THE DELAGOA BAY REVIEW

23/02/2010

VOLANTE À DIREITA EM MOÇAMBIQUE

Jorge Vara exibe o seu primeiro carro em Lourenço Marques, 1 de Setembro de 1938

por ABM (23 de Fevereiro de 2010)

Tendo crescido em Moçambique, como toda a gente ali, habituei-me a viajar em automóveis com volante à direita e com o trânsito pela esquerda.

Uns anos mais tarde, descobri que a maior parte do resto do mundo, incluindo na “metrópole” (Portugal) se conduzia pelo lado direito da estrada. O que era curioso mas nada de especial.

Em 1978, por dez dólares e com a ajuda do pai BM, que me deu umas lições básicas, tirei a minha carta de condução nos Estados Unidos da América, onde vivia, e onde se conduzia pela direita, as ruas eram largas e bem sinalizadas e as regras muito simples.

Nunca tive problemas nenhuns até voltar a Moçambique na segunda metade dos anos 90 e me sentei pela primeira vez a conduzir pela esquerda. O problema era com os meus reflexos: quando vinha de férias ou de serviço a Portugal, por mais que uma vez, sem pensar duas vezes, quando dava por mim estava a conduzir  no lado esquerdo da estrada, para desespero dos sempre tão corteses motoristas portugueses, que aproveitavam logo para fazer comentários à minha ascendência feminina em termos pouco laudatórios.

Como passageiro, ainda hoje quando estou mais distraído, é comum, querendo eu entrar num carro quando estou fora de Moçambique, dirigir-me para o lado…do condutor.

Porque é que se conduz em Moçambique pelo lado esquerdo? a resposta é fácil: porque se conduzia à esquerda em todos os países com que faz fronteira, cujas regras de condução derivam dos padrões estabelecidos pela Grã-Bretanha.

Em Portugal europeu conduzia-se pelo lado esquerdo da estrada. Segundo um interessantíssimo historial deste tema num blogue brasileiro, foram os franceses no tempo da sua revolução que inventaram o padrão da condução pelo lado direito das estradas, cerca de 1794. Como a seguir invadiram quase tudo à sua volta, levaram essa regra com eles.

Depois das guerras napoleónicas, a regra da condução pela esquerda na Europa permaneceu nos países que mais resistiram a tirania francesa; o Reino Unido, o império austro-húngaro e … Portugal.

Claro que ajudou que na realidade, para ajudar os portugueses a organizarem-se contra os franceses, a Inglaterra naquela altura praticamente ocupou Portugal, o que durou uns largos anos.

E o costume ficou.

Foi só após a primeira república ter caído de podre e ter sido instaurada a Ditadura (na altura só, e com “D” maiúsculo, Salazar sendo ainda uma incógnita), é que, de uma assentada, tudo mudou. Em meados de 1928, um ano após criada a Junta Autónoma de Estradas, foi legislado o primeiro código da estrada português e, pelo decreto n.º 18.406, de 31 de Maio de 1928, estabalecida a circulação pela direita nas estradas. Até então, a circulação automóvel em Portugal e nas suas colónias era feita pela esquerda, copiando a prática britânica.

Assim, a partir das 5 horas da manhã de 1 de Junho de 1928 em Lisboa, e à meia noite no resto de Portugal continental, para os cerca de 31 mil condutores com carta de condução e cerca de 28.000 automóveis então existentes, passou a ser obrigatória a circulação rodoviária pelo lado direito das estradas. O mesmo aconteceu na Guiné, em Angola e Timor e, presume-se, na Fortaleza de São João Baptista de Ajudá.

Mas em Macau, Goa e Moçambique, tendo em atenção as suas situações específicas, manteve-se a condução pelo lado esquerdo das estradas.

Em Timor, a condução passou a ser feita pela direita em Junho de 1928. Mas em 1975, na sequência da anexação de Timor pela Indonésia, o sentido da condução foi alterado para o lado esquerdo. E assim ficou até hoje.

11 comentários »

  1. Que se danem os meus pruridos quanto ao endo-elogio ma-schambístico … fantástico ABM, quantas vezes me perguntei quanto a estas coisas das lateralidades das conduções e surges tu a resolvê-las.. E nem sabia disso da condução I República [queres ver que dás ideias à comissão de comemoração e propõem uma “Reforma Orto, perdão, Rodográfica”?

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    Comentar por jpt — 23/02/2010 @ 3:25 pm

  2. E, já agora, quem é o representado acima?

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    Comentar por jpt — 23/02/2010 @ 3:26 pm

  3. JPT

    Sabes que nesta casa exploro até ao tutano a veia moçambicana e este tema andava no canto da orelha há algum tempo.

    Eu ando há uns tempos a seleccionar e digitalizar fotografias da sogra, 81 anos, nascida em Moçambique e posteriormente entornada. O senhor acima é o pai dela, que durante muitos anos foi… músico do Rádio Clube de Moçambique. Ele era o músico mais antigo do RCM. Antes disso foi chefe de orquestra do Casino Belo durante dez anos. E fazia biscates com os irmãos Diniz. Ele foi solista, flautista, clarinete e saxofone pequeno. Claro que nunca ouvira falar dele até abrir os dois gigantescos caixotes de fotos que tenho andado a digitalizar e ando a reconstituir o seu percurso, o que é um pouco como ver os álbuns do Rufino mas em reverso. Pode-se dizer que ele foi mais ou menos da velha guarda que foi para Moçambique no princípio do século XX e na sócio-rácio-geo-estratégia da velha Lourenço Marques colonial, era um branco remediado, digamos que da parte boa da velha Malhangalene…

    Mais importante, lembrei-me da foto do primeiro carro dele de 1938 para dar um arzinho da sua graça a este pequeno texto.

    PS – confirmo a relação entre este Vara e o actualmente mais conhecido Armando…. mas ele não sabe.

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    Comentar por ABM — 23/02/2010 @ 3:58 pm

  4. Fantástico!
    Andei eu anos a tentar arranjar uma explicação para uma irracionalidade tamanha!
    Razão havia: meu irmão e eu, de férias na “Metrópole”, certamente desconhecedores de tais birras entre países, e brincando alegremente entre os plátanos de Anadia, atravessámos em correria a estrada diante da escola para ir ter com dois amigos no outro lado. Eu, mais velho dois anos, talvez tenha tido o instinto de olhar correctamente mas meu irmão, não teve a mesma sorte: ali mesmo lhe foi ceifada a vida por um automóvel conduzido por um instrutor de condução alcolizado. Tudo por ter trocado a direcção dos olhares.
    Raios partam as quezílias de vizinhos!

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    Comentar por Leonel Auxiliar — 23/02/2010 @ 8:06 pm

  5. Sr Leonel Auxiliar

    Lamento o que descreve, e que só pode ter sido um terrível acontecimento na sua vida e da sua família. Agravado pelo detalhe de o atropelamento ter sido da responsabilidade de um bêbado e ainda por cima instrutor de condução. É quase inacreditável.

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    Comentar por ABM — 24/02/2010 @ 7:44 am

  6. Obrigado ABM

    Queria apenas chamar a atenção a todos para o facto de que esta história de uns andarem pela direita e outros pela esquerda, ainda por cima por causa de razões tão fúteis, tem, ao longo dos anos, provocado imensos acidentes em todo o mundo. O meu irmão foi apenas uma das vítimas.

    Nas minhas viagens notei que na maioria dos países onde se anda pela esquerda existem avisos nas passadeiras para os peões olharem para o lado correcto quando atravessam a estrada. O que devia ser obrigatório: talvez se salvassem algumas vidas!

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    Comentar por Leonel Auxiliar — 24/02/2010 @ 4:20 pm

  7. e interresante o que acabei de ler,pois sou instrutor auto numa auto-escola e ja foi muitissimo bom saber mais alguma coisa mais.

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    Comentar por jose costa — 18/11/2010 @ 10:09 pm

  8. Caro Sr Leonel

    Fico contente de ter encontrado utilidade neste artigo que preparei em Fevereiro. Estamos juntos!

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    Comentar por ABM — 18/11/2010 @ 10:55 pm

  9. Nos anos 60/70 do século passado, conheci em Milange, Moçambique, um senhor chamado Ventura Vara, que era o Gerente da Chá Oriental. Será que tinha alguma relação com este senhor Jorge Vara e com este Vara que agora aparece muitas vezes na televisão e nos jornais por razões pouco dignas?

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    Comentar por José Rodrigues — 27/10/2015 @ 12:15 pm

    • Olá José, o Jorge Vara da foto aqui não tem que ver com o Ventura Vara e creio não ter que ver com o Vara do PS que tem andado nas notícias.
      Cumprimentos, ABM

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      Comentar por ABM — 24/11/2015 @ 6:49 am

  10. Além do posto de condução, outra diferença em veículos especificados para o trânsito na mão francesa e os para mão inglesa é a posição da porta de passageiros em algumas carrinhas. Dada a importação de carrinhas japonesas usadas no Paraguai, onde alteram-lhes o posto de condução para a esquerda mas a porta de passageiros traseira permanece também à esquerda sem que ao menos se adapte uma “porta continental” como é usual em alguns autocarros ingleses e chineses (mais notadamente os que fazem a travessia entre Hong Kong e a China continental), o desembarque de passageiros pode ficar mais perigoso.

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    Comentar por Daniel Girald — 03/01/2018 @ 2:14 am


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