THE DELAGOA BAY REVIEW

22/11/2023

ALICE MABOTA, 1949-2023, IN MEMORIAM

Filed under: Alice Mabota - Pres LDH, Alice Mabota, 1949-2023 — ABM @ 1:39 pm

Imagem retocada e colorida.

Foi uma Senhora e da História rezará que fez parte dos inequivocamente bons.

Alice Mabota.

a Wikipédia contém um algo lamentável esboço biográfico que reproduzo aqui, mas com o texto editado por mim.

Maria Alice Mabota (Lourenço Marques, 8 de abril de 1949 — África do Sul, 12 de outubro de 2023) foi uma activista dos direitos humanos moçambicana e fundadora e presidente da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos.

Nasceu em 1949 no hospital da Missão de São José em Lourenço Marques (actualmente o Hospital geral José Macamo), quando Moçambique era uma província ultramarina portuguesa. Viveu ocasionalmente com o pai na Machava, nos arredores de Lourenço Marques, sendo que a primeira escola primária que frequentou foi na Estação Missionária Missão de São Roque, em Matutuíne, a cerca de 100 quilómetros da capital, onde concluiu o ensino primário. Morou também com um tio na Catembe , onde foi baptizada em 1966.

Em 1967/68, a sua mãe regressou da África do sul, onde viveu e trabalhou durante alguns anos e que insistiu que a filha continuasse a estudar.

Em seguida, Alice Mabota foi para a escola secundária à noite e trabalhou durante o dia como faxineira em várias instituições. Fez o ensino secundário no Liceu António Ennes (hoje a escola secundária Francisco Manyanga) e no Liceu Salazar (hoje a escola secundária Josina Machel). Como resultado, obteve acesso ao ensino superior, mas não conseguiu estudar medicina – já que não apreciaria ver cadáveres, segundo seu próprio depoimento, nem relações internacionais, já que não falava inglês ou Francês.

Entretanto Moçambique tornou-se independente. Assim, em seguida, deu aulas de português na escola secundária Francisco Manyanga. Posteriormente, trabalhou na Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ) e na Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE).

Em 1993, participou numa Conferência sobre Direitos Humanos em Viena, Áustria, onde permaneceu por 45 dias, o que a motivaria a comprometer-se com o tema dos direitos humanos em Moçambique. Após uma segunda visita a Viena em 1995, juntamente com outros activistas e intelectuais moçambicanos, fundou a Liga dos Direitos Humanos de Moçambique.

Desde então e até à sua morte, Alice Mabota presidiu à Liga dos Direitos Humanos e estabeleceu-se como uma das vozes mais reconhecidas da sociedade civil moçambicana. Especialmente na década de 2010, criticou a crescente polarização da política moçambicana entre a Frelimo, partido no poder desde 1974 e a Renamo, o principal partido da oposição à Frelimo em Moçambique. Em conjunto com outras organizações da sociedade civil moçambicana, a Liga dos Direitos Humanos patrocinou e organizou inúmeras marchas de protesto pela paz, pela igualdade e contra a corrupção na capital moçambicana. No decurso disso, era frequente receber ameaças de morte e insultos públicos, atribuídos à ala radical da Frelimo. A polícia criminal moçambicana também a interrogou, num incidente em que foi acusada de difamar o Presidente da República.

Em 2010, Mabota recebeu o prêmio internacional Women of Courage, patrocinado pelo governo dos Estados Unidos da América.

Em 2014, considerou candidatar-se às eleições presidenciais, mas acabou por desistir. Concorreu à presidência da República nas eleições de 2019.

Faleceu em 12 de outubro de 2023, aos 74 anos, por doença, após um breve internamento num hospital na África do Sul.

30/09/2023

A EMISSÃO DO RÁDIO CLUBE EM LOURENÇO MARQUES, 8 DE SETEMBRO DE 1974

Filed under: Daniel Roxo - combatente, Emissão do RCM 8 Set 1974 — ABM @ 7:07 pm

Enquanto pesquisava alguma informação sobre o Rádio Clube de Moçambique, encontrei no Youtube um vídeo – que pretende homenagear (Francisco) Daniel Roxo, uma figura singular da guerra colonial em Moçambique – contendo uma gravação de cerca de 42 minutos, de parte da emissão feita a 8 de Setembro, a partir do estúdios em Lourenço Marques do Rádio Clube aquando “daquilo” do 7 de Setembro em 1974.

Eu tinha 14 anos de idade quando tudo isto aconteceu e não estive em Moçambique entre Junho e a noite de 8 de Setembro, quando regressei num vôo da TAP de Lisboa, não sabendo quando embarquei em Lisboa, rigorosamente nada de nada – nem dos Acordos de Lusaka e muito menos da tomada da estação de rádio. No check-in da TAP em Lisboa apenas diziam que haviam “problemas técnicos” no Aeroporto de Lourenço Marques e que não era garantido que pudéssemos aterrar. Soube apenas ao início da manhã seguinte, quando o Boeing 707 fez uma escala em Luanda e os jornais locais – que nos foram facultados na Sala VIP, para onde os passageiros foram encaminhados, dedicavam as suas primeiras páginas ao assunto.

Eu nem queria acreditar. Meu Deus, o que era aquilo.

Em Lourenço Marques, sózinha, a minha Mãe esperava-me no aeroporto, com um ar extremamente preocupado. O meu Pai estava em Nampula para um jogo de uma equipa de futebol que ele treinava e só regressaria dali a dois dias. Em casa, o velho rádio da sala rádio estava ligado para a emissão do RCM e foi aí ouvi mais ou menos aquilo que se ouve nesta gravação: uma salada russa de tudo e nada, música de toda a espécie, o hino português de dez em dez minutos, avisos e notificações e mensagens avulsas.

Sendo por natureza avesso a confusões, durante todo o episódio do 7 de Setembro fiquei fechado em casa na Polana com a minha Mãe e duas das minhas irmãs.

Na altura, não conhecia nenhuma das personalidades associadas a esta espécie de choque e espasmo final da constatação da entrega sumária de Moçambique aos representantes da Frelimo, sobre a qual praticamente eu não sabia nada. Tinha uma vaga noção de Daniel Roxo. De resto, nada. Apenas uns meses antes tinha acontecido o 25 de Abril em Portugal e só aí é que se começou a falar de fascismo, ditadura, da Pide, e do colonialismo, que obviamente acabara, faltando os formalismos. Nem sequer sabia o que queria dizer “democracia”.

A maior parte dos envolvidos saíu de Moçambique imediatamente após o fim do episódio. Mas mesmo assim durante uns tempos houve na Cidade uma caçada ao homem.

A emissão, que penso que só serviu para irritar mais Samora e os seus colaboradores em Lusaka, deve ter durado cerca de três dias, após o que o comando da estação foi entregue a pessoas simpatizantes da Frelimo e afectas ao que estava para vir (o governo de Moçambique foi entregue à Frelimo na tarde do dia 20 de Setembro de 1974).

No espaço de quatro meses e meio, Moçambique passou de uma ditadura colonial portuguesa para uma ditadura marxista-leninista da Frelimo. Enfim.

Não tendo as aulas no liceu começado naquela semana, como de costume, passei os dias seguintes em casa a ler e no Desportivo. Nos jornais, na Tempo, e no Rádio Clube, quase subitamente, só se contavam as maravilhas da Frelimo. Nas ruas, os residentes da Cidade preparavam as malas para se irem embora.

A emissão, gentilmente publicada por UTW:

02/08/2023

SAMORA COM TODOR JIVKOV DURANTE VISITA À BULGÁRIA, DEZEMBRO DE 1974

Filed under: Samora com Todor Jivkov 1974 — ABM @ 11:09 pm

Imagem retocada e colorida.

O desdenho de Samora e da cúpula da sua organização pelos futuros ex-colonos. que dominavam a economia, traduz-se bem pelas suas prioridades e pelo facto de, apesar de os militares portugueses terem entregado o poder ao seu movimento guerrilheiro comunista numa bandeja em Lourenço Marques na tarde do dia 20 de Setembro de 1974, ele só entrar na capital moçambicana depois de uma “marcha” (penso que copiando as épicas “marchas invasoras” de pessoas como a do Mussolini sobre Roma e a do Marechal Gomes da Costa sobre Lisboa – se bem que mais provavelmente a de Fidel Castro sobre Havana) escassos dias antes da cerimónia formal no Estádio Salazar, marcada para as zero horas do dia do 13º aniversário da escritura de constituição do movimento, lá em Dar.

No amanhecer da independência, mais depressa viajou a sítios exóticos e distantes tais como … a República Popular da Bulgária, onde foi recebido pelo chefão local, Todor Jivkov, com honras de Estado.

Todor Jivkov, Primeiro Secretário do Comité Central do Partido Comunista da Bulgária e Presidente do Conselho de Estado da República Popular da Bulgária, à esquerda, sentado frente a Samora, que liderava uma delegação da Frel para se discutir a “cooperação” enquanto que, mais a Sul, a economia de Moçambique se esfumava a olho nú. A senhora no meio é possivelmente a tradutora. Em Sófia, a capital búlgara, Dezembro de 1974. Será que ali à esquerda de pé é o Kok?

Para combater em Moçambique nos anos 60, a Frelimo buscou o apoio de uma série de países, quase todos ditaduras comunistas de partido único afiliadas com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e a República Popular da China. E a regra de ouro nos anos por volta da independência é que país que ajudou na Luta de Libertação valia por dois. É o caso com a (felizmente já extinta) República Democrática Alemã e a República Popular da Bulgária. Ainda por cima ambos membros da incongruente e inconsequente mas badalada – e, logo, cobiçada, para quem não estivesse dentro dos detalhes – COMECON, uma versão rasca e falsa da União Europeia mas para ditaduras comunistas europeias.

Na cabeça de Samora, ainda por cima, a Bulgária já tinha sido também colonizada (primeiro pelos otomanos e depois pelos alemães) e portanto “compreendiam” melhor os dilemas e desafios dos moçambicanos traumatizados por nada menos que cinco séculos seguidos de sevícias. Ah pois.

Pessoalmente, acho que não era bem isso. Todor Jivkov, surgido tardiamente e que para os padrões comunistas até era um gajo porreiro (prendia pouco, matava menos e roubava quase nada, o que, curiosamente, lembra o Professor Salazar) basicamente estava mais preocupado com o seu país e os interesses do seu país, que entendia como 1) ser mais papista que o Papa em termos de uma subserviência militante à URSS mas 2) ao mesmo tempo manter uma agenda própria (aquela dele comprar petróleo aos russos de borla, refiná-lo e depois vendê-lo à Europa Ocidental a preços de mercado era genial). Os interesses búlgaros prendiam-se muito mais com a economia e com a situação geopolítica regional, que sempre foi muito complicada. Esta coisa do internacionalismo búlgaro de apoiar os movimentos de libertação, especialmente os da África longínqua, onde a Bulgária tinha mais ou menos zero de interesses, era basicamente um frete encapotado aos russos, era boas relações públicas, relativamente barato e até dava para uns minutinhos no telejornal.

No fundo, para os búlgaros, era uma distracção.

Samora, Marcelino e os seus acólitos eventualmente descobririam isso. Apesar de Samora ainda em 1980 dizer na cara de Jivkov orgulhar-se de ter feito Moçambique passar de colonialismo abjecto para um estado marxista-leninista “científico” e portanto precisar de ajuda para tudo e mais alguma coisa (ah ah – Todor deve ter tido uma dôr de estômago de ouvir estas e outras), a ajuda gratuita (“cooperação”, no doblespeak moçambicano) cedo começou a escassear. Quanto a ajuda militar, quando dantes incluia umas minazitas, umas AK’s e uns rockets, pois ambos os lados faziam uma guerra o mais barato possível, agora os frels queriam sistemas anti-aéreos, MIGs e tanques. Pois, nem pensar nisso. E em 1981, perante a petição algo delirante de Samora de Moçambique aderir à COMECON, alguém lá teve que ir ao palácio dizer-lhe que nem sequer pensasse nisso.

Os RDA’s basicamente tiveram a mesma reacção, mas no modelo germânico. À pala da “cooperação”, inventaram os Madgermanes, uma versão surreal dos Magaíças em que a diferença era que ao menos os portugueses colonialistas pagavam aproximadamente o que lhes deviam e as minas do Witwatersrand eram ali mesmo ao lado, onde não nevava muito.

Samora, que viveria até Outubro de 1986, rendeu-se à realidade de que dos “amigos de peito” da Libertação nada viria e, perante os desafios que enfrentava, deu uma volta contorcionista de 180 graus e passou a lidar directamente com os putativos arqui-inimigos, a vizinha África do Sul de PW e os EUA de Reagan e Chester.

Na Bulgária, Todor, que em 1979 receberia do governo “socialista” de Lisboa da altura um Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique (o Infante deve ter-se virado na tumba) sobreviveria precisamente até à semana após o dia em que o Muro caíu em Berlim em Novembro de 1989. Ainda o chatearam um bocado lá em Sófia mas no fim de cinco processos judiciais foi inocentado de quaisquer crimes e viveu mais ou menos em paz até morrer em 5 de Agosto de 1998. Metade dos políticos búlgaros eram todos ex-comunas que ele conhecia – um primeiro-ministro tinha sido seu segurança -e afinal de contas eram todos democratas socialistas. A Bulgária, que é um pouco maior que Portugal e com dois terços da sua populaçáo (6.5 milhões) é hoje membro da União Europeia, da NATO e com um nível de vida que, dentro de uns anos, a continuar o socialismo cha-cha-cha do Costa, superará o português.

A memória das visitas de Samora já é distante e algo distópica.

30/07/2023

ANTÓNIO RITA FERREIRA, ANOS 40

Imagem retocada e colorida.

Tive a sorte de conhecer relativamente bem Rita Ferreira, que foi meu vizinho na Rua dos Aviadores em Lourenço Marques nos anos 70 (mudou-se de uma velha casa junto do Hotel Cardoso para o 1º andar vagado pelos Picolos quando eles se mudaram para o Bairro do Triunfo) e, décadas depois, em Cascais (uma casa em Bicesse), até falecer. Tinha a mulher e três filhos. O mais novo, que eu conhecia por ser da minha idade, como a mulher, morreu anos antes dele. Na segunda fase do nosso convívio, em Portugal, falávamos durante horas e horas em pessoa e ao telefone sobre as suas experiências de Moçambique e trocávamos documentos. Era um prazer, e nada mau, tendo em conta que ele basicamente não aturava quase mais ninguém, incluindo a pequena procissão de pesquisadores que regularmente lhe iam bater à porta com dúvidas existenciais.

Rita Ferreira nos primórdios. O seu primeiro emprego foi servir a administração colonial junto da corte dos reis do Barué. Outros tempos.

Esboço Biográfico

(texto de base da Enciclopédia Verbo Luso Brasileira de Cultura, Ed. Século XXI, volume 25, pesadamente editado por mim)

Rita Ferreira foi mais conhecido por ter sido um investigador em Ciências Sociais.

Apesar de nascido na obscura localidade portuguesa de Mata de Lobos em 14 de Novembro de 1922, foi levado para Moçambique ainda bebé e ali viveu mais de meio século.

Completou o ensino secundário em Lourenço Marques e, anos mais tarde, fez Estudos Bantos na Universidade de Pretória.

A sua carreira foi feita quase integralmente nos Serviços da Administração Civil de Moçambique colonial, atingindo a categoria de Administrador de Circunscrição. Em 1963, transitou, como primeiro assistente, para o Instituto do Trabalho em Lourenço Marques. Em 1971, foi chefe de Serviços no Centro de Informação e Turismo, onde ascenderia a técnico-director, e, já depois da Independência, a director.

Quando para tal foi instado pela Frelimo, manteria a nacionalidade portuguesa por (obviamente) podê-lo fazer e por ter algumas dúvidas quanto às intenções do novo regime.

Simultaneamente, por solicitação do então Reitor, leccionou, na Universidade Eduardo Mondlane (a ex-Universidade de Lourenço Marques de Veiga Simão. Na altura havia muitas “ex”), a cadeira de História Pré-Colonial, entre 1975 e 1977.

Em 1977, na sequência de um incidente gratuito movido pelas autoridades moçambicanas, saíu de Moçambique e radicou-se em Cascais, Portugal, onde se reformou do funcionalismo público e viveria o resto da vida. Na altura só havia dois que se lhe comparavam, um era Gerhard Liesegang, o outro talvez o Capela.

Paralelamente às suas ocupações profissionais e aproveitando as oportunidades surgidas, desenvolveu notável actividade nos domínios da Antropologia e da Sociologia. Além de participar em encontros e congressos nacionais e internacionais, publicou numerosos artigos e recensões em periódicos especializados, avultando as centenas de editoriais publicados (1963-1972) nos principais jornais diários, onde, entre outros temas, alertou para a gravidade das carências que afectavam a maior parte das comunidades rurais e tribais espalhadas pelo território moçambicano. Em 1972, a convite de várias universidades norte-americanas, visitou os respectivos Centros de Estudos Africanos, onde proferiu palestras e participou em debates.

Destacou-se, igualmente, pela sua participação, entre 1983 e 1988, no projeto de microfilmagem de variada documentação sobre Moçambique existente nos arquivos portugueses (onde estava tudo a monte em caixas desorganizadas como não podia deixar de ser), organizado pelo Arquivo Histórico de Moçambique, pago se não me engano pelos (?) suecos, e que tornaria acessível aos estudiosos moçambicanos uma inestimável parte da história daquele país.

O seu último trabalho, publicado em edição de autor em 2012, intitula-se “Colectânea de documentos, notas soltas e ensaios inéditos para a História de Moçambique”.

Apesar de não ser um académico profissional, e talvez por isso, foi uma mente independente. Tal como resistira às pressões do então regime e academia portugueses para justificar e “dourar a pílula” colonial em Moçambique, mais tarde resistiria às modas “progressivas” esquerdistas, marxizantes, invariavelmente re-interpretativas de muita da realidade moçambicana. Merecendo por isso duplas felicitações.

Morreu em Cascais no dia 20 de abril de 2014.

O seu espólio encontra-se espalhado em vários locais, entre universidades e colectâneas como a Casa Comum. Um seu filho mantém um sítio na internet. O que é uma pena, pois aquilo tudo é, como muito do que envolve a história de Moçambique, uma lixeira sem nexo que desmerece a pessoa. Mas suponho que é melhor do que nada.

Foi galardoado, por três vezes, pela Academia. de Ciências de Lisboa.

13/07/2023

A ERA DO REPOLHO E DO CARAPAU

Filed under: A Era do Repolho e do Carapau — ABM @ 5:09 pm

Imagens retocadas.

Quando visitei Moçambique pela primeira vez em fins de Novembro de 1984, impressionou a mudança desde os tempos pré-independência. Não havia carros nas estradas. Fui desaconselhado a ir até à Costa do Sol por causa dos “bandidos armados”. Praticamente não havia nada para fazer nem nada para se vender nas lojas. Passeei a pé.

A única coisa que comprei naquela viagem (só mesmo quem tem costela moçambicana é que se lembrava naquela altura de viajar de Nova Iorque para Maputo … de férias) foi um maço de postais velhos do Santos Rufino, a um velhote monhé, acho que na Travessa da Boa Morte, que era o que ele tinha. Sentado à porta da sua modesta loja, ele, simpático, lamentava-se num português que devia ser a terceira língua: “no tempo dos portugueses havia pão. No tempo dos portugueses havia galinha. No tempo dos portugueses havia camarão. No tempo dos portugueses havia carne. E agora não há nada”. E por aí adiante. Eu calado. Dei-lhe cinco dólares, o que o deliciou e deu nuns cinco cêntimos por postal. Eles hoje valem dez dólares cada um.

Praticamente não havia comida.

Quer dizer, haver havia. Mas não à venda.

A procura de comida, a entrada nos esquemas mais elaborados de identificação e troca de alimentos era praticamente uma ocupação. As pessoas gastavam parte considerável do seu quotidiano neste processo.

Os mais afortunados tinham dólares ou randes, ou algo com que trocar. Trocava fruta por pão, pão por leite, leite por café, arroz por camarões, etc etc.

Imagino que havia muitos que passavam fome. com F grande.

Uma vez fui comer ao Mini-Golfe, que, curiosamente, estava aberto. Nessa noite não estava lá quase ninguém. No menu anunciavam sopa de legumes e arroz à valenciana. Era o prato do dia e era o que havia. Os preços eram irrisórios para quem vinha de Nova Iorque. Até ver o que serviram. A “sopa de legumes” era um caldo amarelado transparente com duas rodelas de cenoura e uma folha de repolho. O “arroz à valenciana” era um arroz branco tipo pedra, com uma rodela de chouriço mais duas rodelas de….cenoura.

Mais divertido foi a visita ao Hotel Polana, que mais parecia um hotel zombie. Na zona da piscina, onde fui pela primeira vez na vida (antes da independência nunca lá tinha entrado), sentei-me numa mesa pequena. Dali a nada aparece um homem, de fato branco imprecável, se um pouco gasto, com botões dourados, para me servir. Começou a falar inglês mas interrompi-o: “eu falo português”. Silêncio. Entregou-me o menu que me pareceu impresso ainda no tempo colonial, com tudo e mais alguma coisa. Pedi uma sandes e uma coca-cola. “Não tem”. Para fazer uma longa história curta, depois de perguntar se havia isto ou aquilo, enquanto que respondia que não havia, ele no fim lá disse que o hotel tinha apenas uns amendoins e uma club soda, que era tudo o que tinham.

Não estivesse Moçambique a entrar na fase comunista, e dado o colapso do que havia antes, a Frelimo criou o…… Gabinete de Organização do Abastecimento da Cidade de Maputo. Que organizavam um esquema de distribuição de um cabaz básico pela população a preços suponho que mais acessíveis.

Anúncio do Notícias de Maputo, 25 de Abril de 1986, a detalhar o que é que estaria disponível para os residentes da Cidade no mês de Maio de 1986. Nos locais designados, as pessoas iam lá comprar os bens. Para além deste sistema, em que que as pessoas tinham uma cédula penso que emitida pelos célebres Grupos Dinamizadores da zona que as habilitava a aceder a estes bens (que nem sempre havia, mesmo quando anunciado). Havia ainda umas lojas dos funcionários públicos e a famosa Loja Franca, essencialmente para os poucos estrangeiros ali residentes e os que tinham acesso a dólares e randes. E depois havia alguma candonga para os que iam a Nelspruit – enquanto a fronteira esteve aberta.

Para muitos moçambicanos da Cidade, especialmente o punhado de brancos, a chamada Era do Repolho e do Carapau, que deve ter durado entre 77 e 92 (sujeito a revisão) é quase vista com saudade e referida como uma medalha na lapela. Para além de ser um tempo simples em que os convívios eram uns em casa dos outros a ouvir discos do Neil Diamond, ir à praia estar com os amigos, ler os livros que havia e, a partir do final dos anos 80, o ocasional vídeo americano do Rambo traficado habitualmente por alguém que conhecia alguém duma embaixada, há algo que não tem palavras e que credencia (para esses) que é o efeito de fuçar na desgraça com todos os outros: passar fome, estar na bicha, sofrer como os outros. Especialmente os brancos e estrangeiros, que basicamente a qualquer altura podiam-se meter num avião e bazar dali para fora. A lógica é que se ficaram e passaram por aquilo tudo, é porque são mesmo Moçambicanos. Não sei até que ponto isto convenceu os 99.79% da população negra (a mim não convence) mas esta era a lógica, que ouvi ser enunciada mais do que uma vez. Só quando o Dr. Mário Machungo lá convenceu os bosses da Frelimo que aquilo estava tudo a cair ao mar e era insustentável, é que começou a muito lenta evolução para o actual regime, que, dizem os analistas, é ainda mais ou menos de partido único mas com laivos de capitalismo selvagem com muita corrupção, compadrio e esquemas. E muita, muita ajuda de países doadores, a que chamam “cooperação”.

Mas ao menos agora já se vê comida nas prateleiras das lojas. É preciso é ter o dinheiro para a pagar.

As pilhas no cabaz lá em cima eram para usar nos Xiricos, uns rádios como o de cima e um dos projectos da Frelimo. Os aparelhos eram montados na Fábrica de Aparelhos Electrónicos da Electromoc EE, a partir de partes importadas da Stern Radio, da Alemanha comunista. Presumo que para se ouvir os discursos do Samora e as emissões da Rádio Moçambique. Hoje são uma raridade.

10/07/2023

OS COMPROMETIDOS, 1982

Filed under: Os Comprometidos 1983 — ABM @ 3:36 pm

Imagem retocada.

Realmente estar no lado que perdeu um conflito é uma merda.

Não só quem vence é quem tem a indispiciência de poder contar como foi à sua maneira, que inclui decidir quem e portou bem e quem se portou mal, quem é herói e quem é vilão, bem como, assim como fazia César na Roma antiga no Coliseu, indicando à maralha presente com o polegar para cima ou para baixo, decidir quem é poupado e quem deve ser alimentado aos leões.

Ele malhava-lhes e eles adoravam-no.

Imagino que, na sua Marcha para a Vitória, a Frelimo, à semelhança do que diz ter feito a Pide e afins, deve ter “despachado” a sua dose de gente que, por uma ou outra razão, digamos que não se enquadrava. Sabemos que mandaram matar a Joana, o Lázaro, o Uria e a desgraçada da mulher (e mais alguns), porque, talvez insanamente, os líderes da altura, chefiados pelo Grande Estadista Africano, acharam adequado colocar uma espécie de press release no Notícias lá para 1980 – cinco, cinco anos depois da colónia ter deixado de o ser.

Ordem Nº5 da DI para a DB e a BO, indicando que o CPP da Frelimo decidira mandar matar (e já tinha matado) os “traidores” e agora alguém que fizesse um dossier bem espesso e bem elaborado a explicar, para arquivar.

Cinco anos é muito tempo de espera para vagar essa perigosa e mortal inimiga que era a Dra. Joana Simião.

Mas sete anos é muito mais. Em relação ao duplo aniversário fundacional do país e da Frelimo, sete anos coloca-nos em 1982, numa altura em que o País já estava a resvalar seriamente para a guerra civil (sim, nem todos eram empregados do Smith e do Botha) e Samora já começara a perceber que os seus amigos comunistas da Cortina não lhe iam dar nem Migs nem tanques para atravessar o Rio Komáti e libertar os brothers (os mesmos que agoram matam moçambicanos por desporto nos arredores de Johannesburgo). Aliás, era o contrário, e sorte do regime que, por artifício da sua diplomacia e da patente calamidade em curso, mais tarde seria considerado pelos americanos ligeiramente menos chocante que aquilo do apartheid. Em 1982 boa parte do país estava ingerível e a um ano e picos de Samora ter que atravessar a linha em Ressano para ir ao beija-mão a P.W., ele de fato de Marechal das FPLM reluzente e P.W. com o chapéu de ir à pesca. Um ano depois disso entraria pela Casa Branca dentro sorridente a cumprimentar o mais conhecido anti-comunista do Ocidente (“o meu Amigo Reagan!”, “o meu Amigo Reagan!” disse duas vezes). Ronald quase ficou embasbacado, Chester ficou rendido e ali mesmo passou a apostar na Frelimo. Genial.

Portanto, 1982 já era ano de viragem. A União Soviética, que, tal como está a tentar fazer agora com a Ucrânia, em 80 lembrou-se de invadir o Afeganistão, que nunca gostou lá muito de ser invadido apesar de o ter sido já várias vezes, já estava a levar forte e feio no focinho. Portanto o apetite soviético para alimentar conflitos abertos em África que custavam dinheiro e não rendiam nada (ao menos os cubanos em Angola eram pagos em dólares pelo petróleo extraído pelos americanos e cujos poços ajudavam a proteger) mandava sucata.

Sucata não ganha guerras.

No fim do dia, Samora percebeu que as guerras pagam-se e que, efectivamente, estava sózinho. O seu exército, as FPLM, já então era quase tão bom como é hoje. Portanto fez em 84 o que devia ter feito em 74: insultar vibrantemente os boers nas assembleias da ONU e outros fórums mas ter o bom senso de dizer que cada um governa o seu país e respeita o vizinho. Acho que foi o que o Botswana fez desde sempre e ninguém morreu por isso.

Mas a partir de 74 Samora, cheio de sangue na guelra, queria dar o peito às balas. O do seu povo, não o seu. Fâ-lo ao Smith e por um tempo achava que ia fazer o mesmo aos boers, mesmo estando Maputo ali a dois minutos de distância de uma base aérea no Transvaal.

A situação interna sendo digamos que frágil em 82, seria de bom tom abanar a bandeira e buscar reconciliação nacional e reunir forças para o que estava para vir.

Mas o que é que Samora faz? Lembra-se de ir desenterrar os fantasmas dos tempos da Gloriosa Batalha e organiza, no antigo Salão de Festas do Liceu Salazar em Maputo, um mega-evento de vários dias, em que convoca, em grupinhos, o que ele designou por…..”Comprometidos”.

Que de outro modo se chamariam Traidores, mas como traidores são para matar (ver Ordem Number Five lá em cima) e, prontos, para matar aquela gente toda dava trabalho, no mínimo tinham que fingir um processo qualquer legal – sei lá, julgamentos com confissões fabricadas à moda do Stalin dos anos 30 – e no fundo no fundo ele afinal só queria mesmo era humilhar e achincalhar os rapazes um bocadinho (alguém esqueceu-se de os avisar disso), depois de os mandar meter um CV de cada um com fotografia à porta de casa e do emprego a anunciar “eu sou um Comprometido”, mandou todos comparecer no Salão de Festas ao pé do que sobrava do Museu Álvaro de Castro para uma sessão inenarrável, liderada pessoalmente pelo Grande Líder, perante os órgãos máximos do Partido Único, para lhes fazer passar o pêlo pelas brasas.

Tudo filmado pelas câmaras do regime e devidamente fotografado pelo Kok (não vi o Rangel, que é o outro).

E lá meteram na sala aquela desgraçada gente, em grupinhos, todos devidamente identificados por tabuletas: os Informantes da Pide aqui, os Colaboracionistas ali, of Veteranos dos Flechas ao lado, os Veteranos dos GEPs noutro canto (os capitães do Emiéfiá nem sequer tiveram a cortesia, ou a decência, de lhes oferecer passagem para a Metrópole se quisessem). Até tinham uma tabuleta para os “Diversos”, que era para os que eram considerados Comprometidos de alguma forma mas para os quais não arranjaram tabuleta específica. Sei lá, as putas e os desertores.

Aquilo mais parecia uma ária de ópera do Verdi arranjada no Scala (o de Milão, não o de Lourenço Marques) pelo Solnado, aquele grande sábio português que postulou uma vez que uma guerra boa se devia fazer nos dias úteis das 9 às 5. Os visados em pânico contido, à espera do desfecho, proferido pela boca do Supreme Leader.

Samora, que tinha um instinto absolutamente nato para estas encenações públicas, como se pode ver no vídeo em baixo (cortesia do aptamente designado Afromarxista) deu um verdadeiro baile e estava em sua casa. No momento mais dramático, depois de lhes cascar forte e feio, ficou-se por uma exortação à meditação dos pecados por cada um, proclamou a unicidade inquestionável de tudo e todos sob a liderança da Frelimo e no fim mandou-os todos para casa, aliviados, mas onde deviam explicar às famílias, amigos e colegas de trabalho, a natureza do seu “comprometimento” e, presumo, exprimir o seu profundo arrependimento.

Isto sete anos depois dos portugueses, que por maioria de razão foram culpados de tudo e mais alguma coisa, arrumarem as botas e irem-se embora e o seu país estar a descambar.

Pois realmente estar no lado que perdeu um conflito é assim em Moçambique. A guerra nunca acaba e a luta continua sempre.

A Arte de Descompremeter, by Samora Machel, cortesia do Afromarxist. Sugiro que o Exmo. Leitor ignore a senhora que fala inglês.

08/07/2023

AQUI É PORTUGAL – LOURENÇO MARQUES EM 1961

Filed under: Aqui é Portugal - LM em 1961 — ABM @ 10:21 am

Imagem retocada.

Na sequência dos violentos ataques em Angola em Fevereiro de 1961 que deram o início aos 13 anos que durou a chamada (pelos portugueses) Guerra Colonial, o regime português, uma ditadura de partido único liderada por Salazar desde 1928, embrulhou-se na bandeira e prometeu lutar. A luta inicial seria na região de Luanda e a Norte e parece ter apanhado de surpresa os locais, que reagiram de forma igualmente violenta. Foi uma mortandade para ambos os lados.

Em Moçambique, apesar de já haver algumas movimentações, não havia ainda uma estrutura nem política nem militar de resistência ao regime, que em Lourenço Marques promoveu manifestações de repúdio à violenta insurreição em Angola e reafirmação da Pax Lusitana em África.

Como pano de fundo, nessa altura, já decorria há algum tempo a violetíssima guerra na Argélia contra a soberania francesa e tinha havido graves incidentes associados à independência do Congo Belga. Antes do final do ano, a Índia, sem grande cerimónia, expelia os portugueses da centenária Índia Portuguesa. A África do Sul proclamou-se uma república com o seu apartheid e saiu da Commonwealth. Apesar de cautelosamente, a nova administração norte-americana, liderada por John Fitzgerald Kennedy, a começar a embrenhar-se no Vietname, ensaiava uma tentativa de aliciar Salazar para conduzir Portugal para despachar as suas colónias, o que viria a correr pessimamente. Portugal alojava uma base militar americana nos Açores que era crucial para a estratégia da aliança da NATO para a Europa e Salazar jogou a cartada de ameçar fechá-la se os americanos insistissem na sua pressão quanto a África. Cuba declarou-se comunista e aliada dos Soviéticos, que por sua vez iniciaram a construção do Muro de Berlim.

Ou seja, tudo se complicava rápida e imprevisivelmente.

A residir nos EUA há alguns anos, onde tirou uma licenciatura e um doutoramento, um jovem académico moçambicano, o Dr. Eduardo Mondlane, fazia o seu percurso pessoal, estando na altura, sob o beneplácito do lendário Dr. Ralph Bunche, um advogado e Prémio Nobel da Paz em 1950 (o primeiro negro americano com estas credenciais, muito estranhamente omisso nos esboços biográficos de Mondlane), a trabalhar na Organização das Nações Unidas em Nova Iorque. A administração Kennedy repara em Mondlane e crê que ele poderia desempenhar um papel em Moçambique.

Levaria quase um ano antes que os moçambicanos se organizassem minimamente com um jovem Adelino Gwambe, sob o patrocínio dos nascentes líderes africanos – Kaunda, Nyerere, o rei de Marrocos e Kwame Nkrumah no Ghana. Em França, por onde alguns passaram, discutia-se livremente o tema das descolonizações, o que em Portugal dava cadeia.

A visão de Gwambe basicamente era da necessidade de uma guerra nacionalista racial: pretos contra brancos. Ainda assim, lá admitiram na sua pequena organização um médico branco (basicamente por engano e enquanto Gwambe estava fora de Dar) e depois o que viria a ser a peça-chave para todo o movimento, Marcelino dos Santos, que era mulato e, infelizmente, um comunista com um ódio visceral aos portugueses em geral. Mondlane só viria mais tarde, exortado pelos seus contactos em Moçambique e trazido por Nyerere, que o conhecera numa deslocação a Nova Iorque. A questão racial afligiria o nacionalismo moçambicano nos anos que se seguiram. Foi Nyerere que “forçou” a criação da Frelimo, que operaria no seu país a partir de meados de 1962, já sob a liderança algo relutante do Dr. Mondlane, que não era por natureza violento e que quase fez o pino para tentar dialogar com os portugueses. Mas Salazar achava que isto tudo era passageiro e mais uma tentativa para países estrangeiros roubarem o património “sagrado” dos portugueses e simplesmente ignorou-o.

Tudo desembocaria para uma guerra em três frentes – Guiné, Angola e Moçambique – que duraria um total de 13 anos e acabaria muito mal para toda a gente, especialmente para os nascentes países africanos.

Recorte de um artigo numa revista portuguesa, 6 de Abril de 1961. No passeio em frente à Câmara Municipal de Lourenço Marques, alguém mandaria inscrever no chão calcetado a frase “Aqui é Portugal”. Pois. Ficaria até 1974.

07/07/2023

CINCO ANOS DE INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE: OFENSIVA, GUERRA, METICAL E NADA FUNCIONA

Imagem retocada.

Achei interessante o vídeo de propaganda da Frelimo (publicado no Iutube pelo Yassin Amuji e reproduzido em baixo) então o único partido em Moçambique, posto cá fora pelo INAC em 2010, com as ferventes intervenções samorianas em defesa do socialismo revolucionário”, nas quais um Samora larger than life , Pai da Nação, acusava tudo e todos pelas suas incapacidades e deficiências, não descurando nenhum – corruptos, vigaristas, putas, preguiçosos, ladrões, sabotadores, porcos, marginais, oportunistas, traficantes. agentes infiltrados e reaccionários, que atentavam contra o Povo (em nome de quem ele e só ele sempre falava, claro).

Na sua narrativa, não era o sistema que ajudou a criar que era uma merda, uma verdadeira obscenidade que não funcionava – eram estes “outros” que estragavam tudo e a vida ao Povo.

1980 foi ano em que Ian Smith foi apeado da Rodésia e o estranho Robert Mugabe ascendeu à liderança da então Rodésia-Zimbabué. Que, a seu tempo, descambaria completamente, especialmente quando Mugabe jogou a cartada racista contra o punhado de brancos que se tinham esquecido de ir embora do seu país.

Em meados do ano, numa vasta operação secreta, em Moçambique, lá se livraram do escudo colonial e introduziram o metical. Dava outro filme mas ninguém fez um. Se me recordo, em Maputo, eu fui o primeiro a escrever sobre isso, com o apoio precioso de um (temeroso) colega do então BCM.

Nos escombros da infra-estrutura colonial abandonada, um caso curioso é o dos Correios de Moçambique, agora extintos e o seu património repartido entre quem pode, que durante décadas, apesar de mal funcionarem, terem feito uma produção de sêlos prodigiosa e completamente rocambolesca. Aqui, um envelope, três selos e um carimbo, assinalando cinco anos de independência nacional.
Filme “motivacional” promovendo Samora e o regime, cerca de 1980.

05/07/2023

CARTAZ DO 1º ANIVERSÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE, 1976

Filed under: Cartaz 1º ano de independência, 1976 — ABM @ 11:03 pm

Imagem retocada.

O dia que marcou a independência formal de Moçambique em 1975 (pois, na verdade a independência foi no dia 20 de Setembro de 1974) foi inesquecível e a data é, para quem a viveu, alvo das mais vivas recordações, junto daquelas poucas datas em toda a gente se lembrava – no meu caso, o 11 de Setembro, o dia em que o meu pai morreu, o dia em que o Muro de Berlim caíu, etc.

Para alguns a data assinalava o fim da “treva colonial” – tecla que seria tocada infinitamente e que ainda hoje é usada e abusada – enquanto que para outros era o início de uma época em que passaram a ser moçambicanos a gerir o erário e a decidir o futuro do país, para melhor e para pior. O que nem todos estavam à espera era que ao cacique colonial sucederia o cacique local, constituído também em partido único (e ai de quem se atrevesse a desafiá-lo) embalado pela conversa prometedora e largamente incompreensível que soprava dos países da Cortina de Ferro – os tais brancos lá do Norte da Europa que deram as minas e as Akapas, mais os cubanos. Imagine o exmo. Leitor dizer-se a uma populaça essencialmente pobre, rural e analfabeta, que a seguir viria, como se lê no cartaz em baixo, uma “ofensiva política e organizacional generalizada na frente da produção”? wtf?

Mas se fosse só isso. Encontrando-se dona absoluta do país, a Frelimo de 1975 começou rapidamente a cair no mais profundo rabbit hole do comunismo, que pomposamente formalizaria em 1977, não antes de quase tudo nacionalizar, tudo anunciado em vastos comícios de atendimento obrigatório, por via de proclamação pelo Grande e Querido Líder (com direito a cartaz gigante na fachada da ex-Câmara Muncipal) acompanhada da obrigatória salva de palmas universal e entusiástica. Até ao final de 1976, mais que 90% dos brancos fugiram (ou saíram, ou abandonaram) o território, deixando quase tudo o que funcionava na corda bamba, sem, claro, esquecer as belas moradias da Somershield e da Ponta Vermelha, essas que, naturalmente, vieram mesmo a geito.

Mais grave, ainda que moralmente incontestável se se aferirem os Ventos da História, o novo regime achou que poderia fazer aos racistas rodesianos e sul-africanos aquilo que a Frelimo havia feito aos coloniais portugueses durante uma década. Mas já então se sabia que, ainda que ambos regimes tenham assistido quase desportiva e tranquilamente à entrega do poder à Frelimo em Setembro de 1974, um cenário em que Moçambique passasse a constituir um santuário para uma guerrilha contra os boers e os rodesianos, certamente elicitaria uma reacção completamente diferente do que tinha sido aquele jogo do gato e do rato delicodoce das certamente heróicas emboscadas seguidas de fuga para lá do Rovuma e da colocação de minas, lá no Norte, em que as bases da Frelimo funcionavam tranquilamente na Tanzania, que era um recuo seguro.

Portanto quando se pensaria que em 1975 acabava a agora denominada Guerra da Libertação, e começava uma Paz Moçambiana duradoura, e Samora convidou os guerrilheiros de Mugabe e Muzorewa para se instalarem lá no Dondo para lutarem pelo seu (deles) Zimbabué, Uma coluna militar rodesiana num fim de semana foi lá e matou mais gente numa manhã que morreram durante um ou dois anos de guerra colonial.

E esse foi apenas o começo.

25/06/2023

INDEPENDENCE DAY EM MOÇAMBIQUE, 1975-2023

Imagens retocadas.

Uma alegoria do momento da independência em 1975, data escolhida pela Frente de Libertação para nove meses depois da entrega do poder pelos militares libertadores portugueses (20 de Setembro de 1974, em Lourenço Marques) para coincidir com o dia da constituição formal da organização em Dar em 1962, sob os auspícios de Julius Nyerere. O cartaz, que está no Museu da Revolução em Maputo, propriedade privada do agora partido político na prática único (era antiga sede do 1º de Maio), vem com a tónica reverencial do Grande e Dear Leader e Pai da Nação, que Samora aliás parecia apreciar. Na verdade a guerra em si só começaria dois anos e três meses depois, em Cabo Delgado, com minas e emboscadas, depois de chegarem as armas e as primeiras fornadas de guerrilheiros dos países comunistas e afins. Salazar, o Dear Leader português, por sua vez, mantinha a linha do Portugal do Minho até aos confins. A data em 1975 foi inesquecível para todos os que eram de Moçambique (menos os que sabiam o que viria a seguir). O problema foi o Day After, quando se começou a perceber que a independência não fora o fim de um processo e o regresso a alguma normalidade mas o começo de um imenso pesadelo, que, em muitos aspectos, dura até hoje.
Ao início da primeira hora de 25 de Junho de 1975 (uma quarta-feira) o formalismo da passagem de testemunho com o içar da nova bandeira da agora República Popular de Moçambique, no antigo Estádio Salazar na Machava, que era do Clube Ferroviário de Moçambique. Com 15 anos e a estudar num liceu em Coimbra (pensava eu que temporariamente), segui as exéquias pela emissão ao vivo do Rádio Clube, retransmitida pela Emissora Nacional, que era tão má que parecia que vinha de Marte.
Botão alusivo.

18/06/2023

A QUEDA DO AVIÃO PRESIDENCIAL MOÇAMBICANO EM 1986 E OS CANOS DE ESGOTO COM CIMENTO EM MAPUTO

O Tupolev TU-134A estacionado num aeroporto, anos 80, uma versão aproximada do americano DC-9, que serviu como avião para uso exclusivo do presidente de Moçambique até se despenhar na África do Sul, a 150 metros da fronteira de Moçambique, na noite de 19 de Outubro de 1986, matando 35 pessoas, entre elas o Presidente Samora Machel. Foto com copyright do Sr. Aad van der Voet.

Cruzei-me ontem quase por acaso com o sítio “Histórias do Almirante Cloudberg“, quase exclusivamente sobre acidentes aéreos, e que em 3 de Abril de 2021 publicou um interessante relato sobre a queda do avião que transportava o então presidente de Moçambique e a sua comitiva, no regresso de uma viagem à Zâmbia.

Se bem que eu considere que a autoridade em língua portuguesa sobre o assunto seja o João Cabrita, que publicou um longo e detalhado texto sobre o assunto, num contexto em que voavam as mais fascinantes teorias da conspiração em redor do evento, o texto e as imagens de Cloudberg, que é mais uma versão “para burros”, mais sucinta e debruçada sobre o evento em si, é mais acessível e fácil de compreender, se o Exmo. Leitor fôr, como eu, alguém que não domina bem o complexo lado técnico que ajuda a explicar o que aconteceu. Pena é que o texto esteja na língua inglesa.

No essencial, penso que o que Cloudberg conclui alinha com as conclusões de Cabrita: aquilo foi borrada pura e simples da tripulação russa.

Samora Moisés Machel na sua fase de Dear Leader. Considerado carismático e genuinamente adorado pelos que o conheciam e por parte da população, com o apoio da máquina de propaganda do então partido único da ditadura comunista moçambicana, a sua morte inesperada aos 53 anos de idade e as circunstâncias chocaram todos.

Para contextualizar, Cloudberg faz uma resenha rápida e sofrível do que sucedeu em Moçambique antes e depois da queda do avião.

Durante a assinatura do Acordo do Incomáti, numa estreita faixa de terra entre as Vilas de Ressano Garcia e de Komatipoort, 1984. Para os apoiantes de Samora, um acto de coragem e de realismo. Para muitos, uma humilhação e um acto de desespero. A situação militar em seguida piorou e eventualmente faltou pouco para que a Renamo entrasse pela Julius Nyerere adentro. Mas os Boers só queriam ganhar tempo, Chissano e Machungo acabariam com o comunismo formal e os americanos apoiaram a Frelimo. O regime sobrevive até hoje.

Mas até no melhor pano cai a nódoa.

Ao descrever o que eu habitualmente refiro como a Grande Debandada Branca de Moçambique, em que mais que 90 por cento de todos portugueses e brancos que estavam em Moçambique simplesmente abandonaram o território até meados de 1976 (porque podiam e pelos vistos queriam), despojando o país nascente de quase toda a mão-de-obra capacitada, Cloudberg, sem nunca citar fontes, e obviamente com um conhecimento quando muito rasante da realidade moçambicana, faz borrada da grande.

Especificamente, escreveu:

Most of the country’s approximately 250,000 white Portuguese had fled after FRELIMO asked that they either become citizens of Mozambique or leave within 24 hours. Аs in many other newly independent African countries, the fleeing colonizers destroyed as much infrastructure as they could on the way out, driving bulldozers into the sea, plundering factories, and filling the sewers with concrete. To make matters worse, there was no one in Mozambique who could rebuild it: 95% of the population was illiterate, and virtually no one had a college education.

Traduzindo:

“A maior parte dos cerca de 250 mil brancos portugueses fugiram depois de a Frelimo exigir que eles ou se tornassem cidadãos de Moçambique ou abandonassem o país em 24 horas. Tal como aconteceu em muitos outros novos países africanos independentes, os colonos em fuga destruíram tanto quanto puderam a infra-estrutura antes de saírem, metendo tractores e retroescavadoras para dentro do mar, destruindo fábricas e entupindo tubos de saneamento com cimento. Para piorar as coisas, não havia ninguém que pudesse reconstruir: 95 por cento da população era analfabeta e praticamente ninguém tinha um curso universitário”.

Ora, ignorando a inenarrável mas muito popular prática do Guebuza do 24/20 que por acaso aconteceu um pouco mais tarde, já tive uma vez uma breve troca de impressões sobre esta questão recorrente do “colono destruidor” com o Joe Hanlon, um académico velhinho de Londres que de outro modo até faz um trabalho decente a acompanhar as habituais desgraças que vão afligindo aquele país (por exemplo, a roubalheira do BCM, a roubalheira do Banco Austral que culminou com o assassinato do Siba-Siba Macuácua, a roubalheira dos 2 mil milhões pelo Guebuza e agora a roubalheira pré-eleitoral orquestrada pelo Celso para, presume-se, roubar mais uma vez uma eleição – a que vem aí).

Uma vez, mais uma vez mais ou menos a despropósito, o Joseph comentou que os “colonos” antes de saírem, raivosos com o fim do colonialismo, colocaram cimento nos tubos de esgoto dos apartamentos nos prédios de Lourenço Marques. Escrevi-lhe na altura uma nota a perguntar se ele estava lá e viu, ou onde é que ele foi buscar essa história. A sua resposta foi de uma linha: “é o que se dizia em Maputo”.

Ah era o que se dizia em Maputo? essa é que é a fonte fidedigna do historiador Hanlon?

Cloudberg introduz algumas variações neste tema. Primeiro, generalizando. Os colonos destruiram tudo antes de fugirem lá onde estavam nos países independentes em África e portanto em Moçambique foi igual. E juntou à história do cimento nos canos de esgoto a destruição de fábricas e a cena de pegarem nos tractores e Caterpillars e conduzirem-nos para dentro do mar.

Eu próprio li algures, mais do que uma vez, por exemplo, que o inacabado Prédio 4 Estações, que seria o primeiro mega-hotel para o próspero negócio do turismo, eventualmente demolido para um frelo qualquer vender por milhões o terreno depois onde os americanos construiram (finalmente)a sua nova embaixada, não era aproveitável precisamente porque o dono mandara entupir todos os canos com cimento antes de fugir.

O 4 estações era um dos prédios de referência inacabados aquando da independência. Outros eram as Torres Vermelhas, o 33 Andares e vários outros na Cidade. As obras ficaram a meio e foram abandonadas no tosco.

Ora, quem faz estas alegações, especialmente de passagem em textos que nem sequer são sobre este assunto, não as faz inocentemente. Fá-las porque, primeiro, emprenha pelos ouvidos, ou seja, ouve-as ou lê-as e acha que são verdade, mesmo que não encontre as evidências concretas, e depois reproduze-as com o intuito de dar um certo contexto aos relatos. E o contexto é que os coitados dos moçambicanos da Frelimo tiveram que lidar com os efeitos dos colonos maus raivosos que destruiram os seus bens e negócios antes de, presumivelmente, abandonarem o território, sem nada, a maior parte dos quais foram parar aos sítios mais recônditos do planeta, para recomeçarem as suas vidas a partir do zero absoluto.

Obviamente, terão feito isso tudo nas barbas dos guerrilheiros armados da Frelimo e da população, que pelos vistos observou placidamente os actos de destruição.

O problema é que, não obstando terem havido, pelo menos em teoria, situações de sabotagem ou destruição de património detido pelos seus (até então) donos, não só considero tais relatos pouco credíveis, como acredito que, na realidade, e na quase totalidade, a economia a seguir à independência colapsou simplesmente porque as pessoas se foram embora.

Aliás, não foram os únicos. Portugal hoje está pejado de discretos ex-frelos brancos outrora dedicados e fiéis comunas que no fundo da gaveta esconderam o passaporte português e que no fim de uma ou duas décadas desistiram do sonho. Agora votam no Livre e no Bloco e quando têm saudades lêem o Mia.

Ah pois, como os compreendo.

Em 1975-6, a maior parte desta gente, quando confrontada com o que vinha, e decidiu ir-se embora dali, quando muito, levou a tralha das suas casas em contentores, cujo conteúdo, segundo uma lei emanada pelo Governo de Transição, tinha que constar numa lista, era avaliado e tinha que pagar uma taxa de 25 por cento ao governo. A moeda local, o escudo moçambicano, não era convertível e por isso quem tinha dinheiro não o podia levar para lado nenhum. E quem cometeu o acto de coragem de ficar, viu praticamente tudo a ser nacionalizado. Isso significa intervencionado pelo Estado, que a partir daí tomou conta dos negócios como quis, nomeando pessoas da sua confiança para os gerir. Veja-se o caso (e os CVs) do Sérgio Vieira e do Eneas Comiche e de muitos outros.

Foi uma festa.

Hoje, em Portugal, a tal tralha trazida nos contentores de Moçambique aparece no OLX à venda pelos descendentes dos vindos, a preços de saldo. “Vende-se: cama de umbila, trazida de Moçambique”. Ninguém a quer. As pessoas hoje desenrascam-se com o lixo da Ikea.

Conheci um caso de perto, que foi o da UFA, um grande negócio com uma fábrica na Machava que empregava mais que mil pessoas, quase todos moçambicanos. Faziam sapatilhas, peças de borracha, etc. O negócio pertencia ao Sr. Rui Ferreira, um empresário com algumas posses (e um apoiante do Desportivo, onde eu nadava, por isso o conhecia, a mulher e os dois filhos). Quando a Frelimo lhe confiscou a empresa, nomeou logo uma espécie de comissão de gestão com homens da sua confiança, frelos com farda, arrogantes e completamente ignorantes daquele negócio e que passavam o tempo a convocar todos os trabalhadores para reuniões plenárias para, durante horas, cantarem hinos da Frelimo, proferirem “palavras de ordem”, se ouvirem a falar das virtudes do comunismo, do fim do colonialismo racista e do novo Moçambique. O Rui Ferreira, que viva numa conhecida e luxuosa casa mesmo abaixo do Hotel Polana, que era toda redonda (abarbatada depois pelos russos e acho que ainda hoje a residência do embaixador russo em Maputo), no fim saíu de Moçambique clandestinamente, estritamente com a roupa que tinha no corpo, (discretamente fretou uma avioneta que o levou para a África do Sul) pois até em sua casa era vigiado atentamente pelos empregados. Morreria desolado uns anos depois.

Cartaz com Samoraspeak da propaganda da Frelimo.

De facto, naquela altura, o Dear Leader e o seu regime constantemente endrominavam e exortavam toda a população, dirigida por inenarráveis Grupos Dinamizadores e comités de bairro e de quarteirão, para estar vigilante de qualquer situação que configurasse a menor resistência ao novo regime. Especialmente os brancos, que eram directamente e indirectamente referidos pelo próprio regime como responsáveis, ou pelo menos a personificação, do regime colonial inventado pelos portugueses e a sua natureza insidiosa. As pessoas, especialmente os brancos, eram presas por coisas como ir ao cinema e não terem em sua posse o bilhete de identidade. O assédio, especialmente nas cidades, era notório. Aconteceu à minha irmã Cló à porta do Manuel Rodrigues e aconteceu ao filho mais novo do Rita-Ferreira (um historiador de referência de Moçambique) um dia durante um intervalo de um filme no Cinema Dicca. O Reinaldo, que tinha apenas 16 anos, foi preso enquanto fumava um cigarro à porta do cinema por não ter o BI com ele e foi levado por dois guerrilheiros armados com AKapas para uma prisão no Xai-Xai. O pai só deu pela falta dele porque quando o filme recomeçou depois do intervalo, ele não aparecia. Levou dias a perceber o que tinha acontecido e o Rita-Ferreira contou-me o filme de terror que foi que soltasem o filho – que não fora acusado de nada. Depois disso, fez as malas e foi viver para Portugal e nunca mais voltou a Moçambique.

Tirando um advogado cujo nome prefiria omitir (era o Almeida Santos, claro) que fez fortuna em Moçambique e que depois foi um destacado político do PS em Portugal , não conheço, em 50 anos, um ex-residente branco de Moçambique que era rico, que saiu rico e que continuou rico. Nem um. Ou um único relato de um ex-residente branco a dizer que encheu os canos da casa com cimento, que sabotou a fábrica ou que atirou o carro ou o tractor ao mar.

Mas eu, que penso que leio mais que a média das pessoas, tenho que ler estas historietas do diz que disse que viu e que aconteceu.

Portanto, a história que Cloudberg conta sobre a queda do avião onde Samora viajava é muito interessante e reveladora. Mas destes apartes, tal como aconteceu com o José Hanlon, prescindo. A destruição maciça da economia de Moçambique a seguir a 1974 era perfeitamente evitável e se aconteceu foi por decisão e desígnio expressos da Frelimo, que lá tinha as suas razõezinhas para nunca jamais confiar num branco, desde o primeiro dia em que foi fundada. Aliás já antes. E a razão é puro racismo de preto para branco, um tabú de que não se fala. Foi uma doce vingança com luva branca (ah ah) e que soube ao mel mais doce, mas que, como se vê, paga-se e teve um custo. A desculpa para um retrocesso civilizacional não foi um acidente estúpido e implausível como as circunstâncias em que morreu Samora Machel em 1986 e não resultou de actos de destruição insanos de ex-colonos raivosos.

16/04/2023

PUBLICIDADE DA RENAMO, ANOS 80

Filed under: Publicidade da Renamo, 1980s — ABM @ 3:25 pm

Imagens retocadas, grato a JC.

Até para uma alma distraída e distante como a minha na altura, era previsível que a ditadura da Frelimo e a sua postura de à guerra colonial seguir-se sem interrupção uma guerra contra os regimes da África do Sul e a Rodésia ia acabar muito mal. O conflito que se seguiu durou quase o dobro do tempo que durou a guerrilha contra o regime colonial português e fez esta parecer uma brincadeira de crianças em termos da destruição e mortes causadas. Nunca percebi, quando parecia que já só faltava à Renamo marchar na Julius Nyerere e bombardear meia dúzia de sítios na Cidade, que a sua liderança aceitou parar o conflito e entregar tudo de bandeja – outra vez – à Frelimo. Nos trinta anos então volvidos, a Frelimo tornou-se perita em gerir eleições, doadores e a máquina estatal, manteve-se no poder a quase todos os níveis e a Renamo foi neutralizada. Neste momento até paira a sombra de a Frelimo mudar a constituição para, entre outras preciosidades, manter Nyusi no poder por mais que os dois mandatos previstos no actual texto constitucional.

1 de 4. Tal como a Frelimo, a Renamo promovia a imagem e o papel das mulheres no conflito, aqui protagonizado como uma “segunda guerra de libertação nacional”.
2 de 4. Cartaz, em língua francesa, referindo o segundo aniversário da morte de André Matsangaísse, um líder fundacional da Renamo.
3 de 4.
4 de 4. Este panfleto é de 1981, quando Samora Machel era acossado por vários sectores, incluindo a Amnistia Internacional, a propósito da situação nos chamados Campos de Reeducação da Frelimo. Na altura lançou a “Ofensiva” a que o texto alude, transferindo para “infiltrados” a responsabilidade sobre o que se passava nesses campos.

08/04/2023

O RELATÓRIO SECRETO SOBRE AS PERSONALIDADES DA FRELIMO EM MOÇAMBIQUE, 15 DE NOVEMBRO DE 1978

Presumo que a proveniência deste documento seja de alguém ( ou “alguéns”) dos serviços portugueses e para consumo interno. Mas não sei. Julius Nyerere, que não era da Frelimo, foi incluído aqui. O texto faz leitura interessante. Descreve Samora Machel, Julius Nyerere, Sebastião Mabote, Alberto Chipande, Jorge Rebelo, Óscar Monteiro, Mário Machungo, Alberto Cassimo, Joaquim Chissano e Rui Baltazar. menciona Gruveta de passagem. Data de final de 1978, três anos depois da independência e subsequente tomada do poder absoluto por estas pessoas (excepto o Julius que andava a fazer das suas no seu país).

1 de 4.
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05/04/2023

GUERRILHEIRO DA FRELIMO, 1974

Filed under: Guerrilheiro da Frelimo 1974 — ABM @ 9:10 pm

Imagem retocada e colorida, autor desconhecido.

Jovem guerrilheiro da Frente de Libertação de Moçambique, algures em Moçambique, cerca de 1974. Quando a Frelimo se dignou parar a guerra, em Setembro de 1974 – 4 meses e meio depois do golpe de Estado que derrubou o então regime português – estavam a cerca de 1200 kms de Lourenço Marques. Especialistas no assunto referem que a guerra basicamente estava perdida mas a Frelimo receava que os brancos poderiam criar um regime minoritário racista. Mas quase todos os brancos fizeram as malas e foram-se embora e a tropa entregou tudo à Frelimo, de bandeja. Ficaram o Mia e mais um punhado de bravos que achavam que as coisas iriam melhorar. A Frelimo entrou a matar, instaurou uma ditadura e basicamente demoliu a economia e considerou prioritário promover a guerrilha contra a Rodésia e a África do Sul. A luta continuaria por quase mais vinte anos e não acabou: foi apenas interrompida.

02/04/2023

OS TRÊS MACACOS SÁBIOS, OBRA DE CHARLES VAN ONSELEN, AGORA PUBLICADA

Filed under: Charles van Onselen e Os 3 Macaos Sábios — ABM @ 9:54 pm

Imagens retocadas.

O académico Charles van Onselen acabou de publicar em Pretória uma obra em três volumes sobre as relações entre a África do Sul e Moçambique colonial nos séculos XIX e XX, que, não tendo ainda lido, promete ser interessante para quem estuda o tópico e a julgar pela qualidade de obras anteriores por este autor.

Tanto há para esmiuçar em relação a este tópico, que eu conheço parcialmente através principalmente, dos arquivos e escritos portugueses, mas menos a partir dos arquivos sul-africanos, que apesar de, segundo o Professor van Onselen, terem sido algo sanitizados durante e depois da sua compilação, ainda permitem aferir algumas verdades. Por outro lado, van Onselen parece que não conhece a língua portuguesa, e queixou-se numa entrevista que os arquivos em Moçambique são muito ricos mas parece que estão amontoados e aos Deus-dará. O que é lamentável mas perfeitamente expectável dadas as prioridades do regime desde o dia em que correram com os portugueses da antiga colónia. Portanto a descoberta de uma verdade mais cabal e objectiva é uma corrida contra o tempo e a degradação dos arquivos.

E essa verdade interessa? penso que sim. Mais do que tudo, um país sem história com H é um sítio.

Nesse sentido, este contributo poderá ajudar a esclarecer aspectos do que aconteceu e que viria a ter impacto no desenvolvimento dos dois vizinhos.

A obra de Charles van Onselen, agora publicada, sobre a relação tempestuosa entre a África do Sul e Moçambique ao longo de um século.
Charles van Onselen, um académico sul-africano baseado em Pretória e com obra considerável sobre a história da África do Sul, que reflecte muitos aspectos das relações com Moçambique colonial, agora aprofundados com a publicação de The Three Wise Monkeys.

28/03/2023

TUDO VAI MELHOR COM COCA-COLA

Imagem retocada e colorida.

Um Samora Machel informal bebe uma Coca-Cola ao lado de um Robert Mugabe sempre anal-retentivo, numa cerimónia, anos 80. Sempre considerei o visível ascendente de Samora sobre Mugabe mistificante.

18/03/2023

AUTO-BIOGRAFIA DE URIA SIMANGO, 1930-2023

Filed under: Uria Simango auto-biografia — ABM @ 2:07 pm

Imagens retocadas.

O dia 15 de Março de 2023 assinalou o 93º aniversário do nascimento de Uria Timóteo Simango, um activista pela independência de Moçambique e que durante alguns anos foi o segundo em comando da Frelimo, então liderada pelo Dr. Eduardo Mondlane, até ao assassinato deste em Dar-es-Salaam em Fevereiro de 1969, altura em que ocorreu uma espécie de golpe pela ala mais radical comunista e militarista, liderada por Samora Machel, com o apoio de Chissano. Marcelino dos Santos e outros.

Este grupo assumiria o controlo total da Frelimo e de Moçambique, que se manteria inalterado durante mais que cinquenta anos, até hoje.

Deve ter sido por volta da altura da reviravolta pós-Mondlane que Simango dactilografou e corrigiu o texto em baixo, que encontrei a semana passada à venda num sítio de documentos raros.

Rapidamente, Simango seria declarado proscrito e literalmente fugiu pela sua vida. Seria “apanhado” pela liderança da Frelimo aquando da retirada portuguesa a seguir ao golpe militar do 25 de Abril de 1974 e subsequente entrega directa do poder em 20 de Setembro de 1974, altura em que tentava constituir um partido político de oposição.

Notoriamente forçado a fazer um acto público de contrição e de confissão dos seus “pecados políticos” no principal campo de treino da Frelimo na Tanzânia em 11 de Maio de 1975, Uria seria mantido preso pela Frelimo em parte incerta, juntamente com outros nacionalistas desafectos em relação à Frelimo, sendo todos mandados matar sumariamente pela liderança da Frelimo no final da década de 1970. Entre estes encontravam-se (neste caso inexplicavelmente) a sua mulher, Celina, e também Joana Simeão, Adelino Gwambe, Paulo Gumane e Mateus Gwengere.

Muitos anos mais tarde, os seus dois filhos com Celina participaram na política, mantendo-se ainda activo o seu filho mais novo, Lutero.

Uria Simango, cerca de 1970.
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12/02/2020

REQUIEM POR MARCELINO DOS SANTOS, 1929-2020

Marcelino dos Santos, uma das figuras mais influentes e duradouras da Frente de Libertação de Moçambique e do seu sucedâneo “político”, e que nasceu no Lumbo (um lugarejo em frente à Ilha de Moçambique) em 20 de Maio de 1929, faleceu hoje (11 de Fevereiro de 2020), em Maputo, com 90 anos de idade.

Desde os primórdios das movimentações nacionalistas com o fim de pôr um fim ao regime colonial português em Moçambique, nos anos 40 do Século XX, Marcelino dos Santos foi, de dentro do grupo de pessoas presentes na altura, a meu ver, a pessoa mais central e crucial do processo que culminou com a formação de uma frente unida e que, a partir do então Tanganica, iniciou, no final de 1964, uma guerrilha contra as autoridades coloniais portuguesas, de que resultou posteriorente a independência de Moçambique.

Se há um fio condutor em tudo o que aconteceu primeiro à Frelimo e depois ao nascente país, para melhor e para pior, esse fio condutor foi Marcelino dos Santos.

Que, infelizmente, era tão nacionalista como comunista, o que, com o apoio de Samora e de Chissano (e de mais meia dúzia de guerrilheiros notáveis, e ainda – principalmente, acho – de uns heróicos 3-5 mil moçambicanos, anónimos hoje, que foram quem de facto andou no mato a arriscar as vidas, aos tiros e a colocar minas terrestres durante dez anos), orientados pelos chineses de Mao e demais países comunistas da época, sucederam em forçar uma independência a martelo, mudando o país nascente de uma ditadura colonial de partido único empenhada em adiar a independência política, para uma infame ditadura comunista de partido único, empenhada em libertar os vizinhos do apartheid.

A revolta em 1974 dos militares portugueses, comandados por um lourenço-marquino comunista, veio mesmo a tempo para a Frelimo, pois Marcelo Caetano na altura preparava-se para despachar as colónias até 1980, pois que já davam mais prejuízo que o que ele achava que o seu país estava disposto a sustentar, sob um manto de “autonomia soberana”. Em Lourenço Marques, ao contrário do que todos hoje parecem julgar, rigorosamente ninguém estava preparado para nada, muito menos os brancos. Como aliás se viu.

Em 1975, perante a impotente, obediente e excitada maralha, reunida em comícios infindáveis, pouco depois de assumir o cargo de líder incontestado, e para que não houvessem dúvidas, o carismático Samora proclamou que, afinal, a coisa não tinha acabado: afinal, a coisa apenas tinha começado.

E repetia vezes sem conta, nos seus comícios obrigatórios sem fim: A Luta Continua. A Luta Continua. A Luta Continua. A Luta Continua.

E assim a luta continuou, agora para todos, no púlpito, Samora, secundado por Marcelino dos Santos.

O resultado foram mais vinte anos de guerra civil e com os vizinhos, que mataram mais que um milhão de cidadãos moçambicanos e destruiram o pouco que havia depois da auto-destruição ao estilo pol-potista dos primeiros anos após 1975, tida como medida necessária para se criar o Novo Moçambique. Todos a ferro e fogo, solidários na miséria e sujeitos às investidas da Snasp e à chambocadas repetidas por causa de tudo e de nada, ajudados depois pelos rodesianos e pelos sul-africanos.

Antes e após 1975, e praticamente até esta data, Marcelino dos Santos, temido e celebrado como o verdadeiro mandarim do regime, permaneceu uma peça-chave na Frelimo, que governou em ditadura até 1994, após o que, já num contexto constitucional multipartidário, concebido antes de Roma principalmente para ficar bem na fotografia e agradar as potências envolvidas, continuou a governar com uma maioria parlamentar e presidencial, operando à superfície como um partido, na prática o efectivo detentor da totalidade do poder político e com uma captura total de todas as instituições do estado moçambicano, incluindo a máquina eleitoral e os tribunais. Que usou.

Mas no seu seio, malgrado a fachada “democrática”, a máquina não mudou quase nada. Tudo ainda é decidido à porta fechada lá naquela sala de reuniões no único prédiozito no meio da Somershield.

É a mesma máquina que, por alturas de 1975, e nos anos seguintes, decapitou e mandou decapitar toda e qualquer oposição ou voz minimamente dissonante aos seus ditames. Em que Marcelino assinou por baixo no infame decreto que supostamente legalizou os assassinatos de, entre outros, o Reverendo Simango e sua mulher e a Dra. Simeão.

E, de facto, a guerra realmente não acabou em 1994. Parou, apenas, por pura exaustão e por acordo entre as partes, que nos anos seguintes mantiveram a mesma animosidade com que se degladiaram anteriormente, a Frelimo sempre com a faca e o queijo na mão, o lado contrário a rosnar com as armas. Foi um mero cessar-fogo, as partes incapazes de se reconciliarem. Os conflitos seguiram-se. O tempo foi passando.

Recentemente, o país viu-se envolvido em mais um escândalo em que 2 mil milhões de dólares em empréstimos fraudulentos foram usados para alguma da sua elite política, ao mais alto nível do Estado, obter benefícios de forma corrupta. Uns foram presos, outros continuam a usufruir do seu pecúlio. Predominantemente, com corajosas poucas excepções, a sociedade moçambicana assobia para o lado, com medo dos esquadrões da morte e dos sucessivos G-40s. A imprensa manda palpites muito ténues e não há oposição. Lá fora, eufemisticamente, refere-se ao regime como uma “democracia musculada” a resvalar para o autoritarismo puro e duro.

Entretanto velho, doente, alheado, desgastado, nos últimos anos, mais ainda passando por uma inédita euforia pelas catorzinhas (nisso de alguma forma ofendendo a alguma dignidade da sua companheira, a nada menos monumental Pamela dos Santos, que, justamente, o abandonou), Marcelino criou uma fundação, escreveu uns poemas e viveu pacatamente os seus últimos dias na mansão que lhe deram na Somershield, na esquina ao pé da antiga Sociedade de Estudos. Adoptou filhos. O seu marxismo impenitente foi pouco discretamente desacreditado e posto pelos seus acólitos na gaveta, respeitosamente, para não o ofender. Ele quase tudo ignorou. Ficou puro nas suas convicções, na sua lapela a nação que ajudou a criar.

O que tanto mais de notável é se se considerar que ele era um mulato culto num ambiente e numa organização em que, desde o primeiro momento, não negros cultos eram, comprovadamente, desconsiderados e rotulados de quase traidores só pelo mero facto de não serem pretos. Mas Marcelino foi sempre eficaz na sua dança, mortíferamente assim e sempre absolutamente fiel à causa da Frelimo e especialmente aos seus líderes (a excepção singular e gritante sendo o Dr. Mondlane, claro, que em 1968 já era um miscast na organização que supostamente liderava), sendo por isso sucessivamente recompensado com o estatuto de Intocável do Regime, desempenhando cargos da maior confiança e responsabilidade – sempre a um passo do poder máximo, especialmente no caso de Samora, o cavalo em que apostou em 1968 e 1969, com estrondoso sucesso. Dizem que Samora não ligava a isso das raças (duvido mas enfim) e parece-me que, para poder governar, ele acharia que tinha que ir buscar apoio e talentos onde os encontrasse. Se há um exemplo disso, ele é, de facto, Marcelino dos Santos.

E Marcelino tinha a vantagem de saber, sem ninguém ter que lhe dizer, que o seu lugar era sempre o de segundo atrás do líder. O que sempre soube fazer, de forma exímia.

A Eminência Parda do regime.

Economicamente, Moçambique hoje produz camarões, vende alguma electricidade aos vizinhos a partir da agora moçambicana Cabora Bassa, na Matola refina escória de alumínio que vem da Ásia e que a Mozal exporta logo de seguida, exporta algum carvão que vem de Tete e está em estágio de iniciar a exportação de gás natural, que se espera que traga alguma receita fiscal- e encha os bolsos pelo menos de alguns (empregos, nem vê-los, apesar da vigorosa e inútil ginástica reguladora da Vitória Diogo). A maior parte da população, que já se cifra em mais que 30 milhões de almas, sobrevive da agricultura de subsistência, do pequeno comércio e da prestação de serviços nas principais cidades e respectivas periferias. Os chineses, os sul-africanos e os indianos estão a tomar conta de tudo, a levar o ouro, as esmeraldas, as florestas e a pesca. E tudo o que se pode converter em dólares ou permita comprar prédios milionários em Maputo. Ninguém os pode parar. E ainda há o tráfico de droga, em que a sua longa costa se tornou numa rota necessária e conveniente. Daqui a trinta anos, serão 60 milhões de moçambicanos.

No mais, não se antevêem perspectivas de nada mudar significativamente, aparte haver mais bocas para alimentar e aparecerem mais uns ricos.

Moçambique, que é independente há 46 anos, sempre sob a égide da Frelimo, permanece um dos países mais pobres, mais corruptos e mais vulneráveis do planeta. Aguenta-se porque tem a África do Sul ali ao lado e porque continua a merecer, legitimamente, toda a ajuda que puder obter. Pois a miséria que prevalece, essa, também é verdadeira.

Quanto ao epílogo colonial, hoje já não há portugueses em Moçambique. Ou melhor, há alguns, são 0.0001% da população. Se bem que, localmente, ainda sabe bem falar-se deles de vez em quando, displicentemente e se calhar apropriadamente, sobre os ex-colonos e os alguns bimbos que vieram a seguir. Há algum investimento português, mas apesar das mais róseas profecias da câmara de comércio bilateral, os riscos são titânicos. A verdade é que há muito que os portugueses já viraram a sua atenção para outros mercados e outros destinos. Curiosamente, a TAP ainda mantém a sua rota para Maputo e o governo português continua a dizer que Moçambique é “muito, muito importante”, dando todos os anos milhões que os portugueses simplesmente não têm. Mas não é muito importante. É muito menos que isso. Portugal não é o Reino Unido e a CPLP não é a Commonwealth. O seu maior feito é ser o país onde fica o Benfica, que tem adeptos em Maputo. O actual presidente português, que passou lá uns breves tempos na juventude, quando o pai era o braço direito do sucessor de Salazar, diz nas entrevistas que ama o lugar e que quer ser sepultado lá quando morrer. Pois, que vá.

Recentemente, parece que o país se tem vindo a meter noutra guerra, desta vez centrada em Cabo Delgado, não se sabendo bem a que propósito, não se percebe ainda para quê e quem anda a mexer os cordelinhos. Já estão novamente a morrer civis inocentes moçambicanos e muitos mais a fugir das miseráveis casas onde sobrevivem.

Não sei se este é o país que Marcelino dos Santos sonhava que viria a ser em 2020.

Mas este é o país que deixou, hoje.

Certamente, num ritual pirotécnico e algo quixotesco, herdado dos tempos da Ditadura, o regime provavelmente irá proclamá-lo novamente Herói da Nação e colocar uma medalha no seu caixão, que depositará numa caixa lá na Praça a caminho do Aeroporto, solenemente.

E depois ficará mais ou menos esquecido nos livros de história.

Bem ou mal, depois se verá.

Marcelino dos Santos mostra as medalhas, anos 80.

31/10/2019

A CARTA DE ANTÓNIO RITA FERREIRA, 1958

Com vénias ao interessante artigo preparado pelas professoras Cláudia Castelo (Universidade de Coimbra) e Vera Marques Alves e a Revista Etnográfica, edição de Junho de 2019 (páginas 417 a 438). Indirectamente, ao Filipe Rita Ferreira, que levou em cima com o sítio do Pai.

A carta que em baixo reproduzo, foi escrita em 1958 por Rita Ferreira (então um modesto mas dedicado funcionário público colonial que deambulava nas ciências sociais no seu tempo livre) a um seu amigo, que acabara de levar uma catanada do Regime e dos seus defensores em Lourenço Marques. É para mim uma manifestação do dessassombro e lucidez com que Rita Ferreira, e muitos como ele, encaravam aquilo que era Moçambique no raiar da década de 1960, quando a maior parte do continente africano recuperaria a soberania, depois de quase um século de ocupação europeia. Marca pelo que diz de Moçambique e do que o regime português por ali andava a fazer.

Na carta, à laia de consolação ao seu amigo, Rita Ferreira alude a um exercício de bravado “privado”, ou seja, mostra ao amigo um artigo supostamente para publicação em que arrasa o imaginário colonial vigente – mas que, claro nunca será publicado, pois se o fizesse seria imediatamente despedido e possivelmente preso. Sabemos dele, e desta carta, porque ele as guardou e agora chegou à luz do dia.

(início)

A. Rita Ferreira
C.P. 565
Beira
22 de Abril de 1958

Amigo e Sr. Prof.

Muito agradeço a sua carta de 24 do mês findo. A lufa-lufa do serviço e a preparação duma “recapitulação” da classificação e agrupamento étnicos de Moçambique, impediram-me que lhe respondesse há mais tempo. A situação do Quadro Administrativo a respeito de pessoal é cada vez mais angustiosa: não há quem queira ser aspirante. O resultado é que tenho de passar o dia a fazer serviço de dactilógrafo e outro serviço puramente mecânico, que me deixa arrasado.

Escrevi sobre a sua comunicação e a estúpida reacção local, o artigo que lhe mando. O “Notícias”, onde costumo colaborar, não o publicou. Ignoro se por censura interna se por censura oficial.

Creio ter sido, contudo, bastante cauteloso no que escrevi. Se permite que lhe dê a minha opinião, quer parecer-me, pelas referências que li, que o Sr. Prof., impedido como se encontrava de tratar o assunto com a necessária independência devido à posição oficial que ocupa, se viu constrangido a concentrar a sua atenção em aspectos de somenos significação sociológica e a responsabilizar os europeus de Moçambique pela situação que existe. Eu, à base do conhecimento do meio moçambicano que tenho e do que sei que acontece em Angola e S. Tomé, sou, aqui para nós, um tanto mais ousado. Ponho em causa as virtudes do português como colonizador no mundo moderno. Pode ser que tenha sido excelente colonizador há séculos, quando a cultura ocidental se não achava impregnada por factores económicos como hoje em dia. Mas hoje é um péssimo colonizador, o único que em toda a África ainda usa e abusa dessas duas chagas do colonialismo: o trabalho forçado e os castigos corporais. O colonizador português conseguiu criar pelo menos nas três “províncias” que conheço estruturas político-económico-sociais que não podem passar sem o emprego destes dois meios de opressão. Em Angola, a situação do trabalho forçado ainda é pior (mas mais bem organizada) do que em Moçambique: aí o número de negros a distribuir por cada agricultor é fixado pelos próprios Negócios Indígenas e os administradores têm que os fornecer. E em S. Tomé vi os próprios administradores das roças empregarem castigos corporais. Em face destas e doutras cruéis realidade[s], creio que o “luso-tropicalismo” ou outras frases como a que citou de “tradição de colonialismo missionário” têm funções de mito em todo o sistema colonial português e constituem cómodas racionalizações para os teóricos metropolitanos. Estou certo que a elas recorreu para poder chamar a atenção dos responsáveis pela governança, sem que corresse o risco inútil e inglório de ser por eles considerado com desconfiança.

A “situação colonial” portuguesa pode ser definida como o faz George Balandier em relação a todas as “situações coloniais”, mas com essas características não atenuadas, como se diz, pela “brandura dos nossos costumes” ou pelas nossas “ten[d]ências atávicas de assimiladores”, mas exacerbadas pelo nosso atrazo económico, pela nossa irrascibilidade, pela sub-instrução e sub-educação do povinho humilde de onde sai a grande massa dos colonizadores. Oh, senhores, não poder escrever eu livremente sobre as amargas experiências dum homem colonial! O que se passou em mim naquela noite em S. Tomé em que fui insultado pelo administrador da roça onde estava hospedado por ter “ousado” ouvir sem a sua augusta presença as humildes queixas dos cabo-verdianos, angolanos e moçambicanos ali trabalhando em regime compelido. Talvez um dia o faça, já no fim da carreira, e que golpe não vai ser para os teóricos! Um golpe tão grande como vai ser o vibrado pelo trabalho do Prof. Marvin Harris.

Na “situação colonial” portuguesa há algo que “ne marche pas”. Como explicar essas fugas em massa de trabalhadores, de famílias, de tribos para os territórios vizinhos, na Guiné, em Angola, em Moçambique. Só não fogem de S. Tomé por ser uma ilha! Ainda lendo recentemente o trabalho do Prof. Clyde Mitchell sobre os Ajauas da Niassalândia19(para onde, como sabe, emigraram centenas de milhares, talvez algo como um milhão de indígenas de Moçambique) notei sem surpresa a informação de que todos aqueles que interrogou alegaram como motivo de abandono da terra natal, os maus tratos.

Na Federação segundo as últimas estatísticas, há nada menos do que 133.000 trabalhadores activos do sexo masculino de proveniência moçambicana. E na União 150.000. Isto junto aos do Tanganica, perfazem, como vê, quase metade dos homens válidos de Moçambique. E bestificamente, continuamos a dizer (como na recente e saborosa discussão do Plano de Fomento no Conselho Legislativo, quando se falou de mão de obra) que o indígena é preguiçoso e que só por meio de preparação psicológica se pode levar ao trabalho…

A misceginação também tem que se lhe diga. Há milhares de crianças mistas abandonadas pelos pais. E isto é tanto mais notável quanto é certo que no Congo Belga os pais das crianças mistas ilegítimas são sistematicamente chamados à responsabilidade…

Sobre a assimilação nem é bom falar.

Poucos são os que têm a coragem de aludir a esta situação catastrófica. E o Sr. Prof. foi um desses, embora sob evidentes constran-gimentos psicológicos. Nós, os que vemos a situação com certa lucidez, não devemos, realmente, fugir. É preciso que fiquemos, para que possamos analisar, estudar (e, como sabe, ser um dia escutados) o ambiente sociológico que nos cerca. Temos uma tarefa a cumprir.

Os hábitos e pontos de vista locais estão tão empedernidos que me parece só por pressão do Governo Central poderem ser alterados. Quando digo locais, refiro-me também a S. Tomé e Angola. Mas não terá a Metrópole receio de reacções locais de carácter separatista, se quiser pôr em prática certas medidas? É o que me parece que está acontecendo com o problema da mão de obra, por exemplo. Se se pusesse em prática as determinações legais, as repercussões económicas seriam extremamente graves e daí a revolta contra o Governo Central.

Permito-me aconselhá-lo a rodear a sua próxima visita do maior sigilo, pois me constou haver alguns elementos em Lourenço Marques que aguardam a sua vinda para se manifestarem contra si. É realmente lamentável, estúpida e incoerente e própria de ignorantões, a reacção desencadeada pela sua comunicação.

Desculpe esta carta ir um pouco atabalhoada. Tive que a interromper a todo o momento para atender a assuntos de serviço e um deles bem irritante: um dos aspirantes vai de urgência para a metrópole e com esta partida agrava-se a acumulação do expediente. O curioso da situação é que conheço tantos indígenas excelentes dactilógrafos, que andam miseravelmente de porta em porta procurando emprego por salários irrisórios! Aqui há dias, como se aceitam aspirantes, interinos, com a 4.ª classe, um assimilado requereu a sua admissão. Pois foi por aqui uma risota gostosa. Até já pretos há no quadro administrativo, diziam, em grandes galhofas! A situação dos assimilados e mistos é muito angustiosa em face da legislação de salários mínimos e outras regalias, porque ninguém está disposto a dar-lhes os mesmos salários e direitos que se dão aos europeus. Enfim, problemas e mais problemas. A vantagem deste quadro é estarmos em contacto directo com eles.

Muito afectuosamente,

Rita Ferreira

(fim)

 

17/09/2019

SOBRE A MORTE DOS LIBERTADORES DA NAÇÃO, 1986-2019

 

 

Multidão sombria no funeral de Samora Machel, o ditador comunista de Moçambique, falecido num acidente de avião, 28 de Outubro de 1986. Foi sucedido por Joaquim Chissano  o Mandarim, e depois por Armando Guebuza, o do Guebusiness. Não havia internet. A Frelimo manda absoluta e consecutivamente no país há 45 anos, desde 20 de Setembro de 1974. Prepara-se para manter esse controlo no próximo dia 16 de Outubro. Desde há 30 anos, Moçambique é dos países mais pobres do mundo. Foto de uma agência internacional que não consegui identificar.

 

Cartaz partilhado na internet no dia a seguir a se conhecer a morte de Robert Mugabe numa clínica de luxo na Cidade-estado de Singapura, Setembro de 2019. Mugabe governou a antiga Rodésia entre 1980 e o seu afastamento por outro homem forte em 2017. Desde os últimos 15 anos, o Zimbabué é dos países mais pobres do mundo. Mugabe era, e a sua família é, entre as mais ricas de África.

29/08/2019

PATRULHANDO UM MACHIMBOMBO A NORTE DE MAPUTO, 1985

Imagem retocada.

Moçambique esteve praticamente num clima de guerra entre 1964 e, especialmente, 1976 e 1992, envolvendo o sucedâneo institucional da Frelimo e a Rodésia, a África do Sul e a Renamo, numa mistura de guerra de subversão e guerra civil.

Em 1985, quando esta imagem foi colhida, Samora Machel já havia assinado um acordo com a África do Sul, mas a guerra continuava e a situação militar era má, causando morte e miséria entre a população. Algo desiludido com o apoio dos aliados comunistas, Machel ensaiou uma aproximação ao Ocidente, visitando Reagan em Washington. No ano seguinte, morria num acidente de avião e era sucedido por Chissano. A guerra endureceria e duraria mais sete anos, acabando num acordo em que, no fim, a Frelimo prevaleceria.

Um soldado do exército, as Forças Populares de Libertação de Moçambique, patrulha um machimbombo a norte de Maputo, 1985. Foto de Paul Weinberg.

12/06/2019

JORGE, JOANA, CASSAMO E O G.U.M.O., MAIO DE 1974

Em baixo, reprodução de uma (péssima e algo surreal) peça jornalística,  publicada na edição de 18 de Maio de 1974 na revista lisboeta O Século Ilustrado (pp. 21-23) naquelas semanas loucas em que parece que alguns achavam que tudo era possível em Moçambique depois da caída do regime colonial português e em que se badalava a democracia e a liberdade.

Na peça apenas é citado Jorge de Abreu, apesar de o texto ser acompanhado de fotografias de Joana Simeão, Jorge de Abreu e Cassamo Daudo.

A pequena aventura do GUMO durou pouco e a Frelimo não perdoaria a Joana Simeão, originária do maior grupo étnico de Moçambique, que se distinguiu por nunca apoiar a guerrilha (os grandes Macua), o atrevimento de pretender constituir-se como uma alternativa à Frelimo. Ao ponto de a mandar matar. Até hoje, os seus restos mortais permanecem em local desconhecido. Não sei o que aconteceu a Cassamo Daudo (e não Davide, como é referido no texto), sobre o qual sei pouco. Jorge de Abreu era, em 1974 um dos empresários mais ricos e com maior sucesso em Moçambique, e que se considerou moçambicano até ao dia em que morreu (há poucos anos, em Joanesburgo), viveu um longo exílio fora de Moçambique, não sem que antes elementos do governo de Moçambique, no pico do Repolho e do Carapau,  o tivessem convidado a regressar ao país e a retomar os seus negócios, Segundo o seu filho João, que é uma enciclopédia viva sobre Moçambique, Abreu recusou.

 

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07/01/2019

A ÚLTIMA VISITA DE JOAQUIM CHISSANO À ALEMANHA COMUNISTA, 1989

Filed under: Chissano visita a RDA 1989 — ABM @ 1:22 pm

Imagem retocada e pintada por mim.

 

Foi o fim dos bons velhos tempos da solidariedade comunista. Joaquim Chissano, então presidente de Moçambique, e Erich Honecker, o ditador da Alemanha comunista, em sentido, durante uma cerimónia protocolar de boas-vindas, momentos após a chegada a Berlim da delegação moçambicana, num avião das LAM, 24 de Maio de 1989, uma quarta-feira. Honecker, no poder do satélite soviético desde Outubro de 1976, será afastado menos que seis meses após esta foto ter sido tirada, ainda antes da queda do Muro de Berlim, em Novembro de 1989, que sinalizou o início do desmoronar do império soviético. Morreria refugiado no Chile cinco anos depois e a RDA foi absorvida pela Alemanha Federal. Na mesma altura, Joaquim Chissano e a Frelimo lutavam pela sua sobrevivência enquanto a Renamo demolia o que sobrava do seu país. Em 1989 já Chissano sabia que não podia vencer o conflito e procurava formas de contactar e negociar com a liderança da Renamo. Em 1992, efectivamente, e numa concessão difícil de explicar por parte da Renamo, ganhou a guerra na secretaria. A liderança histórica da Frelimo permanecerá intacta no poder até hoje e Chissano manteve-se na sua liderança até ser substituído em 2003 pelo ambicioso Armando Emílio Guebuza, que, uns anos mais tarde, mais uma vez tentou fisicamente decapitar a Renamo sendo este substituído por Filipe Jacinto Nyusi, previamente desconhecido e um homem da Manchúria imposto por Alberto Joaquim Chipande. O filme continua.

04/11/2018

SAMORA E OS PEQUENOS CONTINUADORES NO III CONGRESSO EM 1977

Imagem colorida por mim.

Mais uma foto de propaganda comunista da Frelimo aquando do III Congresso em 1977, com o “banho de criancinhas revolucionárias” a que se chamaram os “continuadores”, orquestrado pela organização do evento. Todos acharam o máximo. Nos dez anos que se seguiram o regime, e a população,incluindo muitas destas crianças,  passariam por horrores sem fim e Samora morreria com a queda do avião presidencial. Mas o regime, ainda que menos inspiradamente, sobreviveu, quase intacto. Até hoje.

17/10/2018

SAMORA MACHEL A CAMINHO DE LOURENÇO MARQUES, 1975

Filed under: Samora Machel, Samora Moisés Machel — ABM @ 2:47 am

Imagem do fotógrafo holandês Frits Eisenloeffel, com vénia à sua viúva, retocada e pintada por mim.

 

Samora cumprimentado pela sua guarda pessoal da Frente de Libertação de Moçambique ao chegar penso que a Nampula ou a Vila Cabral (não tenho a certeza) ao cair da noite, durante a “marcha do Rovuma ao Maputo”, pouco antes da declaração formal da independência, 1975. Ali ao fundo será o Carlos Alberto?

03/10/2018

SAMORA MACHEL CHEGA À BEIRA, NA MARCHA DO ROVUMA AO MAPUTO, 1975

Filed under: Samora Moisés Machel, Samora na Beira 1975 — ABM @ 12:12 am

Imagem colorida por mim.

 

Samora Machel, então líder absoluto da Frente de Libertação de Moçambique, rodeado por homens armados, chega à Cidade da Beira, considerada a mais rebelde de entre as cidades coloniais, durante a “Marcha do Rovuma ao Maputo”, que terminará em Lourenço Marques, pouco antes da declaração formal da independência de Moçambique, em 1975. Quase exactamente seis meses depois desta passagem triunfal, a história da nova República Popular tomava forma nesta cidade e nos seus arredores, com prisões em massa de civis (os “indesejáveis”) e o ataque rodesiano a uma base militar no Dondo, onde foram mortas numa manhã mais pessoas que durante quase dez anos seguidos de “guerra colonial”.

28/09/2018

APEANDO A BANDEIRA PORTUGUESA NA NOITE DA INDEPENDÊNCIA FORMAL DE MOÇAMBIQUE

Filed under: Apeando a bandeira portuguesa 25.6.75 — ABM @ 12:55 am

Pintei a bandeira.

A bandeira de Portugal a ser apeada do mastro durante a cerimónia formal da declaração da independência, no antigo Estádio Salazar, em Lourenço Marques, cerca da meia noite de 24 para 25 de Junho de 1975, de uma terça para uma quarta-feira, Na altura eu estudava e nadava em Coimbra e segui as cerimónias ao vivo pela rádio portuguesa.

15/09/2018

O JARDIM DA CATARSE COLONIAL, 1975

Penso que, sujeito a confirmação, a imagem foi colhida pelo Ricardo Rangel em 1975. Foi colorida por mim hoje.

 

O Jardim da catarse em Maputo, 1975. Da esquerda: Teodósio Clemente de Gouveia, feito primeiro cardeal de Moçambique em 1946; Mouzinho de Albuquerque, figura militar da chamada “pacificação” na década de 1890; Gago Coutinho, que liderou a delimitação das actuais fronteiras de Moçambique e que ali conduziu missões hidrográficas; a mulher que estava na base do monumento a António Ennes; António Ennes, que teve a ideia peregrina de que Portugal não devia vender Moçambique aos britânicos e aos alemães; e a mulher (“Mãe Pátria”) que estava na base do monumento em memória de Mouzinho. As estátuas de Mouzinho e de Ennes foram premiadas com a sua colocação no Núcleo Museológico da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, junto à Praça 25 de Junho, na baixa de Maputo.

EDITORIAL DO JORNAL “A VERDADE”, 13 DE SETEMBRO DE 2018

Filed under: Editorial de A Verdade 13.09.2018, Xiconhoca 1977 — ABM @ 1:44 pm

Palavras de ordem do Xiconhoca, 1977, um dos instrumentos da propaganda do então regime comunista de partido único e que manteria esse formato até final dos anos 80.

(Editorial do jornal A Verdade, 13 de Setembro de 2018, actualizado a 15 de Setembro de 2018, editado por mim, aludindo à próxima eleição autárquica, a realizar em Outubro de 2018).

A seriedade de um Governo também se vê nas suas acções prioritárias e, sobretudo, na sua preocupação com o bem-estar do seu povo. Há 43 anos, desde que Moçambique se tornou num país Independente do jugo colonial, o seu desenvolvimento continua a ser eternamente postergado por um grupo de indivíduos que se julga no direito de hipotecar o futuro dos moçambicanos em nome da suposta libertação da nação.

É óbvio que essa “canção” não passa de mais uma música para acalentar a população, enquanto eles prosseguem com as suas agendas de espoliar os moçambicanos. Um exemplo disso é o número de indivíduos ligados à Frelimo que detêm quase todos os recursos e controlam as riquezas do país.

A cada dia que passa, fica evidente para os moçambicanos que o Governo da Frelimo tem estado a apostar no atraso do país. É só olhar actual situação de Moçambique. Os índices de qualidade de vida continuam a deteriorar-se, a economia encontra-se numa situação lastimável e, ao longo de 43 anos, o país não conseguiu ser auto-sustentável na produção de alimentos. O país debate-se com défices notáveis em produtos que poderia produzir para o consumo interno e até ter excedentes para exportar, pois acostumou-se, nos últimos anos, a caridadezinhas, denominadas de ajuda externa, e a importar tudo que consome e, por isso, pouco ou quase nada foi feito para desenvolver a agricultura.

Quando surge uma oportunidade do Governo da Frelimo demonstrar a sua preocupação com as condições em que vivem os moçambicanos, o mesmo direcciona investimentos para sectores que não acrescentam em nada ao bem-estar do povo. Exemplo disso é a decisão do Governo de injectar, este ano, na rádio e televisão públicas, mais de 1 bilião de meticais. Claramente, trata-se de um investimento em propaganda para o partido Frelimo, visto que se aproximam as eleições. Não é novidade para os moçambicanos que a Televisão de Moçambique e a Rádio Moçambique não passam de órgãos de propaganda do Governo da Frelimo.

O mais caricato é que o Governo deixou o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) a tentar desenrascar-se, em acções de emergências durante época chuvosa 2017/2018, com apenas 145 milhões meticais. Ninguém merece um Governo que não se importa com o sofrimento do seu povo. Portanto, esta é mais uma prova do descaso do Governo da Frelimo em relação à população moçambicana.

 

Nota:

“postergar” – verbo
1. transitivo direto: deixar de preferir; preterir, desprezar.
2. transitivo direto: não fazer caso; desprezar, menosprezar.
exemplo: “um governante que posterga até mesmo artigos constitucionais”

14/09/2018

DOCUMENTÁRIO COM E SOBRE SAMORA MACHEL

Filed under: Samora Moisés Machel — ABM @ 2:23 pm

Um documentário acrítico sobre a personalidade, as ideias e o contexto na era da ditadura samoriana. Todos aluados com o magnetismo carismático do líder do movimento guerrilheiro comunista e nacionalista que ia pôr os pontos nos iis no mundo e em particular no seu mundo. Em que se destacavam os intelectuais e alguns jornalistas estrangeiros, alguns, como John Saul, que até se retratava como “amigo de Samora” (e que continua a tocar na tecla de que foram os sul-africanos que mataram Samora). Mas a impensada retirada do poder colonial, como eu previa, provou ser o menor dos problemas. Em dez anos, Moçambique, em que Samora quis, entre outras preciosidades, ser o Nyerere do Zimbabué, estava de rastos e Samora em apuros. A sua morte física em 1986 assinalou apenas a imposição de uma nova Frelimo, a Frelimo Inc., genialmente inventada por Joaquim Chissano, que ainda persiste com enorme sucesso no final de 2018, ameaçando durar mais tempo que a infame ditadura de António de Oliveira Salazar – o tal que não aceitava descolonizar. A Frelimo, Inc. que ainda insiste no contraponto colonial para justificar os seus falhanços e escamotear a sua rapacidade. Basta ver quem manda e como manda.

 

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