THE DELAGOA BAY REVIEW

15/09/2019

LOURENÇO MARQUES, 15 DE SETEMBRO DE 1974: UMA FOTOGRAFIA

Filed under: Jean-Claude Francolon, LM 15 de Setembro de 1974 — ABM @ 2:41 pm

Imagem retocada, do grande foto-jornalista Jean-Claude Francolon, um dos Seis da lendária Agência Gamma, baseada em Paris, que pelos vistos viajou até Lourenço Marques aquando das negociações em Lusaka para a entrega de Moçambique à Frelimo, pelo novo regime português, assinada em 7 e formalizada em 20 de Setembro de 1974.

A imagem foi tirada há exactamente 45 anos.

Pelo meio, houve muita coisa. Houve o medo (completamente infundado) que os brancos na África do Sul e Rodésia “acudissem” os seus manos brancos (ah ah ah). Houve um protesto imediato e visceral por parte de alguns brancos, especialmente em Lourenço Marques e na Beira, que essencialmente consistiu na tomada do Rádio Clube, onde fizeram muito barulho e tocaram o hino português durante uns dias (obviamente parece que não tinham percebido o que acontecera), e que só teve o efeito de irritar mais os chefes da Frelimo e ainda mais os chefes da tropa portuguesa, que achavam que já tinham feito muito ao negociar umas “garantias” que nunca valeram a tinta com que foram assinadas. Após uns dias um pouco à toa (quase não havia nem tropas portugueses e muito menos guerrilheiros da Frelimo em Lourenço Marques), em que ocorreram algumas mortes (ninguém sabe quantas) e as habituais pilhagens de lojas e armazéns nos arredores, o assunto foi resolvido quase de forma cavalheiresca por ambas as partes, seguindo-se uma importação, do Norte, pelos portugueses (que queriam mostrar a sua boa fé na entrega do poder prevista nos acordos), de tropas armados de ambos os lados, seguida por uma onda de prisões e de perseguições, também totalmente à toa e à margem da lei, que resolveu o assunto, o qual permanece no imaginário de muitos.

Eu na altura tinha 14 anos de idade, tinha estado em Portugal quase todo o Verão e viajei na TAP para Lourenço Marques na noite de dia 7, quando, em Lisboa, do que me recordo, rigorosamente nada se sabia dos Acordos de Lusaka. Eu nem sequer sabia que se estava a negociar em Lusaka. Cheguei à Cidade, em quase estado de sítio, ao fim da tarde do dia 8 de Setembro. O meu Pai estava com a equipa do Nova Aliança em Nampula (que ele treinava) para um jogo de futebol e só voltou a LM dois dias depois. A minha Mãe estava sózinha em casa com as minhas duas irmãs e a minha gata, na Polana, onde nada de especial se passou.

Nas semanas que se seguiram, assistiu-se ao patrulhamento da Cidade, nunca dantes visto, feito por grupos mistos compostos por guerrilheiros da Frelimo e soldados portugueses, armados até aos dentes com armas de guerra que incluiam bazucas, G-3 e AK47s, os portugueses nas suas fardas verdes e os frelimos ou todos esfarrapados ou com fardas emprestadas pelos tropas portugueses. Uma boa parte dos frelimos não falava nem português nem ronga, a língua nativa mais falada na Cidade. Os médias locais passaram a passar exclusivamente propaganda comunista e afecta à Frelimo, alguma que era quase patética. Uma parte significativa dos residentes, portugueses e brancos, pura e simplesmente fez as malas e foi-se embora. A população nativa estava fleugmática mas radiante com a vinda da Frelimo. Nos três anos seguintes, com a prestimosa e dedicada ajuda dos líderes da Frelimo, cerca de 90 por cento dos brancos de Moçambique saíram “voluntariamente”. Pois quem não estava com a Frelimo, estava contra a Frelimo e os brancos tinham que perceber quem é que mandava agora. E quando já não havia brancos para perseguir, começaram-se a perseguir os moçambicanos uns aos outros, a visão lírica de um Moçambique multifacetado em progresso e harmonia a esfumar-se perante os ímpetos controladores de uma nova elite que se manterá sózinha e a todo e qualquer custo no poder nos 50 anos seguintes, numa espécie de guerra civil sem fim, a economia numa espiral descendente, tornando Moçambique, até hoje, num dos países mais pobres e endividados do planeta.

Arredores de Lourenço Marques, 15 de Setembro de 1974. Uma patrulha mista é celebrada pelos residentes. Dali a cinco dias, o poder do Estado em Moçambique era efectivamente entregue à Frelimo.

 

A legenda da fotografia.

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