THE DELAGOA BAY REVIEW

28/09/2012

MÁRIO CRESPO, JORNALISTA, EM 3D

Filed under: Imprensa Portuguesa, Mário Crespo Jornalista — ABM @ 6:18 pm

Mário Crespo. Uma das suas mais memoráveis posturas é a forma magistral e suave como ele sabe dizer “fuck you very much”. Tem algumas sérias ligações com aquele outro Moçambique.

Reproduzido com vénia do JN, entrevista de Carla Bernardino e Filomena Araújo. Setembro de 2012.

 

Adora vela, feiras de velharias e uma boa polémica. Toca viola, sabe de cor os êxitos dos anos 60, é romântico e tem a língua afiada. Conheça o homem por detrás do polémico pivô da SIC Notícias que despertou a ira na RTP. Para onde quis voltar há meses.

É tudo menos um homem consensual. Os quase 40 anos de jornalismo que já leva tornaram-no um dos mais conhecidos profissionais televisivos. Mas também um dos mais polémicos. Dois anos depois de ter mostrado uma T-shirt na Assembleia da República a gozar com José Sócrates, Mário Crespo mostrou um quadro em excel no Jornal das 9. Tudo para provar a teoria com que se tem despedido dos seus espectadores: “Passou mais um dia e a RTP custou mais um milhão de euros.”

A sua cruzada contra a televisão pública não é de hoje. Já em 1995, no extinto vespertino A Capital, defendeu a privatização da empresa pública e o encerramento de um canal. Há quem lhe elogie a coerência, mas os seus antigos colegas na RTP não lhe perdoam o que dizem ser uma campanha contra uma casa que o acolheu e para onde Crespo quis voltar… ainda há oito meses.

É que em janeiro deste ano escreveu uma carta ao então presidente da RTP, assinada pelo seu próprio punho, a candidatar-se ao lugar de correspondente em Washington, nos Estados Unidos, local onde sempre desejou terminar a carreira como jornalista.

O caso provocou a ira na estação pública e o silêncio na SIC. E também o de Mário Crespo que, apesar de várias tentativas na última semana, não quis colaborar neste trabalho. Ele e muitos outros. É que entre as cinco dezenas de antigos colegas, amigos, ex-amigos e políticos contactados para este perfil, metade não quis falar em on.

Não foi o caso de Henrique Monteiro, administrador da Impresa Publisher (do mesmo grupo da SIC). O antigo diretor do Expresso declinou inicialmente falar sobre a sua relação com o jornalista de quem já foi amigo, mas acabou por fazer uma única declaração. Arrasadora, por sinal: “Não compreendo o nível de impunidade a que ele chegou, ele está para lá do nirvana, acima de qualquer crítica que se possa fazer”, disse à Notícias TV.

Mas quem é o homem por detrás do pivô do Jornal das 9? O primeiro choro de Mário Crespo ecoou nas redondezas da Rua da Sofia, uma das principais vias comerciais de Coimbra, no dia 13 de abril de 1947, filho de Eduardo Ribeiro Crespo, bancário, e de Carmen de Assunção Rodrigues de Sousa, professora.

Foi ainda em pequeno para Moçambique e os primeiros relatos que chegam vêm precisamente do repórter. “Lembro-me de ir em 2.ª [classe] e havia uma zona do barco, em 1.ª, que tinha ar condicionado. Lembro-me do impacto de sentir muito calor, sobretudo quando chegávamos a São Tomé e Príncipe, era quentíssimo, e eu com 6 ou 7 anos pensar: ‘Que fresquinho! E cheira bem!'”, relatou numa entrevista ao semanário Sol, em 2010.

A geração da Coca-cola

As primeiras memórias de Mário Crespo chegam do tempo da adolescência. “Ele era um companheiraço das festas em Lourenço Marques”, recorda a fadista Maria João Quadros, que nunca lhe conheceu “nenhum irmão”. Ligeiramente mais nova do que o pivô da SIC Notícias, lembra-se bem dele. Uma geração que, relata, ficou conhecida por ser a da Coca-Cola, por ser finalmente possível bebê-las livremente. “Tínhamos todos 15, 16, 18 anos e andávamos nas nossas brincadeiras. Para além da Escola Comercial ou do Liceu Salazar – que o Mário frequentou – havia a praia, a piscina e as festas à noite. Aos fins de semana íamos para Inhambane, para a praia do Bilene, todos juntos, eram dois dias a rir”, recorda.

Maria João não consegue enumerar um momento particular, mas lembra-se de Mário ser, à data, “um apaixonado por vela”. Na altura, desfia a fadista, “era pacato, tinha um senso de humor bestial, na sua pacatez e no seu jeito sonsinho, ele tinha sempre umas tiradas geniais.” Se era ou não namoradeiro, Maria João Quadros simplifica: “Éramos todos muito namoradeiros, éramos muito felizes. A vida era muito diferente, nós éramos cabeças ao léu, almas ao léu, bem criados, bem nascidos e a família era o pilar de tudo isto.”

Tony de Freitas, um antigo amigo de Moçambique, reparou, porém, em características bem diferentes quando se cruzou com Crespo pela primeira vez. “Ele era ainda estudante e conheci-o no âmbito de uma excursão que a escola fez em Inhaca”, numa visita de estudo à estação biológica da ilha. As datas são difíceis de precisar, mas não o olhar. “Eu tinha à volta de 30 anos e ele era um garoto. Era um rapaz de quem era fácil ser amigo, era uma pessoa que saltava logo à vista, extrovertido”, conta este investigador de zoologia que ainda hoje permanece em Durban, África do Sul.

Por essa altura, já Mário viveria apenas só com a mãe, Carmen, que entretanto se divorciara do pai. Processo judicial que terá sido, afiançam à Notícias TV, tratado por Almeida Santos. O histórico presidente do Partido Socialista não se recorda: “Foram tantos processos. Cheguei a Moçambique em 1953, cruzámo-nos lá, mas não tenho memória disso. O Mário deveria ser um jovem. Mas conheci-o melhor em Nova Iorque e gostei muito dele”, conta à nossa revista.

Lisboa- Lourenço Marques

Veio para a metrópole e ingressou depois no Instituto Superior Técnico, em Engenharia. Desistiria um ano depois. Na entrevista ao Sol, Crespo revelou como desistiu. “Disse à minha mãe: ‘Isto não é para mim’.” E não foi.

Mário regressou a Moçambique para cumprir serviço militar obrigatório (SMO), em 1970. Terá sido um ano decisivo na vida do futuro jornalista. Não só aos 22 anos se via colocado, referira na conversa com o semanário, “na primeira unidade (…) para o controlo das cargas de cimento que vinham da Beira para Cahora Bassa, o comando de cargas críticas”, como ingressava na Faculdade de Medicina, em Lourenço Marques, como terá, garantem os registos civis de Coimbra, casado com Helen de Souza em finais desse ano. Tony de Freitas foi um dos convidados para a cerimónia e recorda-se do momento. “Ela era muito bonita. Foi educada na África do Sul, mas era ao mesmo tempo muito portuguesa. Foi com bastante surpresa que eu e a minha mulher fomos ao casamento em Joanesburgo. Depois de se casar, veio viver com o Mário para Moçambique”, conta este investigador. Maria João Quadros ainda se lembra de Helen. “Ele era solteiríssimo no tempo das festas, mas depois esteve sempre muito apaixonado por ela”, diz a fadista.

Uma vez casados, ela trabalhou em investigação no Instituto de Pescas junto de Tony de Freitas. Crespo seguiu para o SMO, mas só começou a dar nas vistas por volta de 1973. Antes dessa data, é difícil “mapear” Mário no circuito das operações da Guerra Colonial.

Whiskies no Bar Bagdad, em Nampula

“Mário Crespo era alferes miliciano e esteve no gabinete do Kaúlza de Arriaga. Como falava muito bem inglês e fazia de tradutor, acompanhava as reuniões e fazia as traduções nos encontros com responsáveis da África do Sul e com a Rodésia”, relata o coronel Carlos Matos Gomes. Corria o ano de 1973.

Foi, contudo, com o major Mário Tomé que o atual pivô do Jornal das 9 viria a estreitar laços, proximidade que ainda hoje se materializa em almoços para debater ideias. “O Mário estava a cumprir o serviço militar, ele trabalhava no gabinete de Informação do comando e foi contemporâneo de Carlos Pinto Coelho”, conta o major. “Quando nos deslocávamos com o comandante-chefe Kaúlza de Arriaga, Mário fazia a ligação com os jornalistas ingleses e os órgãos de comunicação”, recorda.

Mas o melhor ficava para depois do trabalho. “Encontrávamo-nos por vezes num bar semiobscuro em Nampula, a beber um whisky depois do serviço. Era o Bar Bagdad”. Tanto em setentas como na atualidade, major Mário Tomé recorda “as conversas sempre muito íntimas”, onde não faltava “a crítica acesa à situação”. “Eram debates sobre o estado das coisas, falava-se sobre o mundo e das condições da guerra”, recorda. “Ainda hoje nos encontramos para almoçar, somos bastante amigos, mantivemos uma relação para além de algumas divergências em determinadas temáticas”, prossegue, sem especificar.

Os contos da África do Sul

Em vésperas da Revolução de Abril, Mário Crespo, que sai da tropa em fevereiro de 74, e a mulher mudaram-se para Joanesburgo. É aí que Eduarda Lacueva se cruza com Mário Crespo, no serviço de língua portuguesa no South Africa Broadcasting Coorpoation (SABC). “Eu comecei a trabalhar em fevereiro de 1974 e o Mário chegou pouco depois de mim. Curiosamente, saímos de Moçambique antes da Revolução. A função dele era receber telexes e lembro-me de que ele costumava escrever uns contos imaginados por ele na máquina de escrever que tínhamos no SABC”, recorda Eduarda Lacueva.

Sobre a veia literária de Mário Crespo, nada adianta. Mas lembra-se do “sentido de humor apurado” e do “talento para a escrita”. Mas não só: “Ele sempre foi muito polémico, sempre adorou uma bela guerra.” Mesmo tendo sido próxima do pivô, havia contudo um jornalista de quem Mário era mesmo muito chegado: “Ele andava sempre com o Ricardo Branco, até lhes chamávamos as manas”, diz Eduarda. Apesar das insistentes tentativas, não foi possível chegar à fala com este colega de longa data de Crespo.

Na SABC, relatou Mário em entrevista, conciliou a faculdade, Witwaterstrand [o meio académico frequentado por Helen] e a ascensão fulgurante na rádio. “Cheguei a chefe de redação na central da rádio, não na parte portuguesa. Digo isto com toda a arrogância, pesporrência e orgulho: fui chefe de redação da SABC e não era qualquer gajo que era”, disse ao Sol. Local onde se manteve, relata, até 1981. Nessa data, Mário faz as malas e regressa a Portugal, mas sem Helen. “Ele saiu daqui, creio, um pouco para se curar desse amor. Foi para Portugal, depois para a América e perdi o contacto”, afirma Lacueva.

Tony de Freitas soube do divórcio pela voz de Helen e teve dificuldade em refazer-se da surpresa. “Foi um desgosto muito grande para mim. Eles costumavam passar férias comigo em Durban e nada dava a entender tal coisa”, conta este investigador que ainda hoje agradece a Mário ter-lhe “salvo os filhos” por altura da revolta em novembro de 1974, em Moçambique. “Ele veio buscar a mãe a Joanesburgo e conseguiu vaga no comboio. Cheguei à plataforma com a minha mulher e os meus filhos e aquilo era a balbúrdia total. De repente, ouço alguém chamar-me e era o Mário. Pedi-lhe para levar os filhos e a minha mulher e ele ajudou-me. Foi a mão de Deus que o colocou ali.”

“Primeira notícia foi sobre África”

Chegou à RTP em 1982 e recorda-se de que a primeira notícia que escreveu “foi sobre África”, relembrou Crespo em tempos. Mário Zambujal tem outro tipo de memórias. “Costumo ver o Jornal das 9 [na SIC Notícias] e recordo-me da equipa da RTP que fazia o programa Fim de Semana. Era uma equipa forte, onde estavam também, entre outros, o Alcides Vieira, o Carlos Fino, o Joaquim Furtado, o Cesário Borga e o Jorge Simões.”

O jornalista e escritor diz à NTV que já na época em que iniciava carreira na RTP Mário Crespo era “muito sóbrio, tranquilo, mas com sentido de humor, e trabalhava impecavelmente”. Zambujal conta que “nunca houve qualquer conflito” na equipa que coordenava. “Apesar de haver pessoas de várias cores políticas, isso nunca afetou o relacionamento entre nós”, garante. O mesmo grupo trabalhou depois com Mário Zambujal no programa Semana Que Vem e a “boa relação” mantém-se até hoje. “Já me cruzei com ele na SIC umas duas ou três vezes e cumprimentamo-nos com alegria”.

João de Sousa foi convidado pelo próprio Crespo a integrar a equipa da RTP como correspondente de Moçambique. “Ele era muito exigente com os trabalhos e queria sempre que eu olhasse para a notícia não apenas de forma noticiosa, mas também pelo lado do comentário”, recorda este jornalista aposentado que chegou a receber “telexes dele a dizer que não tinha gostado deste ou daquele ponto na forma de abordagem e dava sugestões”.

Em 1986, Mário Crespo foi recrutado por indicação de Joaquim Letria para alternar com este a apresentação do Jornal das 9, na RTP2. “Curiosamente, é como se chama o jornal dele na SIC Notícias, mas já nada me espanta”, brinca o jornalista. “Comecei por apresentar o jornal sozinho, mas ao fim de algumas semanas tornou-se cansativo. Foi então que indiquei o Mário Crespo. Eu apresentava uma semana, ele outra”, recorda. Joaquim Letria acrescenta que a relação com Crespo “foi boa”, ainda que não mantenham o contacto. “Ocasionalmente, quando nos encontramos falamo-nos.”

Foi numa dessas conversas que Letria, mais tarde, ficou a saber que Crespo estava na prateleira da RTP. E arranjou-lhe trabalho na universidade onde lecionava.

Mário Fino e Carlos Crespo

Carlos Fino, que sucedeu a Crespo em Washington, não teve oportunidade de falar sobre o amigo com quem, nos anos 80, ia de férias para o Algarve com a família. Mas José Manuel Barata-Feyo lembra-se do tempo em que ambos, estando em polos opostos no mundo, não passavam um sem o outro. “Até diziam que era o Mário Fino e o Carlos Crespo”, recorda o jornalista, havendo quem se confundisse com os apelidos dos dois correspondentes, como no episódio que Barata-Feyo conta: “Eles eram muito amigos e uma vez em que coincidiram em Lisboa, viajaram até ao Algarve. A meio da viagem, foram mandados parar pela BT e foi uma confusão, porque a carta de condução do Carlos Fino era soviética e o carro do Mário Crespo tinha matricula sul-africana, além de que os polícias também não sabiam bem quem era um e outro. Já não sei se apanharam uma multa ou não”.

Amizades à parte, sucedem-se os relatos de relações difíceis na RTP. “Ele não é uma pessoa fácil”, conta à Notícias TV um funcionário da empresa pública. Este trabalhador, que pede para não ser identificado, justifica isso com “algumas cenas complicadas” protagonizadas por Crespo. “É conflituoso e tem uma relação difícil com algumas pessoas. Especialmente quando as mesmas estão abaixo dele, já que aos superiores tem respeito”. Uma outra fonte, também da RTP, recorda que Crespo “também passou por um mau bocado” quando regressou dos Estados Unidos. “Foram tempos muito complicados. Os correspondentes da RTP não são apenas isso, mas têm de gerir a delegação”.

Uma nova paixão

No plano pessoal, entretanto, Mário Crespo partilhava já a vida com a jurista Maria Leonor Alfaro, que sempre conhecera da sociedade de Lourenço Marques. “Ela tem menos dez anos do que eu. Conhecia muito bem a família dela. Frequentávamos o mesmo clube de vela de Lourenço Marques. Lembro-me de a ver no grupo”, recordou o jornalista ao Sol. Nestes anos 80, os Crespo viviam na Av. António Augusto de Aguiar, no centro de capital, e o jornalista tornava-se pai pela primeira vez de Ricardo, em abril de 1985. Hoje, Maria Leonor Alfaro e Mário Crespo vivem numa moradia, na Ajuda, mas a mulher também se escusou a prestar declarações para este trabalho.

Por essa altura, o pivô já teria um barco atracado em Belém. O jornalista Carlos Narciso conhece bem a paixão do pivô pela vela, que domina desde os 10 anos. “Velejei com ele duas ou três vezes. A vela é um escape fantástico”. Gosto que Mário tem partilhado com Garcia Pereira, seu advogado na batalha contra a RTP em finais de 90.

“A Capital” não era o seu aquário

Outubro de 1988 corria ao sabor do outono quando Mário Crespo foi pai pela segunda vez, de Eduardo, e entrou no jornal A Capital, pela mão de Francisco Pinto Balsemão, tendo dirigido o então vespertino até outubro do ano seguinte. “Quando o Balsemão comprou A Capital convidou o Mário Crespo para diretor”, recorda Áppio Sottomayor, que à época era chefe de redação, demitindo-se depois do cargo. “Ele apenas ficou um ano. A linguagem não era a mesma, já que ele era da televisão e não se sentia como peixe na água”.

Áppio Sottomayor recorda-se de Mário Crespo como “um diretor que vibrava muito com os acontecimentos e queria escrever cobras e lagartos”. A chefia de redação tinha de intervir “para pôr água na fervura”. Crespo tinha o seu gabinete, mas “passeava pela redação e tratava bem toda a gente. Ele era muito popular”. Só que ao fim de um ano, abandonou A Capital para retomar a carreira na RTP. “Não era o seu aquário e mudou de águas, regressando às lides televisivas”.

Washington: Louco por feiras de garagem

Televisão, sim. Mas fora de Portugal. Após um mês em Telavive e Jerusalém, Israel, Mário segue para a capital norte-americana. Primeiro sozinho, depois com a mulher, Leonor [tratada por Nora], a enteada Denise e os filhos Ricardo e Eduardo.

É nesses seis anos de trabalho para a RTP e conflitos com a estação pública que conhece Susan Henderson. Hoje, ela é chefe de operações da Associated Press, mas à data era responsável pelo gabinete da Eurovisão que albergava a delegação pública. “Começámos por ter algumas discussões por causa do tempo que ele dispunha para o satélite. Ele puxava sempre tudo até à última, por vezes era complicado”, recorda Susan à NTV.

Com o tempo, porém, foram acertando agulhas. “Ele sempre foi muito trabalhador, muito dedicado. Ao mesmo tempo, tinha um grande sentido de humor”, conta. Foi visita de casa em Cabin John, zona do estado de Maryland, perto do rio Potomac, e elogia Mário como um “homem muito apaixonado pela mulher e muito romântico”. Tinha, contudo, uma grande perdição: “Ele era doido pelas vendas de garagem que se faziam aos sábados, não parava de comprar tralha.”

Enquanto esteve nos Estados Unidos privou com o antigo correspondente da RTP Luís Pires – consta que “mesmo tendo revelado ser ateu”, Mário foi padrinho de batismo do filho daquele jornalista. Uma informação que o próprio Luís Pires não quis confirmar, por não ter querido falar sobre o seu antigo amigo. Luís Costa Ribas, antigo correspondente da SIC nos Estados Unidos, onde permanece agora como colaborador eventual da estação, também não quer recordar os tempos que conviveu com Crespo. “A nossa relação era profissional e estávamos aqui apenas para competir”, explica.

Susan Henderson tem saudades de Mário e lamenta a maneira como ele saiu de Washington, por altura de 1997 e a pedido da RTP. “Ele não estava seguramente preparado para ir embora, não foi uma fase fácil”, garante.

Grande desaire: não ter sido diretor na RTP

Mário nunca escondeu que foram os três piores anos da sua vida – até ir para a SIC – e ainda hoje é recorrente falar do caso. Foram anos em que lamentou não ter trabalho, ter sido isolado num local à margem da sede da RTP. Isto depois de ter apontado o dedo à estação pública de, por várias vezes, não ter exibido peças que chegara a enviar dos Estados Unidos e de ter havido confusões com dinheiros públicos.

Esta é a fase sobre a qual quem está do outro lado, na RTP, se recusa a falar. Sob anonimato, há quem descreva um Crespo que “mudou completamente depois de Washington. Assim que os chefes deixavam de lhe dar as coisas para ele fazer, ele anotava em papéis tudo o que as pessoas lhe diziam, até o bom dia'”, conta quem o acompanhou de perto.

Em 1999 chegou a ser suspenso por oito dias, sem auferir salário, por ter vindo a público denunciar gastos e relações privilegiadas entre um programa de Mário Soares e a fundação. “A administração chamava-o à atenção e ele considerava uma deslealdade”, responde uma das fontes contactadas.

Dois anos depois de ter começado a trabalhar na SIC Notícias, Mário Crespo surpreendeu tudo e todos ao declarar à TV Guia: “Adorava ter sido diretor da RTP”, considerando “uma das mágoas” não ter ocupado esse lugar. “A televisão pública prejudicou-se a si própria no processo do meu afastamento”, afirmou, reiterando que “não há perdão possível”.

Rangel deu-lhe emprego

Foi o próprio jornalista que pediu emprego a Emídio Rangel quando soube que este preparava um novo canal de notícias. Cansado de não fazer nada, Crespo pediu-lhe trabalho na SIC Notícias. Um pormenor que Emídio Rangel, diretor-geral em Carnaxide à data do caso, descarta, não minimizando o drama. “O Mário Crespo era jornalista na RTP, não tinha qualquer proximidade com ele, mas sempre me causou grande aflição ver um jornalista com bastante experiência e capacidade desempregado. Na altura, houve várias pessoas que me alertaram que ele estava a ficar doente por estar desempregado”, recorda Rangel, lembrando que não foi “nada difícil convencer a estrutura da SIC a aceitar Crespo” nas suas fileiras.

Os tempos na SIC correram de feição segundo uns, “não foi pacífica” segundo outros. Várias fontes contactadas pela Notícias TV afirmam que Mário Crespo “tem humor por vezes variável” e “ideias muito vincadas sobre o que considera ser importante”. “Mas muitas vezes basta uma conversa”, contemporiza quem o conhece, sendo muito afável com os “mais novos”.

A relação com o diretor do canal à época, Nuno Santos, era cordata. “Não se conheciam pessoalmente mas desenvolveram uma boa relação. O Nuno, que estava a criar a equipa da SIC Notícias, esteve com ele algumas vezes. Lembro-me de o Rangel ter dito ao Nuno que uma figura com o peso do Mário seria importante para uma redação tão jovem”, conta quem testemunhou.

Contactado, Nuno Santos, hoje diretor de Informação da RTP, e que nas últimas semanas não escondeu o seu desagrado pelas afirmações que Mário Crespo fez sobre a sua antiga empresa, não quer falar. Também Ricardo Costa, antigo diretor da SIC Notícias e agora no Expresso – palco de desavenças entre Crespo e Costa já durante este ano, levando à suspenção da crónica -, se reserva ao silêncio. Já o atual responsável do canal noticioso, António José Teixeira, descreve-o como “uma pessoa agradável, sempre com um sorriso”. “Ele inquieta-se com o seu tempo, procura encontrar boas razões para as coisas. É um homem exigente, culto, com ideias próprias e que também sabe ouvir.” Quanto a defeitos, “todos temos”, responde António José Teixeira, prosseguindo: “Não há um que sobressaia.”

Toca viola e canta êxitos dos anos 60

O responsável pela Informação do canal da Impresa, Alcides Vieira, também lhe elogia “o sentido de humor, uma grande bagagem cultural e grande paixão por livros e música”. Alcides é das poucas pessoas que conhecem uma das facetas do pivô da SIC. “Não gosto de falar da vida íntima das pessoas. Mas lembro–me de que fazia umas festas quando vivia na Parede, onde tocava viola e cantava”. O repertório musical do jornalista tinha por base os êxitos dos anos 60. “Lembro-me de o ouvir cantar Beach Boys, por exemplo. Toca bem viola e tem uma boa voz”, afiança.

Uma fonte da SIC que conhece bem Mário Crespo reconhece que este “deve ser o pivô mais pressionado em Portugal”. E esclarece: “O espaço dele é diferente do Telejornal e dos restantes jornais das generalistas. O Jornal das 9 é um espaço de cruzamento de opiniões, além de ter o seu cunho. Por isso é que o jornal se confunde com ele e o Crespo está sempre sob os holofotes da crítica.”

Política à mesa com Luís Marques

O diretor-geral da SIC não esconde a admiração que tem pelo pivô do Jornal das 9. “Temos uma excelente relação profissional porque ele tem qualidades que admiro numa pessoa. O Mário Crespo é um homem frontal, um bom jornalista e um jornalista com convicções. Há quem goste e quem não goste”.

Ainda assim, foi Luís Marques quem, na semana passada, falou com o pivô para que o episódio dos milhões da RTP “ficasse por aqui”.

Marques conta que a relação que tem com o pivô não se restringe à SIC. “Às vezes vamos almoçar e confesso que é alguém que me dá prazer”. Um dos temas que não falta à mesa “é a política, quer nacional quer internacional”. A relação entre o diretor-geral da estação privada e Mário Crespo começou na 5 de outubro.

“Quando fui para a RTP como administrador acabei por ser eu a resolver com o Mário Crespo e com o seu advogado o diferendo entre ele e a estação”, recorda. Agora, voltou a ser ele a “pôr água na fervura”, sobretudo depois das vozes críticas que se ouviram na RTP. Carlos Daniel e António Esteves lideraram o processo de indignação.

Para Luís Marques, as polémicas “nunca beliscaram” as relação do jornalista com a direção da estação de Carnaxide. “Umas são mais confortáveis para nós do que outras. Nunca foram uma dor de cabeça. O Mário Crespo é uma mais-valia para a SIC”, diz o responsável, apesar de, à boca cheia, pelos corredores de Carnaxide, haver quem comente os frequentes atritos entre Mário Crespo e outros jornalistas seniores. Confrontado pela Notícias TV com esses episódios, Rodrigo Guedes de Carvalho, subdiretor de Informação e pivô do Jornal da Noite, remete-se ao silêncio lapidar. “Sobre o Mário Crespo não falo”.

 

 

3 comentários »

  1. Olá António,

    Obrigado por publicar aqui a entrevista. Sobretudo, porque tive a oportunidade de, através dela, “conhecer” um pouco mais sobre este, penso eu, excelente profissional.

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    Comentar por José Viegas — 30/09/2012 @ 12:10 pm

    • Obrigado e um abraço José, achei interessante e digno de ser guardado aqui para vermos. Concordo que o M Crespo está acima da média da maioria dos que fazem jornalismo televisivo em Portugal. Aliás, como já o provou antes, ele está ao nível do melhor que há no mundo.

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      Comentar por ABM — 02/10/2012 @ 7:47 pm

  2. Totalmente de acordo. Um grande abraço de volta.

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    Comentar por José Viegas — 04/10/2012 @ 6:08 am


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