THE DELAGOA BAY REVIEW

25/11/2023

A ELEIÇÃO OCULTA DE 2023

Filed under: A eleição oculta de 2023 — ABM @ 1:26 pm

Como rezava no motto da propaganda de Salazar quando inaugurou o Estado Novo português com o seu partido único há quase cem anos, no Moçambique “multipartidário” de Nyusi e de Celso Correia em 2023, a frase operativa é “Tudo pela Frelimo, Nada contra a Frelimo”.

E o corolário da estratégia subjacente ao lema ocorreu ontem, quando, como era perfeitamente antecipável, o Conselho Constitucional de Moçambique, um órgão do Estado da Frelimo, proferiu com solenidade a sua sentença definitiva, quanto aos resultados das eleições municipais, não na sua casa no antigo Jardim Vasco da Gama mas no novo e luzente Centro Cultural China-Moçambique, nos terrenos da Universidade Eduardo Mondlane na Somershield em Maputo.

No anúncio, concedia o Conselho que “afinal” a oposição vencera num punhado de municípios: Quelimane, Alto Molócuè, Chiúre e Vilankulo.

Uma concessão mínima da Frelimo, enevoada e quase irrelevante, que, por exclusão de partes, significava que, com a notável excepção da Beira, a Frelimo putativamente arrasara a oposição em todos os municípios que importavam.

O esquema urdido, pré-anunciado há cerca de um ano, quando se soube que seria o Celso e a sua equipa, com carta branca e recursos abundantes, se iriam concentrar no processo eleitoral autárquico, foi surpreendentemente simples e ainda mais surpreendentemente eficaz.

Por um lado, montava-se uma máquina eleitoral completamente obscura, manietada e composta por pessoas afectas ao Regime, dispostas a inverter, à peça, em cada uma das 65 localidades, as aritméticas simples de cada uma das eleições autárquicas, que decorreram por todo o País.

Simultaneamente, far-se-ia o uso maciço de todos os organismos e todos os esquemas conhecidos para minar os números e os procedimentos – registar eleitores de uma região noutra, encher urnas com votos Frelimo, substituir urnas legitimamente cheias de votos dos cidadãos por urnas cheias de votos Frelimo, substituir editais “legítimos, por editais com votos Frelimo, viciar sumários e substituir relatórios por relatórios dando ponderânia aos votos Frelimo, “encher as listas de eleitores com eleitores fantasmas, comprar votos, coagir eleitores, transportar eleitores “fiéis” para zonas conhecidas como menos afectas à Frelimo.

Etc.

No centro, observando os números todos numa folha de cálculo Excel, alguém do Team Celso tudo coordenaria e no fim a CNE (Comissão Nacional Eleitoral) da Frelimo validaria os números.

Como fez.

Provando a eficácia do Celso, o resultado final preliminário (uma contradição de termos mas quem se importa?) foi o anúncio da CNE de que a Frelimo vencera em todas as 65 municipalidades do País.

Todas.

Até na Beira.

Mas não ficariam por aí.

O facto de os resultados serem uma impossibilidade política e matemática, por demais evidente para todos, incluindo para o outrora frelo comunista Joe Hanlon, que laboriosamente cronicou para o Mundo os acontecimentos em cada dia com um zêlo quase sem precedente, em inglês claro para não causar problemas (quase ninguém em Moçambique lê inglês), não importava.

Julgada a reacção inicial do povo, que, com a excepção da Beira e Quelimane, se antecipava como manifestando a mesma mistura de indignação e de conformidade carneirista com que (afinal) aturou as décadas do indolente regime colonial e quase todas as eleições precedentes desde o negociado “multipartidarismo” de 1992, e trazidas para as ruas as agora habituais tropas armadas rosnantes para moderar à bastonada os alguns mais exaltados que cometeram o crime menor de não acreditar e de assim o manifestarem, de seguida a Frelimo limitou-se a negociar discretamente os casos em que a fraude era demasiado (digamos) ofuscante e os casos em que, mesmo que fosse demasiadamente ofuscante, não importava porque esses eram inegociáveis para as sensibilidades e o amor próprio da Frelimo, a Dona de Tudo desde 1974 e que portanto se arrogava o direito de simplesmente ignorar essas evidências e declarar a alegada justeza desses números.

Ou seja, nos casos de Maputo, de Nampula e da Matola, nem pensar.

E assim ficaram as coisas.

Fácil. Genial.

Com este exercício, a Frelimo salvou a reputação hegemónica e Celso conquistou o estatuto de Fazedor de Reis incontornável. Pois produziu os resultados.

A verdadeira mensagem do que aconteceu em Outubro e ontem são duas.

A primeira é mostrar a quem de direito, dentro e fora do País, a capacidade, e até onde a Frelimo pode e está disposta a efectivamente ir para, pune ou impunemente, independentemente dos que as pessoas, instituições, parceiros nacionais e países e entidades internacionais souberem ou pensarem, conseguir manter o poder nas suas mãos e as limitações dos seus opositores na disputa por esse poder.

A segunda é, à luz das condicionantes conhecidas, nomeadamente o incómodo menor de um regime que supostamente prevê e permite a alternância democrática, estabelecer a dialéctica e dar a conhecer os parâmetros para o que está para vir na próxima eleição presidencial.

Se houver eleição presidencial. Pois há grandes, enormes negócios a serem feitos e fechados pela Elite, a “guerra” do Paulo Kagame em Cabo Delgado prossegue tranquilamente e o periodo de prestação do serviço militar obrigatório para o oceano de jovens moçambicanos acabou agora mesmo de ser estendido de dois para cinco anos.

Quem sabe o que vai acontecer.

Portanto só falta escolher nas catacumbas da Frelimo a pessoa que vai dar a garantia de que o poder vai ficar nas mãos dos Donos de Sempre, ou seja dos agora sobrantes, e herdeiros, dos Libertadores de 1974 e dos seus associados, e ainda que a parelha Guebuza/Nyusi permanecerá intocada.

Se será essa pessoa Nyusi ou outra, é o que falta definir.

Pelas conhecidas sensibilidades puramente epidérmicas evidentes na sociedade moçambicana, duvido que seja Celso, que de outro modo não posaria dúvidas. Por outro lado, há que ter em conta o seu sucesso nestas “eleições ocultas” . E reconhecer que, ainda hoje, há quem ainda acredite que o grande Eusébio e o americano Barack Obama era pretos.

Como Celso, um não era, e o outro não é.

Por tanto, é esperar para ver.

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