versão retro-luso-treto-africana, como os portugas que tentam dançar a marrabenta.

Eu por acaso gosto de duas versões da canção, a original, sublime, cantada por João Maria Tudela, e outra, mais kitsch, cantada pelos demolidores Catita Brothers. Como é fim de semana, ficam aqui as duas.

A versão original de Kanimambo:

A versão de Kanimambo pelos fantásticos Catita Brothers:

Finalmente, ligando o som do computador do Exmo. Leitor e premindo aqui, uma excelente leitura de cinco poemas do enigmático poeta.

04/10/2010

CLAIR DE LUNE

http://www.youtube.com/v/CvFH_6DNRCY?fs=1&hl=pt_PT

por ABM (4 de Outubro de 2010)

O cenário foi um campo de futebol de uma escola particular em Cascais City, no fim de uma tarde de outono, durante a aula de futebol do herdeiro, em que desempenhei o logístico e crucial papel de levar o menino à aula, esperar sentado uma hora e trazê-lo de volta a casa.

Cerca das 17 horas, lentamente, os meninos comparecem, bem como o instrutor, um com cara de miúdo imberbe mas que me foi dito previamente ter uma licenciatura e um mestrado pelo ISEF em desporto (touché).

Os meninos vão para o campo e começam a correr às voltas atrás da bola.

Numa precária bancada, aguardo sentado, sem nada que fazer.

Após uns minutos, ao pé de mim, senta-se uma senhora, com os seus setenta anos, distinta e artilhada, a imagem perfeita da high society cascaense (eu de calções de khaki e t-shirt como de costume), perfeitamente vestida como se fosse a um chá na vizinha Pastelaria Garret.

Mas logo deparei que vinha aflita.

Desabafou que o seu carro pifara misteriosamente no preciso momento em que estacionara junto ao campo para trazer o neto ao mesmo treino que o meu jovem.

Solícito, e já farto de estar ali sentado a olhar para a paisagem, sugeri à senhora que fôssemos ver o que se passava com o seu carro (não percebo nada de carros, nem sei mesmo qual a pressão certa para os pneus do meu. Mas enfim).

De facto a ignição do carro não respondia, mas como o veículo era de mudanças manuais e estávamos numa descida, sugeri à sra que pusesse a mudança do carro em ponto morto, eu empurrava o carro, ela depois colocava a segunda mudança, o carro pegava e isso já era meio caminho andado.

Pouco depois, com a missão cumprida, sentámo-nos de novo na bancada.

Depois de alguns minutos de silêncio, ela perguntou-me: “desculpe, mas é de Moçambique?”

Fiquei a olhar para ela, dado que nunca a tinha visto e achava que nada, mas nada tinha indiciado quanto às minhas origens.

“Sim. Sou. Nascido e crescido lá. Mas como…..?”

“Eu nasci na Ilha de Moçambique e cresci na Ilha, em Nampula e em Lourenço Marques. Vim para Portugal em 1972 com o meu marido e nunca mais voltei.”

“Ah. Pois. Fantástico. Mas…o que é que a fez pensar que eu cresci em Moçambique?”

“O Sr. lá atrás disse que ia chovar o carro para ele pegar. Ninguém cá em Portugal usa o termo ‘tchovar’. Só mesmo quem vem de lá.”

“Ah”.

Nunca tal me tinha ocorrido.

E a conversa, prosseguiu daí, serenamente, com um amigável interrogatório meu, vasculhando curioso aquele passado longínquo, ainda guardado na memória da gentil senhora, ocupando aquele nosso fim de tarde de outono em Cascais, até acabar o treino dos miúdos.

01/10/2010

WHEN THE GOING GETS TOUGH…*

Filed under: Música, Miriam Makeba — ABM @ 3:44 am

por ABM (1 de Outubro de 2010)

….the tough go dancing.*

Em cima, a incomparável Miriam Makeba canta Pata Pata. Nos tempos. Nas festas do Desportivo, era obrigatório esta canção estar no repertório, e melhor dançada com os gestos da marrabenta. Aos saltos.

Já repararam como a Miriam era uma boazona?

* paródia de outra frase, traduzindo, aproximadamente, para: “Quando as coisas ficam duras, os duros vão dançar.”

24/09/2010

A BOMBA INTERGERACIONAL

Filed under: Frank Sinatra, Sociedade portuguesa — ABM @ 4:49 am

O que diz o estudo da OCDE

Um dos problemas da presente “crise” é a aparente dificuldade de muitos em entendê-la, quer pela – nalguns casos – dificuldade técnica em digerir alguns dos seus fundamentos, quer pela dieta ideológico-identitária que lhes cinge a visão das coisas.

Há uns tempos, a revista The Economist, que de vez em quando destila aqueles relatórios que poucos ou nenhuns lêem, apresentou o quadro acima.

O quadro apresenta três informações interessantes.

À esquerda, mostra, para cada um dos principais países da OCDE (com particularidade de incluir Portugal, que, apesar das más línguas, está nos top 30 do mundo em muitas das estatísticas) a idade em que, nesse país uma pessoa se tem (pode?) reformar e passar a receber uma pensão de reforma.

Em Portugal, por exemplo, uma pessoa pode reformar-se aos 65 anos de idade.

A seguir, a barra azul de cima mostra, para os anos entre 1965 e 1970, com base na idade mínima obrigatória para a reforma, o número de anos que, com base na expectativa de vida das pessoas, alguém em média ficava a receber uma reforma.

Em Portugal, por exemplo, uma pessoa que se reformava nessa altura (entre 1965 e 1970) em geral recebia uma pensão de reforma durante uns quatro anos. E depois morria.

Por baixo, vê-se a barra côr de laranja a mesma estatística mas para os anos entre 2002 e 2007.

Em Portugal, por exemplo, uma pessoa que se reformava nessa altura (entre 2002 e 2007) em geral deverá receber uma pensão de reforma durante uns dezasseis anos antes de, pelo menos estatisticamente, morrer.

Agora faça-se umas contas de cabeça.

Entre 1965 e 1970, as pensões de reforma eram baixas por comparação com hoje. De facto, eram quase caricatas.

E o número de reformados não excedia cerca de duzentos mil (estimativa minha com base no dedo no ar).

A população activa já era de cerca de 4.5 milhões de pessoas.

Fazendo as contas, em 1970, para cada reformado haviam 22,5 pessoas a trabalhar e a pagar impostos.

Com as mudanças vindas com a troca de regime político em 1974, sobre todos choveram direitos, a que necessariamente teve que corresponder a obrigação de os custear.

E de entre esses, poucos foram tão descaradamente abusados como o do “direito” à reforma.

De facto, em Portugal, as reformas tornaram-se um verdadeiro negócio da China. Uma empresa que se quisesse discretamente ver livre dum empregado, mandava-o para a reforma aos 40 e aos 50 anos de idade, sem qualquer dificuldade. Quase todos os dias, os jornais portugueses publicam dados, com nomes e valores, de pessoas que têm uma, duas, três, quatro reformas – ao mesmo tempo – contabilizadas de forma no mínimo bizantina. Algumas das regras eram simplesmente inacreditáveis.

E no caso dos políticos e afins, o descalabro era e parece que continua a ser, bem, simplesmente obsceno.

Lembro-me de um caso duma secretária da Assembleia da República portuguesa que, para se aproveitar duma regra que baseava a sua futura reforma no salário que auferiria no último ano de emprego, arranjou maneira de ser nomeada assessora duma coisa qualquer nesse ano, cargo pago a peso de ouro, e doze meses depois era como se lhe tivesse saído o euromilhões.

Mas, por mais imorais que sejam essas situações – se os problemas fossem só esses não seria tão grave.

O que agrava a situação é que, hoje, Portugal hoje em dia tem cerca de 2.9 milhões de reformados – e o número continua a subir.

Reformados que – felizes eles e desgraçados os contribuintes – levam em média dezasseis anos a morrer.

E que – infelizmente para os reformados – em média recebem umas pensões de reforma miseráveis – ente 300 e 400 euros por mês.

Mas os números não omitem a realidade: hoje, cada 1.6 pessoas que trabalham (e esses continuam pelos 4.6 milhões) sustentam um reformado.

Por quatro vezes mais tempo do que acontecia há quarenta anos.

Com a bolha financeira pública prestes a explodir, este assunto vai ter que ser resolvido. Da forma mais difícil.

A maneira mais fácil será subir a idade a partir da qual se pagam reformas para os 75 anos de idade.

Dessa forma, a maior parte das pessoas morrerá (provavelmente de fome e de doença) antes de poder ir buscar o seu primeiro cheque à segurança social. Salvava-se o estado, mas para muitas pessoas seria uma verdadeira calamidade. E presumo que seria considerado politicamente inaceitável.

A outra seria subir os impostos a toda a gente uns dez por cento, colocando a fasquia fiscal na estratosfera a nível mundial. Já está a acontecer.

À partida, o gráfico acima indica que, estando entre os piores casos a nível da OCDE, Portugal não é o pior caso.

Mas isso não serve de consolo. Com os problemas dos outros podemos nós todos, não é?

Aliás, com as pressões sobre os orçamentos da saúde, da educação e até da defesa nacional (agora ninguém quer sequer pagar o maldito do submarino) e a dívida pública e privada a atingir o insustentável, o problema de como encarar a questão das reformas e como funcionam em Portugal, tende a ser menosprezado.

Mas para mim, que tenho 50 anos de idade, a questão é muito simples.

A minha geração andou uma vida a pagar reformas muitas das quais não foram descontadas, e algumas certamente não foram merecidas. E quando chegar a nossa vez, vamos receber uma miséria, tardiamente, e por pouco tempo.

Aquilo que pouparmos entretanto, seja dinheiro no banco, imóveis ou acções, já está a ser e continuará a ser cada vez mais impenitentemente taxado até se acabar, para financiar os faraónicos programas dos sucessivos governos e as suas obrigações pecuniárias.

E, simplesmente dito, ou os nossos filhos não vão ter como nos sustentar na velhice.

Ou não vão querer fazê-lo.

Portanto, exmo. Leitor, siga este parco conselho:

Sorria e goze a vida. Vá à praia, sofra com o Sporting, coma um bom bife, leia um bom livro.

Ou trauteie comigo aqui em baixo o Frank Sinatra e um tipo qualquer, um dos meus velhos favoritos, Fly me to the Moon.

Enquanto pode.

28/06/2010

UMA NOTA SOBRE O HINO EUROPEU

Filed under: Música — ABM @ 4:46 am

por ABM (Segunda-feira, 28 de Junho de 2010)

Há uns dias, o nosso Senador JPT ia-me mordendo qualquer coisa por ter referido gostar do IV movimento da Nona Sinfonia de Beethoven. Não pelo facto em si, mas porque a conversa vinha a propósito de essa passagem da sinfonia composta por Beethoven ter sido adoptada como o (sem aspas) Hino da União Europeia, algo que o JPT contesta com algum alarde. Como referi na altura, é assunto em relação ao qual eu basicamente vivo alheio, confortável no conhecimento de que a ainda andava a UE de fraldas e já eu apreciava a sua beleza e pujança e até trautava, sem conhecer basicamente uma palavra da língua alemã, as estrofes de von Schiller.

Esta noite estava a pesquisar umas coisas sobre a mistificante Leni Riefenstahl (aqui na Casa a pesquisa nunca acaba, o Gúgele até deita fumo às vezes) e não sei bem como, enquanto estava à procura da letra do alegre poema de von Schiller, que é cantado neste movimento da Nona Sinfonia, deparo com uma informação que me surpreendeu e que decerto fará as delícias do nosso Senador:

A União Europeia não foi a primeira a adoptar esta música como hino.

Foi a Rodésia.

Lembram-se da Rodésia? era o Zimbabué antes de 1980, ali mesmo ao lado de Moçambique. Só meti lá os pés uma vez, no aeroporto de Salisbúria (e que se chama hoje Harare) num muito memorável e conturbado vôo da TAP entre Lisboa e Lourenço Marques, ao fim da tarde do dia 8 de Setembro de 1974 (é um bocado difícil esquecer esta data). Uma hora e meia na sala VIP. Uma Joana Simeão com espessos óculos escuros embarcou nesse voo para uma Lourenço Marques a ferro e fogo por causa da reacção ao anúncio dos hoje chamados Acordos de Lusaka (eu conhecia-a porque ela foi professora no Liceu António Enes, que frequentei). Eu não sabia rigorosamente nada sobre o assunto para além do que havia lido na paragem desse vôo em Luanda. Tinha 14 anos e meio de idade e vinha de representar Moçambique nuns campeonatos desportivos em Portugal. Nem sonhava que a Frelimo ainda andava aos tiros.

Pelos vistos, nesse ano de 1974, onde ainda lá mandava o Sr. Ian Smith, decidiram arranjar um novo hino para eles e zás, sai IV movimento da Nona de Beethoven, com uma letra escrita por uma senhora chamada Mary Bloom, com o título Oiçam-se Ó Vozes da Rodésia, e que diz o seguinte, no original, em inglês:

Rise O voices of Rhodesia,
God may we thy bounty share,
Give us strength to face all danger,
And where challenge is, to dare.
Guide us, Lord, to wise decision,
Ever of thy grace aware.
Oh, let our hearts beat bravely always
For this land within thy care.
Rise O voices of Rhodesia,
Bringing her your proud acclaim,
Grandly echoing through the mountains
Rolling over far flung plain
Roaring in the mighty rivers
Joining in one grand refrain
Ascending to the sunlit heavens
Telling of her honoured name

Quem quiser ouvir ponha-se em sentido, bata continência e clique aqui.

Hino da União Europeia, põe-te na bicha.

14/06/2010

NOS BONS VELHOS TEMPOS

Filed under: António Botelho de Melo, Música — ABM @ 8:24 pm

por ABM (14 de Junho de 2010)

Nos bons velhos tempos, quando a maior parte das pessoas em casa só tinha um rádio que apanhava menos de meia dúzia de estações em onda média e, para os mais afortunados, um gira-discos (na velha LM dizia-se um pickup, que se dizia “picâpe”), as pessoas quando muito cantarolavam baixinho e mais alto quando estavam sózinhas nuas e trancadas na banheira, com o chuveiro a correr e a escovar as costas com aquelas escovas de banho com um cabo de madeira longo.

Em Moçambique, quando eu crescia, era assim com os brancos, mas rodeados por um belo, estonteante, omnipresente, contagiante mar de canto e dança africano.

Hoje em dia deu nisto. Uma espécie de hooligans bem intencionados e armados com um exército de câmaras e aparelhagens sonoras aparecem em lugares públicos, armando ciladas musicais que deixam alguns dos transeuntes sem saber o que dizer. Depois escarrapacham uma gravação do evento no Iutúbe.

Como no fundo acho divertido e a seguir vem mais um desses textos chatos sobre economia, coloco aqui dois dos que mais gostei.

O primeiro foi feito por alguns membros da Companhia de Ópera de Filadélfia, que descaroçaram uma ária de La Traviata num mercado local.

O segundo, creio que mais conhecido, foi feito em Amsterdão e inclui uma das minhas canções favoritas, Do, re, mi, do filme A Música no Coração (Óscar para melhor filme em 1965, entre outros).

Aliás, li num jornal da Beira de hoje que uns jovens estão a preparar naquela cidade uma manifestação de apoio ao Sr. Bachir da MBS (acho que é mais para chatear os americanos e as suas medidas administrativas mas enfim) dançando numa praça da cidade da mesma maneira.

Das coisas que mais aprecio em África é que, em África, regra geral, cantar e dançar faz parte da vida. A maioria dos brancos na Europa tem já gerações de tentar parecer sério…e gente séria não canta nem dança….e nunca em lugares não designados. Não?

Com um bocado de sorte, seguir-se-á uma análise sociológica do tema pelo nosso Senador e talvez (oh se isso fosse possível) pela Exma. Sra Baronesa, que calcorreou África, conhece as Europas e tem um olho prescrutante para estas coisas. JPT, Sra Baronesa, porque é que as coisas têm que ser assim?

24/02/2010

FADO LISBOETA POR EDU MIRANDA TRIO

Filed under: Música — ABM @ 10:34 am

http://www.youtube.com/v/lE6_8-wyIeA&hl=en_US&fs=1&

por ABM (24 de Fevereiro de 2010)

Fado “fusão”? não percebo muito disto mas gostei.

16/02/2010

VAMOS LÁ SER TUGAS À FORÇA

http://www.videosurf.com/vembed/53826666

Watch this video on VideoSurf or see more Made Videos or Nancy Sinatra Videos

por ABM (Cascais, 16 de Fevereiro de 2010)

Gostava de explicar aos exmos leitores que geralmente não gosto de ouvir música no rádio. Tirando as estações de música clássica, desde sempre. Tolero o ocasional devaneio musical mas muito pouco, O que gosto de ouvir na rádio é gente a falar: jornalistas, entrevistados, comentadores, escritores, pessoas que telefonam, debates, etc.

Nos Estados Unidos existe um formato de estação de rádio para isto: chama-se talk radio. Dão notícias, entrevistas, programas em que as pessoas telefonam, programa da manhã com notícias e anedotas para quem está a ir no carro para o emprego, a mesma coisa quando estão a regressar a casa, programas para depois do jantar, conversas a meio da noite. Hoje pouca gente sabe que o Sr. Larry King, que mundialmente é conhecido por fazer entrevistas de meia hora ou uma hora na CNN, tornou-se conhecido nos EUA porque durante anos e anos e anos ele fazia todas as noites da semana, com repetição do melhor programa no sábado à noite, numa cadeia de estações chamada Mutual Broadcasting Network, da meia noite e seis minutos até às cinco da manhã um programa ao vivo. Eram magníficos e muito, muito maus, para o meu sono. Só anos mais tarde é que ele passou para a televisão com a CNN.

Em Portugal, só a estação TSF se aproxima vagamente desse formato (e por isso a escuto mais que as outras todas juntas) e mesmo assim, tirando raras excepções, não é uma estação de talk radio. Nem sequer de notícias é: quando houve um tremor de terra de 6.0 na escala Richter há umas semanas no continente português, eles continuaram a transmitir música gravada como se nada se tivesse passado até ao cimo da hora, quase meia hora depois do safanão. E quando dão notícias, repetem a mesma lenga-lenga ad aeternum, que deve ser para os que tinham os ouvidos entupidos há cinco minutos atrás. As entrevistas são pouquíssimas para o que podiam fazer e demasiado curtas.

Mas o que me irrita mais é que passam música. E com que critérios não sei. Tanto se lhes dá para uma balada dum roqueiro qualquer, como uma salsada moderna que eu não conheço e que, sinceramente, pagaria para não ouvir. Quando começa aquela mistórdia musical sem eira nem beira, tenho o problema adicional que é que o meu velho e delapidado carro tem um rádio que não muda de estação facilmente. Tenho que andar aos murros nos teclados até me aparecer outra estação, e em geral as escolhas são de fugir. Outro dia apanhei umas beatas a rezar o terço vez após vez na Rádio Renascença.

O que me surpreende (e já volto à música). Qualquer vertebrado pensante já se deve ter apercebido do que aconteceu ao mundo nos últimos dez anos. Toda a gente praticamente tem acesso quase gratuito exactamente, precisamente, aos tipos de música que gosta de ouvir. Poder gravá-la via computador ou por uma variedade de meios, e estar uma vida a ouvir Amália, o Frank, o Puccini ou lá o que quiserem é uma banalidade da vida actual. As audiências fragmentaram-se e portanto quem continua a apostar em programação generalista está a dar – na minha humilde opinião – tiros para o ar.  A vantagem de uma talk radio é que é barata, tragável se bem gerida e eu acho que muita gente havia de gostar de ouvir programas interessantes.

E note-se – surpresa – é em português. Feita por portugueses. Como este blogue.

Claro que há uma coisa que em Portugal não funcionaria – e eu suspeito que é por isso que verdadeiramente não há talk radio em Portugal. É que para se ter bom talk radio tem que haver lá gente com cor e com cabeça. E em Portugal regra geral quem tem cor não tem cabeça, e quem tem cabeça não tem cor (nenhuma). É qualquer coisa étnico-cultural daqui. E  em Portugal quase todos vivem para pretender que têm cabeça, mesmo que não tenham. Por exemplo, nunca vi país na terra com mais carros pretos, cinzentos escuros e azuis escuros como este.  Se se for a um centro comercial num domingo numa tarde de inverno, presume-se que todos vieram de um funeral, quer pela cor sorumbática da roupa, quer pela atitude sério-sorumbática das multidões. O português não consegue rir para quem não conhece à sua volta. Deve ter medo que lhe levem os dentes.

Pior ainda, nenhum meio de comunicação social em Portugal regra geral aposta em “personalidades” – a não ser que sejam cómicos gays (na base de que é impossível serem levados a sério) pois que essas são para matar na primeira oportunidade.

A verdade é que, para se ser personalidade, um requisito básico é que tem que se a ter. E tê-la, neste país, significa que, mais cedo ou mais tarde, tem que se dizer esta ou aquela verdadinha que vai infalivelmente seriously piss off o sôr ministro ou o rei da batata frita, que telefona ao patrão da estação a insultar o gajo ou então, como agora está na moda, telefona a uma qualquer holding chamada  Going On, que compra a estação (como faz o patego estúpido do anúncio do Euromilhões) e mete lá um mentecapto a fazer relatos de touradas. Como os portugueses individualmente são seres humanos sublimes mas no agregado são um fenómeno keynesiano de estupidez colectiva induzida exponencial, comem, comem e calam.

Aliás, regra geral o consumidor e o cidadão aqui quase sempre come e cala. Com tudo. Os professores são incompetentes? come e cala. O supermercado vende batatas que apodrecem em dois dias? nimguém vai andar de carro 20 minutos em bichas até ao supermercado fazer o gerente comer as batatas que vendeu. O médico não parece saber o que faz? paga-se e não se bufa. O défice este ano vai estoirar? para o ano há-de ser melhor, alguém que resolva. O vizinho do lado não paga as cotas do condomínio há três anos e comprou um carro novo há dois meses? não esquecer de fazer sempre aquele estranho (e unicamente português) cumprimento simpático mudo à saída no corredor a dizer “olá!” mas que na realidade significa “ó meu grandessíssimo filho da puta como estás tu?”

Por tudo isso, frequentemente sinto que, como os meus concidadãos, o colectivo português vive um quotidiano de entrelinhas acinzentadas, sempre resguardado, sempre à espera da próxima catanada, da próxima sacanice, ou da próxima oportunidade de obter algo em troca de nada, sendo a base da felicidade quando não se leva com ela mais vezes do que é normal, ou quando se constata que os outros (e os outros são todos os outros menos os “amigos”) estão pior que nós. Sendo que o normal é levar com as desgraças em cima. Aí, tem-se pena.

Ah, adoro estas generalizações. É tudo mentira, não é? ok.

E nesta questão da desgraça, o país tornou-se num esquema de pirâmide: a sujeira estes dias democratizou-se, vai do mais baixo ao mais alto nível da sociedade.

Voltando ao rádio, o tema que gostava de fechar aqui. De há uns meses para cá, nas vezes quando me deu para escutar a tal de TSF, comecei a reparar em três coisas.

A primeira, foi que começaram a passar música portuguesa com uma frequência suspeita. Ao princípio pensei que se tinham enganado, que tinham posto a senhora da limpeza a tomar conta da estação, ou que tinham ficado estúpidos e não tinham reparado no ecletismo das suas audiências. Em Alcoentre toda a gente sabe que o que vende é música pimba, fados e a as canções da Ágata a chorar o milésimo desgosto de amor sobre o homem da vida dela que (para variar) se pirou pela vigésima vez com a empregada ucraniana. Em Cascais e Lisboa já não é bem assim. Ainda por cima, as músicas que tocam, que são medíocres quase sem excepção, são de gente que não conheço, cujo estilo não gosto e cujas mensagens nada me dizem.

A segunda coisa que reparei, e que me deixou ainda mais apreensivo, foi que, mesmo quando mudava de estação, acontecia o mesmo, ou seja, levava com uma espécie de música pimba de vanguarda, e habitualmente a mesma que estava a dar na TSF.

A terceira, e de longe a mais desconcertante, foi quando me apercebi que, juntamente com a música pimba de vanguarda portuguesa, começaram a juntar-lhe a mesma gente, mas desta vez ou a tocar em ou em inglês, ou ainda mais surpreendemente, começaram a passar músicas americanas e inglesas, tocadas em inglês, mas por portugueses (!).

Não sei como explicar ao exmo leitor o que é ouvir o these boots are made for walking (a grande canção de Nancy Sinatra, sff de ver em cima) cantados vinte vezes na TSF, pela actriz Maria de Medeiros, irmã da agora deputada socialista residente em Paris e que vem a Lisboa de vez em quando receber o taco e atender as sessões do parlamento. Ou as baladas britânicas do jovem David Fonseca, simpático e esforçado mas para mim uma versão cultural do que é o milho transgénico para a alimentação.

Pois só a noite passada é que esclareci este mistério. Afinal eu não estava a alucinar. É que os poderes constituídos aqui do burgo, em 2006, passaram uma lei qualquer a obrigar as estações de rádio portuguesa a passar 25 a 40 por cento da música que vai para o ar por….. leia-se (decalco de uma peça da RTP):

A lei da Rádio determina que as rádios estão sujeitas ao cumprimento de quotas no que respeita à programação de música portuguesa, que uma portaria de Abril de 2007 fixou em 25 por cento.

O cálculo das percentagens é apurado mensalmente e tem como base o número de composições difundidas por serviço de programas no mês anterior.

A lei estabelece ainda que 60% da emissão de música nacional deve ser preenchida por música composta ou interpretada em língua portuguesa por cidadãos dos Estados membros da União Europeia.

A lei prevê o pagamento de coimas entre os 3 e os 15 mil euros para as estações locais e entre 30 e 50 mil euros nas estações nacionais.

Quando eu vivia fora de Portugal, achava alguma piada e respeitava o facto de que as estações que emitiam para as comunidades portuguesas, quase só passavam fados, música pimba e aqueles clássicos do tempo da Maria Cachucha. Pois era aquilo ou o vasto mar estrangeiro que nos rodeava. Agora, que se tenha importado o costume e que se tenha dele feito lei em Portugal é que foi novidade. Ou seja, em vez dos artistas daqui competirem honestamente pelo privilégio de me tentarem impingir a sua arte, o governo da república socialista portuguesa espeta-nos como uma espécie de IVA cultural em cima e somos obrigados a comer o que nos servem.

Mas como gente como eu não aguenta aquilo, e usando as regras impostas, inventou a música estrangeira, cantada em língua inglesa, por portugueses.

Já não bastava a porcaria do acordo ortográfico e os subsídios aos famosos filmes nacionais que rigorosamente ninguém vê. Esta liberdade socratiana está-se a revelar um verdadeiro assombro cultural.

Felizmente, há a minha teimosia em fazer o que me apetece e a tecnologia. Imitei o que qualquer teenager português hoje faz sem sequer pensar. Por cinco euros e 99 cêntimos, recentemente comprei uma espécie duma cassete com um fiozinho, que liga o meu velho rádio a um aparelhinho que cá se chama um MP3 (mas que na realidade é um MP4), onde gravei na internet não sei quantos gigabytes de: Sinatra, Nat King Cole, Chico Buarque, Óscar Peterson, Walter Wonderley, The Beatles, Mozart, etc etc etc. Até lá tenho o Poker Face da Lady Gágá.

E agora, quando acabam as notícias da TSF no meu carro, a programação passou a ser a minha. Em casa, pela internet e o computador, oiço a LM Radio a partir de Maputo.

Isto antes que eu comece a ouvir a Maria de Medeiros a arranhar o My Way do Frank numa estação portuguesa.

Bie, bie, TSF.

03/02/2010

SOBRE MÁRIO CRESPO

por ABM (Alcoentre, aos 3 de Fevereiro de 2010)

Mário Crespo, o único anchor a sério de uma cadeia de televisão que existe em Portugal em 2010 (made in Moçambique, ao contrário do outro, que é bom mas nada que se compare) escreveu um artigo de opinião muito sério que um jornal da cidade do Porto se recusou a publicar, pelo que ele saiu num obscuríssimo canto duma obscura fundação por obscura razão. Parece-me que o  jornal do Porto perdeu um furo dos antigos. Vá-se lá entender.

O que ele escreveu:

Terça-feira dia 26 de Janeiro. Dia de Orçamento. O Primeiro-ministro José Sócrates, o Ministro de Estado Pedro Silva Pereira, o Ministro de Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e um executivo de televisão encontraram-se à hora do almoço no restaurante de um hotel em Lisboa. Fui o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramente ouvida nas mesas em redor. Sem fazerem recato, fui publicamente referenciado como sendo mentalmente débil (“um louco”) a necessitar de (“ir para o manicómio”). Fui descrito como “um profissional impreparado”. Que injustiça. Eu, que dei aulas na Independente. A defunta alma mater de tanto saber em Portugal. Definiram-me como “um problema” que teria que ter “solução”. Houve, no restaurante, quem ficasse incomodado com a conversa e me tivesse feito chegar um registo. É fidedigno. Confirmei-o. Uma das minhas fontes para o aval da legitimidade do episódio comentou (por escrito): “(…) o PM tem qualidades e defeitos, entre os quais se inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismo livre (…)”. É banal um jornalista cair no desagrado do poder. Há um grau de adversariedade que é essencial para fazer funcionar o sistema de colheita, retrato e análise da informação que circula num Estado. Sem essa dialéctica só há monólogos. Sem esse confronto só há Yes-Men cabeceando em redor de líderes do momento dizendo yes-coisas, seja qual for o absurdo que sejam chamados a validar. Sem contraditório os líderes ficam sem saber quem são, no meio das realidades construídas pelos bajuladores pagos. Isto é mau para qualquer sociedade. Em sociedades saudáveis os contraditórios são tidos em conta. Executivos saudáveis procuram-nos e distanciam-se dos executores acríticos venerandos e obrigados. Nas comunidades insalubres e nas lideranças decadentes os contraditórios são considerados ofensas, ultrajes e produtos de demência. Os críticos passam a ser “um problema” que exige “solução”. Portugal, com José Sócrates, Pedro Silva Pereira, Jorge Lacão e com o executivo de TV que os ouviu sem contraditar, tornou-se numa sociedade insalubre. Em 2010 o Primeiro-ministro já não tem tantos “problemas” nos media como tinha em 2009. O “problema” Manuela Moura Guedes desapareceu. O problema José Eduardo Moniz foi “solucionado”. O Jornal de Sexta da TVI passou a ser um jornal à sexta-feira e deixou de ser “um problema”. Foi-se o “problema” que era o Director do Público. Agora, que o “problema” Marcelo Rebelo de Sousa começou a ser resolvido na RTP, o Primeiro Ministro de Portugal, o Ministro de Estado e o Ministro dos Assuntos Parlamentares que tem a tutela da comunicação social abordam com um experiente executivo de TV, em dia de Orçamento, mais “um problema que tem que ser solucionado”. Eu. Que pervertido sentido de Estado. Que perigosa palhaçada.

O que eu acho que Mário Crespo na verdade queria dizer em vez do que escreveu em cima (ou complementarmente):


http://www.youtube.com/v/QQs316I1awE&hl=en_GB&fs=1&


Eu sei como é.

30/01/2010

Sinatra Forever

Filed under: António Botelho de Melo, Frank Sinatra, Música — ABM @ 10:25 pm

por ABM (Alcoentre, 30 de Janeiro de 2010)

Aprendi com o pai BM a gostar do Frank Sinatra, e foi uma lição que gostei de aprender.

Sobre ele durante anos só conhecia um fantástico repertório, uma voz ímpar e das melhores dicções de inglês que já escutei (o exmo leitor tente entender o que os Deep Purple dizem em Smoke on the Water, que tive que escutar ods meus irmãos no princípio dos anos 70).

Gostar de Sinatra para a minha geração (a nascida em 1960) já era algo estranho, que eu complementava com uma apreciação (única na casa dos BM) por música clássica, jazz e outros tipos de música que já não é chique mencionar-se como Paul Mauriat e Waldo de los Rios.

Mas Sinatra resiste bem aos tempos e tem os seus adeptos. Um dos maiores prazres da minha rotina nos meus tempos de Maputo era ir jantar ao Restaurante da Costa do Sol, com cujo dono, o grande Manuel Petrakakis, partilho a paixão sinatriana, e quando me sentava, mão invisível logo removia aquela música estilo zurrapa internacional que se toca enquanto está lá, e põe um longo CD com as músicas favoritas do Frank.

Que mais se pode pedir neste mundo, senão o folclore africano em frente ao restaurante numa tarde quente, um bom prato de ameijoas com uma Coca-Cola bem gelada, enquanto se ouve umas canções pelo Frank?

Hoje faço anos e a patroa, que está de viagem, mandou-me num e-mail o que está acima, a mais bem conseguida balada de Sinatra (andamos em contenção de custos).  I’ve got you under my skin é um dos clássicos mais bem conseguidos pelo imortal Cole Porter, com arranjo pelo insuperável Nelson Riddle.

E a única canção cuja letra sei cantar desde o princípio ao fim.

E com ela brindo a todos, leitores, amores, amigos, inimigos (só hoje).

A vida também é isto.

Às vezes é só isto.

25/01/2010

Os 68 Parabéns de Eusébio

por ABM (Cascais, 25 de Janeiro de 2010)

O antigo jogador de futebol Eusébio completa hoje 68 anos de idade.

Aproveito assim para abordar brevemente esta figura do desporto português e moçambicano.

Ao contrário do clã BM, eu nunca liguei quase nada ao futebol, que em Moçambique antes da independência era uma total obsessão para muita gente. Fui a muitos jogos de futebol em Lourenço Marques, mas mais como castigo e para não causar distúrbios em casa aos fins de semana.

Olhando retrospectivamente, o futebol estabelecia uma das diferenças visíveis entre a África portuguesa e as colónias e ex-colónias inglesas, que rodeavam Moçambique, onde os desportos seguiam padrões raciais e culturais muito específicos. Na África do Sul, o futebol era, e ainda é, regra geral, um desporto predominantemente de e para os negros, enquanto que os brancos se cingiam quase exclusivamente ao râguebi e ao cricket e desprezavam o futebol como “desporto de preto”. Presumo que pouca gente então se apercebeu que o piropo também se dirigia aos portugueses, que aos olhos de muitos dos boers e dos sul-africanos brancos, eram uma raça “cafrealizada” – os kaffirs from the sea, como diziam alguns (touché).

Em Moçambique aquilo era mais um pagode, tudo ao molho e fé em Deus. Toda a gente ia e toda a gente vibrava com o futebol, independentemente das questões raciais, económicas e sociais que os analistas de hoje possam congeminar. Aos fins de semana muita gente ia ver o futebol e durante a semana falava-se do que tinha acontecido no fim de semana anterior. Os jogos eram transmitidos pelo rádio clube em simultâneo em português e em ronga. Nesse aspecto, fazia parte do ídílio africano de que falarei mais tarde e que pelos vistos se tornou desporto das classes literadas de hoje desafiar.

Se no esquema geral das coisas essa paixão partilhada entre brancos e negros na África portuguesa valia o que valia, ela existia e pelo menos baralhava um pouco as cartas em termos da dialéctica de então. Os portugueses do regime usavam-na para apontar credenciais não racistas ao mundo, enquanto que os restantes a desvalorizavam, apontando que praticamente não havia quaisquer moçambicanos negros em posições de poder e influência na nomenclatura nacional e colonial.

Mas, só para chatear – excepto no futebol.

Esta realidade foi a meu ver algo injusta em termos de verdadeiros talentos como Eusébio, Coluna e Hilário (por exemplo, mas há mais, como o Vicente, o Shéu, o Matateu, o Matine, o Abel) cujo valor deveria estar acima destas questões mas acabou, durante algum tempo, por ser questionado por temas que nada têm que ver com o facto de que eram atletas de invulgar talento.

As estrelas que Moçambique produziu foram muitas e brilharam. Outro dia ouvi um comentário que achei interessante e parcialmente correcto, não me lembro de quem, mas que dizia que a primeira “verdadeira” selecção de Moçambique foi a que Portugal levou ao Mundial de 1966 em Londres. Sem descurar os restantes jogadores, o talento moçambicano reunido naquela equipa era verdadeiramente excepcional.

E Eusébio, filho de um senhor branco e de uma senhora negra do Xipamanine (pois…) foi a estrela cadente desse conjunto de homens notáveis. Ao ponto de integrar, nas mentes do povão, com a tal de vidente Lúcia e a fadista Amália Rodrigues, uma espécie de santa trilogia do Portugal da segunda metade do salazarismo: Fátima, Fado e Futebol.

Ele era um deus em Moçambique quando eu era pequeno. Um dia, não sei bem por que razão, nos anos 60, ele visitou a casa onde os meus pais viviam na Polana. Não sei como, a palavra passou que ele estava lá, e em cinco minutos a casa estava rodeada de uma multidão a querer vê-lo e a pedir autógrafos. Diligente, eu passei o meu tempo a recolher livrinhos de autógrafos e levá-los ao Eusébio enquanto ele estava calmamente sentado a falar com o pai BM – e ia assinando os livrinhos.

Como um simbolo inescapável de Portugal, difícil foi, e tem sido, a reconciliação com o regime moçambicano, que, antes e depois da independência, nunca o viu como seu, e que nunca aceitou o portuguesismo de Eusébio – apesar de ele ser logicamente também tão moçambicano como qualquer outro, produto genuíno do Xipamanine e da Mafalala dos anos 50 do século passado.

Também não ajudou o facto de que, ao se nacionalizarem os bens imóveis em 1976, incluíram-se os investimentos que quer Coluna quer Eusébio tinham feito na sua terra. Na base da ideologia e de que não podiam abrir excepções, deixaram-nos mais pobres e mais ressabiados. Coluna, que regressou a Moçambique independente e refez lá a sua vida, ficou quase na miséria. Mas isso é história que dava panos para mangas.

Independentemente de todas essas questões, acho que a História já colocou Eusébio no seu lugar devido: o de ter ele sido um dos maiores talentos do futebol que o mundo jamais viu.

Um talento moçambicano.

E, também por isso, lhe dou hoje, e a nós também, os parabéns.

22/01/2010

MAPUTO EM PANO DE FUNDO

por ABM (Cascais, 21 de Janeiro de 2010)

Não pagámos a renda e eu fiquei desligado durante dois dias. Coisas da internet.

Junto uma canção excelente, agradável, segundo o nosso leitor Sr, Sérgio Braz (cuja informação agradeço) da banda moçambicana 340 ml, que anda por Gauteng.

Os seus membros são Pedro (voz, sampler e percursão), Tiago (guitarra, coro e teclado), Rui (baixo e coro) e Paulo (percussão e coro) estudaram e vivem na África do Sul.

Já editaram dois álbuns: Moving (2003) e Sorry For The Delay ( 2008).

Como certas histórias que se contam por aí, eu oiço tanto a canção, ou vejo as pessoas a dançar à minha frente, como vejo ali tudo o que está à volta.

Maputo, Moçambique, no esplendor da sua decadência e renascença.

E danço.

A canção é Fairy Tales.

Voltem sempre. Magnífico.

07/01/2010

Se Eu Fosse Rico

Filed under: António Botelho de Melo, Cinema, Música, Religião — ABM @ 1:16 am
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Stereoscópio de Lourenço Marques, fim do século XIX, vista da Baía

por ABM (Cascais, 6 de Janeiro de 2010)

Hoje à hora de jantar, por razões assaz obscuras, o Dr Micael (10.5 anos de idade) deu-lhe na cabeça de rezar para pedir a benção de Deus para várias coisas, depois de comermos o mais epicúrio jantar de toda a minha vida (tenho que dizer estas coisas para o caso da Patroa vir espreitar isto no Maschamba, sorry).

Depois de pedir saúde e longa vida para a mãe, pai, avó, irmã, padrasto (eu), cães, cadelas, avestruz e a professora, eu sugeri-lhe (suscitando a imediata ira da mãe, que leva estas coisas muito a sério) que pedisse sorte para a mãe ganhar o Euromilhões e assim ficarmos ricos de uma assentada.

Combati indignado a acusação de abuso do favor Divino dizendo que pedir umas massas ao Senhor lá em cima não era um pecado per se.

E, enquanto rapidamente se passou para a questão de o que é que cada um faria se fosse rico, eu lembrei-me da velha canção que fui apanhar no Iutúbe há bocadinho, que para os mais velhos deve ser vagamente familiar: Topol, representando o pobre judeu russo Reb Tévje em Um Violista no Telhado, 1971, cantando Se eu Fosse Rico.

Que eu vi num cinema de Lourenço Marques lá para 1972.

http://www.youtube.com/v/RBHZFYpQ6nc&hl=en_US&fs=1&

29/11/2009

O Grande Satchmo

Filed under: António Botelho de Melo, Música — ABM @ 5:01 pm

Satchmo the Great

por ABM (Cascais, 29 de Novembro de 2009)

Como é domingo e meio chôcho (ora chove, ora faz sol) e as ruas em Cascais City estão quase intransitáveis por causa de um desses assuntos de Estado (a cimeira ibero-americana, cujas delegações estão a desaguar aqui neste momento) e copiando da senhora Baronesa de Lioness, mencionarei brevemente um velho favorito musical.

Uma das heranças do pai BM foi o gosto por alguns tipos de música de entre os quais destaco o jazz. E dentro deste género, o norte-americano Louis Armstrong sempre se distinguiu como um caso aparte, um clássico entre os clássicos. De entre as grandes canções que ele interpretou, quer cantando, quer com o seu mágico uso da trompeta, de longe o que eu guardo como um tesouro e recomendo é o álbum cuja capa é acima reproduzida – Satchmo the Great – cuja história é interessante e tem que ver com África.

Satchmo the Great foi um disco editado em 1957, a partir de uma iniciativa da cadeia de televisão norte-americana e do famoso jornalista Edward R. Murrow, que incluiu uma digressão de Louis pela Europa e ainda uma visita à antiga colónia britânica da Costa do Ouro, que se declarou independente sob o nome de Ghana tornou o primeiro país africano e percursor da onda de independências que se seguiram no continente. Louis esteve em Accra meses antes das cerimónias da independência em 6 de Março de 1957 (Richard Nixon, Ralph Bunche, Matin Luther King Jr e a sua mulher estavam lá também, bem como a diva americana de ópera Lillian Evanti, que compôs o hino do Ghana e claro o Governador cessante, Charles Arden-Clarke e, em representação de Elizabeth II a Duquesa de Kent) e tocou jazz para Kwame Nkrumah, então primeiro-ministro e o primeiro líder africano moderno e na altura muito na baila (até ser sumariamente deposto enquanto estava de visita ao Vietname em 1966).

Apesar do disco estar repleto de clássicos e ainda uma entrevista com Armstrong, de longe a canção que mais me impressionou é uma espécie de fusão entre música clássica e jazz. Foi gravada na noite de14 de Julho de 1956  durante o Concerto Gughenheim no Estádio Lewinson em Nova Iorque. Quem tocou foram os 88 membros da Orquestra Filarmónica de Nova Iorque, dirigida por Leonard Bernstein, juntamente com a banda de jazz de Louis Armstrong. Interpretaram um dos hinos do jazz, Saint Louis Blues, composto muito anos antes pelo lendário W.C.Handy. Na audiência de 25 mil dessa noite, estava lá também o próprio W.C.Handy, já com 83 anos de idade e cego.

Que noite deve ter sido. E que música sublime. Jazz do melhor com a Orquestra Filarmónica de Nova Iorque pelo meio, e a divina interpretação do imortal Armstrong.

Como a canção não está disponível na internet (felizmente eu tenho uma velha edição sul-africana do disco do pai BM em 33 rpm  e um CD) oiça-se aqui uma interpretação de um outro grande clássico de Armstrong, Mack the Knife.

http://www.youtube.com/v/8QqmZ_P__7Q&hl=en_US&fs=1&

Louis Armstrong tem a particularidade de ter sido o meu cantor favorito quando eu tinha 11 anos de idade. Quando soube que ele tinha morrido em Julho de 1971, fiquei choroso o dia todo. Quando a família BM soube qual era a razão para o meu desalento, desatou tudo a gozar comigo.

Eu, claro, não achei piada nenhuma.

Um bom fim de semana a todos.

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