(em baixo, o inesquecível desempenho da cantora Madonna ao vivo durante a cerimónia dos Prémios MTV em 1990, interpretando Vogue, um estudo sobre pose)
Algumas pessoas, especialmente José Sócrates e os seus acólitos e adeptos, preparam-se para argumentar, durante a campanha para a próxima eleição parlamentar, que ele, José Sócrates, é a pessoa indicada para prosseguir o caminho que ele próprio tem vindo a traçar para Portugal.
Que ele tem as ideias.
A experiência.
A visão e a motivação.
E vão acusar a sua oposição, principalmente os senhores do PSD e do CDS-PP, de o terem derrubado excusadamente, apenas para tomarem o poder e fazerem o mesmo, ou melhor, pior, que ele, invocando uma insidiosa agenda “neo-liberal”.
Os que alimentam essa visão não entendem algo muito fundamental, que a meu ver pode estar por detrás da razão porque, há uma semana, até o seu relutante apoiante, o PSD, em circunstâncias extraordinárias, deixou cair o seu governo, ainda nem a metade de um mandato minoritário de quatro anos.
E o que considero fundamental, reparto em duas partes.
O que é Fundamental Agora, 1
A primeira, é que os líderes devem ser as pessoas indicadas para as circunstâncias.
Se calhar, José Sócrates realmente nunca foi a pessoa indicada para coisa nenhuma. A meu ver, meramente, estava no sítio certo e na hora certa quando, das catacumbas do seu partido, surge do nada para assumir a liderança do PS. A coisa correu bem durante uns dois anos, até que em 2007 a situação inverteu gravemente. Desde aí, o seu desempenho tem sido essencialmente uma fuga para a frente, acompanhado de uma pestilenta campanha de relações públicas, indignas de um partido que é uma de duas alternativas no infeliz sistema efectivo de alternância que existe em Portugal.
A partir de meados de 2008, José Sócrates tornou-se praticamente numa ameaça à estabilidade da República. Com doses de paninhos quentes, manipulação dos dados e da percepção pública, não só não alertou para os perigos em frente, como ainda por cima deu todos os sinais errados de que as dificuldades eram poucas e facilmente superáveis. Inacreditavelmente, já ia num quarto surrealmente designado “plano de estabilidade e crescimento” quando alguém teve o desassombro de o parar, antes que a chacina fosse terminal.
A partir de 2008, Sócrates devia ter sido retirado do cargo que ainda ocupa. Com dignidade, mas com firmeza.
Pois, se já não era, ele tornou-se então um verdadeiro erro de casting.
Eu faço uma analogia. Em 1939, a Europa enfrentava os ventos da guerra e Neville Chamberlain, um político adepto mas conciliador, ocupava o cargo de primeiro-ministro. Tentara negociar com Adolf Hitler, que tinha a sua agenda marcada para fazer essa guerra. A partir do momento em que a guerra se tornou inevitável, foi substituído por Winston Churchill, até então uma velha raposa que ruminava publicamente contra a ameaça nazi. Naquela hora de mortal ameaça, eu acredito que Winston Churchill foi a pessoa indicada e ao nível do desafio que a Grã-Bretanha – e a Europa e o mundo – precisavam. Mesmo assim, e não deve ser menosprezado o gesto – Chamberlain manteve-se no governo e prestou um valiosíssimo apoio ao esforço que se seguiu. Churchill não estava só.
No actual contexto português, José Sócrates é – já o provou ser – a pessoa errada para liderar Portugal e os portugueses perante o enorme, histórico, desafio que se avizinha.
Mantê-lo no poder seria como o Reino Unido ter mantido Neville Chamberlain como primeiro-ministro para combater Hitler.
O que é Fundamental Agora, 2
A segunda, que parodio acima com um magnífico vídeo de Madonna, e decorre da primeira, é que, na vida e especialmente na política, há uma diferença abissal entre pose e postura.
E se calhar aqui reside o mais sério factor que obsta contra José Sócrates.
José Sócrates, que com ele lamentalvelmente arrasta todo o seu partido, é uma pessoa que privilegia a pose em vez da postura. Sabe estar bem para a fotografia e para o telejornal e dizer as coisas que muita gente gostaria de ouvir.
Em tempos fáceis e de vacas gordas (ou melhor, de empréstimos baratos) essa postura é se calhar inconsequente.
Mas o que se avizinha é um desafio de proporções bíblicas. No poder tem que estar alguém para quem a pose é menos relevante, a palavra de circunstância desvalorizada face ao caminho que tem que ser traçado. É preciso falar verdade e falar duro, ter uma visão e seguir o difícil caminho que tem que ser seguido.
Nesta altura, mais do que nunca, é preciso visão, coragem, e acima de tudo postura, para que se prove agora, hoje, que nós, esta geração de portugueses, em democracia, consegue enfrentar as dificílimas decisões que avizinham e superar as dificuldades e os desafios, deixando às gerações futuras um Portugal melhor.
O dramático é que o PS tem pessoas com esta fibra, com visão e postura. Conheço alguns, cujo percurso segui ao longo dos anos. Capazes de, sem traír os princípios seminais que tipificam o espaço no espectro político que procuram assegurar, fazer o que tem que ser feito e, mais importante, redefinir o modelo ideológico do socialismo português, que está obsoleto e completamente desconfigurado da realidade.
José Sócrates não é uma delas.