THE DELAGOA BAY REVIEW

01/12/2011

O FADO PORTUGUÊS MAIS MOÇAMBICANO

Em baixo, o fado, cantado pela diva.”] Crónica dedicada à Maria João Quadros e ao José Luis Silva.

A propósito de se achar que o fado passou a ser mais hoje que há uma semana.

Hoje em dia é quase politicamente incorrecto alguém debruçar-se sobre o que é e o que era – pelo menos para alguns – ser-se, ou ter-se sido, português em Moçambique. Por todas as razões e mais alguma, a experiência, sustentada nos alicerces de uma imposição colonial, ruiu como um baralho de cartas. Se não necessariamente assim, tinha que ser. A esmagadora maioria dos cerca de (e meros) vinte mil portugueses que por lá andam estes dias nem suspeitam como foi e, às vezes infeliz e caricatamente, focam-se quase unicamente na sua recém-adquirida “moçambicanização”, vestindo toscamente a nova capulana cultural, dizendo “maningue”, deixando aquilo que são metido na gaveta para quando vão de férias à terrinha ver os familiares, os amigos do liceu e fazer umas comprinhas à FNAC no Colombo. Como se enganassem alguém com essa postura, em particular os moçambicanos. Em Portugal, tornam-se estrangeirados – o termo vernacular mais venenoso é “cafrealizados”, estatuto que a RTP Internacional e a internet atenuam de alguma forma. Confrontados por alguns locais com um passado sobre o qual leram nas sebentas, e os que lá estiveram antes, são displicentes e categóricos: esses não eram portugueses como eles. Eram muito piores: eram todos racistas, colonialistas, ressabiados (afinal a despossessão sumária dos seus bens e experiências sem apelo nem agravo será, para estes, justa e merecida) e agora, ainda por cima, saudosistas, termo que de vez em quando estudo com assumido sentido de humor e que, do que assisto, rotula quase tão perfeitamente quem o profere como a quem se dirije.

Tudo isto tão vão como inconsequente, no tempo e numa era de vertiginosa globalização, em que, dentro de vinte anos quase ninguém de entre as partes envolvidas estará vivo para dizer como foi.

Atrás ficarão os mitos, por mais algum tempo.

Depois, tudo será esquecido.

Excepto uns registos resumidos do passado, manietados pelas ideologias prevalecentes, a língua colonial, agora na posse plena das duas populações, e os vultos sorumbáticos das estruturas arquitectuais e demais infra-estrutura, sombras discretas de um passado adivinhado.

Como foi ser-se português, numa estranha diáspora algures no meio da África Oriental Portuguesa, na reluzente Lourenço Marques colonial, nos anos 30, 40, 50 do século XX?

É assunto que daria panos para mangas. No substrato, o enorme confronto entre a pequenez, a tacanhez, a falta de oportunidade e o espartilho social, económico e até moral a que os indígenas portugueses referem em relação à sua terra, e a oportunidade, os “horizontes mais largos” (termo usado por José Maria Tudela numa entrevista ao Correio da Manhã, 23 de Agosto de 2002) e a óbvia descompressão social, moral e material encontrada no caldo colonial urbano moçambicano.

Em que, admita-se, a esmagadora maioria dos moçambicanos negros, excluídos das cidades e da economia, eram pano de fundo. Envolvente, mas pano de fundo mesmo assim.

Apanhado numa geração de transição, eu próprio já só apanhei sombras desses tempos ao mesmo tempo bucólicos e turbulentos, de cujo fim Rui Knoply deu aviso claro num majestoso poema. Felizmente, através de preciosos conhecimentos aqui e ali, vou apanhando histórias, escritos, recolho impressões desse outro mundo e cujo chão me viu nascer.

Assim, aqui assinalo, pela segunda vez neste blogue, e a propósito de o fado (juntamente com a música da mariachi mexicana) ter sido decretado “património imaterial da humanidade, uma pequena mas inesquecível manifestação dessa era.

Este fado – Uma Casa Portuguesa – foi composto pelo Maestro Artur Fonseca, que dirigia a orquestra de salão do Rádio Clube de Moçambique, com letra de Reinaldo Ferreira, poeta e bardo que andou anos por Lourenço Marques, onde morreu e que (ainda) está sepultado no cemitério hoje abandonado do Alto-Maé em Maputo, e Vasco Matos Sequeira, na altura um reconhecido jornalista e poeta, cujo pai, Gustavo, era historiador.

Cantado pela primeira vez pela angolana Sara Chaves no Teatro Manuel Rodrigues em Lourenço Marques numa quase certamente quente noite de uma 4ª feira, 30 de Janeiro de 1952, num sarau em honra de uma delegação do Colégio Militar de Lisboa, que então visitava Moçambique.

Mais tarde memoravelmente interpretado pela diva, Amália Rodrigues.

Este fado é alegre, musicalmente agradável, reprodutor de uma exo-saudade idílica e exageradamente generoso, em parte porque não tropeça nas muitas razões que fizeram com que Portugal, uma miserável pequena ditadura e uma sociedade em quase tudo parada no tempo, fosse um tão apetecível lugar de onde se emigrar. Bom para ser escrito e composto numa mesa do Café Scala em Lourenço Marques, num dia de verão, enquanto se bebia uma Laurentina e mastigava uns tremoços.

Naquela altura, Portugal só era lindo para quem estava em Moçambique porque estava tão longe.

Vindo a sua letra da mão de Reinaldo Ferreira, que supostamente foi comparado apenas com Fernando Pessoa por António José Saraiva e Óscar Lopes e de quem se terá dito ter “o mesmo sentir pensado, a mesma disponibilidade imensamente céptica e fingidora de crenças, recordações ou afetos, o mesmo gosto amargo de assumir todas as formas de negatividade ou avesso lógico”, o poema só pode ser interpretado como um dos mais sublimes exercícios de sarcasmo dos afectos concebidos na língua portuguesa. Talvez aí tenha estado a mão de Vasco Matos Sequeira.

Mas este fado nunca foi visto nem apercebido como tal, em parte por se enquadrar tão precisamente na grelha popularucho-travestipoética prevalecente e imposta nos círculos de então.

Nesse aspecto, para mim, será sempre um fado moçambicano, dos tempos em que alguns ali viviam uma forma muito peculiar de se ser português.

Em que a distância, a saudade e o isolamento se prestavam à alegoria.

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16/09/2011

CHAIMITE, O FILME, 1953

Antes de ontem à noite desloquei-me à nova Torre do Tombo em Lisboa, para assistir ao lançamento formal de um livro sobre Henrique de Paiva Couceiro, compilado pelo Prof. Filipe Ribeiro de Menezes (com “z” no fim) que reproduz uma parte, menos de um terço, dos documentos que constituem, a partir dessa data, património da nação portuguesa. O livro, editado pela Dom Quixote, já está à venda.

Durante as exéquias de doação formal do espólio de cerca de cinco mil documentos (generosidade da família Paiva Couceiro, na pessoa do meu muito caro Miguel de Paiva Couceiro), foram projectados menos de cinco minutos de um filme de que eu mal ouvira falar e que nunca tinha visto na vida, chamado “Chaimite”, nome da mitológica localidade da nação vátua, em que o Régulo Gungunhana capitulou às armas portuguesas no final do ano de 1895.

Por curiosidade, e para minha surpresa, o filme, que foi trazido ao público português no início de Abril de 1953, foi transcrito para o Iutube, e eu fui ver.

O que posso dizer sobre o filme?

Primeiro, é que é de uma dialéctica, especialmente em final de 2011, quase hilariante, uma versão kistch da então prevalecente atitude convencional portuguesa sobre os territórios sob controlo colonial. É divertido porque hoje muita gente já não se lembra (e alguns não se esquecem) de como era. Neste filme, está-lhe na flor da pele.

Especialmente para quem conhece ou conheceu a região Sul de Moçambique e as suas culturas, e em particular a sua história recente (refiro-me ao final do século XIX) ver este filme é duplamente divertido. A começar pela cena da germanicamente bela menina tuga de saia comprida e com predilecções agrícola-desenvolvimentalistas, sentada à mesa, meio apategada, surpreendida pelo obviamente mais batido tuga cafrealizado a dizer-lhe qualquer coisa coisa como “eu gostava maningue de ter uma machamba no mato”. Ela, de olhos muito abertos, exclama: “maaniingue?! maa-chambaa?! Mas o que é isso?!” Apenas para sermos confortados pela sua politicamente correcta, recém-adquirida lusitano-cafrealização no momento final do filme, quando, finalmente preso o nefasto líder rebelde pelos Heróis e regressada a Pax Lusitana ao Sul dos domínios do rei dos Algarves e apêndices e adjacências, o seu interlocutor, afinal um puro sangue lusitano encapotado (mas claro) diz “ah, afinal vale a pena viver”, ao que ela responde, em apoteose final que prenuncia a justeza do que certamente viria a seguir, “maningue!.

Ah pois. Imagino os meus amigos moçambicanos em Maputo a ver isto hoje, dariam voltas nas cadeiras.

Mas se calhar deviam ver. Que mais não seja o de ouvir landin (ou ronga) dos anos 1950 e assistir ao actor Carlos Benfica, que não sei quem é, desempenhar o papel de Gungunhana.

Pelo meio, um relato dos eventos naquele ano de viragem de 1895, de que fez parte, naturalmente, Henrique de Paiva Couceiro, sem descurar os restantes.

Quem ignora a história, e como ela é e foi protagonizada, tende a ignorar aspectos aparentemente suaves mas importantes das suas próprias origens.

Penosamente, em baixo, compilei as ligações todas que permitem, se o exmo. leitor tiver um tempinho, ver o filme. É de borla e, penso eu, vale mais que isso.

Então vamos lá.

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