THE DELAGOA BAY REVIEW

07/04/2024

RECORDANDO NATALINO BRUNO DE MORAIS

Filed under: Recordando Natalino Bruno de Morais — ABM @ 2:58 pm

Imagens retocadas.

Conheci Natalino Bruno de Morais, que faleceu há dois dias, quando em 1998 integrei uma pequena equipa técnica do Banco Mello , que tinha acabado de adquirir a maioria do capital do Banco Comercial de Moçambique, então recentemente constituído a partir da parte comercial do Banco de Moçambique e, pressionado pelo FMI, privatizado a instituição, primeiro para as mãos do misterioso empresário português António Simões, em parceria com o também recentemente privatizado banco (ex-UBP), adquirido por um ramo da Família Mello. Simões, que depreendo nada percebia de banca, sairia pouco depois, transferindo as suas acções para os Mello, a quem devia uma pipa de massa.

Morais fora director no Banco de Moçambique, e, com uma equipa de memoráveis ilustres, passaria para os quadros do Banco Comercial de Moçambique (que em 2001 se tornou no Banco Internacional de Moçambique (actual Millennium BIM) e liderava a sua área internacional.


Foto A- A equipa do Banco Central de Moçambique, início dos anos 90. Natalino é o nº2. O Governador do Banco de Moçambique então era Adriano Maleiane, nº9 na imagem e que actualmente é o primeiro-ministro de Moçambique.

A Banca em Moçambique na segunda metade dos anos 90 reflectia o penoso percurso do país desde 1975 e o início de alguma cautelosa recuperação. Para além do quase defunto BPD, havia uns pequenos bancos que operavam quase sem capilaridade, de maneira sofrida (BCI, Standard Totta, Fomento) e havia o hiperlativo BIM, fundado de raíz pelo BCP (com uma participação da IFC), liderado por Mário Machungo, que pretendia ser o único que funcionava “online” (mais ou menos, pois a infraestrutura de comunicações então era quase inexistente), uma novidade na altura.

Mas o BCM era o monstro do sistema, com mais que metade de todos os recursos da banca moçambicana de então, curiosamente quase metade desses geridos a partir do seu balcão central e efectivamente a maior rede de balcões.

Quando cheguei em 1998 tinha acabado de ser detectada uma muito badalada fraude feita no banco, que faria correr rios de tinta nos jornais, o prejuízo no fim sendo assumido pelo governo.

Em Portugal, a fusão (venda, na realidade) do Banco Mello com o BCP no início de Janeiro de 2000 seria seguida por uma complexa diplomacia em que no final o BIM e o BCM se fundiriam (na realidade, formalmente, o BCM adquiriu o pequeno BIM e mudou de nome). Durante um ano de transição, Mário Machungo, que conheci então, presidiu aos dois bancos.

Muito há a dizer sobre esses tempos, que foram estruturantes.

O trabalho – informatizar todo o banco, ligar todos os balcões em rede, entre outras – era árduo e exigente, mas foi sendo feito com entusiasmo pela equipa do banco, com quem me dava bem e que incluía o Natalino, talvez mais sofisticado que a média, que falava bem inglês, era suave, impecavelmente vestido, quase sempre bem disposto e com um sorriso.

Foto B – No intervalo de um Conselho Consultivo do BCM, que era a única reunião que o banco promovia, uma vez por ano, Esta no Hotel Rovuma. 1-?; 2- Almeida Elias; 3- Raul Almeida; 4- Palalane Jaime; 5. Bruno de Morais; 6- Carlos Abrantes; 7- ?. Mais tarde com a vinda dos BIMs, copiando do banco em Portugal, do tempo do Jardim Gonçalves, os BCP’s, tinham a absoluta fixação de fazer “encontros de objectivos” e “reuniões de quadros” várias vezes ao ano, aos sábados, sem pagar e completamente lixando a vida a toda a gente com powerpoints intermináveis e pronunciamentos pseudo-confucianos por parte dos administradores, que achavam aquilo tudo o máximo. Santa paciência. Um colega uma vez me disse “nas tais reuniões do BIM, tinhamos de fechar os olhos e abrir os braços, para imaginarmos que estávamos a voar”. Pois imagino. Nos tempos do BCM os fins de semana eram para estarmos com a família e os amigos, excepto nas chuvas de 2000, em que a Baixa inundou e eu passei o dia de calções a tentar salvar o equipamento do banco ali ao lado do Bazar (o esperto que desenhou o prédio colocou o balcão uns sete metros abaixo do nível da 25 de Setembro).

Mas houve um episódio com o Natalino, que nada tem a ver com isto, que para sempre me recordarei com afecto e a que chamo

A HISTÓRIA DO PEDE DESCULPA

Aconteceu cerca de 2000. Um dia, eu ia de fim de semana a Johannesburgo para fazer compras e visitar um casal amigo. Natalino tinha o carro dele a ser reparado numa oficina em Johannesburgo e pediu-me boleia para ir buscar o carro e trazia um amigo. Assim, ainda usando a velha estrada que passava por Boane até Ressano Garcia, e que ainda tinha o posto policial (do “refresco”) à saída da Matola, saímos os três num sábado de manhãzinha para a África do Sul, eu a conduzir, Natalino sentado à frente ao meu lado, o amigo atrás.

Dali a mais ou menos duas horas, quando passámos por Nelspruit (hoje Mbombela), então atravessando uma avenida que passava mais ou menos no meio da cidade, que então se chamava Louis Trichardt (um voortrekker que morreu em 1838 e que está sepultado na Baixa em Maputo junto daquele monumento a seguir à Casa do Bom Café) e que agora penso que se chama Nelson Mandela, inesperadamente, fui mandado parar por uma equipa da polícia local – por excesso de velocidade. À saída da pequena cidade, tinha acelerado para 100 kms/hora numa faixa onde o limite era 80 kms/hora.

Eu nunca tinha sido parado pela polícia na África do Sul e de facto era das primeiras vezes que me aventurava pelo país. Nem sabia bem o caminho para Johannesburgo.

Da equipa que estava no local, uns atrás com o radar e os outros mais à frente que mandavam parar, um policial aproximou-se de mim, um homem negro enorme de óculos escuros e ar feroz, tipo Arnold Schwarzenegger, parecia genuinamente furioso e, agitado, quase berrava comigo, gesticulava e ameaçava com tudo, multa, prisão, apresamento do carro.

Eu calado, Natalino ao meu lado, completamente impávido e sereno, também de óculos escuros, a olhar para o lado.

Baixinho, em português, disse-lhe “Natalino estou feito”.

Falando baixinho, sem me olhar, ele limitou-se a dizer “pede desculpa”.

O que parecia um atrevimento dada a evidência da infracção e o que o polícia estava a dizer mas lá ensaiei um pedido de desculpas. O que parece ter enfurecido mais o polícia, que procede a dar-me um discurso ainda mais agressivo. Eu, calado, olhei de soslaio para o Natalino, que permanecia impávido como se nem estivesse ali.

Ele apenas repetiu baixinho: “pede desculpa”.

Outra vez? o polícia prende-me! mas o que ele disse era para cumprir. Virei a cara enquanto o oficial da SAPS gesticulava e comecei novamente, “officer, I am very sorry, very sorry…. I didn´t see the sign” (de facto não tinha visto qualquer sinalização). Ele reagiu mal: “sorrrry?! you are sorrrry?”, carregando nos érres como costumam fazer os boers. E continuou a barafustar, nem pensar, havia um sinal atrás, sim, é multa e era assim.

Já em pré-desespero, mas ainda exteriormente calmo, olhei para o Natalino.

Mais uma vez sem me olhar, ele limitou-se a dizer, discretamente: “pede desculpa outra vez”.

Respirei fundo e olhei o oficial da SAPS. Puxei da força que ainda tinha, e com uma humildade a roçar no ridículo, mais uma vez pedi-lhe desculpa, que nunca jamais faria coisa semelhante, que se soubesse nem teria feito, que eu vivia há pouco tempo em Maputo e que vinha visitar o seu lindo país, fazer umas compras porque em Maputo não havia nada, que eu era um cidadão cumpridor, etc e tal.

O polícia parou uns dois segundos enquanto me ouvia, e de súbito, disse “Ok, I let you go this time!. Seguido de mais uma descompostura, desta vez mais amena, didáctica e proactiva em relação às regras da estrada.

Agradeci profusamente a generosidade e que Deus o abeçoasse mais toda a família.

E seguimos viagem para Johannesburgo, o Natalino e o amigo dele a rirem-se metade do caminho.

Vi o Natalino mais umas vezes em subsequentes viagens a Maputo. Sempre o mesmo e de vez em quando recordávamos o episódio de Nelspruit.

Eventualmente ele reformou-se e arranjou uma casa de fim de semana em Techobanine, a uns minutos da Ponta do Ouro, isolada, construída sobre uma duna em frente à praia e rodeada de árvores. Isto ainda no tempo em que ir à Ponta do Ouro era uma verdadeira aventura, carro 4×4, estradas alagadas, acessos quase inexistentes e o ocasional elefante a passear por ali.

Tenho excelentes memórias de praticamente todo o pessoal do BCM e tenho bem a noção do desafio que foi para todos – e que eles estiveram à altura desse desafio. Lamento ter perdido o Natalino Bruno de Morais, que profissional e pessoalmente, me tocou.

Era um Senhor e viveu bem a vida.

Foto C -Um convívio do pessoal do BCM
1- Momade Janfar camisete escura, 7- Lígia Juma sentada, 3- Olinda, 5- Bruno de Morais à direita

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Foto D- Manuela, Bruno de Morais, Hagira, Carlos Abrantes e Nilza, no dia em que o Abrantes (que era o feiticeiro do IT do BCM) se reformou do BIM.
Numa pausa a caminho de Techobanine, da esquerda: Carlos Abrantes (que tem um bungallow vizinho do de Bruno), Bruno de Morais, não sei quem é, e a seguir Nelson Sunny Holmes (meu braço esquerdo e direito no BCM) e a Arminda Holmes.

03/01/2024

OS BANCOS EM MOÇAMBIQUE E ÁFRICA DO SUL EM 2023

Filed under: Uncategorized — ABM @ 10:24 pm

imagem retocada

A delegação do National Bank of South Africa em Lourenço Marques, meados da década de 1920. Ficava na rua mesmo ao lado da Fortaleza da Baixa, no cruzamento com a Rua da Maxaquene. Dantes era o Bank of Africa, também de capitais do outro lado da fronteira. Apesar de se esticar ligeiramente ao reclamar antecedentes até 1838, essencialmente foi fundado pela elite do Paul Kruger no tempo em que o Transvaal ainda era uma república boer, o Nationale Bank der Zuid-Afrikaansche Republiek Beperk era um precursor do actual First Rand (e, naturalmente, do FNB Moçambique). Mas nessa altura a operação de Lourenço Marques, que por via duma compra fora parar às mãos do Nationale Bank, foi vendida outra vez, desta ao Barclays Bank Overseas, que ficaria ali durante décadas até ser vendida creio que ao Banco Comercial de Angola. Que a seguir foi nacionalizado pela Frelimo. O FNB regressaria a Moçambique em 2007, quando a casa-mãe comprou uma pequena operação do português Montepio Geral com alguns locais, com meia dúzia de balcões, chamada BDC – Banco de Desenvolvimento e Comércio, SARL.

Peço alguma atenção dos Exmos. Leitores aos números.

O Jaime Fidalgo, escrevendo num artigo do Diário Económico de Moçambique que foi publicado hoje, baseado numa classificação publicada pela revista The Banker, dos 100 maiores bancos de África, viu a floresta mas escaparam-lhe as árvores.

No texto, citando os dados do The Banker, Fidalgo refere algo que é uma realidade há mais que vinte anos: os Big Four sul-africanos (Standard 1º, 1Rand 2º, ABSA 3º e Ned 5º) continuam a predominar, e os Big Three moçambicanos lá andam pelo meio (Standard 50ºlugar, BIM 61º e BCI 69º).

A lista do The Banker.

Isto se se levar em conta dois factores.

O primeiro, é que o ranking é em termos de activos, o que vale o que vale.

O segundo, é que fazer um ranking ao nível de todo o continente africano é no mínimo surreal. África não é bem como a Europa, as Américas e até a Ásia. Ainda persiste alguma desconexão a todos os níveis, o que exige uma análise muito mais fina e contextualizada, para se poder começar a comparar as coisas.

Ainda assim, usando os mesmíssimos números apresentados na tabela acima, permite chegar as conclusões muito mais interessantes e que, de certa forma, relevam aquilo que talvez mais interesse.

E para isso, fiz uma “Tabela ABM”, usando os mesmos números.

Tabela ABM da Tabela do The Banker. Valores em milhões de dólares americanos.

Em que as primeiras três colunas são as mesmas do The Banker. Mas esses dados permitem chegar às percentagens do lado direito. E as conclusões são curiosas.

Conclusão Nº1 (coluna do rácio de capital para activos) – O Standard Group é o pior classificado mas a sua subsidiária Standard Moçambique o melhor. Resumindo: no cômputo geral, os bancos moçambicanos estão (formalmente) mais bem capitalizados que os Big Four.

Conclusão Nº2 (coluna ROA- Lucro enquanto percentagem dos activos) – a nível mundial, ter um Return on Assets, ou ROA, de entre 1.58% e 2.34% , que é o caso dos Big Four sul-africanos, é bom, ou melhor, nada mau. Mas o Exmo. Leitor veja o rácio ROA dos bancos moçambicanos. Estes estão noutra dimensão. completamente diferente e se estes números são verdadeiros as suas administrações merecem um bónus e um aumento de ordenado e no caso do Standard Bank Moçambique, uma explicação em como é que se chega a um ROA de 5.79%. Melhor que isto, só mesmo no petróleo, nas drogas e armamentos é que se ganha mais. Mas o BCI, com 5.42%, está mesmo ao lado. Conclusão: os bancos moçambicanos estão à frente.

Conclusão Nº3 (coluna ROE, ou lucro sobre capital) – esta é a minha favorita e costuma também ser as dos accionistas, que são os patrões dos bancos. Mais uma vez, ter retornos sobre capital de entre 19.61% (Ned) e uns impressionantes 28.38% (1 Rand) é obra. Mas olhe o Exmo. Leitor para os bancos moçambicanos, que arrumam os sul-africanos num canto, especialmente o (outra vez) BCI, com uns inacreditáveis 57.33%. Conclusão: os bancos moçambicanos rendem (muito) mais.

Conclusão: a julgar somente pelos números, o BCI, de capitais luso-moçambicanos, é de longe o melhor de toda a lista, e o Standard Bank Moçambique é outra verdadeira máquina de ganhar dinheiro.

Claro que Moçambique tem as suas particularidades. O câmbio do dólar, por exemplo, usado nestes cálculos do The Banker, é um mistério na forma em que parece ser imune a quase tudo e mais alguma coisa (tirando uma misteriosa queda durante umas semanas há uns anos que também nunca teve explicação e que. logo a seguir voltou ao “normal”). As taxas de juro dos depósitos em Moçambique são relativamente elevadas, mas as do crédito são tão altas que nem sei como ainda se pede dinheiro emprestado em Moçambique. O mais recente indexante andava pelos 23.50%. Compare-se com taxas internacionais de entre 3% e 4% agora. E depois há as taxas, taxinhas, comissões, etc e tal. As tesourarias devem ser craques a gerir o dinheiro e as crescentes eficiências da informatização tornam os custos em lucros. Só pode.

E isso leva-me à triste conclusão final, mia-coutiana, que o nosso Jaime não aferiu: eis um país entre os mais pobres do mundo.

Mas com bancos ricos.

Gostava de falar de risco e provisões mas pelos vistos o The Banker não liga a essas coisas.


01/01/2024

1 DE JANEIRO DO ANNO DE 2024

Filed under: Cerveja 2M e Laurentina - 2024 — ABM @ 2:41 pm

Imagem retocada.

Desejo a todos os Exmos. Leitores um bom ano.

Uma lata de cerveja de 330 ml de Mac-Mahon, edição limitada, recente. Uma cervejeira local criou a marca na década de 1960 para competir com a Laurentina, e que assinala o nome de um presidente da França, que em 24 de Julho de 1875, numa arbitragem internacional que opunha Portugal e a Grã-Bretanha, decidiu por Portugal que o território desde a Catembe até à Ponta Ouro e a Namaacha, lhe pertencia. Desde logo ficou conhecida como 2M. Em honra desse evento, a Praça em frente à estação dos caminhos de ferro tinha o seu nome e a maior artéria da Cidade chamava-se 24 de Julho (de 1875). O feriado municipal de Lourenço Marques era, adicionalmente, a 24 de Julho e não em 10 de Novembro, o dia da elevação da então vila ao estatuto de Cidade em 1887.

A 2M hoje pertence à empresa Cervejas de Moçambique (CDM), que surge na sequência de um longo historial que remonta a 1932 com o lançamento da cerveja Laurentina. Em 1995 a CDM foi vendida à South African Breweries International, tendo este sido um dos primeiros investimentos externos efectuados em Moçambique na sequência de privatizações efectuadas na altura. Em Outubro de 2016, a Anheuser-Busch InBev fundiu-se com a SABMiller Plc, tornando-se assim, indirectamente, no principal accionista da CDM.

Em Agosto de 2012, a jornalista Cláudia Faria escreveu o seguinte no Diário de Notícias em Lisboa:

No início do século xx, um imigrante grego chamado George Cretikos, que percorria os bairros ricos de Lourenço Marques a vender água fresca de porta em porta, apercebeu-se de que não existia gelo para conservar o peixe que todos os dias era descarregado nas docas da cidade. Foi assim que, em 1916, Cretikos abriu a primeira fábrica de gelo e de água mineral de Moçambique, perto do porto de pesca. Chamava-se Victoria Ice and Water Factory e foi um êxito imediato. Em poucos anos, começou também a produzir refrescos e a sonhar com a primeira marca de cerveja feita em Moçambique. Aconteceu em 1932, quando o grego viajou até à Alemanha para contratar um mestre cervejeiro que desenvolveu uma receita de cerveja de estilo europeu a que Cretikos chamou Laurentina, em homenagem aos naturais de Lourenço Marques – laurentinos.

A receita desta cerveja permanece secreta, mas sabe-se que uma parte do seu sucesso resulta da mistura de três maltes e de uma dupla filtragem a frio que lhe confere estabilidade. A Laurentina é até hoje a mais premiada de todas as cervejas de Moçambique. E as suas variantes clara, preta e premium já lhe valeram diversos prémios internacionais, entre eles a medalha de ouro Monde Selection, na Bélgica.

Depois de 36 anos a trabalhar diariamente com estas cervejas, o administrador José Moreira conhece bem estas e outras histórias. Abandonou o sonho de estudar Medicina para começar a trabalhar nas Cervejas de Moçambique assim que terminou o 12.º ano, pouco antes da independência do país. Acabaria por ir para a universidade mais tarde, mas para estudar Economia. «De um momento para o outro a fábrica perdeu mais de metade dos quadros, entre eles todos os técnicos qualificados que [em consequência da descolonização] partiram repentinamente para Portugal, para o Brasil e para a África do Sul», conta. «Por causa disso, o presidente Samora Machel [primeiro presidente de Moçambique, falecido em 1986] decidiu que todas as pessoas que já tivessem concluído o ensino secundário tinham de começar a trabalhar nas áreas mais urgentes para manter o país a funcionar», esclarece José Moreira, 56 anos, que trabalha até hoje na fábrica da cerveja 2M, abreviatura de Mac-Mahon, uma marca quase tão icónica como a Laurentina, criada durante o período colonial português, em 1962.

Ao contrário da Laurentina, conhecida por ser a cerveja das elites, a 2M – atualmente a cerveja mais consumida no país – afirmou-se, sobretudo, entre a classe mais pobre, chegando a ser vendida sem rótulo durante os anos da guerra civil, de 1976 a 1992. «Naquele tempo, só era possível reconhecer uma 2M pelo símbolo estampado na carica», conta João dos Santos, autor da primeira grande campanha de publicidade da marca, uma das principais responsáveis pelo êxito atual da 2M.

José Moreira lembra-se bem desta fase e diz que os rótulos eram o de menos. «As máquinas que usávamos na fábrica estavam completamente obsoletas. Trabalhávamos dois dias, parávamos uma semana», conta. Um dos episódios mais marcantes deste período foi a avaria irreversível da máquina pasteurizadora que fez descer o prazo de validade das cervejas de três meses para uma semana. «Após cinco dias, começavam a aparecer sedimentos dentro da garrafa e a cerveja começava a apodrecer.»

O administrador conta que, durante esses anos, a maior parte da cerveja vendida em Moçambique era imprópria para consumo. «O transporte para fora de Maputo era feito por barco. Só para chegar ao porto de Nacala, no Norte do país, demorava vinte dias – quando lá chegava já estava completamente fora do prazo. E dali ainda tinha de ser descarregada e distribuída até aos pontos mais remotos. Quando chegava ao consumidor já tinha pelo menos 45 dias.» No entanto, garante, nunca ninguém ficou doente nem apresentou qualquer queixa sobre a qualidade da cerveja.

O presidente Samora Machel conhecia bem as dificuldades de José Moreira. Costumava fazer inspeções à fábrica pessoalmente. Estas vistorias de surpresa, conhecidas como visitas-relâmpago, mantinham as empresas moçambicanas em sobressalto. «Uma vez apareceu cá à uma da manhã e encontrou a maior parte do pessoal a dormir, muitos homens bêbedos, de barba por fazer, descalços.» Foram despedidos.

José Moreira assistiu de perto à glória, à decadência e ao renascimento da Laurentina e da 2M e diz que as duas cervejas são também um reflexo da história recente de Moçambique. A empresa, que começou por ser privada, sofreu uma intervenção do governo de Samora Machel após a independência de Moçambique, em 25 de junho de 1975, e foi privatizada de novo já nos anos 1990 quando a multinacional Castel, proprietária da famosa cerveja Cuca, de Angola, comprou a Laurentina. A marca foi vendida, por fim, à multinacional sul-africana SABMiller, que comprou também a 2M e a cerveja Manica, muito popular na região centro/norte de Moçambique.

01/12/2023

CATARINA DE BRAGANÇA E O 1º DE DEZEMBRO DE 1640

Filed under: Catarina de Bragança e o 1 de Dezembro — ABM @ 1:06 pm

Imagem retocada e colorida.

A primeira vez que prestei atenção a Catarina de Bragança e a data de 1 de Dezembro de 1640 foi em Nova Iorque, quando, numa visita àquela cidade, a Glória Melo, que era a exuberante relações públicas da TAP para a América do Norte (e que eu conhecera com 16 anos em Montréàl, no Canadá, onde ela estava a viver então) me disse que eu devia conhecer o Manuel Andrade e Sousa, na altura um relativamente jovem executivo a viver naquela cidade, e que criara uma associação cívica chamada Amigos da Rainha Catarina, e que organizava um baile anual formal em honra da rainha portuguesa no salão nobre do Park Plaza Hotel, um enorme e luxuoso hotel que Donald Trump, então um conhecido supostamente milionário do imobiliário local, tinha comprado e restaurado.

O Manuel, que parecia que quase vivia para isto, procurava angariar dinheiro para mandar fazer uma estátua evocativa da rainha, para colocar em Nova Iorque.

Na altura achei aquilo tudo muito rebuscado, eu ainda não era craque no que respeitava a rainhas portuguesas (soberanas, só houve duas) e ainda não havia internet nem google nem wikipédia. Para se saber alguma coisa nos anos 80, tinha que se ir às bibliotecas e passar lá horas a pesquisar e tomar notas à mão. O que eu fazia por desporto.

A Friends of Queen Catherine era uma ONG devidamente constituída, os donativos podiam ser deduzidos para efeitos fiscais e tinham uma longa e sonante lista de patrocinadores, desde Sua Alteza Duarte Pio, o actual Duque de Bragança, até um cocktail de personalidades e instituições que o Manuel aturadamente ia recrutando e cortejando.

Gravura alegórica de S. Freeman (séc. XIX) de Catarina de Bragança, filha do Duque de Bragança, depois João IV, fundador da quarta e última dinastia real portuguesa que se estendeu entre 1 de Dezembro de 1640 e 5 de Outubro de 1910. Apesar de contradicentes entre si, as duas datas ainda hoje são feriados nacionais portugueses. No topo da imagem, o brasão real da que assinava “Catherina R.”. Há várias gravuras de Catarina, desde jovem e magra a esta, presumo que depois de comer uns bifes e uns pastéis de nata.

A epopeia do Manuel Andrade e Sousa afinal tinha a sua lógica. Catarina foi rainha, não de Portugal, mas sim de Inglaterra (por casamento com o rei Carlos II), que na altura estava a formar umas pequenas colónias no que são hoje os Estados Unidos. E a principal urbe (na realidade uma feitoria) de uma dessas colónias, originalmente holandesa, era a actual Nova Iorque, que na altura se chamava Nova Amsterdão e era um fortezinho e umas casas no Sul da Ilha de Manhattan. Por coincidência, na altura em que Catarina se casou com Carlos II, os ingleses tomaram Nova Amsterdão aos holandeses, mudaram-lhe o nome para o que tem agora e isso incluiu tambám baptizarem um dos seus maiores bairros com o nome Queen’s, em honra de….Catarina. Ou seja, o Bairro da Rainha. Queens, ao lado de Manhattan, é um vasto bairro populoso e digamos que menos vistoso que a ilha adjacente e significativamente habitado por americanos de ascendência africana, o que importa para esta história.

Para fazer uma longa história curta, apesar de vários “bailes da Rainha” no imponente Park Plaza (eu fui a dois) e de aí ter apertado a mão a Trump (o que hoje parece surreal) e a Sua Alteza o actual Duque de Bragança, o fim da história foi inglório. Quando quase já tinha tudo pronto para fazer a estátua e a colocar num pedestal em Queens mesmo em frente à sede das Nações Unidas, do outro lado da margem ocidental do Rio Hudson, surgiu um dos primeiros casos que conheci de wokeismo, ou do politicamente correcto: alguém finalmente foi ver quem era Catarina, estabeleceram a ligação Catarina de Bragança-Portugal-potência colonial esclavagista-escravos-racismo-horror, meia dúzia de organizações de Queens insurgiram-se. apareceram uns grunhidos na televisão sobre o assunto e tudo acabou em nada.

Não ajudou que precisamente na altura dos finalmentes da estátua de Catarina, surgiu um (excelente) filme de Steven Spielberg, chamado Amistad, sobre um episódio real de tráfico de escravos negros trazidos de África para a América à paulada e numa embarcação espanhola, ocorrido em 1839, em que havia lá um ou dois portugueses. E o caldo ficou entornado.

No fim, apesar de bem intencionado, o Manuel fartou-se daquilo tudo e desapareceu lá para os lados de Cape Cod, em Massachusetts, sem antes despachar uma versão inicial da estátua para Portugal, onde, discreta e inconsequentemente, foi colocada perdida num jardim qualquer de Lisboa, onde ainda se encontra. Hoje, o bairro de Queens permanece Queens e praticamente ninguém sabe da sua ligação a Catarina de Bragança.

Catarina e o 1 de Dezembro de 1640

Hoje, jocosamente, a maior parte de quem sabe dois dedos de história em Portugal refere que, enquanto foi rainha de Inglaterra, Catarina introduziu o hábito de beber chá e o uso de talheres nas refeições, sugerindo basicamente que os ingleses eram uns javardos à mesa e que ela ao menos fez isso. Apesar de poder ser verdade, o contributo maior de Catarina não foi em benefício do país onde supostamente reinou.

O seu casamento, digamos que de conveniência como eram quase todos os casamentos reais na altura, beneficiou Portugal.

Remontemos setenta anos relativamente a 1640. A grande dinastia de Avis (estão quase todos sepultados no Mosteiro da Batalha), a segunda de Portugal, e que, pouco coincidentemente, nascera em 1385 de um esforço de se evitar que Portugal ficasse sob domínio espanhol, acabava muito mal, com as rotas comerciais criadas pelos portugueses disputadas pelos espanhóis, ingleses, franceses e holandeses e o que se tornaria em mais uma crise sucessória quando Sebastião, o penúltimo rei Avis, um jovem de 25 anos, solteiro e desejoso de conquistar partes do que é hoje Marrocos, aposta todos os cavalos nessa operação, e não só perde como morre (ele está sepultado numa caixinha no Mosteiro dos Jerónimos – supostamente). Sem descedência directa nem irmãos, a coroa passa para um tio velhote e padre (um cardeal!), que morre logo a seguir. A outra alternativa na linha dinástica era o monarca de Espanha, o poderoso Filipe II. A nobreza portuguesa, num vacilo formal, aceita a sucessão. Portugal passa a ter um rei espanhol, mantendo-se em teoria independente de Espanha. E isso durou sessenta anos, até que essa mesma elite mudou de ideias. Sim, porque tudo aparenta que o povão não ia lá muito com o arranjo. Após uma breve conspiração em que se recrutou João, o então 8º Duque de bragança, iniciou-se a conjura em Lisboa no dia 1 de Dezembro de 1640 e duas semanas depois ele foi aclamado rei.

E isso é o que se assinala hoje.

Mas aquilo não era favas contadas. Espanha era um potentado e o neto de Filipe I não deixaria Portugal escapar facilmente. Felizmente para os portugueses, os espanhóis andavam muito ocupados com outras guerras e ou falhavam ou não tinham recursos para submeter os portugueses, que por sua vez, faziam os impossíveis para sobreviverem a estas situações . A coisa prolongar-se-ia durante décadas, para além da morte de João IV em 1656. A Espanha só voltaria a reconhecer a independência de Portugal com o Tratado de Lisboa, assinado em 1668 – 28 anos após o golpe de 1 de Dezembro.

A peripécia está toda reflectida na Praça dos Restauradores na Baixa de Lisboa.

A descendência de João IV – sete filhos da mulher e uma filha de uma qualquer – foi aparentemente uma pequena desgraça, sendo que o primeiro filho Teodósio, que é descrito como um grande príncipe, morreu cedo (1634-1653), o que, quando João morre em 6 de Novembro de 1656 deixou o trono de Portugal nas mãos de outro filho, Afonso (1643-1683), que não podia ser pior. Descrito muito generosamente na Wikipédia como ” mentalmente incapaz de governar, foi deposto do trono pelo irmão D. Pedro (1648-1706) que o sucedeu no trono quando ele morreu”. Aquilo foi tão mau, tão mau, que os historiadores ainda hoje têm dificuldade em descrever quão mau aquilo foi. Basta recordar que às tantas arranjou-se um casamento entre ele e a princesa Maria Francisca de Sabóia. Eles estiveram casados dois anos, mas nunca consumaram (maneira simpática de dizer que nunca tiveram relações sexuais). Depois de, com o apoio da corte, despacharem Afonso, ele é efectivamente sucedido pelo irmão Pedro – que procede a anular o casamento e casa ele com a Maria Francisca, que assim foi rainha consorte duas vezes, por casamento com os dois irmãos. Mas da segunda vez Maria foi rainha durante apenas duas semanas, após o que morreu. Pedro casaria uma segunda vez, e foi da segunda mulher, Maria Sofia de Neuburgo, alegadamente escolhida pela reputação “parideira” da sua família, que ele finalmente teve o futuro rei de Portugal, o fleugmático D. João V. Afonso foi mais ou menos afastado do poder primeiro para a Ilha Terceira, depois para o palácio de Sintra, onde morreu após anos de loucura.

Catarina

Enquanto esta saga dinástica dos primeiros Braganças reais decorria, com o destino de Portugal sempre na corda bamba, temos a nossa Catarina.

Catarina (1638-1705) parece ter sido infeliz e desgraçada toda a vida. O seu casamento com Carlos II de Inglaterra em 1662 resultou de um tratado de apoio mútuo entre Portugal e aquele país em 1661 – para, em princípio, ajudar a resistir aos embates de Espanha – e porque Carlos II, que também passava pelo seu próprio processo de “restauração” após a “República” de Oliver Cromwell e que estava endividado até à ponta dos cabelos, precisava muito muito muito de dinheiro. E dinheiro e bens os portugueses pagaram. Sendo Carlos e a Inglaterra protestantes, a mui católica Catarina foi sempre destoada pela corte inglesa, e ainda mais porque apesar de três abortos espontâneos, não conseguiu dar um herdeiro a Carlos. Ainda por cima problema dela, já que toda a gente sabia que Carlos, um libidinoso inveterado, tinha uma abundância de filhos das suas várias amantes. Após a morte de Carlos em 1685, a função da aliança cumprida e a independência de Portugal assegurada, Catarina regressa a Portugal em 1693 e morre em 1705.

25/11/2023

A ELEIÇÃO OCULTA DE 2023

Filed under: A eleição oculta de 2023 — ABM @ 1:26 pm

Como rezava no motto da propaganda de Salazar quando inaugurou o Estado Novo português com o seu partido único há quase cem anos, no Moçambique “multipartidário” de Nyusi e de Celso Correia em 2023, a frase operativa é “Tudo pela Frelimo, Nada contra a Frelimo”.

E o corolário da estratégia subjacente ao lema ocorreu ontem, quando, como era perfeitamente antecipável, o Conselho Constitucional de Moçambique, um órgão do Estado da Frelimo, proferiu com solenidade a sua sentença definitiva, quanto aos resultados das eleições municipais, não na sua casa no antigo Jardim Vasco da Gama mas no novo e luzente Centro Cultural China-Moçambique, nos terrenos da Universidade Eduardo Mondlane na Somershield em Maputo.

No anúncio, concedia o Conselho que “afinal” a oposição vencera num punhado de municípios: Quelimane, Alto Molócuè, Chiúre e Vilankulo.

Uma concessão mínima da Frelimo, enevoada e quase irrelevante, que, por exclusão de partes, significava que, com a notável excepção da Beira, a Frelimo putativamente arrasara a oposição em todos os municípios que importavam.

O esquema urdido, pré-anunciado há cerca de um ano, quando se soube que seria o Celso e a sua equipa, com carta branca e recursos abundantes, se iriam concentrar no processo eleitoral autárquico, foi surpreendentemente simples e ainda mais surpreendentemente eficaz.

Por um lado, montava-se uma máquina eleitoral completamente obscura, manietada e composta por pessoas afectas ao Regime, dispostas a inverter, à peça, em cada uma das 65 localidades, as aritméticas simples de cada uma das eleições autárquicas, que decorreram por todo o País.

Simultaneamente, far-se-ia o uso maciço de todos os organismos e todos os esquemas conhecidos para minar os números e os procedimentos – registar eleitores de uma região noutra, encher urnas com votos Frelimo, substituir urnas legitimamente cheias de votos dos cidadãos por urnas cheias de votos Frelimo, substituir editais “legítimos, por editais com votos Frelimo, viciar sumários e substituir relatórios por relatórios dando ponderânia aos votos Frelimo, “encher as listas de eleitores com eleitores fantasmas, comprar votos, coagir eleitores, transportar eleitores “fiéis” para zonas conhecidas como menos afectas à Frelimo.

Etc.

No centro, observando os números todos numa folha de cálculo Excel, alguém do Team Celso tudo coordenaria e no fim a CNE (Comissão Nacional Eleitoral) da Frelimo validaria os números.

Como fez.

Provando a eficácia do Celso, o resultado final preliminário (uma contradição de termos mas quem se importa?) foi o anúncio da CNE de que a Frelimo vencera em todas as 65 municipalidades do País.

Todas.

Até na Beira.

Mas não ficariam por aí.

O facto de os resultados serem uma impossibilidade política e matemática, por demais evidente para todos, incluindo para o outrora frelo comunista Joe Hanlon, que laboriosamente cronicou para o Mundo os acontecimentos em cada dia com um zêlo quase sem precedente, em inglês claro para não causar problemas (quase ninguém em Moçambique lê inglês), não importava.

Julgada a reacção inicial do povo, que, com a excepção da Beira e Quelimane, se antecipava como manifestando a mesma mistura de indignação e de conformidade carneirista com que (afinal) aturou as décadas do indolente regime colonial e quase todas as eleições precedentes desde o negociado “multipartidarismo” de 1992, e trazidas para as ruas as agora habituais tropas armadas rosnantes para moderar à bastonada os alguns mais exaltados que cometeram o crime menor de não acreditar e de assim o manifestarem, de seguida a Frelimo limitou-se a negociar discretamente os casos em que a fraude era demasiado (digamos) ofuscante e os casos em que, mesmo que fosse demasiadamente ofuscante, não importava porque esses eram inegociáveis para as sensibilidades e o amor próprio da Frelimo, a Dona de Tudo desde 1974 e que portanto se arrogava o direito de simplesmente ignorar essas evidências e declarar a alegada justeza desses números.

Ou seja, nos casos de Maputo, de Nampula e da Matola, nem pensar.

E assim ficaram as coisas.

Fácil. Genial.

Com este exercício, a Frelimo salvou a reputação hegemónica e Celso conquistou o estatuto de Fazedor de Reis incontornável. Pois produziu os resultados.

A verdadeira mensagem do que aconteceu em Outubro e ontem são duas.

A primeira é mostrar a quem de direito, dentro e fora do País, a capacidade, e até onde a Frelimo pode e está disposta a efectivamente ir para, pune ou impunemente, independentemente dos que as pessoas, instituições, parceiros nacionais e países e entidades internacionais souberem ou pensarem, conseguir manter o poder nas suas mãos e as limitações dos seus opositores na disputa por esse poder.

A segunda é, à luz das condicionantes conhecidas, nomeadamente o incómodo menor de um regime que supostamente prevê e permite a alternância democrática, estabelecer a dialéctica e dar a conhecer os parâmetros para o que está para vir na próxima eleição presidencial.

Se houver eleição presidencial. Pois há grandes, enormes negócios a serem feitos e fechados pela Elite, a “guerra” do Paulo Kagame em Cabo Delgado prossegue tranquilamente e o periodo de prestação do serviço militar obrigatório para o oceano de jovens moçambicanos acabou agora mesmo de ser estendido de dois para cinco anos.

Quem sabe o que vai acontecer.

Portanto só falta escolher nas catacumbas da Frelimo a pessoa que vai dar a garantia de que o poder vai ficar nas mãos dos Donos de Sempre, ou seja dos agora sobrantes, e herdeiros, dos Libertadores de 1974 e dos seus associados, e ainda que a parelha Guebuza/Nyusi permanecerá intocada.

Se será essa pessoa Nyusi ou outra, é o que falta definir.

Pelas conhecidas sensibilidades puramente epidérmicas evidentes na sociedade moçambicana, duvido que seja Celso, que de outro modo não posaria dúvidas. Por outro lado, há que ter em conta o seu sucesso nestas “eleições ocultas” . E reconhecer que, ainda hoje, há quem ainda acredite que o grande Eusébio e o americano Barack Obama era pretos.

Como Celso, um não era, e o outro não é.

Por tanto, é esperar para ver.

22/11/2023

ALICE MABOTA, 1949-2023, IN MEMORIAM

Filed under: Alice Mabota - Pres LDH, Alice Mabota, 1949-2023 — ABM @ 1:39 pm

Imagem retocada e colorida.

Foi uma Senhora e da História rezará que fez parte dos inequivocamente bons.

Alice Mabota.

a Wikipédia contém um algo lamentável esboço biográfico que reproduzo aqui, mas com o texto editado por mim.

Maria Alice Mabota (Lourenço Marques, 8 de abril de 1949 — África do Sul, 12 de outubro de 2023) foi uma activista dos direitos humanos moçambicana e fundadora e presidente da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos.

Nasceu em 1949 no hospital da Missão de São José em Lourenço Marques (actualmente o Hospital geral José Macamo), quando Moçambique era uma província ultramarina portuguesa. Viveu ocasionalmente com o pai na Machava, nos arredores de Lourenço Marques, sendo que a primeira escola primária que frequentou foi na Estação Missionária Missão de São Roque, em Matutuíne, a cerca de 100 quilómetros da capital, onde concluiu o ensino primário. Morou também com um tio na Catembe , onde foi baptizada em 1966.

Em 1967/68, a sua mãe regressou da África do sul, onde viveu e trabalhou durante alguns anos e que insistiu que a filha continuasse a estudar.

Em seguida, Alice Mabota foi para a escola secundária à noite e trabalhou durante o dia como faxineira em várias instituições. Fez o ensino secundário no Liceu António Ennes (hoje a escola secundária Francisco Manyanga) e no Liceu Salazar (hoje a escola secundária Josina Machel). Como resultado, obteve acesso ao ensino superior, mas não conseguiu estudar medicina – já que não apreciaria ver cadáveres, segundo seu próprio depoimento, nem relações internacionais, já que não falava inglês ou Francês.

Entretanto Moçambique tornou-se independente. Assim, em seguida, deu aulas de português na escola secundária Francisco Manyanga. Posteriormente, trabalhou na Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ) e na Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE).

Em 1993, participou numa Conferência sobre Direitos Humanos em Viena, Áustria, onde permaneceu por 45 dias, o que a motivaria a comprometer-se com o tema dos direitos humanos em Moçambique. Após uma segunda visita a Viena em 1995, juntamente com outros activistas e intelectuais moçambicanos, fundou a Liga dos Direitos Humanos de Moçambique.

Desde então e até à sua morte, Alice Mabota presidiu à Liga dos Direitos Humanos e estabeleceu-se como uma das vozes mais reconhecidas da sociedade civil moçambicana. Especialmente na década de 2010, criticou a crescente polarização da política moçambicana entre a Frelimo, partido no poder desde 1974 e a Renamo, o principal partido da oposição à Frelimo em Moçambique. Em conjunto com outras organizações da sociedade civil moçambicana, a Liga dos Direitos Humanos patrocinou e organizou inúmeras marchas de protesto pela paz, pela igualdade e contra a corrupção na capital moçambicana. No decurso disso, era frequente receber ameaças de morte e insultos públicos, atribuídos à ala radical da Frelimo. A polícia criminal moçambicana também a interrogou, num incidente em que foi acusada de difamar o Presidente da República.

Em 2010, Mabota recebeu o prêmio internacional Women of Courage, patrocinado pelo governo dos Estados Unidos da América.

Em 2014, considerou candidatar-se às eleições presidenciais, mas acabou por desistir. Concorreu à presidência da República nas eleições de 2019.

Faleceu em 12 de outubro de 2023, aos 74 anos, por doença, após um breve internamento num hospital na África do Sul.

30/09/2023

A EMISSÃO DO RÁDIO CLUBE EM LOURENÇO MARQUES, 8 DE SETEMBRO DE 1974

Filed under: Daniel Roxo - combatente, Emissão do RCM 8 Set 1974 — ABM @ 7:07 pm

Enquanto pesquisava alguma informação sobre o Rádio Clube de Moçambique, encontrei no Youtube um vídeo – que pretende homenagear (Francisco) Daniel Roxo, uma figura singular da guerra colonial em Moçambique – contendo uma gravação de cerca de 42 minutos, de parte da emissão feita a 8 de Setembro, a partir do estúdios em Lourenço Marques do Rádio Clube aquando “daquilo” do 7 de Setembro em 1974.

Eu tinha 14 anos de idade quando tudo isto aconteceu e não estive em Moçambique entre Junho e a noite de 8 de Setembro, quando regressei num vôo da TAP de Lisboa, não sabendo quando embarquei em Lisboa, rigorosamente nada de nada – nem dos Acordos de Lusaka e muito menos da tomada da estação de rádio. No check-in da TAP em Lisboa apenas diziam que haviam “problemas técnicos” no Aeroporto de Lourenço Marques e que não era garantido que pudéssemos aterrar. Soube apenas ao início da manhã seguinte, quando o Boeing 707 fez uma escala em Luanda e os jornais locais – que nos foram facultados na Sala VIP, para onde os passageiros foram encaminhados, dedicavam as suas primeiras páginas ao assunto.

Eu nem queria acreditar. Meu Deus, o que era aquilo.

Em Lourenço Marques, sózinha, a minha Mãe esperava-me no aeroporto, com um ar extremamente preocupado. O meu Pai estava em Nampula para um jogo de uma equipa de futebol que ele treinava e só regressaria dali a dois dias. Em casa, o velho rádio da sala rádio estava ligado para a emissão do RCM e foi aí ouvi mais ou menos aquilo que se ouve nesta gravação: uma salada russa de tudo e nada, música de toda a espécie, o hino português de dez em dez minutos, avisos e notificações e mensagens avulsas.

Sendo por natureza avesso a confusões, durante todo o episódio do 7 de Setembro fiquei fechado em casa na Polana com a minha Mãe e duas das minhas irmãs.

Na altura, não conhecia nenhuma das personalidades associadas a esta espécie de choque e espasmo final da constatação da entrega sumária de Moçambique aos representantes da Frelimo, sobre a qual praticamente eu não sabia nada. Tinha uma vaga noção de Daniel Roxo. De resto, nada. Apenas uns meses antes tinha acontecido o 25 de Abril em Portugal e só aí é que se começou a falar de fascismo, ditadura, da Pide, e do colonialismo, que obviamente acabara, faltando os formalismos. Nem sequer sabia o que queria dizer “democracia”.

A maior parte dos envolvidos saíu de Moçambique imediatamente após o fim do episódio. Mas mesmo assim durante uns tempos houve na Cidade uma caçada ao homem.

A emissão, que penso que só serviu para irritar mais Samora e os seus colaboradores em Lusaka, deve ter durado cerca de três dias, após o que o comando da estação foi entregue a pessoas simpatizantes da Frelimo e afectas ao que estava para vir (o governo de Moçambique foi entregue à Frelimo na tarde do dia 20 de Setembro de 1974).

No espaço de quatro meses e meio, Moçambique passou de uma ditadura colonial portuguesa para uma ditadura marxista-leninista da Frelimo. Enfim.

Não tendo as aulas no liceu começado naquela semana, como de costume, passei os dias seguintes em casa a ler e no Desportivo. Nos jornais, na Tempo, e no Rádio Clube, quase subitamente, só se contavam as maravilhas da Frelimo. Nas ruas, os residentes da Cidade preparavam as malas para se irem embora.

A emissão, gentilmente publicada por UTW:

22/08/2023

MÁRIO CRESPO, ENTREVISTA EM JANEIRO DE 2010

Imagens retocadas, retiradas com vénia do magnífico arquivo de Moçambique para Todos, contendo uma entrevista conduzida por Ana Cristina Câmara e Vitor Raínho, com fotos de Raquel Wise e publicada na Revista Tabú no dia 15 de Janeiro de 2010.

Mário Crespo, que cresceu em Moçambique, foi de longe o melhor anchor que a televisão portuguesa teve até hoje. Em todo o seu percurso, e desde que saíu, em circunstâncias rocambolescas, da SIC, em 2014, tem sido gritantemente insubstituível. Para além de ter a formação, o conhecimento, a independência, a atitude e a experiência, tem-nos no sítio, o que, juntamente com uma presença e postura suave e quase fleugmática, o tornava único – diria agora que grande demais para a pequenês mental de uma elite dominante, centenária e estruturalmente corrupta, sediada em Lisboa, que, desde 1500, sobrevive de favores, discretamente emanados então do poder régio, e agora de quem controla os governos e o parlamento. Dantes eram os esquemas do Império, agora são os esquemas do erário, as adjudicações aos amigos dos recursos e dos favores e dos subsídios nacionais e europeus. Sempre uma cleptocracia bem falante, especiamente no perjúrio e a tepidez aparentemente benevolente de uma democracia falida, agora com a relativa novidade da usúria fiscal dos cidadãos em troca de migalhas.

Foi em 2010, num momento de tempestuosa evidência desta patente, corrupta falência moral e social (e económica) que o Mário, que na altura nos servia o ignóbil quotidiano em doses cuidadosamente preparadas, deu a notável entrevista que reproduzo em baixo. Foi quando, num acto de infâmia governativa, o até agora nem sequer julgado José Sócrates, com uma arrogância pesporrente sem precedentes, com o beneplácito do seu partido político, o PS (nisso coadjuvado pelo seu engenhoso sucessor, António Costa), levou Portugal à sua terceira falência desde 1974. Pelo meio, tentava controlar a imprensa, meter-se na cama com Ricardo Salgado, controlar o BCP e a CGD com o surreal Comendador Berardo e a sua Colecção. O sisudo Aníbal Cavaco Silva a tudo presidir, efectivamente assobiando para o lado e a populaça inerte e passiva a assistir. Tudo foi mau demais e a factura apresentada aos contribuintes, foi – é -gigantesca.

Mas, então, sempre tínhamos o Mário para nos dar com uns laivos de sanidade o relato desta chafurdice. Agora, temos um dócil jornalismo de Bloco Central, especialmente nas RTPês, com muita tolerância, muito relativismo, muito paleio e muito pouca parra, os jornais falidos e pouco afeitos a investigar e a apontar o dedo. Felizmente a Judiciária ainda tem uns valentes que de vez em quando se rendem às evidências e às denúncias de uns tantos cidadãos, mais motivados pela inveja que pela indignação.

No fim do dia, colectivamente,nada aprendemos, quase tudo perdoamos e tudo esquecemos, na procura permanente por mais um subsídiozinho, um favorzinho, uma vidinha um nadinha melhor. Sem qualquer sucesso, claro, pois a Elite domina sempre, independentemente dos pinos que o regime dê. Sugerimos por fim aos nossos filhos que estudem, que emigrem daqui para fora e que esqueçam esta espécie de failed state socialista, enquanto hordes de indianos e paquistaneses e brasileiros, bastando para tal falsificar uma declaração no sítio do SEF, buscam aqui uma dúbia melhoria às suas ainda mais miseráveis existências lá onde viviam. Sendo “racista” e portanto criminalizável, derivar críticas ao fenómeno migratório, justificado pela necessidade de manter a receita fiscal e balançar os que entram com os que saem.

Mário certamente explicaria isto tudo melhor do que ninguém.

A entrevista:

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03/08/2023

COMO SÃO OS NORTE-AMERICANOS, 1985

Filed under: Como são os Americanos 1985 — ABM @ 5:35 pm

Imagem retocada e colorida.

Graças à Frelimo (e a mim) vivi nos EUA durante 14 anos seguidos, entre 1977 e 1990, onde aprendi umas coisas, tirei dois cursos universitários e trabalhei muito. Por ser branco, os americanos não me consideravam africano (que naturalmente, sou).

Outro dia estava a arrumar umas caixas de documentos velhos (estou a chegar à idade em que tem que ser) e encontrei um velho recorte que fiz, do The New York Times de segunda-feira, 15 de Abril de 1985, que reproduzo em baixo, contendo um excerpto do Manual de Orientação Pré-Partida para Estudantes e Académicos que Tencionam Estudar nos Estados Unidos, publicado pelo Gabinete de Assuntos Culturais e Educacionais da Agência de Informação dos Estados Unidos.

Os sete elementos destacados como distinguindo os americanos de outros povos: 1) Os norte-americanos auto-designam-se “americanos”; 2) tendem a ser muito informais; 3) são competitivos regra geral; 4) gostam de concretizar e constantemente medem os graus de concretização e os recordes; 5) regra geral fazem muitas perguntas a pessoas que não conhecem, algumas parecendo intrusivas; 6) valorizam a pontualidade, tentam ser eficientes e procuram concretizar o mais possível; e 7) odeiam o silêncio, preferindo falar de totais banalidades que tolerar o silêncio numa conversa. Eu adicionaria mais alguns, de que destaco A) a crença de que a América é de longe o melhor país do Mundo e Arredores (com a sugestão subreptícia de que todos os outros são shithole countries, mesmo nunca tendo viajado para fora do país), B) a veneração e o amor ao Almighty Dollar, tipo se tens dinheiro (e seguro de saúde) tens quase tudo; C) a falta alarmante de cultura geral da população – que contrasta com o conhecimento mais profundo daquilo que sabem para ganhar dinheiro, que tende a ser a única coisa que sabem; D) a mania que os americanos têm todos direitos e liberdades e que vivem numa grande e verdadeira democracia (não têm e não vivem) e que o resto do mundo é mais ou menos repúblicas das bananas e ditaduras comunistas; E) a crença que o povo é que manda e se algo correr mal, estão todos armados até aos dentes e resistirão ao governo “ilegal” ao tiro (ah ah); e F) a crença que o Sonho Americano de uma vida boa e decente ainda existe e que é realizável.

I like to be in America

02/08/2023

SAMORA COM TODOR JIVKOV DURANTE VISITA À BULGÁRIA, DEZEMBRO DE 1974

Filed under: Samora com Todor Jivkov 1974 — ABM @ 11:09 pm

Imagem retocada e colorida.

O desdenho de Samora e da cúpula da sua organização pelos futuros ex-colonos. que dominavam a economia, traduz-se bem pelas suas prioridades e pelo facto de, apesar de os militares portugueses terem entregado o poder ao seu movimento guerrilheiro comunista numa bandeja em Lourenço Marques na tarde do dia 20 de Setembro de 1974, ele só entrar na capital moçambicana depois de uma “marcha” (penso que copiando as épicas “marchas invasoras” de pessoas como a do Mussolini sobre Roma e a do Marechal Gomes da Costa sobre Lisboa – se bem que mais provavelmente a de Fidel Castro sobre Havana) escassos dias antes da cerimónia formal no Estádio Salazar, marcada para as zero horas do dia do 13º aniversário da escritura de constituição do movimento, lá em Dar.

No amanhecer da independência, mais depressa viajou a sítios exóticos e distantes tais como … a República Popular da Bulgária, onde foi recebido pelo chefão local, Todor Jivkov, com honras de Estado.

Todor Jivkov, Primeiro Secretário do Comité Central do Partido Comunista da Bulgária e Presidente do Conselho de Estado da República Popular da Bulgária, à esquerda, sentado frente a Samora, que liderava uma delegação da Frel para se discutir a “cooperação” enquanto que, mais a Sul, a economia de Moçambique se esfumava a olho nú. A senhora no meio é possivelmente a tradutora. Em Sófia, a capital búlgara, Dezembro de 1974. Será que ali à esquerda de pé é o Kok?

Para combater em Moçambique nos anos 60, a Frelimo buscou o apoio de uma série de países, quase todos ditaduras comunistas de partido único afiliadas com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e a República Popular da China. E a regra de ouro nos anos por volta da independência é que país que ajudou na Luta de Libertação valia por dois. É o caso com a (felizmente já extinta) República Democrática Alemã e a República Popular da Bulgária. Ainda por cima ambos membros da incongruente e inconsequente mas badalada – e, logo, cobiçada, para quem não estivesse dentro dos detalhes – COMECON, uma versão rasca e falsa da União Europeia mas para ditaduras comunistas europeias.

Na cabeça de Samora, ainda por cima, a Bulgária já tinha sido também colonizada (primeiro pelos otomanos e depois pelos alemães) e portanto “compreendiam” melhor os dilemas e desafios dos moçambicanos traumatizados por nada menos que cinco séculos seguidos de sevícias. Ah pois.

Pessoalmente, acho que não era bem isso. Todor Jivkov, surgido tardiamente e que para os padrões comunistas até era um gajo porreiro (prendia pouco, matava menos e roubava quase nada, o que, curiosamente, lembra o Professor Salazar) basicamente estava mais preocupado com o seu país e os interesses do seu país, que entendia como 1) ser mais papista que o Papa em termos de uma subserviência militante à URSS mas 2) ao mesmo tempo manter uma agenda própria (aquela dele comprar petróleo aos russos de borla, refiná-lo e depois vendê-lo à Europa Ocidental a preços de mercado era genial). Os interesses búlgaros prendiam-se muito mais com a economia e com a situação geopolítica regional, que sempre foi muito complicada. Esta coisa do internacionalismo búlgaro de apoiar os movimentos de libertação, especialmente os da África longínqua, onde a Bulgária tinha mais ou menos zero de interesses, era basicamente um frete encapotado aos russos, era boas relações públicas, relativamente barato e até dava para uns minutinhos no telejornal.

No fundo, para os búlgaros, era uma distracção.

Samora, Marcelino e os seus acólitos eventualmente descobririam isso. Apesar de Samora ainda em 1980 dizer na cara de Jivkov orgulhar-se de ter feito Moçambique passar de colonialismo abjecto para um estado marxista-leninista “científico” e portanto precisar de ajuda para tudo e mais alguma coisa (ah ah – Todor deve ter tido uma dôr de estômago de ouvir estas e outras), a ajuda gratuita (“cooperação”, no doblespeak moçambicano) cedo começou a escassear. Quanto a ajuda militar, quando dantes incluia umas minazitas, umas AK’s e uns rockets, pois ambos os lados faziam uma guerra o mais barato possível, agora os frels queriam sistemas anti-aéreos, MIGs e tanques. Pois, nem pensar nisso. E em 1981, perante a petição algo delirante de Samora de Moçambique aderir à COMECON, alguém lá teve que ir ao palácio dizer-lhe que nem sequer pensasse nisso.

Os RDA’s basicamente tiveram a mesma reacção, mas no modelo germânico. À pala da “cooperação”, inventaram os Madgermanes, uma versão surreal dos Magaíças em que a diferença era que ao menos os portugueses colonialistas pagavam aproximadamente o que lhes deviam e as minas do Witwatersrand eram ali mesmo ao lado, onde não nevava muito.

Samora, que viveria até Outubro de 1986, rendeu-se à realidade de que dos “amigos de peito” da Libertação nada viria e, perante os desafios que enfrentava, deu uma volta contorcionista de 180 graus e passou a lidar directamente com os putativos arqui-inimigos, a vizinha África do Sul de PW e os EUA de Reagan e Chester.

Na Bulgária, Todor, que em 1979 receberia do governo “socialista” de Lisboa da altura um Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique (o Infante deve ter-se virado na tumba) sobreviveria precisamente até à semana após o dia em que o Muro caíu em Berlim em Novembro de 1989. Ainda o chatearam um bocado lá em Sófia mas no fim de cinco processos judiciais foi inocentado de quaisquer crimes e viveu mais ou menos em paz até morrer em 5 de Agosto de 1998. Metade dos políticos búlgaros eram todos ex-comunas que ele conhecia – um primeiro-ministro tinha sido seu segurança -e afinal de contas eram todos democratas socialistas. A Bulgária, que é um pouco maior que Portugal e com dois terços da sua populaçáo (6.5 milhões) é hoje membro da União Europeia, da NATO e com um nível de vida que, dentro de uns anos, a continuar o socialismo cha-cha-cha do Costa, superará o português.

A memória das visitas de Samora já é distante e algo distópica.

30/07/2023

ANTÓNIO RITA FERREIRA, ANOS 40

Imagem retocada e colorida.

Tive a sorte de conhecer relativamente bem Rita Ferreira, que foi meu vizinho na Rua dos Aviadores em Lourenço Marques nos anos 70 (mudou-se de uma velha casa junto do Hotel Cardoso para o 1º andar vagado pelos Picolos quando eles se mudaram para o Bairro do Triunfo) e, décadas depois, em Cascais (uma casa em Bicesse), até falecer. Tinha a mulher e três filhos. O mais novo, que eu conhecia por ser da minha idade, como a mulher, morreu anos antes dele. Na segunda fase do nosso convívio, em Portugal, falávamos durante horas e horas em pessoa e ao telefone sobre as suas experiências de Moçambique e trocávamos documentos. Era um prazer, e nada mau, tendo em conta que ele basicamente não aturava quase mais ninguém, incluindo a pequena procissão de pesquisadores que regularmente lhe iam bater à porta com dúvidas existenciais.

Rita Ferreira nos primórdios. O seu primeiro emprego foi servir a administração colonial junto da corte dos reis do Barué. Outros tempos.

Esboço Biográfico

(texto de base da Enciclopédia Verbo Luso Brasileira de Cultura, Ed. Século XXI, volume 25, pesadamente editado por mim)

Rita Ferreira foi mais conhecido por ter sido um investigador em Ciências Sociais.

Apesar de nascido na obscura localidade portuguesa de Mata de Lobos em 14 de Novembro de 1922, foi levado para Moçambique ainda bebé e ali viveu mais de meio século.

Completou o ensino secundário em Lourenço Marques e, anos mais tarde, fez Estudos Bantos na Universidade de Pretória.

A sua carreira foi feita quase integralmente nos Serviços da Administração Civil de Moçambique colonial, atingindo a categoria de Administrador de Circunscrição. Em 1963, transitou, como primeiro assistente, para o Instituto do Trabalho em Lourenço Marques. Em 1971, foi chefe de Serviços no Centro de Informação e Turismo, onde ascenderia a técnico-director, e, já depois da Independência, a director.

Quando para tal foi instado pela Frelimo, manteria a nacionalidade portuguesa por (obviamente) podê-lo fazer e por ter algumas dúvidas quanto às intenções do novo regime.

Simultaneamente, por solicitação do então Reitor, leccionou, na Universidade Eduardo Mondlane (a ex-Universidade de Lourenço Marques de Veiga Simão. Na altura havia muitas “ex”), a cadeira de História Pré-Colonial, entre 1975 e 1977.

Em 1977, na sequência de um incidente gratuito movido pelas autoridades moçambicanas, saíu de Moçambique e radicou-se em Cascais, Portugal, onde se reformou do funcionalismo público e viveria o resto da vida. Na altura só havia dois que se lhe comparavam, um era Gerhard Liesegang, o outro talvez o Capela.

Paralelamente às suas ocupações profissionais e aproveitando as oportunidades surgidas, desenvolveu notável actividade nos domínios da Antropologia e da Sociologia. Além de participar em encontros e congressos nacionais e internacionais, publicou numerosos artigos e recensões em periódicos especializados, avultando as centenas de editoriais publicados (1963-1972) nos principais jornais diários, onde, entre outros temas, alertou para a gravidade das carências que afectavam a maior parte das comunidades rurais e tribais espalhadas pelo território moçambicano. Em 1972, a convite de várias universidades norte-americanas, visitou os respectivos Centros de Estudos Africanos, onde proferiu palestras e participou em debates.

Destacou-se, igualmente, pela sua participação, entre 1983 e 1988, no projeto de microfilmagem de variada documentação sobre Moçambique existente nos arquivos portugueses (onde estava tudo a monte em caixas desorganizadas como não podia deixar de ser), organizado pelo Arquivo Histórico de Moçambique, pago se não me engano pelos (?) suecos, e que tornaria acessível aos estudiosos moçambicanos uma inestimável parte da história daquele país.

O seu último trabalho, publicado em edição de autor em 2012, intitula-se “Colectânea de documentos, notas soltas e ensaios inéditos para a História de Moçambique”.

Apesar de não ser um académico profissional, e talvez por isso, foi uma mente independente. Tal como resistira às pressões do então regime e academia portugueses para justificar e “dourar a pílula” colonial em Moçambique, mais tarde resistiria às modas “progressivas” esquerdistas, marxizantes, invariavelmente re-interpretativas de muita da realidade moçambicana. Merecendo por isso duplas felicitações.

Morreu em Cascais no dia 20 de abril de 2014.

O seu espólio encontra-se espalhado em vários locais, entre universidades e colectâneas como a Casa Comum. Um seu filho mantém um sítio na internet. O que é uma pena, pois aquilo tudo é, como muito do que envolve a história de Moçambique, uma lixeira sem nexo que desmerece a pessoa. Mas suponho que é melhor do que nada.

Foi galardoado, por três vezes, pela Academia. de Ciências de Lisboa.

13/07/2023

A ERA DO REPOLHO E DO CARAPAU

Filed under: A Era do Repolho e do Carapau — ABM @ 5:09 pm

Imagens retocadas.

Quando visitei Moçambique pela primeira vez em fins de Novembro de 1984, impressionou a mudança desde os tempos pré-independência. Não havia carros nas estradas. Fui desaconselhado a ir até à Costa do Sol por causa dos “bandidos armados”. Praticamente não havia nada para fazer nem nada para se vender nas lojas. Passeei a pé.

A única coisa que comprei naquela viagem (só mesmo quem tem costela moçambicana é que se lembrava naquela altura de viajar de Nova Iorque para Maputo … de férias) foi um maço de postais velhos do Santos Rufino, a um velhote monhé, acho que na Travessa da Boa Morte, que era o que ele tinha. Sentado à porta da sua modesta loja, ele, simpático, lamentava-se num português que devia ser a terceira língua: “no tempo dos portugueses havia pão. No tempo dos portugueses havia galinha. No tempo dos portugueses havia camarão. No tempo dos portugueses havia carne. E agora não há nada”. E por aí adiante. Eu calado. Dei-lhe cinco dólares, o que o deliciou e deu nuns cinco cêntimos por postal. Eles hoje valem dez dólares cada um.

Praticamente não havia comida.

Quer dizer, haver havia. Mas não à venda.

A procura de comida, a entrada nos esquemas mais elaborados de identificação e troca de alimentos era praticamente uma ocupação. As pessoas gastavam parte considerável do seu quotidiano neste processo.

Os mais afortunados tinham dólares ou randes, ou algo com que trocar. Trocava fruta por pão, pão por leite, leite por café, arroz por camarões, etc etc.

Imagino que havia muitos que passavam fome. com F grande.

Uma vez fui comer ao Mini-Golfe, que, curiosamente, estava aberto. Nessa noite não estava lá quase ninguém. No menu anunciavam sopa de legumes e arroz à valenciana. Era o prato do dia e era o que havia. Os preços eram irrisórios para quem vinha de Nova Iorque. Até ver o que serviram. A “sopa de legumes” era um caldo amarelado transparente com duas rodelas de cenoura e uma folha de repolho. O “arroz à valenciana” era um arroz branco tipo pedra, com uma rodela de chouriço mais duas rodelas de….cenoura.

Mais divertido foi a visita ao Hotel Polana, que mais parecia um hotel zombie. Na zona da piscina, onde fui pela primeira vez na vida (antes da independência nunca lá tinha entrado), sentei-me numa mesa pequena. Dali a nada aparece um homem, de fato branco imprecável, se um pouco gasto, com botões dourados, para me servir. Começou a falar inglês mas interrompi-o: “eu falo português”. Silêncio. Entregou-me o menu que me pareceu impresso ainda no tempo colonial, com tudo e mais alguma coisa. Pedi uma sandes e uma coca-cola. “Não tem”. Para fazer uma longa história curta, depois de perguntar se havia isto ou aquilo, enquanto que respondia que não havia, ele no fim lá disse que o hotel tinha apenas uns amendoins e uma club soda, que era tudo o que tinham.

Não estivesse Moçambique a entrar na fase comunista, e dado o colapso do que havia antes, a Frelimo criou o…… Gabinete de Organização do Abastecimento da Cidade de Maputo. Que organizavam um esquema de distribuição de um cabaz básico pela população a preços suponho que mais acessíveis.

Anúncio do Notícias de Maputo, 25 de Abril de 1986, a detalhar o que é que estaria disponível para os residentes da Cidade no mês de Maio de 1986. Nos locais designados, as pessoas iam lá comprar os bens. Para além deste sistema, em que que as pessoas tinham uma cédula penso que emitida pelos célebres Grupos Dinamizadores da zona que as habilitava a aceder a estes bens (que nem sempre havia, mesmo quando anunciado). Havia ainda umas lojas dos funcionários públicos e a famosa Loja Franca, essencialmente para os poucos estrangeiros ali residentes e os que tinham acesso a dólares e randes. E depois havia alguma candonga para os que iam a Nelspruit – enquanto a fronteira esteve aberta.

Para muitos moçambicanos da Cidade, especialmente o punhado de brancos, a chamada Era do Repolho e do Carapau, que deve ter durado entre 77 e 92 (sujeito a revisão) é quase vista com saudade e referida como uma medalha na lapela. Para além de ser um tempo simples em que os convívios eram uns em casa dos outros a ouvir discos do Neil Diamond, ir à praia estar com os amigos, ler os livros que havia e, a partir do final dos anos 80, o ocasional vídeo americano do Rambo traficado habitualmente por alguém que conhecia alguém duma embaixada, há algo que não tem palavras e que credencia (para esses) que é o efeito de fuçar na desgraça com todos os outros: passar fome, estar na bicha, sofrer como os outros. Especialmente os brancos e estrangeiros, que basicamente a qualquer altura podiam-se meter num avião e bazar dali para fora. A lógica é que se ficaram e passaram por aquilo tudo, é porque são mesmo Moçambicanos. Não sei até que ponto isto convenceu os 99.79% da população negra (a mim não convence) mas esta era a lógica, que ouvi ser enunciada mais do que uma vez. Só quando o Dr. Mário Machungo lá convenceu os bosses da Frelimo que aquilo estava tudo a cair ao mar e era insustentável, é que começou a muito lenta evolução para o actual regime, que, dizem os analistas, é ainda mais ou menos de partido único mas com laivos de capitalismo selvagem com muita corrupção, compadrio e esquemas. E muita, muita ajuda de países doadores, a que chamam “cooperação”.

Mas ao menos agora já se vê comida nas prateleiras das lojas. É preciso é ter o dinheiro para a pagar.

As pilhas no cabaz lá em cima eram para usar nos Xiricos, uns rádios como o de cima e um dos projectos da Frelimo. Os aparelhos eram montados na Fábrica de Aparelhos Electrónicos da Electromoc EE, a partir de partes importadas da Stern Radio, da Alemanha comunista. Presumo que para se ouvir os discursos do Samora e as emissões da Rádio Moçambique. Hoje são uma raridade.

MANUEL CHANG JÁ ESTÁ EM NOVA IORQUE PARA SER JULGADO

Imagem retocada.

A acreditar a informação transmitida pelo sítio Flightradar24, o avião que saiu ontem de Johannesburgo, levando Manuel Chang para ser julgado num tribunal local, já chegou a território norte-americano. A viagem da aeronave N708JH do Departamento de Justiça voou primeiro do aeroporto de Lanséria para um aeroporto situado perto de Casablanca, no Reino de Marrocos, de onde seguiu depois para Nova Iorque.

Imagem indicando o percurso de 5808 quilómetros do Gulfstream G550, com a duração de sete horas e seis minutos, entre Marrocos e a Cidade de Nova Iorque, levando Manuel Chang. A primeira parte do percurso, entre Johannesburgo e Marrocos, efectuou-se durante todo o dia de ontem, 12 de Julho.

Ontem, o sítio da conceituada Deustche Welle , citando em parte um trabalho da Agência Lusa, fez assim um ponto da situação (ligeiramente editado por mim):

(início)

O antigo ministro das Finanças de Moçambique Manuel Chang foi entregue hoje de manhã a agentes policiais norte-americanos em Johannesburgo e extraditado em jacto particular para os Estados Unidos da América (EUA).

“O Ministério da Justiça pode confirmar que o senhor Manuel Chang foi entregue às agências da lei dos Estados Unidos da América, onde se espera que seja julgado por uma variedade de assuntos relacionados com fraude, entre outros”, avançou à Lusa Chrispin Phiri, porta-voz do ministro da Justiça da África do Sul.

“O senhor Chang saiu do país esta manhã”, adiantou o porta-voz ministerial sul-africano. Chang foi entregue às autoridades norte-americanas no Aeroporto Internacional de Lanseria, arredores de Joanesburgo, de onde saiu do país cerca das 10:30 (hora local).

O ex-governante moçambicano foi transportado em avião particular do Governo norte-americano por agentes do FBI, unidade policial do Departamento de Justiça dos EUA, que no passado sábado se deslocaram à África do Sul para efectivar o processo de extradição.

Questionado sobre o atraso verificado na extradição do antigo ministro, Chrispin Phiri salientou que o atraso se deveu a questões burocráticas. “Houve algumas questões administrativas que tiveram de ser esclarecidas, e estamos satisfeitos que foram esclarecidas rapidamente entre nós e as autoridades dos Estados Unidos para permitir a execução do processo de extradição”, declarou à Lusa.

“Não temos sentimentos pessoais sobre o assunto, o importante é que esgotamos as nossas obrigações legais e, de facto, é importante que a Justiça seja feita, não importa onde, acreditamos que, de facto, no que nos diz respeito, realmente dedicamo-nos ao processo de extradição e uma decisão final foi tomada pelos tribunais e respeitamos o Estado de direito e a decisão dos nossos tribunais”, frisou ainda Chrispin Phiri.

A ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação moçambicana, Verónica Macamo, lamentou ontem (11.07) a extradição de Manuel Chang para os EUA, assinalando que o país africano pode ter sido “lesado” pelo antigo governante no caso das dívidas ocultas.

“Se houve alguma coisa [feita por Manuel Chang] no sentido de lesar a pátria, foi aqui”, afirmou Verónica Macamo.

Assinalando que o Estado moçambicano tentou a extradição do antigo ministro das Finanças para a sua jurisdição, Macamo sublinhou que a decisão da justiça sul-africana de entregar Manuel Chang aos EUA deve ser respeitada, porque se trata de um exercício de soberania dos Estados.

“Vingou o que vingou”, enfatizou, referindo-se à decisão da justiça da África do Sul, onde Chang, de 63 anos, estava detido desde dezembro de 2018.

Julgamento em Nova Iorque

Manuel Chang, que foi ministro das Finanças de Moçambique entre 2005 e 2015, vai responder perante a Justiça norte-americana num tribunal em Nova Iorque, pelo seu alegado envolvimento no escândalo das dívidas ocultas do Estado moçambicano, calculadas em 2,7 mil milhões de dólares (2,5 mil milhões de euros), após quase cinco anos detido numa prisão nos arredores de Johannesburgo.

As autoridades norte-americanas alegam que o antigo governante conspirou com banqueiros do Credit Suisse e certos promotores internacionais para endividar o país em projetos marítimos, como a compra de uma frota contra a pirataria marítima, e barcos para a pesca de atum, que acabaram por nunca se concretizar.

Moçambique contraiu empréstimos de quase 2 mil milhões de dólares (1,8 mil milhões de euros) para projetos marítimos, mas não os reportou aos parceiros internacionais nem os refletiu nas contas públicas, e quando não pagou as prestações, isso desencadeou um ‘default’ que atirou o país para uma crise económica e financeira.

(fim)

Em Londres, por outro lado, prossegue um outro processo legal sobre vários aspectos relacionados com este assunto.

Vamos a ver qual será o efeito dos esforços dos moçambicanos para atrasar esta extradição, que durou cinco anos e custou uma verdadeira fortuna. Para já, assegurou que Jacinto Filipe Nyusi tenha atravessado o seu segundo mandato sem os eventuais impactos de declarações possivelmente comprometedoras por parte do antigo ministro de Armando Emílio Guebuza.

Chang, agora com 63 anos de idade, é acusado de ter recebido 17 milhões de dólares de luvas, relacionados com o processo, que causou uma crise financeira em Moçambique na altura, após a retirada de apoio do Fundo Monetário Internacional e de vários doadores. Em 2021, o banco Credit Suisse, que promoveu os empréstimos e que recentemente enfrentou a insolvência e foi absorvido pelo UBS, pagou às autoridades norte-americanas 475 milhões de dólares em multas pelo seu envolvimento no esquema, que indirectamente entrava na sua jurisdição e violava normativos dos Estados Unidos. Em Moçambique, onde apressadamente se desencadeou um mega-processo sobre as que se chamam em Moçambique “as dívidas ocultas” (em parte para credibilizar a afirmação, pelas autoridades moçambicanas, de que Chang seria devidamente julgado se fosse levado para Maputo, o que muitos analistas duvidavam) um filho de Guebuza, Ndambi, apanhou 12 anos de cadeia por ter recebido 33 milhões de dólares na corrupção associada ao esquema.

12/07/2023

MANUEL CHANG A CAMINHO DOS ESTADOS UNIDOS

Imagens retocadas.

Após anos a fio de peripécias depois de apanhado na curva quando tentava viajar para o Médio Oriente, Manuel Chang, ex-ministro das Finanças de Moçambique durante os memoráveis mandatos de Armando Emílio Guebuza, está sob a custódia da justiça norte-americana e a caminho dos Estados Unidos da América, país onde, inesperadamente, o Wall Street Journal primeiro publicou um artigo a detalhar um esquema para defraudar o erário moçambicano em mais que dois mil milhões de dólares e que parecia envolver os mais altos representantes do governo de Moçambique.

Manuel Chang, supostamente, está no centro do esquema.
O trajecto do N798JH do Ministério da Justiça norte-americano, alegadamente levando Manuel Chang para os EUA, proveniente de Johannesburgo, atravessando território angolano, cerca das 10:46 horas de hoje, 12 de Julho de 2023.
Três dos envolvidos no esquema, do lado do agora inexistente banco suíço que operacionalizou um conjunto de “empréstimos soberanos” que foram parar a contas privadas presumivelmente no Médio Oriente.
Armando Emílio Guebuza, um dos históricos da Frelimo e sucessor de Joaquim Chissano como terceiro presidente de Moçambique, recordado por alguns como o pai do 24/20 . Dolorosamente, a justiça moçambicana prendeu, julgou e condenou praticamente toda a gente à volta de Guebuza menos ele, Nyusi e Chang. Até o filho e a secretária foram dentro num julgamento surreal conduzido em Maputo. Mas o dinheiro continua por encontrar.
Filipe Jacinto Nyusi, actual presidente de Moçambique e no final do segundo (e supostamente) último mandato. Engenheiro, fez uma carreira relativamente obscura nos CFM até Guebuza o ir lá buscar e colocá-lo na linha como o seu sucessor, já a fraude tinha ocorrido. A fraude originou no seu então ministério, envolvendo altos funcionários das secretas. Até agora, intocável.

10/07/2023

OS COMPROMETIDOS, 1982

Filed under: Os Comprometidos 1983 — ABM @ 3:36 pm

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Realmente estar no lado que perdeu um conflito é uma merda.

Não só quem vence é quem tem a indispiciência de poder contar como foi à sua maneira, que inclui decidir quem e portou bem e quem se portou mal, quem é herói e quem é vilão, bem como, assim como fazia César na Roma antiga no Coliseu, indicando à maralha presente com o polegar para cima ou para baixo, decidir quem é poupado e quem deve ser alimentado aos leões.

Ele malhava-lhes e eles adoravam-no.

Imagino que, na sua Marcha para a Vitória, a Frelimo, à semelhança do que diz ter feito a Pide e afins, deve ter “despachado” a sua dose de gente que, por uma ou outra razão, digamos que não se enquadrava. Sabemos que mandaram matar a Joana, o Lázaro, o Uria e a desgraçada da mulher (e mais alguns), porque, talvez insanamente, os líderes da altura, chefiados pelo Grande Estadista Africano, acharam adequado colocar uma espécie de press release no Notícias lá para 1980 – cinco, cinco anos depois da colónia ter deixado de o ser.

Ordem Nº5 da DI para a DB e a BO, indicando que o CPP da Frelimo decidira mandar matar (e já tinha matado) os “traidores” e agora alguém que fizesse um dossier bem espesso e bem elaborado a explicar, para arquivar.

Cinco anos é muito tempo de espera para vagar essa perigosa e mortal inimiga que era a Dra. Joana Simião.

Mas sete anos é muito mais. Em relação ao duplo aniversário fundacional do país e da Frelimo, sete anos coloca-nos em 1982, numa altura em que o País já estava a resvalar seriamente para a guerra civil (sim, nem todos eram empregados do Smith e do Botha) e Samora já começara a perceber que os seus amigos comunistas da Cortina não lhe iam dar nem Migs nem tanques para atravessar o Rio Komáti e libertar os brothers (os mesmos que agoram matam moçambicanos por desporto nos arredores de Johannesburgo). Aliás, era o contrário, e sorte do regime que, por artifício da sua diplomacia e da patente calamidade em curso, mais tarde seria considerado pelos americanos ligeiramente menos chocante que aquilo do apartheid. Em 1982 boa parte do país estava ingerível e a um ano e picos de Samora ter que atravessar a linha em Ressano para ir ao beija-mão a P.W., ele de fato de Marechal das FPLM reluzente e P.W. com o chapéu de ir à pesca. Um ano depois disso entraria pela Casa Branca dentro sorridente a cumprimentar o mais conhecido anti-comunista do Ocidente (“o meu Amigo Reagan!”, “o meu Amigo Reagan!” disse duas vezes). Ronald quase ficou embasbacado, Chester ficou rendido e ali mesmo passou a apostar na Frelimo. Genial.

Portanto, 1982 já era ano de viragem. A União Soviética, que, tal como está a tentar fazer agora com a Ucrânia, em 80 lembrou-se de invadir o Afeganistão, que nunca gostou lá muito de ser invadido apesar de o ter sido já várias vezes, já estava a levar forte e feio no focinho. Portanto o apetite soviético para alimentar conflitos abertos em África que custavam dinheiro e não rendiam nada (ao menos os cubanos em Angola eram pagos em dólares pelo petróleo extraído pelos americanos e cujos poços ajudavam a proteger) mandava sucata.

Sucata não ganha guerras.

No fim do dia, Samora percebeu que as guerras pagam-se e que, efectivamente, estava sózinho. O seu exército, as FPLM, já então era quase tão bom como é hoje. Portanto fez em 84 o que devia ter feito em 74: insultar vibrantemente os boers nas assembleias da ONU e outros fórums mas ter o bom senso de dizer que cada um governa o seu país e respeita o vizinho. Acho que foi o que o Botswana fez desde sempre e ninguém morreu por isso.

Mas a partir de 74 Samora, cheio de sangue na guelra, queria dar o peito às balas. O do seu povo, não o seu. Fâ-lo ao Smith e por um tempo achava que ia fazer o mesmo aos boers, mesmo estando Maputo ali a dois minutos de distância de uma base aérea no Transvaal.

A situação interna sendo digamos que frágil em 82, seria de bom tom abanar a bandeira e buscar reconciliação nacional e reunir forças para o que estava para vir.

Mas o que é que Samora faz? Lembra-se de ir desenterrar os fantasmas dos tempos da Gloriosa Batalha e organiza, no antigo Salão de Festas do Liceu Salazar em Maputo, um mega-evento de vários dias, em que convoca, em grupinhos, o que ele designou por…..”Comprometidos”.

Que de outro modo se chamariam Traidores, mas como traidores são para matar (ver Ordem Number Five lá em cima) e, prontos, para matar aquela gente toda dava trabalho, no mínimo tinham que fingir um processo qualquer legal – sei lá, julgamentos com confissões fabricadas à moda do Stalin dos anos 30 – e no fundo no fundo ele afinal só queria mesmo era humilhar e achincalhar os rapazes um bocadinho (alguém esqueceu-se de os avisar disso), depois de os mandar meter um CV de cada um com fotografia à porta de casa e do emprego a anunciar “eu sou um Comprometido”, mandou todos comparecer no Salão de Festas ao pé do que sobrava do Museu Álvaro de Castro para uma sessão inenarrável, liderada pessoalmente pelo Grande Líder, perante os órgãos máximos do Partido Único, para lhes fazer passar o pêlo pelas brasas.

Tudo filmado pelas câmaras do regime e devidamente fotografado pelo Kok (não vi o Rangel, que é o outro).

E lá meteram na sala aquela desgraçada gente, em grupinhos, todos devidamente identificados por tabuletas: os Informantes da Pide aqui, os Colaboracionistas ali, of Veteranos dos Flechas ao lado, os Veteranos dos GEPs noutro canto (os capitães do Emiéfiá nem sequer tiveram a cortesia, ou a decência, de lhes oferecer passagem para a Metrópole se quisessem). Até tinham uma tabuleta para os “Diversos”, que era para os que eram considerados Comprometidos de alguma forma mas para os quais não arranjaram tabuleta específica. Sei lá, as putas e os desertores.

Aquilo mais parecia uma ária de ópera do Verdi arranjada no Scala (o de Milão, não o de Lourenço Marques) pelo Solnado, aquele grande sábio português que postulou uma vez que uma guerra boa se devia fazer nos dias úteis das 9 às 5. Os visados em pânico contido, à espera do desfecho, proferido pela boca do Supreme Leader.

Samora, que tinha um instinto absolutamente nato para estas encenações públicas, como se pode ver no vídeo em baixo (cortesia do aptamente designado Afromarxista) deu um verdadeiro baile e estava em sua casa. No momento mais dramático, depois de lhes cascar forte e feio, ficou-se por uma exortação à meditação dos pecados por cada um, proclamou a unicidade inquestionável de tudo e todos sob a liderança da Frelimo e no fim mandou-os todos para casa, aliviados, mas onde deviam explicar às famílias, amigos e colegas de trabalho, a natureza do seu “comprometimento” e, presumo, exprimir o seu profundo arrependimento.

Isto sete anos depois dos portugueses, que por maioria de razão foram culpados de tudo e mais alguma coisa, arrumarem as botas e irem-se embora e o seu país estar a descambar.

Pois realmente estar no lado que perdeu um conflito é assim em Moçambique. A guerra nunca acaba e a luta continua sempre.

A Arte de Descompremeter, by Samora Machel, cortesia do Afromarxist. Sugiro que o Exmo. Leitor ignore a senhora que fala inglês.

08/07/2023

AQUI É PORTUGAL – LOURENÇO MARQUES EM 1961

Filed under: Aqui é Portugal - LM em 1961 — ABM @ 10:21 am

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Na sequência dos violentos ataques em Angola em Fevereiro de 1961 que deram o início aos 13 anos que durou a chamada (pelos portugueses) Guerra Colonial, o regime português, uma ditadura de partido único liderada por Salazar desde 1928, embrulhou-se na bandeira e prometeu lutar. A luta inicial seria na região de Luanda e a Norte e parece ter apanhado de surpresa os locais, que reagiram de forma igualmente violenta. Foi uma mortandade para ambos os lados.

Em Moçambique, apesar de já haver algumas movimentações, não havia ainda uma estrutura nem política nem militar de resistência ao regime, que em Lourenço Marques promoveu manifestações de repúdio à violenta insurreição em Angola e reafirmação da Pax Lusitana em África.

Como pano de fundo, nessa altura, já decorria há algum tempo a violetíssima guerra na Argélia contra a soberania francesa e tinha havido graves incidentes associados à independência do Congo Belga. Antes do final do ano, a Índia, sem grande cerimónia, expelia os portugueses da centenária Índia Portuguesa. A África do Sul proclamou-se uma república com o seu apartheid e saiu da Commonwealth. Apesar de cautelosamente, a nova administração norte-americana, liderada por John Fitzgerald Kennedy, a começar a embrenhar-se no Vietname, ensaiava uma tentativa de aliciar Salazar para conduzir Portugal para despachar as suas colónias, o que viria a correr pessimamente. Portugal alojava uma base militar americana nos Açores que era crucial para a estratégia da aliança da NATO para a Europa e Salazar jogou a cartada de ameçar fechá-la se os americanos insistissem na sua pressão quanto a África. Cuba declarou-se comunista e aliada dos Soviéticos, que por sua vez iniciaram a construção do Muro de Berlim.

Ou seja, tudo se complicava rápida e imprevisivelmente.

A residir nos EUA há alguns anos, onde tirou uma licenciatura e um doutoramento, um jovem académico moçambicano, o Dr. Eduardo Mondlane, fazia o seu percurso pessoal, estando na altura, sob o beneplácito do lendário Dr. Ralph Bunche, um advogado e Prémio Nobel da Paz em 1950 (o primeiro negro americano com estas credenciais, muito estranhamente omisso nos esboços biográficos de Mondlane), a trabalhar na Organização das Nações Unidas em Nova Iorque. A administração Kennedy repara em Mondlane e crê que ele poderia desempenhar um papel em Moçambique.

Levaria quase um ano antes que os moçambicanos se organizassem minimamente com um jovem Adelino Gwambe, sob o patrocínio dos nascentes líderes africanos – Kaunda, Nyerere, o rei de Marrocos e Kwame Nkrumah no Ghana. Em França, por onde alguns passaram, discutia-se livremente o tema das descolonizações, o que em Portugal dava cadeia.

A visão de Gwambe basicamente era da necessidade de uma guerra nacionalista racial: pretos contra brancos. Ainda assim, lá admitiram na sua pequena organização um médico branco (basicamente por engano e enquanto Gwambe estava fora de Dar) e depois o que viria a ser a peça-chave para todo o movimento, Marcelino dos Santos, que era mulato e, infelizmente, um comunista com um ódio visceral aos portugueses em geral. Mondlane só viria mais tarde, exortado pelos seus contactos em Moçambique e trazido por Nyerere, que o conhecera numa deslocação a Nova Iorque. A questão racial afligiria o nacionalismo moçambicano nos anos que se seguiram. Foi Nyerere que “forçou” a criação da Frelimo, que operaria no seu país a partir de meados de 1962, já sob a liderança algo relutante do Dr. Mondlane, que não era por natureza violento e que quase fez o pino para tentar dialogar com os portugueses. Mas Salazar achava que isto tudo era passageiro e mais uma tentativa para países estrangeiros roubarem o património “sagrado” dos portugueses e simplesmente ignorou-o.

Tudo desembocaria para uma guerra em três frentes – Guiné, Angola e Moçambique – que duraria um total de 13 anos e acabaria muito mal para toda a gente, especialmente para os nascentes países africanos.

Recorte de um artigo numa revista portuguesa, 6 de Abril de 1961. No passeio em frente à Câmara Municipal de Lourenço Marques, alguém mandaria inscrever no chão calcetado a frase “Aqui é Portugal”. Pois. Ficaria até 1974.

07/07/2023

CINCO ANOS DE INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE: OFENSIVA, GUERRA, METICAL E NADA FUNCIONA

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Achei interessante o vídeo de propaganda da Frelimo (publicado no Iutube pelo Yassin Amuji e reproduzido em baixo) então o único partido em Moçambique, posto cá fora pelo INAC em 2010, com as ferventes intervenções samorianas em defesa do socialismo revolucionário”, nas quais um Samora larger than life , Pai da Nação, acusava tudo e todos pelas suas incapacidades e deficiências, não descurando nenhum – corruptos, vigaristas, putas, preguiçosos, ladrões, sabotadores, porcos, marginais, oportunistas, traficantes. agentes infiltrados e reaccionários, que atentavam contra o Povo (em nome de quem ele e só ele sempre falava, claro).

Na sua narrativa, não era o sistema que ajudou a criar que era uma merda, uma verdadeira obscenidade que não funcionava – eram estes “outros” que estragavam tudo e a vida ao Povo.

1980 foi ano em que Ian Smith foi apeado da Rodésia e o estranho Robert Mugabe ascendeu à liderança da então Rodésia-Zimbabué. Que, a seu tempo, descambaria completamente, especialmente quando Mugabe jogou a cartada racista contra o punhado de brancos que se tinham esquecido de ir embora do seu país.

Em meados do ano, numa vasta operação secreta, em Moçambique, lá se livraram do escudo colonial e introduziram o metical. Dava outro filme mas ninguém fez um. Se me recordo, em Maputo, eu fui o primeiro a escrever sobre isso, com o apoio precioso de um (temeroso) colega do então BCM.

Nos escombros da infra-estrutura colonial abandonada, um caso curioso é o dos Correios de Moçambique, agora extintos e o seu património repartido entre quem pode, que durante décadas, apesar de mal funcionarem, terem feito uma produção de sêlos prodigiosa e completamente rocambolesca. Aqui, um envelope, três selos e um carimbo, assinalando cinco anos de independência nacional.
Filme “motivacional” promovendo Samora e o regime, cerca de 1980.

05/07/2023

CARTAZ DO 1º ANIVERSÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE, 1976

Filed under: Cartaz 1º ano de independência, 1976 — ABM @ 11:03 pm

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O dia que marcou a independência formal de Moçambique em 1975 (pois, na verdade a independência foi no dia 20 de Setembro de 1974) foi inesquecível e a data é, para quem a viveu, alvo das mais vivas recordações, junto daquelas poucas datas em toda a gente se lembrava – no meu caso, o 11 de Setembro, o dia em que o meu pai morreu, o dia em que o Muro de Berlim caíu, etc.

Para alguns a data assinalava o fim da “treva colonial” – tecla que seria tocada infinitamente e que ainda hoje é usada e abusada – enquanto que para outros era o início de uma época em que passaram a ser moçambicanos a gerir o erário e a decidir o futuro do país, para melhor e para pior. O que nem todos estavam à espera era que ao cacique colonial sucederia o cacique local, constituído também em partido único (e ai de quem se atrevesse a desafiá-lo) embalado pela conversa prometedora e largamente incompreensível que soprava dos países da Cortina de Ferro – os tais brancos lá do Norte da Europa que deram as minas e as Akapas, mais os cubanos. Imagine o exmo. Leitor dizer-se a uma populaça essencialmente pobre, rural e analfabeta, que a seguir viria, como se lê no cartaz em baixo, uma “ofensiva política e organizacional generalizada na frente da produção”? wtf?

Mas se fosse só isso. Encontrando-se dona absoluta do país, a Frelimo de 1975 começou rapidamente a cair no mais profundo rabbit hole do comunismo, que pomposamente formalizaria em 1977, não antes de quase tudo nacionalizar, tudo anunciado em vastos comícios de atendimento obrigatório, por via de proclamação pelo Grande e Querido Líder (com direito a cartaz gigante na fachada da ex-Câmara Muncipal) acompanhada da obrigatória salva de palmas universal e entusiástica. Até ao final de 1976, mais que 90% dos brancos fugiram (ou saíram, ou abandonaram) o território, deixando quase tudo o que funcionava na corda bamba, sem, claro, esquecer as belas moradias da Somershield e da Ponta Vermelha, essas que, naturalmente, vieram mesmo a geito.

Mais grave, ainda que moralmente incontestável se se aferirem os Ventos da História, o novo regime achou que poderia fazer aos racistas rodesianos e sul-africanos aquilo que a Frelimo havia feito aos coloniais portugueses durante uma década. Mas já então se sabia que, ainda que ambos regimes tenham assistido quase desportiva e tranquilamente à entrega do poder à Frelimo em Setembro de 1974, um cenário em que Moçambique passasse a constituir um santuário para uma guerrilha contra os boers e os rodesianos, certamente elicitaria uma reacção completamente diferente do que tinha sido aquele jogo do gato e do rato delicodoce das certamente heróicas emboscadas seguidas de fuga para lá do Rovuma e da colocação de minas, lá no Norte, em que as bases da Frelimo funcionavam tranquilamente na Tanzania, que era um recuo seguro.

Portanto quando se pensaria que em 1975 acabava a agora denominada Guerra da Libertação, e começava uma Paz Moçambiana duradoura, e Samora convidou os guerrilheiros de Mugabe e Muzorewa para se instalarem lá no Dondo para lutarem pelo seu (deles) Zimbabué, Uma coluna militar rodesiana num fim de semana foi lá e matou mais gente numa manhã que morreram durante um ou dois anos de guerra colonial.

E esse foi apenas o começo.

01/07/2023

FUTEBOL AO SOL EM LOURENÇO MARQUES, ANOS 60

Filed under: Futebol ao sol em LM anos 60, Manuel Botelho de Melo — ABM @ 1:05 pm

Imagem retocada e colorida.

Estive hoje a retocar e a colorir a foto em baixo (é mais ou menos um hobby que resulta do meu outro hobby, que é ir mantendo este blog) que foi tirada no final dos anos 60 em Lourenço Marques, agora a capital Maputo, no campo de jogos do Ferroviário, durante um jogo em que uma das equipas era o 1º de Maio, cujo treinador na altura era o meu Pai, que aparece à esquerda. Ele adorava futebol, algo que nunca realmente entendi. Tinha oito filhos, emprego, escrevia sobre futebol e passava os fins de semana nos campos. Enfim. Mas a foto revelou-me também algo que eu via e nunca tinha reparado. O Exmo. Leitor olhe para a foto. Atrás, a audiência e quase toda composta por africanos negros. Lourenço Marques tinha vários campos de futebol e quase todos tinham uma orientação em que as balizas estavam alinhadas no sentido norte-sul. Isso significa que as bancadas “longas” estavam alinhadas de tal forma em relação ao sol em que, à tarde, as bancadas a nascente (como a que se vê aqui) levavam com o sol da tarde directamente, enquanto que a bancada a poente ficava na sombra, com o sol por detrás. Os jogos invariavelmente ocorriam à tarde. E onde se sentavam os brancos? na bancada a poente. Ou seja, brancos na sombra, pretos ao sol, duas e três horas. Não me lembro de alguma vez sequer se falar disto e nunca tinha reparado até agora e creio que isto só acontecia isto no futebol, que realmente era o desporto-rei em Moçambique.

Expressão dum apartheid à portuguesa? penso que sim.

Pai Melo à esquerda, de chapéu à Frank Sinatra, no campo de futebol Ferroviário na Baixa de LM, durante um jogo de futebol. Atrás, a bancada a nascente do campo.

25/06/2023

INDEPENDENCE DAY EM MOÇAMBIQUE, 1975-2023

Imagens retocadas.

Uma alegoria do momento da independência em 1975, data escolhida pela Frente de Libertação para nove meses depois da entrega do poder pelos militares libertadores portugueses (20 de Setembro de 1974, em Lourenço Marques) para coincidir com o dia da constituição formal da organização em Dar em 1962, sob os auspícios de Julius Nyerere. O cartaz, que está no Museu da Revolução em Maputo, propriedade privada do agora partido político na prática único (era antiga sede do 1º de Maio), vem com a tónica reverencial do Grande e Dear Leader e Pai da Nação, que Samora aliás parecia apreciar. Na verdade a guerra em si só começaria dois anos e três meses depois, em Cabo Delgado, com minas e emboscadas, depois de chegarem as armas e as primeiras fornadas de guerrilheiros dos países comunistas e afins. Salazar, o Dear Leader português, por sua vez, mantinha a linha do Portugal do Minho até aos confins. A data em 1975 foi inesquecível para todos os que eram de Moçambique (menos os que sabiam o que viria a seguir). O problema foi o Day After, quando se começou a perceber que a independência não fora o fim de um processo e o regresso a alguma normalidade mas o começo de um imenso pesadelo, que, em muitos aspectos, dura até hoje.
Ao início da primeira hora de 25 de Junho de 1975 (uma quarta-feira) o formalismo da passagem de testemunho com o içar da nova bandeira da agora República Popular de Moçambique, no antigo Estádio Salazar na Machava, que era do Clube Ferroviário de Moçambique. Com 15 anos e a estudar num liceu em Coimbra (pensava eu que temporariamente), segui as exéquias pela emissão ao vivo do Rádio Clube, retransmitida pela Emissora Nacional, que era tão má que parecia que vinha de Marte.
Botão alusivo.

18/06/2023

A QUEDA DO AVIÃO PRESIDENCIAL MOÇAMBICANO EM 1986 E OS CANOS DE ESGOTO COM CIMENTO EM MAPUTO

O Tupolev TU-134A estacionado num aeroporto, anos 80, uma versão aproximada do americano DC-9, que serviu como avião para uso exclusivo do presidente de Moçambique até se despenhar na África do Sul, a 150 metros da fronteira de Moçambique, na noite de 19 de Outubro de 1986, matando 35 pessoas, entre elas o Presidente Samora Machel. Foto com copyright do Sr. Aad van der Voet.

Cruzei-me ontem quase por acaso com o sítio “Histórias do Almirante Cloudberg“, quase exclusivamente sobre acidentes aéreos, e que em 3 de Abril de 2021 publicou um interessante relato sobre a queda do avião que transportava o então presidente de Moçambique e a sua comitiva, no regresso de uma viagem à Zâmbia.

Se bem que eu considere que a autoridade em língua portuguesa sobre o assunto seja o João Cabrita, que publicou um longo e detalhado texto sobre o assunto, num contexto em que voavam as mais fascinantes teorias da conspiração em redor do evento, o texto e as imagens de Cloudberg, que é mais uma versão “para burros”, mais sucinta e debruçada sobre o evento em si, é mais acessível e fácil de compreender, se o Exmo. Leitor fôr, como eu, alguém que não domina bem o complexo lado técnico que ajuda a explicar o que aconteceu. Pena é que o texto esteja na língua inglesa.

No essencial, penso que o que Cloudberg conclui alinha com as conclusões de Cabrita: aquilo foi borrada pura e simples da tripulação russa.

Samora Moisés Machel na sua fase de Dear Leader. Considerado carismático e genuinamente adorado pelos que o conheciam e por parte da população, com o apoio da máquina de propaganda do então partido único da ditadura comunista moçambicana, a sua morte inesperada aos 53 anos de idade e as circunstâncias chocaram todos.

Para contextualizar, Cloudberg faz uma resenha rápida e sofrível do que sucedeu em Moçambique antes e depois da queda do avião.

Durante a assinatura do Acordo do Incomáti, numa estreita faixa de terra entre as Vilas de Ressano Garcia e de Komatipoort, 1984. Para os apoiantes de Samora, um acto de coragem e de realismo. Para muitos, uma humilhação e um acto de desespero. A situação militar em seguida piorou e eventualmente faltou pouco para que a Renamo entrasse pela Julius Nyerere adentro. Mas os Boers só queriam ganhar tempo, Chissano e Machungo acabariam com o comunismo formal e os americanos apoiaram a Frelimo. O regime sobrevive até hoje.

Mas até no melhor pano cai a nódoa.

Ao descrever o que eu habitualmente refiro como a Grande Debandada Branca de Moçambique, em que mais que 90 por cento de todos portugueses e brancos que estavam em Moçambique simplesmente abandonaram o território até meados de 1976 (porque podiam e pelos vistos queriam), despojando o país nascente de quase toda a mão-de-obra capacitada, Cloudberg, sem nunca citar fontes, e obviamente com um conhecimento quando muito rasante da realidade moçambicana, faz borrada da grande.

Especificamente, escreveu:

Most of the country’s approximately 250,000 white Portuguese had fled after FRELIMO asked that they either become citizens of Mozambique or leave within 24 hours. Аs in many other newly independent African countries, the fleeing colonizers destroyed as much infrastructure as they could on the way out, driving bulldozers into the sea, plundering factories, and filling the sewers with concrete. To make matters worse, there was no one in Mozambique who could rebuild it: 95% of the population was illiterate, and virtually no one had a college education.

Traduzindo:

“A maior parte dos cerca de 250 mil brancos portugueses fugiram depois de a Frelimo exigir que eles ou se tornassem cidadãos de Moçambique ou abandonassem o país em 24 horas. Tal como aconteceu em muitos outros novos países africanos independentes, os colonos em fuga destruíram tanto quanto puderam a infra-estrutura antes de saírem, metendo tractores e retroescavadoras para dentro do mar, destruindo fábricas e entupindo tubos de saneamento com cimento. Para piorar as coisas, não havia ninguém que pudesse reconstruir: 95 por cento da população era analfabeta e praticamente ninguém tinha um curso universitário”.

Ora, ignorando a inenarrável mas muito popular prática do Guebuza do 24/20 que por acaso aconteceu um pouco mais tarde, já tive uma vez uma breve troca de impressões sobre esta questão recorrente do “colono destruidor” com o Joe Hanlon, um académico velhinho de Londres que de outro modo até faz um trabalho decente a acompanhar as habituais desgraças que vão afligindo aquele país (por exemplo, a roubalheira do BCM, a roubalheira do Banco Austral que culminou com o assassinato do Siba-Siba Macuácua, a roubalheira dos 2 mil milhões pelo Guebuza e agora a roubalheira pré-eleitoral orquestrada pelo Celso para, presume-se, roubar mais uma vez uma eleição – a que vem aí).

Uma vez, mais uma vez mais ou menos a despropósito, o Joseph comentou que os “colonos” antes de saírem, raivosos com o fim do colonialismo, colocaram cimento nos tubos de esgoto dos apartamentos nos prédios de Lourenço Marques. Escrevi-lhe na altura uma nota a perguntar se ele estava lá e viu, ou onde é que ele foi buscar essa história. A sua resposta foi de uma linha: “é o que se dizia em Maputo”.

Ah era o que se dizia em Maputo? essa é que é a fonte fidedigna do historiador Hanlon?

Cloudberg introduz algumas variações neste tema. Primeiro, generalizando. Os colonos destruiram tudo antes de fugirem lá onde estavam nos países independentes em África e portanto em Moçambique foi igual. E juntou à história do cimento nos canos de esgoto a destruição de fábricas e a cena de pegarem nos tractores e Caterpillars e conduzirem-nos para dentro do mar.

Eu próprio li algures, mais do que uma vez, por exemplo, que o inacabado Prédio 4 Estações, que seria o primeiro mega-hotel para o próspero negócio do turismo, eventualmente demolido para um frelo qualquer vender por milhões o terreno depois onde os americanos construiram (finalmente)a sua nova embaixada, não era aproveitável precisamente porque o dono mandara entupir todos os canos com cimento antes de fugir.

O 4 estações era um dos prédios de referência inacabados aquando da independência. Outros eram as Torres Vermelhas, o 33 Andares e vários outros na Cidade. As obras ficaram a meio e foram abandonadas no tosco.

Ora, quem faz estas alegações, especialmente de passagem em textos que nem sequer são sobre este assunto, não as faz inocentemente. Fá-las porque, primeiro, emprenha pelos ouvidos, ou seja, ouve-as ou lê-as e acha que são verdade, mesmo que não encontre as evidências concretas, e depois reproduze-as com o intuito de dar um certo contexto aos relatos. E o contexto é que os coitados dos moçambicanos da Frelimo tiveram que lidar com os efeitos dos colonos maus raivosos que destruiram os seus bens e negócios antes de, presumivelmente, abandonarem o território, sem nada, a maior parte dos quais foram parar aos sítios mais recônditos do planeta, para recomeçarem as suas vidas a partir do zero absoluto.

Obviamente, terão feito isso tudo nas barbas dos guerrilheiros armados da Frelimo e da população, que pelos vistos observou placidamente os actos de destruição.

O problema é que, não obstando terem havido, pelo menos em teoria, situações de sabotagem ou destruição de património detido pelos seus (até então) donos, não só considero tais relatos pouco credíveis, como acredito que, na realidade, e na quase totalidade, a economia a seguir à independência colapsou simplesmente porque as pessoas se foram embora.

Aliás, não foram os únicos. Portugal hoje está pejado de discretos ex-frelos brancos outrora dedicados e fiéis comunas que no fundo da gaveta esconderam o passaporte português e que no fim de uma ou duas décadas desistiram do sonho. Agora votam no Livre e no Bloco e quando têm saudades lêem o Mia.

Ah pois, como os compreendo.

Em 1975-6, a maior parte desta gente, quando confrontada com o que vinha, e decidiu ir-se embora dali, quando muito, levou a tralha das suas casas em contentores, cujo conteúdo, segundo uma lei emanada pelo Governo de Transição, tinha que constar numa lista, era avaliado e tinha que pagar uma taxa de 25 por cento ao governo. A moeda local, o escudo moçambicano, não era convertível e por isso quem tinha dinheiro não o podia levar para lado nenhum. E quem cometeu o acto de coragem de ficar, viu praticamente tudo a ser nacionalizado. Isso significa intervencionado pelo Estado, que a partir daí tomou conta dos negócios como quis, nomeando pessoas da sua confiança para os gerir. Veja-se o caso (e os CVs) do Sérgio Vieira e do Eneas Comiche e de muitos outros.

Foi uma festa.

Hoje, em Portugal, a tal tralha trazida nos contentores de Moçambique aparece no OLX à venda pelos descendentes dos vindos, a preços de saldo. “Vende-se: cama de umbila, trazida de Moçambique”. Ninguém a quer. As pessoas hoje desenrascam-se com o lixo da Ikea.

Conheci um caso de perto, que foi o da UFA, um grande negócio com uma fábrica na Machava que empregava mais que mil pessoas, quase todos moçambicanos. Faziam sapatilhas, peças de borracha, etc. O negócio pertencia ao Sr. Rui Ferreira, um empresário com algumas posses (e um apoiante do Desportivo, onde eu nadava, por isso o conhecia, a mulher e os dois filhos). Quando a Frelimo lhe confiscou a empresa, nomeou logo uma espécie de comissão de gestão com homens da sua confiança, frelos com farda, arrogantes e completamente ignorantes daquele negócio e que passavam o tempo a convocar todos os trabalhadores para reuniões plenárias para, durante horas, cantarem hinos da Frelimo, proferirem “palavras de ordem”, se ouvirem a falar das virtudes do comunismo, do fim do colonialismo racista e do novo Moçambique. O Rui Ferreira, que viva numa conhecida e luxuosa casa mesmo abaixo do Hotel Polana, que era toda redonda (abarbatada depois pelos russos e acho que ainda hoje a residência do embaixador russo em Maputo), no fim saíu de Moçambique clandestinamente, estritamente com a roupa que tinha no corpo, (discretamente fretou uma avioneta que o levou para a África do Sul) pois até em sua casa era vigiado atentamente pelos empregados. Morreria desolado uns anos depois.

Cartaz com Samoraspeak da propaganda da Frelimo.

De facto, naquela altura, o Dear Leader e o seu regime constantemente endrominavam e exortavam toda a população, dirigida por inenarráveis Grupos Dinamizadores e comités de bairro e de quarteirão, para estar vigilante de qualquer situação que configurasse a menor resistência ao novo regime. Especialmente os brancos, que eram directamente e indirectamente referidos pelo próprio regime como responsáveis, ou pelo menos a personificação, do regime colonial inventado pelos portugueses e a sua natureza insidiosa. As pessoas, especialmente os brancos, eram presas por coisas como ir ao cinema e não terem em sua posse o bilhete de identidade. O assédio, especialmente nas cidades, era notório. Aconteceu à minha irmã Cló à porta do Manuel Rodrigues e aconteceu ao filho mais novo do Rita-Ferreira (um historiador de referência de Moçambique) um dia durante um intervalo de um filme no Cinema Dicca. O Reinaldo, que tinha apenas 16 anos, foi preso enquanto fumava um cigarro à porta do cinema por não ter o BI com ele e foi levado por dois guerrilheiros armados com AKapas para uma prisão no Xai-Xai. O pai só deu pela falta dele porque quando o filme recomeçou depois do intervalo, ele não aparecia. Levou dias a perceber o que tinha acontecido e o Rita-Ferreira contou-me o filme de terror que foi que soltasem o filho – que não fora acusado de nada. Depois disso, fez as malas e foi viver para Portugal e nunca mais voltou a Moçambique.

Tirando um advogado cujo nome prefiria omitir (era o Almeida Santos, claro) que fez fortuna em Moçambique e que depois foi um destacado político do PS em Portugal , não conheço, em 50 anos, um ex-residente branco de Moçambique que era rico, que saiu rico e que continuou rico. Nem um. Ou um único relato de um ex-residente branco a dizer que encheu os canos da casa com cimento, que sabotou a fábrica ou que atirou o carro ou o tractor ao mar.

Mas eu, que penso que leio mais que a média das pessoas, tenho que ler estas historietas do diz que disse que viu e que aconteceu.

Portanto, a história que Cloudberg conta sobre a queda do avião onde Samora viajava é muito interessante e reveladora. Mas destes apartes, tal como aconteceu com o José Hanlon, prescindo. A destruição maciça da economia de Moçambique a seguir a 1974 era perfeitamente evitável e se aconteceu foi por decisão e desígnio expressos da Frelimo, que lá tinha as suas razõezinhas para nunca jamais confiar num branco, desde o primeiro dia em que foi fundada. Aliás já antes. E a razão é puro racismo de preto para branco, um tabú de que não se fala. Foi uma doce vingança com luva branca (ah ah) e que soube ao mel mais doce, mas que, como se vê, paga-se e teve um custo. A desculpa para um retrocesso civilizacional não foi um acidente estúpido e implausível como as circunstâncias em que morreu Samora Machel em 1986 e não resultou de actos de destruição insanos de ex-colonos raivosos.

25/04/2023

O 25 DE ABRIL EM 2023: 49 ANOS DISTO

Filed under: O 25 de Abril em 2023 49 anos disto — ABM @ 11:20 pm

Imagens retocadas.

Eu tinha 14 anos e três meses de idade e vivia despreocupadamente com a minha família na então próspera e muito colonial Lourenço Marques quando, numa quinta feira, 25 de Abril de 1974, à hora de almoço, o meu Pai disse que, nas emissões em onda curta da BBC e da RSA (Radio South Africa, que emitia de Johannesburgo) relatavam que tinha havido um golpe de Estado em Lisboa. Na Cidade, o rumor corria mas na rádio, nem uma palavra. Ao fim da tarde, quando fui para o meu habitual treino de natação na piscina do Desportivo, confirmei que todos estavam a falar do assunto. Lembro-me, nesse fim da tarde, ter pressentido que o que se podia estar a passar teria possivelmente um enorme impacto na minha vida e da minha família. Em primeiro lugar, porque Moçambique, a única terra que de que eu me considerava parte, poderia, a breve trecho, tornar-se independente. O que eu via como, ao mesmo tempo, épico e problemático.

A partir daí, a velocidade a que o tempo passava, a sucessão estonteante dos eventos e a necessidade da tomada de decisões com grande impacto face ao que ia acontecendo, mesmo para um adolescente com 14 anos, impuseram uma maturação sem precedentes. Considero que foi nessa altura que a minha adolescência acabou. Pois era necessário estar à frente dos eventos e prever as suas consequências.

Dez meses mais tarde, estava em Coimbra, Portugal, por minha decisão, para continuar os estudos e nadar, pois a Lourenço Marques que eu conhecia estava-se a desmembrar, depois de meses de indefinição e os eventos de Setembro e Outubro. A maioria dos professores, portugueses, abandonavam a Cidade e no Liceu Salazar, já re-baptizado de 5 de Outubro, estudantes mais velhos alinhados com o que estava para vir começavam a ensinar marxismo e a questionar o estatuto “burguês” de se ser estudante ali. No Desportivo, os treinadores fizeram as malas e foram para Portugal. A total incerteza face ao futuro e a crescente agressividade dos novos senhores do poder deixava pouca margem para a imaginação e em casa os meus Pais ponderavam o que fazer.

Estive em Coimbra desde 20 de Fevereiro de 1975 e 20 de Setembro de 1977, após o que saí de Portugal. A então pequena e pacata cidade no centro de Portugal foi um palco relativamente isolado e pacífico mas privilegiado para assistir ao que sucederia ao país nesse intervalo de tempo. Também em Portugal, nessa altura, assisti à mesma incerteza total e imprevisibilidade perante o futuro. A poeira só começou vagamente a assentar depois do 25 de Novembro de 1975 e em 1976, quando, pela segunda vez, houve uma eleição parlamentar que correu sem grandes incidentes. Mas não fiquei convencido. Para quem vivia em Lourenço Marques, Portugal era um país cheio de problemas, pobre, largamente analfabético e embrenhado em lutas filosóficas e políticas que não me interessavam.

Passaram hoje 49 anos sobre o dia do tal golpe de Estado em Lisboa, convertido em feriado nacional e defendido como o Dia da Liberdade da III República portuguesa. Sou relativamente indiferente a estas caracterizações. Sim, o golpe foi essencial para o que aconteceu a seguir e que eventualmente trouxe uma certa liberdade de expressão aos portugueses. Mas, do que me recordo, o resto do ano de 1974, 1975 e parte de 1976 foi um período em que essa tal liberdade era tudo menos certa. O paradoxo é ter-se escolhido essa data inicial para assinalar um final quiçá feliz mas que não teve nada a ver com os eventos desse dia. É sinal evidente da vitória dos que perderam essa luta que foi o dia 25 de Abril de 1974 a data escolhida. Aliás nem estou certo de qual foi a data em que se percebeu que Portugal não ia para o comunismo e que iria ter um regime parlamentar semi-presidencialista em que poderia haver rotatividade entre os partidos políticos. Foi a data da primeira eleição para a Assembleia Constituinte? o 25 de Novembro de 1975? ou a primeira eleição parlamentar e presidencial, em Abril de 1976?

Em Moçambique, o movimento nacionalista guerrilheiro tomou conta do poder, apropriou-se de tudo, desmantelou a maioria da economia no espaço de meses e literalmente correu com os portugueses (que incluia brancos como eu que pouco tinham já que ver com Portugal) e instaurou uma ditadura comunista que pretendeu exorcizar os fantasmas do passado e construir um novo regime e uma nova sociedade. 49 anos mais tarde, ainda é essencialmente um regime de partido único gerido continuamente pelas mesmíssimas pessoas, ou os seus Candidatos Manchurianos, escolhidos a dedo, e que agora são a nova elite colonial. O serem pretos e da casa atenua para muitos o pecado.

As últimas décadas têm sido de guerra, de ameaça de guerra e de instabilidade civil, aliada a um sem fim de tragédias naturais.

O filho mais novo do actual presidente de Moçambique, Jacinto Nyusi. Em tempos andava num Maclaren na Baixa de Maputo. O Pai prepara-se para ser “President for Life”.

Portugal, mais uma vez, caminha firmemente para conquistar o seu lugar como um dos países mais pobres da Europa, dos mais endividados do Mundo, dos mais taxados em termos da capacidade financeira dos seus contribuintes, dependente de uma relação assistencialista com a União Europeia, com uma população não só envelhecida e pobre mas em que a maioria dos seus jovens que se educam emigra ou pensa emigrar. Para fazer face à implosão populacional, prevê-se trazer milhões de imigrantes para manter o Estado funcional. Virão quase todos da Ásia, de África e alguns do Brasil. A previsão de crescimento da economia nos próximos cinco anos é de, como nas últimas três décadas de….um por cento por ano.

Portanto, o que mais tendo a celebrar neste dia é ter sobrevivido esta loucura quase alucinante até agora com a cabeça no lugar e ainda algum sentido de humor. Onde tantos vêem copos meio cheios, eu, menos optimista, tendo a ver copos meio vazios. Hoje tenho 63 anos de idade e dou graças por já não ter que aturar muitos mais anos disto.

E para assinalar aqui esta data, algo surpreendentemente, um amigo moçambicano (de “gema” ou “originário”, como agora se diz lá) enviou-me a semana passada uma ligação a um texto, publicado há quatro anos por Alexandre Reigada, que eu não conhecia e que publicou num sítio que parece ser um movimento político de direita. Por coincidência, ou não, Reigada nasceu em Vila Pery (hoje Chimoio) e parece que esteve lá até lhe acontecer, e aos dele, o que me aconteceu.

Eis o texto, que reproduzo na íntegra em seguida, a que ele deu o título “25 de Abril: uma história negra” e que contém uma interessante versão alternativa ao discurso politicamente revisionista actual.

Otelo Saraiva de Carvalho ao centro, durante os tempos conturbados da “liberdade criada”. Cresceu em Lourenço Marques. Coordenou o golpe militar em Lisboa em 1974. Anos mais tarde lideraria uma guerrilha comunista que matou a tiro e à bomba vários cidadãos portugueses – mas depois foi perdoado por um regime supostamente de leis e nunca cumpriu nenhuma pena. Morreu há pouco tempo, altura em que li que ele teve….duas mulheres, durante décadas. A realidade às vezes desafia a ficção.

(início)

Em 1960, no seguimento da renegociação do acordo da Base das Lajes, a visita de Eisenhower desanuvia as relações entre Portugal e os Estados Unidos da América. Marcello Mathias exigia maiores contrapartidas, conseguiu algumas, mas ficou insatisfeito. Porém, a questão do Ultramar português continuava sem resolução e os EUA assumiram sempre um papel dúbio.

Em meados dessa década surge a oposição “democrática” nas universidades, sobretudo em Lisboa. Incluía maoístas, marxistas-leninistas, trotskistas, hippies ecologistas, geralmente oriundos de famílias abastadas. Do meio empresarial e jurídico emergiu um grupo de liberais com interesses nos negócios e na política. Ambas as facções se posicionaram, ora à Esquerda ora à Direita, no sentido de salvaguardar o seu futuro.

A entrada de jovens tecnocratas na SEDES, para quem o eldorado era a CEE, marcou uma nova fase na contestação ao Estado Novo. O aparecimento da Ala Liberal, dos grupos comunistas e de extrema-esquerda, facilitou o relacionamento destas forças com os diferentes blocos internacionais. A Ala Liberal, oriunda da alta burguesia, formada entre outros por Francisco Sá Carneiro, Magalhães Mota, Mota Amaral e Francisco Pinto Balsemão, defendia um regime parlamentarista de partidos políticos e a adesão à CEE. Não consideravam a defesa do Ultramar como algo importante. Este grupo recebeu fortes apoios de alguns sectores do Estado Novo ligados à tecnocracia, à banca e aos grandes meios monopolistas, assim como aos meios empresariais e firmas jurídicas.

A década de 60 ficou sobretudo marcada pela Guerra do Ultramar. Em 15 de Março de 1961, no norte de Angola deu-se o genocídio de largas centenas de pessoas — brancas, negras, mulatas — por hordas de mercenários vindos do Congo Belga, aliciadas pela UPA, depois FNLA, de Holden Roberto, que era apoiado ostensivamente pela esposa do Presidente Roosevelt e pelo Committee on Africa. Na ONU, Portugal era injuriado por nórdicos e ingleses, e até o representante do Nepal boicotava o nosso país.

O Estado Novo poderia, deveria e estava a ser renovado gradualmente, com índices de crescimento anuais a rondar os 6%, mas o surgimento destas organizações subversivas, a fossilização da Assembleia Nacional, a acção doutrinária clandestina levada a cabo pelos comunistas, a politização radical promovida nos meios académicos e militares e a intromissão estrangeira, precipitaram os acontecimentos.

A partir de 1973, as manobras políticas aceleram-se. Em Abril ocorre o III Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, onde se concretiza um acordo prévio entre socialistas e PCP. Duas semanas mais tarde, com o alto patrocínio do Governo alemão da RFA, é fundado o Partido Socialista, em Bad Munsterfeld (arredores de Bona). No seguimento, ocorre um encontro dos liberais em Lisboa.

Entre 1 e 3 de Junho, realiza-se no Porto o I Congresso dos Combatentes do Ultramar, favorável à defesa do espaço ultramarino “em nome da grandeza e unidade de Portugal”. A frase mobilizadora é: “Não seremos a geração da traição”. Em resposta, 400 oficiais contestatários fazem um abaixo-assinado contra o Congresso e um grupo de oficiais na Guiné envia inclusive um telegrama de desagrado. Por essa altura, é promulgado o Decreto-Lei 353/73 que diminui o tempo do curso de oficiais da Academia Militar e permite a incorporação de milicianos no Quadro Permanente, devido à falta de capitães. Os oficiais da Academia Militar protestam, recebem melhores salários e o decreto é revogado. Mas o protesto continua e, em Dezembro, no seguimento de uma reunião em Óbidos, surge o Movimento dos Capitães.

Uma peça fundamental de toda esta história, e que permite descortinar a real dimensão daquilo que estava em jogo, foi o IV Plano de Fomento para o período de 1974-1979, publicado em 26 de Dezembro de 1973, e que por via do golpe não se implementou. Esse, era o instrumento basilar em matéria de desenvolvimento económico. O que dizia então de tão importante? No capítulo X, alínea b), com o título Energia Nuclear, o Governo estabelecia como prioritária, “a construção, manutenção e condução de reactores nucleares industriais, licenciamento e segurança de centrais nucleares”, prevendo três núcleos em Portugal Continental, na Urgeiriça, Guarda e Nisa, para entrada em funcionamento entre 1976 e 1984. Perante isto, cada um tire as devidas conclusões.

No início de 1974, os generais Kaúlza de Arriaga e Silvino Silvério Marques reúnem-se e concluem que o Presidente do Conselho, Marcello Caetano, já não estaria em condições de liderar o processo da Guerra do Ultramar. O general Spínola foi chamado a participar na mudança, mas afastou-se, regressando porém no dia 25 de Abril.

A NATO, a CIA e a Internacional Socialista comunicavam com o chamado Grupo dos Liberais e Socialistas, enquanto o Partido Comunista era uma marioneta nas mãos da URSS. Não houve nada de português no 25 de Abril: tratou-se de uma acção estrangeira hostil, levada a cabo por forças internas colaboracionistas. Sabemos inclusive que o recém-fundado PS tinha ligações aos Serviços Secretos da RFA e de França. A extrema-esquerda estava divida numa dezena de facções antagónicas, desde o MRPP à LUAR, recebendo apoio de nações tão díspares quanto a Holanda, a Checoslováquia e os países nórdicos. Este era o jogo de forças nas vésperas do golpe. A China e Cuba operavam sobretudo no Ultramar.

Houve jogadas e manobras políticas, no mesmo momento em que as operações militares se desenrolavam. O bluff foi o elemento central dessas operações, pois os golpistas tinham um poder militar muito reduzido. Dentro das Forças Armadas, surgiram várias facções lutando entre si sem qualquer preocupação com a segurança e continuidade histórica de Portugal. A operação foi de tal forma montada que muitos, devido à sua ingenuidade, idealismo ou, em muitos casos, fanatismo, nem se deram conta de que estavam a ser instrumentos de forças antiportuguesas. A actuação psicótica das forças políticas então surgidas lançou o País numa anarquia e numa crise de identidade e sobrevivência que dura desde então.

Nos dias e meses seguintes ao golpe, embarcações de guerra da NATO, porta-aviões norte-americanos, submarinos holandeses, alemães e franceses, aportaram no estuário do Tejo. O aparato parecia o de uma ocupação estrangeira. Na realidade, alguns até já cá estavam antes, a coberto de um exercício dessa mesma NATO. Quando o sistema parlamentarista foi implantado, em final de 1976, levantaram âncora. A infiltração e persuasão dera resultado. Portugal podia começar a ser desmantelado, vendido a retalho, a preço de saldo.

Começou no imediato a lavagem ao cérebro das populações, uma propaganda subversiva, tão ou mais perniciosa do que aquela que pretendia abolir e injectada em grandes doses através dos meios de comunicação social e das escolas.

A “descolonização exemplar”, ou seja, o abandono cobarde e precipitado do Ultramar por parte da nova situação política, conduziu a um traumatismo equivalente ao de Alcácer-Quibir, gerando uma das mais graves agressões à identidade nacional e viciando igualmente as relações entre Portugal e os novos países africanos, situação que se prolonga até à actualidade.

Conclui-se, pois, que o relato oficial do 25 de Abril não trata da verdade dos factos, mas sim da propaganda, doutrinação ideológica e formatação da opinião pública. A versão que consta dos manuais escolares é retorcida e elimina tudo aquilo que é embaraçoso e contradiz a narrativa vigente.

É para nós por demais evidente que Marcello Caetano estava ao corrente das jogadas que se desenrolavam na sombra. O inevitável iria acontecer, o golpe militar estava iminente, faltando então assegurar que o lado vencedor fosse o menos oneroso para o país — o que parece ter sido a sua última tarefa enquanto Presidente do Conselho. Entre a integração no espaço mais próximo dos países da NATO, projecto político defendido pelo general Spínola, e o comunismo dissimulado do Movimento dos Capitães, a escolha era óbvia. Mas Marcello e Spínola não deram conta de que estavam a cair numa armadilha engendrada por poderes sombrios exteriores a Portugal.

Os acontecimentos são estranhos. Na verdade, houve duas tomadas da PIDE, uma pela facção próxima de Spínola e outra pela facção dos capitães. Significa isto que dois golpes ocorriam em simultâneo: a transição para Spínola e o movimento dos capitães. Os elementos da PIDE renderam-se porque pensavam estar a entregar-se às forças de Spínola. Não se deram conta da manobra e caíram na armadilha.

O grande erro de Marcello Caetano foi não ter decretado o recolher obrigatório, o estado de sítio e o estado de emergência. No Largo do Carmo, a massa de populares na rua lançados pelo PCP, MRPP e gente dos futuros sindicatos (UGT e CGTP) impediram as medidas de contragolpe (sobretudo a acção de um helicanhão) no sentido de dispersar as forças revoltosas em redor do quartel aí situado. As forças do MFA, vindas de Estremoz e Santarém, não conhecendo Lisboa, eram guiadas por estudantes universitários ligados a grupos maoístas e da extrema-esquerda.

Cinco mil homens estiveram envolvidos directa ou indirectamente no golpe do 25 de Abril. Muitos não foram membros activos, limitando-se a uma passividade conivente. Todos foram cúmplices do crime de Lesa-Pátria.

Um dos muitos factos curiosos (e pouco explorados) é a participação activa no golpe de pessoas como o tenente de Infantaria Andrade e Silva (parente do Ministro do Exército, general Andrade e Silva, que, sabemos hoje, de acordo com documento de Vasco Gonçalves — actualmente no Centro de Documentação do 25 de Abril — estava ao corrente das intenções do Movimento dos Capitães e nada fez para o impedir), bem como do major de Cavalaria Fernandes Tomás ou do capitão de Infantaria Ferreira do Amaral, ou ainda dos oficiais da família Santos Silva. Todos eles membros de famílias com ligações à Maçonaria, a qual esteve historicamente envolvida na transição de todos os regimes em Portugal, desde o Liberalismo.

Refira-se que o Movimento dos Capitães, depois do sucesso do golpe, mudou a designação, muito convenientemente, para o termo mais genérico de Movimento das Forças Armadas (MFA), fazendo crer enganosamente que as Forças Armadas estiveram envolvidas na nova situação como um todo. Porém, as principais unidades militares do País não se sublevaram, embora algumas tenham optado por uma neutralidade que teve o seu quê de oportunismo, no caso das que ficaram na expectativa de “ver o que dava”. Na verdade, o 25 de Abril não é mais do que uma história de traição. As poucas unidades sublevadas desencadearam um golpe de Estado, que colocou o país na iminência de uma guerra civil. A sociedade foi polarizada até hoje.

O Posto de Comando dos golpistas estava na Pontinha, ou seja, fora da malha urbana de Lisboa, ao tempo, nos arredores. A Rádio Renascença, que era considerada a voz do próprio regime, transmitiu a segunda senha às 0h21m, a canção “Grândola, Vila Morena”, o que significa que houve conivência de alguém da emissora católica. Quem estivesse a ouvir não poderia deixar de estranhar a passagem de um tema tão conotado com a esquerda mais radical. As operações foram desencadeadas de madrugada, na calada da noite.

A Escola Prática de Cavalaria (EPC) de Santarém, com dois esquadrões, foi a principal unidade envolvida nas movimentações militares que se cingiram quase exclusivamente a Lisboa. Tal como no 5 de Outubro, o resto do País soube depois, já não pelo telégrafo, mas desta vez pela televisão. A EPC de Santarém estava encarregue de ocupar o transmissor da Marconi, o Banco de Portugal e o Terreiro do Paço. Duas Companhias de Caçadores 5 foram encarregues de ocupar o Quartel-General da Região Militar de Lisboa e cercar o Rádio Clube Português, que seria o posto transmissor rádio do Movimento.

A Escola de Engenharia e duas companhias de Caçadores ocuparam as duas antenas transmissoras de Porto Alto, para evitar o corte de comunicações. A Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas, já ocupada, instalou seis bocas-de-fogo no Cristo-Rei dirigidas à capital. A Força Aérea não agiu, manteve-se “neutral” tal como tinha prometido ao Movimento. A Escola Prática de Administração Militar ocupou a RTP e forças da Carregueira ocuparam a Emissora Nacional. A Escola Prática de Infantaria de Mafra ocupou o Aeroporto de Lisboa com duas companhias. Da Figueira da Foz, veio uma unidade que chegou durante a tarde a Lisboa. De Estremoz saiu um esquadrão que participou na tomada do Quartel do Carmo. Enquanto isso, os Lanceiros e alguns Comandos às ordens de Jaime Neves (não representativos desta força, pois o grosso dos Comandos estava no Ultramar e jamais teria participado na traição perpetrada por este seu oficial) ocupavam o quartel da Penha de França, sede da Legião Portuguesa.

No Porto, a acção passaria pela ocupação do CIAAC e do Quartel-General, com apoio de uma companhia de Comandos de Lamego para servir de reforço. Em Viana do Castelo, duas companhias haviam-se comprometido com o Movimento. Muito pouco para uma revolução que se dizia de cariz nacional. No resto do País, exceptuando a ocupação de certas unidades antagónicas, nada se passou.

O ministro do Exército, Andrade e Silva, estava no Ministério do Terreiro do Paço às três da manhã. Não tomou nenhuma medida efectiva de resposta. O ministro da Defesa, Silva e Cunha, telefonou a essa hora para saber da situação. Foi informado pelo ministro do Exército de que não havia qualquer problema em qualquer unidade, estava tudo tranquilo, não se preocupasse, não havia alteração da situação. Ou seja, Andrade e Silva não sabia o que se passava, ou (mais provável) mentiu para encobrir o golpe e tranquilizar aqueles que poderiam ter reagido para evitar o seu desenlace. Se deveras foi conivente, tal significa alta traição. A verdade é que estava no gabinete a uma hora tão tardia quando iria partir para o Alentejo às 7 horas da manhã, estando fora o dia todo. Lembramos ainda que os telefones do Ministério do Exército estavam sob escuta dos golpistas.

O jornalista Joaquim Furtado estava de serviço nessa madrugada, no Rádio Clube Português, o primeiro alvo a ser tomado porque tinha um gerador e continuaria a emitir em caso de corte da luz. Foi este jornalista quem leu o comunicado anunciando um mero movimento de capitães, como Movimento das Forças Armadas, o que, como já referimos, indiciava falsamente tratar-se de uma sublevação geral. De seguida, tocou o Hino Nacional. Para quem ouvia no resto do país, pareceria tratar-se de um facto consumado. De seguida, a Emissora Nacional e a RTP, ocupadas sem incidentes nem resistência, foram também essenciais para o controlo da informação e contra-informação, se necessário fosse, com a difusão de notícias falsas. A sua acção foi essencial para o sucesso do golpe.

Na verdade, nas primeiras horas só ocuparam os objectivos civis, que no entanto foram vitais. A PIDE informou que havia tropas de Santarém na rua, a coluna de Salgueiro Maia, mandando somente entrar de prevenção. A única reacção foi primeiro a de um esquadrão do Regimento de Cavalaria 7 que, enviado para interceptar a coluna de Salgueiro Maia, dirigiu-se para o Terreiro do Paço. As tropas de Santarém tinham chegado a esse local às 6 horas da manhã. Salgueiro Maia enquadrou o alferes que já estava envolvido no golpe. Ou seja, inadvertidamente, mandaram para a defesa do Terreiro do Paço e dos ministérios uma unidade que estava do lado dos golpistas.

Chegou depois um segundo esquadrão que, estranhamente, também se juntou às forças de Salgueiro Maia. A estratégia de engodo foi a seguinte: diziam às unidades leais que vinham chegando para reagir ao golpe que também estavam ali para proteger os Ministérios e assim as foram enganando e anulando os contra-golpes. As forças militarizadas da GNR que iam também elas chegando ao Terreiro do Paço, ou se renderam ou afastaram-se, sem intervir. A PSP desapareceu de cena. Nesse momento, surge no Tejo a Fragata Gago Coutinho, leal ao Estado Novo, cuja tripulação acabou por se amotinar, possivelmente ao saber que estava na mira das peças de artilharia provenientes de Vendas Novas, já aqui referidas, que a essa hora se encontravam junto ao monumento do Cristo-Rei.

Todas as unidades que vieram para resistir ao golpe e contra-atacar foram enganadas, dizendo-se-lhes que todas as Forças Armadas, inclusive a GNR, estavam envolvidas. Os revoltosos interceptavam comunicações das forças leais, do comandante da Região Militar de Lisboa, a partir do posto de comando, e davam ordens trocadas, desarticulando assim a reacção. Aos militares de patente mais elevada, nas suas comunicações via rádio, afirmavam inclusive que os generais Spínola e Costa Gomes também estavam metidos no golpe, quando haviam tido o cuidado de não se comprometer. Diziam que toda a tropa estava sublevada e incitavam-nos a passar para o seu lado. Tudo na base da batota com que jogavam o destino de Portugal.

Simultaneamente, começava em Lisboa a acção subversiva dos grupos comunistas de várias tendências, que colocaram os seus militantes e simpatizantes nas ruas. Isso inibiu muito uma resposta em força das tropas leais. Seja como for, houve muito jogo duplo e atitudes dúbias.

Deu-se então o episódio do tenente Alfredo Assunção, recebido com um par de estalos do brigadeiro Junqueira dos Reis, que se recusou a conferenciar com um oficial de baixa patente revoltoso. Também o major Pato Anselmo, comandando uma força do Regimento de Cavalaria 7, na rua da Ribeira das Naus, recusou conferenciar com o alferes golpista Maia de Loureiro. Mesmo após várias tentativas de aliciamento, o major continuava sem se render nem passar para o outro lado. Do lado dos golpistas, mandaram então um civil, armado, Brito e Cunha, ex-comandante na Guiné, às ordens do tenente-coronel Correia de Campos, que avançou dando a entender que estava desarmado e depois sacou a arma e ameaçou matá-lo. Só assim (contra as regras militares, pois não se parlamenta armado) o major Pato Anselmo acabou por ser preso.

Silva Pais, director da PIDE informou Marcello Caetano com detalhe sobre a situação. Aconselhou-o a ir para o Quartel do Carmo, o comando central da GNR. Sabemos hoje que Marcello Caetano foi abandonado por todos e traído por muitos. Ainda não se rendera e já havia a circular em Lisboa jornais vitoriando o golpe. A meio da tarde, o general Spínola foi então mandatado pelos Capitães para receber a rendição de Marcello Caetano, que entregou o poder ao general para que não caísse nas ruas. Saiu pelo portão central do Quartel do Carmo dentro de uma chaimite, seguiu para a Ilha da Madeira e depois para o exílio no Rio de Janeiro, onde faleceu. Não voltaria a pisar solo português.

O general Spínola, em 1975, lançou um sério aviso: “o que estes senhores estão a fazer é a levar o Estado à bancarrota, a praticar a política da terra queimada. Estes senhores não são portugueses. São traidores à Pátria”. Tinha razão, como o comprovam três bancarrotas e Portugal queimado em incêndios catastróficos que arrasaram inclusive o Pinhal de Leiria, símbolo da nossa História.

Juntamente com todos estes dados, outras reflexões se impõem, uma vez que também elas contribuem para provar que o 25 de Abril não só começou por ser uma mentira manhosa, como ainda hoje continua a não passar disso mesmo. Vamos aos factos:

a) A “revolução dos cravos” que, pretensamente, se fez contra a exploração capitalista, acabou por abrir as portas a que hoje vigore um capitalismo ainda mais agressivo e um liberalismo ainda mais degradante.

b) A propaganda oficial diz que o golpe se fez para acabar com a intromissão estrangeira nos assuntos nacionais, e hoje até mesmo a quota de pesca da sardinha e o calibre da fruta são decididos em Bruxelas.

c) Ainda hoje há quem acredite na mentira sobre a qual assentou a espoliação de uma parte substancial da população portuguesa radicada no Ultramar, de que Portugal era o último país europeu com colónias. Ora, a França ainda hoje não larga mão nem sequer de Maiote (território insular situado entre Moçambique e Madagáscar), colónia paupérrima que constitui o mais carenciado dos seus departamentos. Nem de Maiote nem de muitas outras colónias, tal como de resto acontece com o Reino Unido, cujos territórios ultramarinos não poucas vezes servem de paraísos fiscais, bases militares ou entrepostos para tráficos e esquemas de todo o tipo.

d) Desde 1986, ano da anexação de Portugal pela CEE, esta III República recebeu um total de apoios comunitários que ronda os 200 mil milhões de euros (segundo estatísticas oficiais). Paralelamente, nesse espaço de tempo, a dívida pública ascendeu a 250 mil milhões e a dívida privada a 500 mil milhões. Os maiores credores são as bancas alemã e francesa. O país que recebe maiores receitas fiscais das nossas empresas é a Holanda.

e) Aquando da recente visita a Angola do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, este homenageou Agostinho Neto, mas não visitou o cemitério de Santana, em Luanda, que se encontra num estado lastimoso e onde jazem militares portugueses caídos em defesa da Pátria, na Guerra do Ultramar. Sabemos pois, através deste e de outros episódios igualmente sintomáticos, com que espécie de “patriotismo” e “amor a Portugal” podemos contar da parte da classe política filha da revolução.

(fim)

16/04/2023

PUBLICIDADE DA RENAMO, ANOS 80

Filed under: Publicidade da Renamo, 1980s — ABM @ 3:25 pm

Imagens retocadas, grato a JC.

Até para uma alma distraída e distante como a minha na altura, era previsível que a ditadura da Frelimo e a sua postura de à guerra colonial seguir-se sem interrupção uma guerra contra os regimes da África do Sul e a Rodésia ia acabar muito mal. O conflito que se seguiu durou quase o dobro do tempo que durou a guerrilha contra o regime colonial português e fez esta parecer uma brincadeira de crianças em termos da destruição e mortes causadas. Nunca percebi, quando parecia que já só faltava à Renamo marchar na Julius Nyerere e bombardear meia dúzia de sítios na Cidade, que a sua liderança aceitou parar o conflito e entregar tudo de bandeja – outra vez – à Frelimo. Nos trinta anos então volvidos, a Frelimo tornou-se perita em gerir eleições, doadores e a máquina estatal, manteve-se no poder a quase todos os níveis e a Renamo foi neutralizada. Neste momento até paira a sombra de a Frelimo mudar a constituição para, entre outras preciosidades, manter Nyusi no poder por mais que os dois mandatos previstos no actual texto constitucional.

1 de 4. Tal como a Frelimo, a Renamo promovia a imagem e o papel das mulheres no conflito, aqui protagonizado como uma “segunda guerra de libertação nacional”.
2 de 4. Cartaz, em língua francesa, referindo o segundo aniversário da morte de André Matsangaísse, um líder fundacional da Renamo.
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4 de 4. Este panfleto é de 1981, quando Samora Machel era acossado por vários sectores, incluindo a Amnistia Internacional, a propósito da situação nos chamados Campos de Reeducação da Frelimo. Na altura lançou a “Ofensiva” a que o texto alude, transferindo para “infiltrados” a responsabilidade sobre o que se passava nesses campos.

14/04/2023

ANTÓNIO PRISTA E MAPUTO EM 2023

Filed under: António Prista e Maputo em 2023 — ABM @ 10:31 pm

Se Lourenço Marques era Uma cidade luzente na colina, mesmo num contexto colonial e apesar dos imensos estragos da explosão de construção nas duas décadas antes de 1975, a verdade é que, quase cinquenta anos volvidos de gestão nativa, num país extenso, muito subdesenvolvido e muito pobre, o que é Maputo em 2023? A peça sobre o assunto, publicada n’O País de hoje, dá algumas pistas, retratando uma explosão continuada e descontrolada no crescimento urbano, com alguns requintes de exuberância milionária, com consequências algumas previsíveis, outras não tanto, em que subjacente está um metro quadrado urbano que vale milhões. António Prista, um arquitecto local, aludiu a algumas situações, aqui retratadas. Um dos meus tópicos favoritos e pouco mencionado é o saneamento e a estrutura eléctrica e de água potável, que não foram mencionados. Terão falado na infra-estrutura de transportes, mas a peça não alude à publicitação de um novo projecto de mobilidade urbana – Move Maputo – que deve estar em condições de arrancar agora. A ver vai-se.

Vista parcial da Avenida Dr. Julius Nyerere (anteriormente, António Ennes) em Maputo, antes da mais recente ronda de edificação de prédios para ricos.

Na peça publicada hoje no excelente diário O País, o arquitecto António Prista disse duas coisas:

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08/04/2023

O RELATÓRIO SECRETO SOBRE AS PERSONALIDADES DA FRELIMO EM MOÇAMBIQUE, 15 DE NOVEMBRO DE 1978

Presumo que a proveniência deste documento seja de alguém ( ou “alguéns”) dos serviços portugueses e para consumo interno. Mas não sei. Julius Nyerere, que não era da Frelimo, foi incluído aqui. O texto faz leitura interessante. Descreve Samora Machel, Julius Nyerere, Sebastião Mabote, Alberto Chipande, Jorge Rebelo, Óscar Monteiro, Mário Machungo, Alberto Cassimo, Joaquim Chissano e Rui Baltazar. menciona Gruveta de passagem. Data de final de 1978, três anos depois da independência e subsequente tomada do poder absoluto por estas pessoas (excepto o Julius que andava a fazer das suas no seu país).

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05/04/2023

GUERRILHEIRO DA FRELIMO, 1974

Filed under: Guerrilheiro da Frelimo 1974 — ABM @ 9:10 pm

Imagem retocada e colorida, autor desconhecido.

Jovem guerrilheiro da Frente de Libertação de Moçambique, algures em Moçambique, cerca de 1974. Quando a Frelimo se dignou parar a guerra, em Setembro de 1974 – 4 meses e meio depois do golpe de Estado que derrubou o então regime português – estavam a cerca de 1200 kms de Lourenço Marques. Especialistas no assunto referem que a guerra basicamente estava perdida mas a Frelimo receava que os brancos poderiam criar um regime minoritário racista. Mas quase todos os brancos fizeram as malas e foram-se embora e a tropa entregou tudo à Frelimo, de bandeja. Ficaram o Mia e mais um punhado de bravos que achavam que as coisas iriam melhorar. A Frelimo entrou a matar, instaurou uma ditadura e basicamente demoliu a economia e considerou prioritário promover a guerrilha contra a Rodésia e a África do Sul. A luta continuaria por quase mais vinte anos e não acabou: foi apenas interrompida.

02/04/2023

A DÍVIDA DE MOÇAMBIQUE À CHINA, 2021

Filed under: Divida de Moç à China 2021 — ABM @ 10:34 pm

O mapa ilustra, por ordem decrescente, os países com dívidas mais elevadas em termos da percentagem do seu Produto Interno Bruto (PIB). Em que Angola e Moçambique se destacam. Segundo um artigo publicado em 2021 pelo Hong Kong Trade Development Council, as dívidas de Moçambique reflectem gastos como a ponte Maputo‑Catembe (US$ 686 milhões), a reabilitação de 287 kms da Estrada Nacional entre a Beira e Machipanda (US$ 416 milhões) e os74 km da Estrada Circular de Maputo (US$ 300 milhões). A estas despesas podem-se juntar o Aeroporto Internacional do Bilene, a reabilitação do Aeroporto de Maputo e o Aeroporto de Nacala, este último penso que uma dívida ao Brasil. Nestas circunstâncias, torna-se difícil dizer não ao colosso chinês.

OS TRÊS MACACOS SÁBIOS, OBRA DE CHARLES VAN ONSELEN, AGORA PUBLICADA

Filed under: Charles van Onselen e Os 3 Macaos Sábios — ABM @ 9:54 pm

Imagens retocadas.

O académico Charles van Onselen acabou de publicar em Pretória uma obra em três volumes sobre as relações entre a África do Sul e Moçambique colonial nos séculos XIX e XX, que, não tendo ainda lido, promete ser interessante para quem estuda o tópico e a julgar pela qualidade de obras anteriores por este autor.

Tanto há para esmiuçar em relação a este tópico, que eu conheço parcialmente através principalmente, dos arquivos e escritos portugueses, mas menos a partir dos arquivos sul-africanos, que apesar de, segundo o Professor van Onselen, terem sido algo sanitizados durante e depois da sua compilação, ainda permitem aferir algumas verdades. Por outro lado, van Onselen parece que não conhece a língua portuguesa, e queixou-se numa entrevista que os arquivos em Moçambique são muito ricos mas parece que estão amontoados e aos Deus-dará. O que é lamentável mas perfeitamente expectável dadas as prioridades do regime desde o dia em que correram com os portugueses da antiga colónia. Portanto a descoberta de uma verdade mais cabal e objectiva é uma corrida contra o tempo e a degradação dos arquivos.

E essa verdade interessa? penso que sim. Mais do que tudo, um país sem história com H é um sítio.

Nesse sentido, este contributo poderá ajudar a esclarecer aspectos do que aconteceu e que viria a ter impacto no desenvolvimento dos dois vizinhos.

A obra de Charles van Onselen, agora publicada, sobre a relação tempestuosa entre a África do Sul e Moçambique ao longo de um século.
Charles van Onselen, um académico sul-africano baseado em Pretória e com obra considerável sobre a história da África do Sul, que reflecte muitos aspectos das relações com Moçambique colonial, agora aprofundados com a publicação de The Three Wise Monkeys.

28/03/2023

BOEING 707 DAS LINHAS AÉREAS DE MOÇAMBIQUE, ANOS 70

Filed under: Boeing 707 das LAM — ABM @ 1:43 pm

Imagem retocada.

Após 1975 e até 1980, a DETA-LAM funcionou mais ou menos como anteriormente. Em 1980 houve uma reestruturação e foi criada a LAM, EP. Nesse período, a companhia usou um conjunto de aviões entre os quais este, um já então velho e algo obsoleto Boeing 707-321,C9-ARF C/N 17593 , que permitia efectuar voos de longo curso e que, a julgar pelas turbinas, devia acordar os mortos com o barulho na descolagem.

TUDO VAI MELHOR COM COCA-COLA

Imagem retocada e colorida.

Um Samora Machel informal bebe uma Coca-Cola ao lado de um Robert Mugabe sempre anal-retentivo, numa cerimónia, anos 80. Sempre considerei o visível ascendente de Samora sobre Mugabe mistificante.
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