THE DELAGOA BAY REVIEW

29/03/2010

JOSÉ GIL, MOÇAMBIQUE E A CARNEIRADA

José Gil de Quelimane, português via Paris



por ABM (Cascais, 29 de Março de 2010)

Que José Gil (que agora se reformou formalmente do seu emprego como professor numa universidade de Lisboa, após a habitual e orgiástica última aula de sapiência) tenha escrito um interessante livro dedicado a examinar o espírito doentio de carneirada dos portugueses residentes in lusus rectangulus é uma coisa. Como quase nada de fundamentalmente relevante funciona neste país dos portugueses (nos noventa e nove menos o um por cento de Olivença, que na verdade parece que já nem sequer isso é) e nada se pode fazer para curar o mal, há toda uma literatura dedicada ao tema dos defeitos dos portugueses e de Portugal.

Creio que esta longa e sempre florescente actividade livreira assenta numa subrreptícia necessidade neuro-terapêutica de delírio da cura pelos compradores destas obras: definir a doença e prescrever a cura.

A alternativa, em tempos menos complicados, claro, é simplesmente a de emigrar. Lá fora ou cá dentro.

E quanto mais ilustre o escriba, melhor. E nessa óptica, Gil, que nasceu em “Quilimani” e cresceu em Moçambique, é entre o melhor. Corta o podre chouriço nacional com a perícia de um cirurgião – ou será a perfídia do Dr. Jekill?

Mas há nestes, e não entendo bem, a tentação de passar da análise ao aconselhamento para a cura (Eça teve-a bem mas resistiu, deixando-se por Paris e pela aceitação da alguma beleza na mediocridade, o que considero supremamente irónico da sua parte – ou a suprema expressão da sua ironia na Cidade e as Serras). Gil não resistiu e escalpeliza a talvez menos subtil qualidade de muitos portugueses – a inveja.

Cuja melhor resposta, claro, é o mesmismo, a falsidade e a mediocridade.

Pois desses ninguém pode possivelmente ter inveja.

Não sei porque faz isso. Pois por definição está na natureza da carneirada ser carneirada, ignorar a sua condição e muito menos buscar formas de a alterar. A essência da carneirada está, mais do que no seu estatuto, na sua satisfação com o statu quo. Portanto vir para aqui dizer que há problema e qual é a (sempre dura, sempre penosa) solução, é, reconheçamos, terapéutico mas pouco político.

É precisamente por isso que, quando a mudança vem, vem sempre e apenas porque a mudança vem de fora, seja por invasões espanholas, francesas ou inglesas, pelas hecatombes da economia mundial, pelas delegações do FMI que nos pôem a ferro e fogo, ou pelo mais reles copianço das modas estrangeiras, importadas por alguns iluminários da casa.

Interessantemente, após a sua aula de despedida (que cá mete jornalistas, despedidas carpideiras como se o visado fosse para o céu e uns copitos e rissóis pelo meio) o Dr. José deu uma “grande” entrevista” ao Bruno Mateus do Correio da Manhã, que a publicou ontem, e em que ele diz umas coisas giras e, numa frase lapidar que deixarei ao Maschambiano mais atento a tarefa de a encontrar, o que ele acha do seu Moçambique.

Também gostei da mentira em que ele às tantas diz que não liga ao que dizem dele.

A entrevista de Gil, feita por Mateus, com vénia:

“Fez parte das elites intelectuais em frança nos anos 50, 60 e 70. Hoje, com 71 anos, o filósofo que acabou de dar a sua última aula na universidade analisa: “os portugueses não se interrogam muito sobre qualquer que seja o acontecimento da sua vida”.

– Nesta fase da sua vida, sente que o País precise de si como filósofo?

– Não, porque o País não precisa de um personagem qualquer salvador. Eu não faço a união, há muita gente que pensa contra mim e que não suporta o que eu digo.

– Disse na sua última aula que “as pessoas pensam sozinhas”. Por que é que os portugueses pouco questionam as grandes decisões do Governo?

– Os portugueses não se interrogam muito sobre qualquer que seja o acontecimento da sua vida, da vida social, da política.

– Somos um povo inteligente?

– Com certeza. Temos é uma infelicidade, por razões sociais: Substituímos a nossa inteligência – como povo que produz génios, intelectuais, cientistas – pela esperteza. Pior: Pela esperteza saloia.

– Nota isso na nossa governação?

– Absolutamente. Há qualquer coisa mesmo do espertismo saloio no próprio discurso político em Portugal. Foi um chico-espertismo toda – ou quase toda – a propaganda que o Governo fez antes das eleições, para imediatamente a desmentir.

– Falta memória aos portugueses?

– Falta. E falta talvez por um apego que os portugueses têm a um presente, que vale por si. Não estamos a pensar no passado, como nas sociedades rurais que estão a desaparecer. E como nas sociedades modernas – que ainda não somos – não estamos a pensar sempre no futuro.

– Teme pelo futuro?

– Só um tonto não teme pelo futuro. Os nossos dirigentes temem. Nós vivemos num clima ameaçador. De quê? De que realmente aconteça a catástrofe que é a perda do adquirido na qualidade de vida, nas expectativas, em tudo.

– Alguma vez teve medo de perder a sua reforma, como muitos têm?

– Vejo à minha volta muita gente que pensa que depois de 30 anos de trabalho não vai ter reforma. Se todos vão ser punidos pelas medidas que estão a ser tomadas, por que é que eu não haveria de ser?

– Disse que o auditório que assistiu à sua última aula estava a abarrotar por causa da “falta de acontecimentos” no País. Não acha que sejamos um povo de filosofar?

– Não se filosofa por razões interiores, é por acontecimentos externos a nós que nos abanam, que nos violentam o pensamento, e somos obrigados a pensar. Não temos muitos filósofos talvez porque há uma pregnância extrema da religião e talvez da poesia, que pretendem dar respostas àquilo que os filósofos se interrogam.

– Fale-me do medo. Pela primeira vez, na democracia nacional, sente que se caminha para um estado de medo do primeiro-ministro José Sócrates?

– As sondagens mostram o contrário. Mas elas são paradoxais porque o medo em relação ao futuro é maior hoje. A confiança em relação aos dirigentes, em geral, não me parece aumentar. E no entanto as sondagens dão uma confiança sólida constante que os portugueses manifestam em relação ao primeiro-ministro.

– Será também por falta de Oposição?

– É certamente falta de Oposição, que está em frangalhos. Mas é sobretudo resultado do medo que os portugueses têm de se encontrar perdidos. Nós estamos sob um clima ameaçador e estamos cada vez mais perdidos. Resta-nos um homem que aparece aí sabendo que o futuro vai ser bom. E os portugueses agarram-se a ele.

– E podemos confiar nele?

– Sócrates já passou a símbolo de único alicerce. É por isso que não se vai embora.

– É propaganda?

– Não. É o que uma personalidade e um discurso firmes, com certezas, provoca como efeito em pessoas perdidas.

– Isso serve os nossos interesses?

– Claro que não serve. Claro que se de repente tirar esse homem, cai tudo para o lado. E fica tudo ainda mais caótico.

– E está a construir alguma coisa?

– Está-me a levar agora para uma discussão sobre a política geral do Governo de Sócrates e do PS, não é?

– E não quer entrar por aí!?

– Não, é muito longo.

– Muito bem. Orgulha-se de ter pertencido à classe dos professores?

– Não é bem orgulho, tenho “fierté”, esse brio interior de pertencer a uma corporação em que o trabalho é para a comunidade. Ver, de repente, um aluno a abrir-se para qualquer coisa é um espectáculo extraordinário. Infelizmente não se dá a importância na sociedade aos professores.

– São maltratados?

– Foram. Há bastante tempo, mesmo antes do Governo de Sócrates e da ministra Maria de Lurdes Rodrigues ter devastado o ensino, no meu entender.

– E continuam a ser?

– Ainda não se viu. É demasiado cedo.

– Publicou em 2005 o best-seller ‘Portugal Hoje – O Medo de Existir’, considera-se popular?

– Popular é ser uma ‘star’ qualquer.

– Já se googlou? Procurou na internet saber o que se diz sobre si?

– Não. Já me fizeram ver o que dizem de mim na internet. E não me interessa.

– O que diziam de si?

– Sei lá. Repartia-se entre agradecimentos e o total desprezo pelo que digo.

– O que fez José Gil a este País para que se lesse o seu ensaio filosófico?

– Eu não tenho resposta para isso. Certamente que o tema interessa aos portugueses. E talvez porque consegui ser claro.

– E atingiu os medos das pessoas.

– Acho que sim. Isto resume-se numa frase: Temos extraordinárias potencialidades e múltiplos factores históricos e sociais que criaram em nós uma cultura de medo, o que inibe as nossas potencialidades de nos exprimirmos.

– A Economia será um dos inibidores?

– Será um factor maior. Além do medo de se exprimirem, existe um medo económico, que inibe o primeiro. Sabe aquelas imagens que vemos da Grécia?

– Teme uma convulsão social cá?

– Não tenho resposta. Acredito que possa haver muito mais manifestações de rua.

– Como vivem os partidos de Esquerda em Portugal?

– Partidos como PCP e o BE vivem numa espécie de equívoco interno, pelo facto de as suas críticas a tudo o que é de Direita se fundarem em qualquer coisa que é o Marxismo, sem que possam propor uma alternativa. O Marxismo não se renovou numa teoria do poder, por exemplo. Então, quando se pergunta qual a alternativa global que o PCP propõe para Portugal, o que vamos ter como resposta? Uma segunda União Soviética mas à maneira portuguesa? Está a ver que isso não dá.

– Onde é que se situa politicamente?

– Situo-me politicamente na Esquerda que não existe. Mas a Direita tal como nós a conhecemos tradicionalmente, o funcionamento do capitalismo, é para mim um dos factores de caotização da sociedade.

– Em quem vota?

– Não me pergunte. O meu voto é muitas vezes circunstancial. E infelizmente muitas vezes o meu voto é negativo. Voto em A porque não quero votar em B.

– O seu livro ainda está actual?

– Não sei. Muita coisa mudou, certamente. Mas as estruturas profundas que entravam esse dinamismo que devia haver na sociedade devem ter permanecido.

– É um homem de paixões?

– Ah, sim. Para mim a vida é fundamentalmente paixão. Quer dizer, um desencadear de energia que pode ser por exemplo a paixão pela criação. Isso abre uma liberdade.

– Está apaixonado pela vida?

– Eu não estou apaixonado pela vida. Se eu a vivesse como vivi… A vida deve ser vivida apaixonadamente.

– Por que é que fala no passado?

– Porque eu vivi um período colectivo, em França, único: Os anos 50, 60 e 70. A paixão intelectual atravessou milhares de pessoas. Foi o momento em que, em Paris, tudo se transformou – artes, cinema, literatura, filosofia, antropologia.

– O facto de ter nascido em Moçambique influenciou o seu pensamento?

– Certamente. E das maneiras mais esquisitas, não foi propriamente só de maneira harmoniosa. Por difracções, por desfasamentos entre a língua e o Sol e a geografia. Entre os espaçamentos entre uma comunidade negra imensa e ilhotas, que eram os brancos.

– Sentia-se apartado?

– Não. Mais tarde, aos vinte e tal anos, quando pensei nisso, verifiquei que ali havia qualquer coisa que me era interdita de viver. Mas que eu não sentia como falta.

– Voltou para Portugal há 29 anos; Gostava de ter ficado em França?

– Houve um tempo em que eu teria dito imediatamente que sim. O rumo do meu pensamento modificou-se sobretudo por falta de bibliotecas em Portugal. Mas, ao mesmo tempo, a sociedade francesa é muito fechada aos estrangeiros. Eu nunca pretendi ser francês.

– O que resta hoje da sua família?

– Eu tenho uma grande família portuguesa do lado paterno e do lado materno. Já não via familiares da Beira, naquela região do Fundão, há muito tempo e há dois anos fui lá. Eu próprio tratei as pessoas como se tivesse deixado de as ver na véspera.

– Gosta dos seus 71 anos?

– A minha idade cronológica não corresponde a outra idade que não sei qual é, mas que é a idade de vida. Eu serei velho pela idade, mas não me sinto velho.

“A LITERATURA É UMA ACTIVIDADE QUE EM MIM É FRUSTRADA”

– Gostaria de ter seguido por uma área das Belas-artes? A sua mãe era poeta.

– Tenho três romances pequeninos publicados. A literatura é uma actividade que em mim é frustrada porque não segui por aí. Mas durante muitos anos, quando eu era novo, eu hesitava entre a filosofia e a literatura.

– Imagino que hoje já não hesita!?

– Hoje não hesito.

– Mas desde que deixa o ensino tem portas abertas para fazer o que quiser.

– Absolutamente. E é verdade que eu penso no que está a dizer.

“NÃO TENHO BEM IDEIA DO QUE FIZ”

– Na sua última lição não fez um balanço. Porquê?

– Porque em Portugal não há verdadeiramente uma comunidade filosófica. Eu não tenho bem ideia do que fiz e do que pude transmitir. Foi uma surpresa ver na última lição tanta gente. Se eu soubesse fazer o balanço, talvez não me devesse surpreender.

– Não lhe serve de balanço ter sido nomeado um dos 25 mais importantes pensadores do Mundo?

– Não me sobe à cabeça essa classificação. Eu tenho a consciência de uma certa singularidade até pelo que eu deliberadamente não faço: Quando há qualquer coisa já dita, já feita, eu não repito.

PERFIL

José Gil, 71 anos, nasceu em Moçambique. Em 1957 veio para Lisboa estudar Matemáticas. Mas depressa mudou para Filosofia e licenciou-se em Paris. Há 29 anos regressou para Portugal como professor de Filosofia na Universidade Nova de Lisboa, onde deu a sua última aula a 10 de Março último. É autor de vários livros, entre eles o best-seller ‘Portugal Hoje – O Medo de Existir’ (ed. Relógio d’Água).

(fim)

Numa entrevista ao Público em 3 de Janeiro deste ano, Gil fez uns comentários curiosos, em que não me revejo de forma alguma mas que diz algo da sua experiência moçambicana:

O primeiro: “O nosso vocabulário lá [em Moz] era para os lírios do campo, que não existiam lá. Cantávamos canções na escola primária, que era sobre o campo, em Portugal. Portanto, vivíamos em distância”.

O segundo: “O facto de existirem criados cria nos filhos de colonos uma horrível noção de se julgarem eleitos. Sabe o que é ter cinco criados, alguns deles com barbas brancas, e você, com três, quatro anos, dá-lhes ordens?”. E conclui: “ Fica julgando que é rei do mundo. E isso continua. Isso forma-o. É um estrato que lhe provoca o pior. Uma consciência de uma suprioridade que não tem. Nada lhe permite esse sentimento de superioridade. Não tinha esta consciência, mas tinha este sentimento. Como todos os brancos.”

Bolas. Os BM deviam ser os únicos brancos do Moçambique colonial que praticamente não tinham criados. Tivemos um ou outro, por pouco tempo, nunca resultou, e um deles uma vez deu-me uma valente bofetada por eu lhe ter feito não sei o quê e a seguir ia levando outra da minha mãe. O que não é bem aquela cena do patrão colonial cabrão de que tanto se gosta de protagonizar. Lá em casa também não se deambulava sobre as implicações sócio-culturais da relação de forças entre o criado preto e o patrão branco e as ilacções cósmicas para ambas as partes e o mundo. E é uma pena, porque hoje daria panos para mangas e até está na moda regurgitar sobre isso.

São as memórias autobiográficas.

Mas é bom saber que havia gente como o Zé que lá em casa tinha cinco criados e que deixavam os putos de quatro anos dar ordens neles. Se eu fosse preto, assim, eu até eu matava tudo para me libertar.

Ou melhor, nas circunstâncias, para escolher outro jugo.

Pois cedo se descobre que na verdade na verdade, qualquer relação de subjugação tem surpreendentemente pouco a ver com a cor da pele. Tem muito mais que ver com o respectivo grau de estupidez das partes envolvidas. E que o “colonialismo” era apenas a codificação temporária da estupidez de uma geração numa dada era. Enfim. Os romanos tinham escrevatura, n’est ce pas?

Adorei ler o, e sobre o, Zé Gil, mas como ele não quer saber no Gúgele o que dizem dele, ele nunca vai saber disso.

17 comentários »

  1. Não comento, por agora, ou nunca,

    mas gozo imenso!

    É um fartar de gozação.

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    Comentar por umBhalane — 29/03/2010 @ 9:13 pm

  2. António, se o Grande Pensador – um dos 25 eleitos por quem? – for ao tal “Góguel”, bem pode teclar auto-crítica e logo a seguir fazer um copy-paste das suas entrevistas. Assim sentirá a “fierté” da realização pessoal se arranhares um bocadinho, aí terás uma versão du carnet mondain da tal menina Isabela. Sem tirar nem pôr, mas com mais criados e com os mesmos estalos que nós nunca demos. Ora bolas (?)

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    Comentar por Nuno Castelo-Branco — 29/03/2010 @ 9:41 pm

  3. 1. Confesso que não gosto da reflexão sobre isso dos “portugueses são …” Sim, a gente quando se irrita resmunga (e até bloga) que “os portugueses são” [“a gente é”] qualquer coisa – uma carneirada, como dizes, uns pacóvios, uns oliveiras de figueira, uns desenrascados, umas maravilhas, isso depende do dia e do humor. Mas “ensaio filosófico” sobre as características dos portugueses …? Não há “antropologia” francesa que eu aguente (já agora, li um livro dele e odiei – “Monstros”. Odiei porque parece escrito em 1860, não em 1960; li outro e abanei a cabeça, o tal “medo de existir” que é conversa de café. Só).

    2. Quanto aos “criados” – há uma coisa que eu nunca percebi mas que tive a sorte de aprender com o meu pai, burguês conservador militante estalinista. O trabalho doméstico é digno e não tem mal nenhum em ser cumprido (não, não é o “dirty job” que alguém tem que fazer). A gente que o faz é um profissional, tem direitos e deveres. Os outros respeitam-no(s). Os tontos que contratam mulheres-a-dias romenas ou brasileiras e não pagam impostos e que criticam quem contrata(ram) outras nacionalidades são só isso, tontos. Mas há, e ainda hoje se vè, quem não consiga entender isso – há ainda, e vejo muito por onde vivo, miuto “patrãozinho”. Presumo que antes também houvesse – como já te disse, ABM, não poderás tomar o todo pelo Senhor pai BM. Nem eu, e digo-o com orgulho, pelo Senhor pai PT.

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    Comentar por jpt — 29/03/2010 @ 10:13 pm

  4. Ainda sobre a questão dos criados no Moçambique colonial, apenas uma pergunta, singela pergunta, que ABM, compreensivelmente, se recusará a responder. Qual era a actividade profissional do Senhor seu Pai? Desculpe-me a ousadia, e asseguro que não é insidiosa nem irónica, antes respeitadora. É que temos sensivelmente a mesma idade (em torno dos 50, certo?) vivemos na mesma cidade (LM) apesar de eu ter passado a 1.ª infância em Porto Amélia e Planalto dos Macondes (até 63) e não me lembro de nenhum branco que não os tivesse. Mas, claro, quando chegamos à idade adulta e olhamos para trás, sobretudo para essa realidade encoberta que foi o Moçambique colonial, descobrimos tanta coisa, não é??!!

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    Comentar por Rui M. P. — 29/03/2010 @ 11:20 pm

  5. Bom post. Cada vez mais o ma-shamba é para mim uma leitura obrigatória e na qual tenho o maior gosto. O meu muito obrigado.

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    Comentar por ERFERREIRA — 29/03/2010 @ 11:20 pm

  6. Quero também assinalar, com agrado, o facto de a caixa de comentários primar pela civilidade e por acrescentar, elevar a discussão.

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    Comentar por ERFERREIRA — 29/03/2010 @ 11:27 pm

  7. Sr uB

    Espero que se esteja a rir comigo e não de mim….

    NCB

    Presumo que cá estamos nós para ver estes desenvolvimentos. Quanto à de JG ser um dos 25 pensadores do planeta, quem escolheu não conhecia os pais BM, que deviam estar nos top dez não fosse o facto que eles não publicavam…

    JPT

    Ontem passei o dia todo (literalmente, das 10 da manhã às 10 da noite) a visitar um amigo na sua quinta alentejana, ainda por cima e supreendentemente, homónima da minha, só que quando me apercebi que a dele tinha 180 hectares (a minha tem 4, bem esticadinhos) discretamente releguei a designação da minha para “quintal”. Comigo foram duas amigas, uma a Famosa e Lendária Dulce Gouveia e a outra a Dra Lyubka, que é búlgara e que está em Portugal há mais que seis anos e que trabalha na zona de Cascais a fazer … limpezas domésticas. A formação dela é em psicologia (já foi directora de serviços numa zona perto de Sófia) e o português dela é muito razoável mas diz que obter equivalências académicas em Portugal é um inferno e que, como tem que ajudar a suportar a família na Bulgária (marido e dois filhos, mais poupar umas massas) que o “tem que ser” foi para as limpezas. Fiquei francamente impressionado com ela e, depois de um interrogatório cerrado sobre tudo e mais alguma coisa, disse que ela trouxesse a família e os amigos todos para Portugal, explicando-lhe que Portugal tem um défice de búlgaros. Não tem razões de queixa de maior sobre Portugal (diz que o clima é mais ameno que o da Bulgária e dentro de um ano é portuguesa como eu) e diz que trabalha muito e que o trabalho é duro.

    Sr Rui MP

    Compreensivelmente, responderei. O pai BM é mais conhecido por ter fundado (esta ninguém sabe) e sido o primeiro comendante da Companhia da Polícia de Trânsito de Moçambique, em 1968, e de ter sido simultaneamente treinador de futebol de umas tantas equipas na cidade, de que me lembro do Sporting, 1º de Maio e Nova Aliança. O rumor é perdoava mais multas do que passava. Supostamente foi dele a ideia de colocar aqueles postos policiais nas entradas de Maputo no km 14 e o outro a caminho de Boane (não para chatear as pessoas mas para fiscalizar os camiões que vinham para a cidade, pois havia um problema grave de Antes disso fez uma série de coisas para a Polícia de Moçambique mas não me lembro bem pois na altura não ligava a essas coisas (sei que ele uma vez este à frente da PSP em Nampula pois o então chefe do apanhado num esquema de corrupção qualquer na Ilha de Moçambique e ele teve que ir tapar o buraco). Depois esteve na UFA até os senhores da Frelimo terem tomado conta da fábrica em 1975 e, depois de uma série de “comícios de trabalhadores” e “plenários de endoctrinação ideológica” terem diminuído o salário “racista e capitalista” dele em 75%. Como ele tinha 8 filhos, tomou aquilo como um convite simpático para se meter no primeiro avião, o que ele mais ou menos fez, com pena. De carreira, ele era tenente miliciano e nesses termos fez a tropa pelos oito filhos juntos. Era açoriano. Espero ter sido suficientemente detalhado.

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    Comentar por ABM — 30/03/2010 @ 12:17 am

  8. “Defice de búlgaros”? Um dos dramas portugueses foi não ter conseguido seduzir/cativar os imigrantes de leste para aí terem ficado. Da Bulgária, da Moldávia, da Ucránia e afins …

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    Comentar por jpt — 30/03/2010 @ 12:26 am

  9. Sr. António Botelho de Melo,
    Obrigado pelo esclarecimento que veio confirmar uma quase certeza minha. Pois fique sabendo que o meu pai foi um dos comandados do Senhor seu Pai, aquando da criação da PT em Moçambique. Há uma fotografia fabulosa desse ano (1968) em que aparecem os primeiros 5 alinhados nas suas Harleys (suponho) que um dia destes (quando a encontrar) a digitalizo e remeto.

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    Comentar por Rui M. P. — 30/03/2010 @ 9:42 am

  10. E deixe-me acrescentar que o meu pai tem as mais gratas recordações desses tempos e do “Comandante” Botelho de Melo.

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    Comentar por Rui M. P. — 30/03/2010 @ 9:44 am

  11. A rir consigo, Sr. ABM, a rir consigo.

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    Comentar por umBhalane — 30/03/2010 @ 2:35 pm

  12. Pois é, caro ABM.
    Assim se querem as sumidades intelectuais portuguesas. Confusas, contraditórias (um mal menor) e pouco explícitas. Dá sempre um ar mais “blasé” e descomprometido.
    Nunca percebo se é por timidez ou por incapacidade de expressão. Esta última não deve ser a razão, até porque o José Gil foi professor universitário anos a fio.
    Olha, também me rio 🙂

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    Comentar por V.A. — 30/03/2010 @ 10:15 pm

  13. Sr RMP

    O mundo é pequeno! Cumprimento-o e ao seu pai, pelos vistos temos ampla experiência de termos sido os dois “comandados” pelo Sr Tenente BM… mande por favor essa fotografia (o meu email está naquilo que pretende ser um perfil meu) pois essa quero ver. E mande-me os detalhes todos do seu pai, fico cheio de curiosidade. Lembro-me de muita coisa mas nesses anos eu andava na escola primária Rebelo da Silva, jogava ao berlinde e bebia Tombazana nos intervalos e a minha prioridade era ganhar as corridas de carros de rolamentos…bem haja.

    Sr uB

    Uuuuff…..

    VA

    Tive a mesma impressão. Mas esse descomprometimento é contrariado pela escrita recente, não é?

    JPT

    Nada. Eu acho que quantos mais imigrantes vierem para cá, melhor. Alarga a base tributária, renova o sangue, dinamiza a cultura, abana os preconceitos, amedronta os sentidos, diversifica a culinária, desafia os hábitos. É preciso ver que, historicamente, os portugueses descendem de resmas e resmas de invasores. De vez em quando é assim. É, como diria . Quantos milhões de portugueses e seus descendentes andaram e andam aí pelo mundo? olha por exemplo para o Cristiano Ronaldo e o José Saramago: estão em Espanha…e tu estás na minha terra.

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    Comentar por ABM — 31/03/2010 @ 12:34 am

  14. ABM mas é isso mesmo que eu digo, acho que não me percebeste. “Défice de búlgaros”? Claro. E o que eu lamento é o que ouvi aí, acho que há um ou dois anos, que muitos dos imigrantes têm estado a partir, seja para países de origem seja para Espanha/França. Fazem, farão muita falta …

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    Comentar por jpt — 31/03/2010 @ 3:01 am

  15. … e só hoje li este post! ah caraças….

    “…colocar aqueles postos policiais nas entradas de Maputo no km 14 e o outro a caminho de Boane (não para chatear as pessoas…” (sic)

    vinha eu mailo carro cheio de boa-malta (com hífen, mereciamo-lo à fartazana!) duma expedição predadora de produtos agrícolas regionais já embalados (sticks) pela estradinha fora, o céu estrelava o nosso sossego, o mundo era perfeito e a noite a tranquilidade odorífera que se supõe, e lá vínhamos a caminho de Kampf…, sorry, de LM, aviados da silva e de charuto nas beiças, sacolas aviadas e prontos a pespegarmo-nos nas camitas sem que o relógio nos denunciasse, e, de todos, certamente eu era o mais preocupado em chega quanto antes pois era certo que a carrinha ainda tinha de descansar uma boa meia hora, pelo menos, para quando o meu pai se levantasse lá pelas quatro e tal da manhã (era padeiro, horários chatos) e pegasse na carrinha para ir trabalhar não topasse o motor quente e, sei lá!… mais qualquer odor, digamos que… exótico.

    e lá vínhamos, todos contentinhos e a fazer um vistão, imagino que no toca-fitas ouvia-se Crosby, Stlls & Nash ou, quem sabe, que é bem fixe para os momentos em qur o cérebro está atarefado com reflexões mui filosóficas, a voz rouca da Melanie, quando há um que a bre o olho, hesita, olha de novo e entre gaguejos lá acaba por dizer o reparo «olhem além», «ora a porra» ou coisa assim, e entre o espanto e a indignação damos com a obras do pai BM, o Posto de Controle e Fiscalização Ameaçadoramente Repressivo de Boane! mais a mais com a luz acesa e – via-se mesmo com a aprazível névoa interior em que flutuávamos, nele um vulto incrivelmente acordado àquela hora, e já se imaginava que a olhar para o nosso tranquilo, ordeiro e pacífico lado.

    não nos caíram que ainda cá andam – por mim falo mas aceito como naturalmente boa a presunção colectiva – nem nos borramos nas cuecas, certamente vantagem dos apurados tratamento orgânicos que fazíamos pela ingestão nasal e ardente de delicados produtos de ervanária, adquiridos directamente aos produtores. abaixo o intermediário explorador! já era germen e convicçaõ, faltavam os discursos mas não foi preciso esperar muito que, situo, o proto-incidente boaneano terá ocorrido em noite de lua farta lá do ano de ’71 ou ’72. nada disso aconteceu mas esteve quase, isso vos garanto!… mas que raio de ideia aquela (do Pai BM: soube hoje… isto há coisas, tss tsss….) de àquela hora e naquele local, estar o raio dum “chancas” pespegado a olhar para nós, hein? bem, àquela hora e naquele local não dava para parar ou virar, nem, confesso, ao que me lembro, alguém disso se lembou ou de outra coisa qualquer, tal era o cagaço: foi seguir em frente pianinho, passar em frente ao posto escandalosamente iluminado como se fosse ali a festa de passagem de ano, olhinhos fixos na estrada e ninguém a olhar pró lado, para dar ar mais sério até pusemos os charutos (*) em alvo, bem erguidos para nos dar ar de quase-senhores, enfim, na realidade para parecermos menos putos: aposto que nenhum de nós tinha mais de dezasseis anos… 😉

    mas…

    sei lá porquê, ainda não tínhamos passado pelo posto, sei lá… cinquenta, cem metros? de repente começamos a olhar uns prós outros, o bingdown a instalar-se «ai a porra» «era um polícia pá, tamos lixados» «ai o carro, que digo o velho» etc e tal, e – e aqui juro mesmo-mesmo, pelas-cinco-chagas-de-Cristo! sem que o combinássemos (tal a cagufa!) quem conduzia travou, quem tinha portas abriu-as, e quem tinha pernas correu. o coitado do carro lá ficou na estrada, portas abertas e luzes acesas, e nós mergulhadinho na beira da estrada já pensar em mil coisas e delas novecentas e tal calculam quais são, poupem-me ao suplício de recordá-lo!…

    mas… (2)

    se quem tem cu tem medo (éramos o exemplo perfeito), quem é cachopo é capaz de sentir um bocadito menos. vai daí, alguém espevitou e meteu a cabeça no ar para olhar para o infame posto policial (ali pespegado pelo Pai BM: tá confessado! grrr) e o seu malfadado guardião, e num instante estávamos todos a olhar para lá, espantados com o espectáculo primeiro, deliciados (com a nossa sorte!) depois: não é que se nós estávamos amoitados a espreitar o posto, lá, nele, o vulto também se tinha agachado e só se lhe via a cabecinha criosa e, imagina-se às voltas com aquilo tudo a que assistia? ainda não era tempo do Bin Laden e a Frelimo andava longe, por isso terroristas não deveria achar que éramos. duvido que os imponentes charutos o enganassem, que deve ter repardo quando fugíamos que éramos uma data de putos. não sei. sei é que tudo apontava que o cagaço era duplo e ambos nos espiávamos: nós ao polícia (do Pai BM), ele a nós, putativos doidos de regresso a Marracuene.

    a sorte não bate duas vezes no mesmo local. enfiamos no carro que foi um risco e seguimos em marcha acelerada para a capital e a segurança das nossas caminhas. tivemos o cuidado de antes da zona do Jardim sairmos da estrada principal e entramos em LM pela zona do aeroporto, Mavalane, se não erro. o senhor do posto podia ter telefonado, sabe-se lá o se teria passado naquela cabecinha de segurança pública…

    correu bem.
    resultado prático da incursão e percalço:
    1 – o grupo abastecido por mais uns tempos;
    2 – o motor da Daihatsu 1000 não deve ter arrefecido o suficiente, que estranhamente as chaves do carro deixaram de ficar à noite no móvel do hall.
    medida de emergência para repor os direitos adquiridos: aproveitando a horita da merecida sesta após o almoço, dei um salto montado na minha querida Honda SS 50 Z a um chaveiro, que num instante e por módica quantia que foi prontamente paga (me) fez um duplicado das chaves da Daihatsu.

    arderei no inferno? talvez, talvez… e triplico o talvez para acrescentar que talvez me safe às labaredas, se o posto de controle de acesso for semelhante ao Boane-BM.
    pelo sim pelo não, quando se prever que «tás a dar o berro não tarda…» metam-me um charuto no bolso da mortalha, pode dar jeito… 😉

    🙂 web

    (*) coisa de novo-rico: como vínhamos de mochilas atestadas, ninguém se deu ao trabalho de tirar a prata ao papel dos maços de tabaco (quem se lembra, hein? naquele tempo não havia estas mariquices das ‘mortalhas’, aquilo era para putos de futuro pêlo rijo e não para queques) e pegava-se num stick acabadinho de comparar, aqueles rolos em papel tipo de-embrulhar-o-bacalhau cheios de cabeças, numa das pontas puxavam-se estas e dava-se-lhes ares de boquilha, e toca a chegar o fósforo à outra e era um luxo, um regalo!… tá claro que a coisa bem desfeitinha tinha outro sabor, o ritual não é só showoff mas tem vantagens no produto, mas caramba! dias não são dias e noites como aquela mereciam uma palermice pequenita, uma cagança, e todos nós no carro vínhamos com um charuto-stick aceso nos queixos, e entre lá dentro e o smog de Londres as duas diferenças eram a geográfica e o benefício, este tropical e nosso, é claro.

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    Comentar por cg — 31/03/2010 @ 5:30 am

  16. Senhor ABM
    Mandarei a foto certamente, quando for a casa de meu pai “roubá-la” por uns tempos. Em 68 estava eu a entrar no D. Bosco, também bebia as tais de Tombazanas nos intervalos e, pulando o muro para Missão de S. José, fumava cigarros Zorro e Havanos na companhia do meu amigo Sérgio Tormenta (filho do oficial de transmissões do Angoche que 3 anos depois desapareceria em condições nunca esclarecidas).
    Quanto ao meu pai seria reformado compulsivamente em 72 (aos 43 anos), digamos que por “inconveniência genética”. Sobrinho de um dos fundadores do PCP, de quem herdou o mesmo nome e local de nascimento, apesar de muito atinente com o regime viu sempre o seu desempenho muito cerceado por essa inconveniência. Não pelo comandante Botelho de Melo, que o estimava, mas pelo comando-geral da Polícia que, por exemplo, nunca o deixou promover ou subir de escalão. Quando viemos à Metrópole em 63, de licença graciosa, o nosso Ford Anglia foi retido na fronteira. Apesar de membro de uma das forças de segurança do regime, o meu pai ficou detido 4 horas numa sala à parte da nossa, enquanto os agentes da PIDE (ainda não era DGS) se desdobravam em telefonemas para Lisboa. E dali não passámos, regressando a Lisboa já noite dentro. Só após 74 pode reunir-se com os irmãos e cunhados, todos eles da oposição e militantes do PCP, uns na clandestinidade em Portugal, outros exilados em Paris. E tudo isso apesar de ele próprio, repito, ser muito alinhado com o regime político de então.

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    Comentar por Rui M.P. — 31/03/2010 @ 11:01 pm

  17. CG

    A minha escrita ficou truncada, sorry. O objectivo dos dois postos de acesso à cidade era fiscalizar os camiões que vinham carregados e que frequentemente ou traziam carga a mais ou que não estavam em condições de circular na cidade. O do km 14 tinha uma daquelas balanças gigantescas para pesar camiões.

    Sr Rui MP

    A história que me conta é fascinante, temos que trocar notas sobre essa saga toda. Essa da associação ao PCP por osmose genética é ….nem sem o que lhe dizer. Quanto à reforma compulsiva aos 43 anos de idade, é um velho sonho meu mas já tenho 50. Aguardo seu contacto e por favor apresente ao seu pai os meus cumprimentos.

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    Comentar por ABM — 02/04/2010 @ 3:07 am


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