THE DELAGOA BAY REVIEW

20/07/2020

O PANO DE FUNDO PARA UM FILME DE TERROR

Presumo que por mera coincidência, em Outubro de 2019 a estaçãozinha pública de televisão de Portugal, paga com anúncios de publicidade e por uma taxa mensal imposta a quem consome electricidade no território português, mudou a música que usa para abrir o seu principal telejornal, às 20 horas (hora de Portugal, que é também GMT ou UTC).

Penso que a razão formal foi assinalar o 60º aniversário do telejornal da televisão estatal.

Gostaria de dizer que a obra em si, originalmente concebida por César Veríssimo e com arranjo de Anne Victorino de Almeida, interpretada por uma orquestra que não sei quem são e dirigida por Joana Carneiro, é soberba. Magnífica. Faz a versão anterior parecer música de elevador.

Mas tenho outra interpretação.

Outubro de 2019 assinala também uma mudança em Portugal e no mundo, para pior. E na altura ninguém sonhava o que estava para vir da China.

Em Outubro houve uma eleição parlamentar em que, essencialmente, foi reforçado o clima geral de “socialismo de esquerda” instaurado pelo golpe de António Costa em 2015, criando a Geringonça, nas costas dos enormes aumentos de impostos feitos pelo governo anterior (o de Passos Coelho) por sua vez em resposta à crise de 2008 e gritante e escandalosamente agravada pelo governo de José Sócrates.

Para todos os efeitos práticos, deixou de haver direita política em Portugal.

Desde 2015, Costa manteve os impostos altos e distribuiu uns dinheiros por aqui e por ali, cortando ao mesmo tempo despesas ali e aqui. Com taxas directoras perto dos zero por cento, permitindo ignorar o efeito arrasador de uma dívida pública de 140% do PIB, os socialistas dançaram com taxas e taxinhas e a economia lá foi seguindo anemicamente, ajudada em parte por um crescimento do turismo e pelo wishful thinking de tanta gente que confundiu um “novo” Portugal, aparentemente moderno, bonito e acolhedor como um porto seguro, para os nacionais e para os turistas.

Foi e é tudo menos isso. Para a “recuperação da crise de 2008, o brutal aumento de impostos foi acompanhado pela emigração de mais que 500 mil portugueses em idade de trabalho. Para ajudar a contrariar a razia demográfica, Costa abriu as fronteiras a uma cacofonia de estrangeiros que as pessoas nem entendem bem quem são.

Em termos de capital, o país está a saque de entidades estrangeiras, pois o capital nacional, largamente, inexiste.

Assim, o final de 2019 fazia prever a chegada de tempos difíceis.

Mas os seis meses que se seguiram mostraram que isto vai ser muito pior.

Curiosamente, o surgimento da Pandemia teve a dúbia vantagem de constituir, para o Partido Socialista de Portugal, uma quase perfeita justificação para os tempos difíceis, ainda que de forma espectacular: por um lado, a dívida pública vai ascender a níveis estratosféricos, acima de 150% do PIB. Por outro lado, a desgraça já é tal que a União Europeia viu-se forçada a dar milhares de milhões de euros ao governo de António Costa, para mitigar a catástrofe, que no momento em que escrevo estas linhas, ainda não se fez sentir minimamente a sério.

Portanto, se, nos últimos três anos, o Exmo. Leitor habituou-se a quase diariamente, ligar o noticiário da RTP à noite para observar as diatribes do Sr. Donald Trump e as notícias oficiosas do Regime, prepare-se para começar a assistir à mega-operação de relações públicas com o fim de mitigar os efeitos da Pandemia. Que, prevejo, mais vai parecer um filme de terror.

A desgraça transmitida ao som belo, dramático e prenunciador de algo que não é pacífico, nem bom, nem que vai acabar bem, e que segue em baixo.

Quão épico. Quão apropriado.

A actual canção de abertura do Telejornal da RTP.

14/05/2019

HENRY KISSINGER EM LISBOA, 17-18 DE DEZEMBRO DE 1973

Imagem retocada.

Saiu na rifa a Henry Albert Kissinger, o 56º Secretário de Estado norte-americano, durante os mandatos de Richard Nixon e Gerald Ford, lidar com o golpe militar de Abril de 1974 em Lisboa, que abriu o caminho, algo precipitado, para a independência das colónias portuguesas, Moçambique incluído.

Supostamente, quer Henry Kissinger quer a diplomacia dos EUA, com as mãos meio atadas pelas sucessivas crises e episódios, desde o derrube de Allende no Chile, à Guerra de Yom Kippur no Médio Oriente, ao escândalo de Watergate, foram apanhados desprevenidos (mas provavelmente não surpreendidos) pelo acontecimento.

Em Outubro de 1973, o ataque dos vizinhos árabes a Israel quase sucedeu, não fosse o apoio maciço dos americanos através de um enorme esforço a partir dos EUA e que incluía uma ponte aérea entre os dois países, que necessariamente incluía a utilização da base aérea operada pelas forças armadas norte-americanas na ilha açoriana da Terceira, no arquipélago dos Açores.

Para tal, nos termos dos acordos com Portugal, para fazer tal uso, o governo dos EUA teria primeiro que pedir autorização de passagem dos aviões (houve uma altura em que aterrava e descolava um avião a cada cinco minutos).

Os portugueses, a braços com a guerra colonial, tentaram aproveitar a oportunidade para tentar obter dos americanos alguns equipamentos militares especializados. Kissinger falou com o ministro português português da altura, o jovial Rui Patrício, último ministro dos Estrangeiros de Caetano e do regime. Kissinger terá basicamente dito que ia pensar no assunto mas que entretanto os primeiros aviões da ponte aérea para Israel começavam a aterrar na Base das Lajes dali a cinco minutos.

Mais tarde, mandou um telex a dizer “obrigadinho” ao governo português, disse que mandassem a lista dos equipamentos militares para análise, que basicamente eram para mandar no dia de São Nunca à tarde e, nos dias 17-18 de Dezembro de 1973, esteve em Lisboa para basicamente dar uma dose de charme, durante uma das suas tournées internacionais. Pesem as teorias de conspiração, os americanos eram reticentes em relação a Portugal e ao que andava a fazer e não queriam ser vistos como apoiantes declarados da ditadura. O que facilitou grandemente a vida aos apoiantes da Libertação. Ademais, os EUA não tinham qualquer interesse estratégico na zona a não ser evitar que se tornasse uma coutada soviética, e mesmo aí quando se tornou de facto uma coutada soviética, deixaram andar e o resultado foi o que foi: dez anos depois Samora estava de visita a Washington e a dizer que afinal não era bem comunista. Reagan achou imensa piada e Chester Crocker deu-se palmadinhas nas costas.

O uso da Base das Lajes pelos americanos, implantada no meio do Oceano Atlântico na mesma ilha onde Gungunhana tivera exilado e onde morreu, foi um dos principais travões usados por Salazar no início da década de 60 para condicionar o “militantismo independentista e descolonizador” da Administração Kennedy em relação a Portugal. No que basicamente sucedeu. Após o assassinato de Kennedy em Dallas (22 de Novembro de 1963), o seu sucessor, Lyndon Johnson, basicamente, para além do Vietname, mostrou que tinha muito pouco interesse em conflitos de segunda ordem em locais exóticos.

Durante a visita do Secretário de Estado norte-americano a Lisboa, 17-18 de Dezembro de 1973, posando junto ao monumento aos Egrégios Avós que Criaram o Império lá junto ao Tejo em Belém. Da esquerda: 1) (?)(diplomata português); 2(?); 3) Henry Kissinger; 4) Rui Patrício, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal.

01/11/2018

BALTAZAR REBELO DE SOUSA NA MATOLA, 1969, E ILACÇÕES

Da Colecção CC. Imagem retocada e colorida por mim.

 

Imagem colhida durante uma visita protocolar do então Governador-Geral de Moçambique, Baltazar Rebelo de Sousa à  Matola (penso), com a mulher e uma comitiva de madames, 1969. Ver e ser visto por uma audiência maioritariamente negra e rural/suburbana num ambiente aculturado e informal foi uma inovação quase insólita do tradicional estilo “régio”colonial, peculiar a este Governador, cujo mandato, por breve, e por constraste com os antecessores e sucedâneos, que eram digamos que significativamente mais manga-de-alpaca, ficou caracterizado quase somente por isso . Ajudou coincidir com uma certa expectativa optimista de que a sucessão de Caetano a Salazar viria a alterar o regime e ainda que a economia moçambicana crescia a um ritmo quase incrível, incluindo o anúncio da edificação de Cabora-Bassa, sustentando o delírio colonial do “estamos para ficar”. Sendo que na altura não se podia falar da guerra nem de questões relacionadas senão ia-se dentro. No cômputo geral, no entanto, esse ano e meio, mesmo tendo em conta o assassinato do Dr. Mondlane, que foi breve (e erradamente) visto como um recuo para a guerrilha da Frelimo, foi quase completamente irrelevante para o regime e para o futuro de Moçambique. Pelo contrário, foi uma ilusão e uma distracção. Mas tem a particularidade de ser memorável por isso, e também por esse estilo ter sido unicamente absorvido, décadas mais tarde, por um seu filho, que veio a ser eleito presidente da república portuguesa e o tem aplicado consistentemente, ao ponto de se confundir o estilo do cargo com a substância. Para quem conheceu e viveu aquele breve período na capital de Moçambique, Marcelo não tem sido presidente de Portugal. Tem sido o Governador-Geral de Portugal. Que já declarou que, quando um dia morrer, quer ser sepultado na antiga colónia que o Pai um dia, brevemente, governou.

20/04/2018

O CASO EMATUM DE JOSÉ SÓCRATES

Filed under: José Sócrates, O CSO Ematum de Sócrates — ABM @ 1:39 am

O Ministério Público português agiu.

20/07/2013

À BEIRA DO ABISMO, MAIS UMA VEZ

Filed under: A grande crise de 2013 — ABM @ 11:46 am

O actual impasse político, as suas causas e o que

O actual impasse político português, as suas causas e o que despoletou o processo nas últimas duas semanas só me fazem ocorrer uma frase, inspirada no grande Winston Churchill. À excepção de 1974-1977, nunca vi tanta incompetência, tanta falta de bom senso, como tenho visto na televisão e lido nos jornais nas últimas duas semanas. E, para variar, não escapa ninguém.

25/04/2013

A SÍNDROME DO PODER MODERADOR PORTUGUÊS

Há trezentos anos que a mudança está institucionalizada através do conceito da revolução. Parece que para muitos esse paradigma ainda não mudou.

Por muito odiado que se diga ser assim, há duzentos anos que a mudança está institucionalizada no sistema político português através do conceito da revolução. Parece que para muitos esse paradigma ainda não mudou.

Numa celebração assinalada com aquele entusiasmo datado com que hoje a maior parte de quem se lembra (por exemplo) do concerto de Woodstock, realizado em 1969 nuns campos adjacentes à vilória com o mesmo nome do Estado norte-americano de Nova Iorque,  os eleitos portugueses juntaram-se no edifício do parlamento português na manhã deste dia 25 de Abril de 2013, para recordar o pronunciamento militar que em 1974 deu por finda a agonia marcelista e o impasse do regime de então.

Do lado esquerdo, celebrou-se a festa e o atentado comuna que se seguiram e a instauração da República Socialista – agora ferida de morte – enquanto que do lado direito ruminou-se e pouco mais.

Ou seja, enquanto simbologia, transmitida ao vivo pelas estações de televisão, aquilo foi uma seca tão má como me lembro, tenuamente, de terem sido, nos anos 60 e 70 até 74, as comemorações da “gloriosa revolução nacional” que em 1926 enterrou quase de vez a Primeira República.

Só houve uma diferença.

Essa diferença, no entanto, marca uma outra continuidade.

A diferença consistiu no mais uma vez apagado e pouco inspirador ponto feito pelo Presidente português, a respeito de qual deverá ser o seu papel no actual firmamento político e contexto em que o seu país vive.

Em resumo, Cavaco Silva aproveitou esta missa sacra de um feriado que só por milagre e conveniência escapou a recentes cortes, para publicamente afirmar duas coisas.

A primeira é que, do seu ponto de vista, o ordenamento político-constitucional-social do momento está a funcionar adequadamente.

A segunda é que não contassem com ele para interferir nesse actual quadro.

Ora, em termos curtos e grossos, Aníbal Cavaco Silva achou por bem alinhar-se a 100 por cento com o actual governo, liderado por uma coligação entre o PSD e o CDS.

Isto num momento de uma crescente agudização dos efeitos da falência do actual regime.

Sendo sua prerrogativa, há algo que não entendo, quer na postura que Aníbal Cavaco Silva escolheu divulgar, que no próprio sistema político português.

Façamos um pouco de reflexão histórica.

O actual ordenamento constitucional português, em traços largos, e peque toda a nefasta propaganda com as sucessivas revoluções nos últimos 200 anos, não mudou significativamente desde que o mercurial Dom Pedro IV enfiou a Carta (e o hino) pela goela dos portugueses dentro. Para além de uma nojenta mas fascinante trica familiar entre os Bragança, essa imposição levou décadas e incluiu tanta revolta e reviravolta que o Século XIX português foi essencialmente um século horribilis da sua história, pois o modelo levou tanto tempo a ser aceite (ou imposto) e entretanto destruiu-se mais do que se fez.

E mesmo aí, logo a seguir foi prontamente tomado e adulterado pela nascente e crescente burguesia lisboeta.

Que, quando, mesmo aí, tal não lhe agradou a percentagem do pecúlio, tornou-se “republicana”.

Ora, se se ignorarem as tradições, a principal diferença entre os regimes monárquico e republicano reside na figura ao topo, o monarca ou o presidente.

E entre esses, a diferença é que o presidente é escolhido por eleição para um mandato relativamente curto, o rei não era nem podia ser eleito, e exercia o seu reinado enquanto estivesse vivo e são.

O que não se alterou significativamente foram os únicos poderes consagrados dessa figura cimeira – o chamado “poder moderador”.

Para mim, que assisto de fora e de longe, este atributo é uma espécie de solução luso-rasco-latina, inventada para lidar, como uma espécie de fusível de sistema, para o caso desse sistema entrar em curto-circuito. Ou seja, se as pessoas, os partidos, o parlamento, as instituições não funcionarem, está previsto que o monarca, ou o presidente, intervenham, de forma não especificada, no sentido de dar um choque e – espera-se – restaurar a situação para um simulacro de normalidade e operacionalidade..

Para além de uma sumária ganância pelo poder e pelas suas mordomias, as infâmias, os assassinatos e a conspiração que finalmente derrubou a monarquia portuguesa em 1910,  tinham apenas como fim fazer com que os agentes políticos – na altura uma ditadura reles liderada por uma gang lisboeta que se auto-intitulava Partido Republicano Português – pudessem também passar a controlar esse poder.  O resultado foi, para variar, o caos quase completo, interrompido mais tarde durante meio século pela mão hábil e sinistra de António Oliveira Salazar.

Com o pronunciamento militar organizado pelo moçambicano Otelo e os seus “camaradas” em 1974, surgiu de seguida uma “nova” burguesia, filha e neta da de 1910, que retomou o assunto do pecúlio. misturando ao meio o delírio da República Socialista, que tinha por fim criar uma sociedade “sem classes”, em que a todos seria garantida uma vida decente. Na realidade, tudo não passou de um cheque em branco para se poder roubar alegremente o erário público e incorrer em défices de proporções épicas, agora impagáveis.

Na nova dispensação constitucional portuguesa após 1974, permaneceu o parlamentarismo sui generis português, e, no topo, uma espécie de presidente-rei, que vive no velho e minúsculo palácio de Dom Carlos e Dona Amélia, e exerce praticamente o mesmo poder moderador do anterior residente com sangue azul.

O problema é que o exercício desse místico poder moderador enfrenta – sem solução à vista – os mesmíssimos desafios enfrentaram quem o exerceu quer na monarquia, quer na primeira república. No reinado de Dom Carlos, ainda hoje é agonizante ler-se as notas deixadas pelo Rei, perante um sistema em quase perpétua colisão e incapaz de usar o seu mandato para procurar e implementar as soluções que o País exigia. Na primeira república esse exercício tornou-se dilacerante. Durante o Estado Novo, Salazar açambarcou-o e protegeu-o com uma ditadura, e mesmo assim, no fim, Américo Tomás, tendo-o efectivamente, usou-o erradamente, não desbloqueando a ditadura, entregando o poder à rua.

E aqui estamos em Abril de 2013, assistindo a Aníbal Cavaco Silva – e o eleitorado português – enfrentando os mesmos desafios. O elusivo poder moderador que consiste na única parte não cerimonial do cargo que desempenha, para pouco serve, e em pouco assiste os portugueses na procura de soluções e confronto das dificuldades presentes. Pois na face de grande confrontação política, a sua intervenção não é aceite como forma de desbloquear ou de prevenir o caos. Os portugueses – alguns portugueses – não aceitam que o chefe de Estado seja ao mesmo tempo árbitro e jogador.

Ora, a prerrogativa presidencial, nos termos da constituição, permite-o.

A República Socialista portuguesa já não existe, simplesmente porque é inviável. Na forma, ainda persiste, com o seu texto constitucional repleto de promessas de farturas e oportunidades regiamente garantidas, incluindo na permanência, na constituição, do poder moderador do presidente, esta espécie de fóssil da Era de Montesquieu.

Até quando?

Pois que, a alternativa, nestas circunstancias, é fazer revoluções.

Entretanto, a crise continua.

03/03/2013

COMO SE ENFRENTA UMA CATÁSTROFE ECONÓMICA E SOCIAL EM PORTUGAL, 2013

Filed under: A grande crise de 2013, Politica Portuguesa — ABM @ 4:46 pm

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Realmente se este povo não existisse, teria que ser inventado.

27/01/2013

OS HERÓIS VALENTES E IMORTAIS: QUEM VERDADEIRAMENTE GANHOU COM O ESTADO SOCIALISTA, 1974-2008

Filed under: Os Heróis Valentes e Imortais — ABM @ 8:21 pm

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Há ainda demasiada gente em Portugal que simplesmente não entende, nunca entendeu, o que é que aconteceu que levou Portugal à falência em meados de 2009 e, subsequentemente, “forçou” o governo do dia, e o que se seguiu, a tomarem medidas predatórias para extorquir os dinheiros necessários para pagar as contas e ainda para sustentar os bancos falidos e suportar o rol de projectos de infra-estruturas que foram uma espécie de marca do Estado Socialista a partir do final dos anos 80.

Mais interessante, e quiçá mais importante, praticamente ninguém entende para onde foi o dinheiro.

Ou melhor, para o bolso de quem foi.

E como.

Os senhores em baixo – Paulo Morais e Pedro Bingre – no algo surpreendente fórum que é a sede da Associação 25 de Abril em Portugal, explicaram praticamente tudo o que interessa no dia 6 de Dezembro de 2012.

No conjunto, o que referem é, no fim do dia, o contabilizar dos débitos e dos créditos de um regime, e a manipulação de um país por uma elite, que, apesar de tudo o que se possa suspeitar, permanecem intocados.

É a história de uma elite parasita que a tudo recorreu, recorre e recorrerá, simplesmente para sacar o seu, preferencialmente em troco de nada, e que há 193 anos seguidos que põe e dispõe de uma nação para encher a sua barriga e a dos seus.

E, para a sanidade mental e informação dos exmos. Leitores desta Casa que se interessam por estas coisas, aqui coloco, e exorto a terem a paciência de ver e ouvir.

O que eles disseram. de uma forma tão inquestionávelmente clara, é quase chocante, não se tratasse isto de falar de Portugal, onde tudo parece ser possível.

A sua apresentação vem em cinco partes. Vejam e aprendam. Não custa nada.

PARTE 1 DE 5

PARTE 2 DE 5

PARTE 3 DE 5

PARTE 4 DE 5

PARTE 5 DE 5

11/09/2012

ANALISANDO AS MEDIDAS ADICIONAIS, 11 DE SETEMBRO 2012

“Plus ça change, plus c’est la même merde”. Ou coisa parecida. Às 21:59 horas, sentei-me em frente à televisão para ver os jornalistas da SIC Notícias tentar explicar as novas “medidas adicionais”, o novo eufemismo para a crescente miséria comunizante curiosamente imposta por uma alegada coligação de centro-direita, quando precisamente nove minutos depois de iniciado o noticiário, às 22:09 horas, soube-se que a equipa de futebol portuguesa havia vencido a dubiamente capaz selecção do Azerbeijão por 3 a 0. Imediatamente a crise e as “medidas adicionais” foram largadas e até à meia noite só se falou ad nauseum sobre a vitória azerbeijã. É para se ver quais são as verdadeiras prioridades nos média portugueses: futebol primeiro, crise para mais tarde. Nunca hei-de entender este país. Ou talvez entenda.

28/06/2012

PORTUGAL EM 2012: À PROCURA DA DESRESPONSABILIZAÇÃO

900 anos de pára e arranca, entre o infame e o sublime. Em 2012, está-se numa fase do infame.

O Zé Pedro Cobra achou por bem fazer o comentário no vídeo em baixo, batendo numa cultura nacional de (total) irresponsabilidade e do implícito no termo “faça-se” como corolário da mesma.

Mais profundamente, creio que se vive ainda os resquícios da ausência de um contrato social exequível entre uma classe dominante predadora e por vezes parasita que domina o sistema político e económico português desde meados do Século XIX, e uma multidão vasta, beata, miserável e despossessa, que sobrevive e que cada vez mais foi mais explorada pela primeira.

Momentaneamente, no delírio revolucionário e infantil logo após 1974, pensou-se que seria o contrário (os comunistas certamente o pensaram, e os socialistas tentaram, mas falharam redondamente) mas não. Nem pensar. Apenas saíram uns ladrões profissionais (Salazar, que apenas roubava as almas e a liberdade, estava fora de cena há seis anos) e entraram outros, mais amadores.

Mas aprenderam depressa.

A culpa é de todos, pois a prática, fartamente sancionada por leis que não funcionam, por tribunais que não funcionam, por pessoas que, num relativismo moral perfeitamente negociado, não consideram a irresponsabilidade criticável, é sancionada, tornando-se a norma social numa espécie de gangsterismo à escala industrial, em que o pequenino aldraba um pouco, e o grande aldraba correspondentemente mais.

E o país que têm no fim é resultado disso mesmo: uma incongruência venenosa, sempre irreconciliável a prazo e economicamente inviável, embrulhada numa bandeira verde e encarnada. Pois os ricos e os que mandam sempre acabam por beneficiar, lavando depois as mãos como Pôncio Pilatos da xafurdice nojenta que conseguem criar para extorquir o seu quinhão e os despossessos (ou a um minguante subsídio do desemprego para o serem) mesmo sendo conservadores e votarem PSD e CDS e irem à missa, acabam por ser enrabados, ficando com a farta conta por pagar, na forma de impostos e taxas acrescidos e um padrão de vida muito mais baixo.

Exceptuando os ricos que meteram o dinheiro em bancos situados em praças financeiras inauditáveis, através de entidades offshore imprescrutáveis, ser-se português no início do Século XXI é sinónimo de se ser pobre, de não se ter oportunidades na vida, com a novidade de agora isso abranger todas as gerações (pois não vai haver dinheiro para pagar reformas e a despesa médica, não como até agora).

“Faça-se, pague-se”.

O resultado que se vê estes dias ameaça tornar o regime numa espécie de socialismo conservador de chacha duma pseudo-direita fabricada, mais uma vez buscando mais um créditozinho externo para tapar o buraco e mais uma onda de emigração por parte daqueles (agora pobres mas supostamente educados) que ainda têm a vida pela frente e que querem ganhar algum, confirmando a impenitente incapacidade do país de se reformar e de responsabilizar as pessoas e as instituições apesar de tudo o que já se sabe.

Salazar e Cunhal lá em cima devem estar a rebolar-se no chão a rir, desta vez os dois juntos e pela mesma razão, para variar.

Mas eles são apenas o outro lado, quiçá mais quixotesco, da mesma moeda.

E essa moeda é esta cultura e mentalidade do sucesso através do favor, da cunha, do amigo que coça as costas do amigo, do algo em troca de nada, do querer ter e não querer pagar,  da mediocridade encapotada em graus académicos inventados,  das leis feitas à medida, com buracos também feitos à medida, da burocracia sufocante que emascula.

E, acima de tudo, da impunidade, a social e a formal.

O excentrismo português em relação à Europa não é só geográfico: é também mental, cultural e moral. E, infelizmente para os portugueses, os centro-europeus não querem pagar os custos inerentes à irresponsabilidade. Em parte porque, na medida do possível, não têm que o fazer.

Por isso o Zé bem pode fazer estes vídeos. E fez bem em fazer este. Mas na minha opinião, e por enquanto, ele está apenas a mijar contra o vento.

15/03/2012

A ENERGIA DOS LOBBIES DA ENERGIA

O próximo secretário de Estado da Energia português. O outro já foi. Veja em baixo porquê.

 

Não é interessante para mim que Henriques Gomes, se tenha demitido há dois dias do à primeira vista pouco interessante cargo de Secretário de Estado da Energia do governo de Pedro Passos Coelho.

Isto apesar de os portugueses, por razões que não estão directamente relacionadas com o mercado (que está em alta) estão neste momento a pagar, quase em termos absolutos mas certamente relativas ao seu poder de compra, a energia mais cara da Europa. Falo de gás, electricidade e combustível automóvel, que se aproxima dos dois euros o litro nalguns casos. Ao ponto de, nas fronteiras com Hespanha, já ninguém se abastece de gás e combustíel deste lado da fronteira.

O que me chamou a atenção para s sua demissão foram duas coisas: 1) as razões que o levaram a demitir-se, e 2) que se tenha sabido tão depressa.

Deixo o jornalista José Gomes Ferreira, da estação de televisão portuguesa Sic, que tem andado dentro destas coisas, explicar curto e grosso e depressa.

O QUE VALE A CONFIANÇA EM TEMPOS PERIGOSOS

2012 promete ser um ano muito mais interessante que 2011.

Já outro dia falei sobre isto: mas afinal o que é que os portugueses sabem que os outros não sabem?

Ou, alternativamente: o que é que os outros sabem que os portugueses não sabem?

Segundo os dados destes senhores, que citam estes senhores (Crédit Suisse Economic Research), está em curso e à velocidade máxima, o que aparenta ser a fuga maciça de depósitos bancários dos cinco países que compõem a linha da frente da Desgraça Europeia (Itália, Espanha, Grécia, Portugal e Irlanda), enquanto que olhando apenas para dois, que são a França e a Alemanha (por enquanto, e cuidado que os dados são de há dois ou três meses atrás) o volume de depósitos está a subir significativamente. (ver TABELA 1).

No entanto, e só por piada, fui ver os dados mais recentes do Banco de Portugal para os depósitos bancários nacionais, e os dados até final de Dezembro de 2011 indicam uma subida significativa (ver TABELA 2), maior que nos tais outros países para os depósitos estão a subir.

Isto sugere que, enquanto que os depositantes da Espanha, Itália, Grécia e Irlanda estão a tirar ou a transferir o seu dinheiro dos bancos locais a toda a velocidade, os portugueses depositam mais do seu dinheiro nos seus bancos do que nos últimos anos, bancos cujas actuais notações de risco estão piores que um Fiat Panda em segunda mão com 150 mil quilómetros.

É fantástico.

Das duas umas: ou os portugueses lá sabem o que estão a fazer.

Ou quando o martelo bater, o estoiro vai ser de proporções épicas.

O mais provável é que a maioria não sabe como é que se abre uma conta lá fora.

Ou não entende o que se está a passar.

Qual será?

Vamos esperar para ver.

TABELA 1. Enquanto os depósitos dos Euro Area Pig 5 caem abruptamente, na França/Alemanha sobem. Ajudava se estivessem aqui a Suíça e o Reino Unido e as suas praças offshore, para onde muito do dinheiro deve estar a ir.

TABELA 2. No meio da desgraça, parece que os Heróis do Mar Nobre Povo Uno & São Valente & Imortal, não só poupam muito mais mas metem-no todo no seu banco da esquina. De notar que a tabela mede, em percentagem, a velocidade do crescimento/decréscimo dos depósitos, mês a mês, anualizado. Em Novembro e em Dezembro, as figuras são 9.4% e 9.4% (Fonte: Estatísticas do Banco de Portugal, 20 Fevereiro de 2012)

12/03/2012

CAVACO SILVA – REFLEXÃO SOBRE UM PRESIDENTE EM FIM DE MANDATO

Aníbal Cavaco Silva, numa re-interpretação fotogáfica minha. Na verdade, estive a testar um programa que é suposto pintar fotografias a preto e branco e o resultado foi este. Serve para ilustrar o que tenho para dizer em baixo.

Os norte-americanos têm um nome para os presidentes durante o final do seu segundo mandato: lame duck . Que em português quer dizer qualquer coisa como “pato mole”. O termo é suposto traduzir a incapacidade do presidente, a partir de certo ponto do seu segundo e último mandato de quatro anos (em Portugal é cinco) de conseguir, ou até de ter legitimidade para, tentar tomar certas iniciativas, legislativas ou outras, especialmente após o seu sucessor ter sido escolhido.

Portugal não segue bem estes rituais, em parte porque os seus presidentes, dada a natureza parlamentar dos sucessivos regimes republicanos e o seu incestuoso alinhamento com os poderes “moderadores” da monarquia a partir da segunda metade do Século XIX, não mandam: “presidem”.

E presidir vale o que vale, dependendo muito de quem desempenha o cargo, das circunstâncias e, até certo ponto, do que diz aquela obra de rendilhados socialisto-democráticos que é a actual constituição.

Em princípio, formalmente, um presidente português pode fazer pouco em relação a um governo que não lhe presta vassalagem. Pode vetar as leis mas logo a seguir é fintado numa segunda votação. Pode mandar fazer algo eufemisticamente chamado “fiscalização preventiva da legislação”, que é uma forma muito portuga de mostrar que não acha piada ao que lhe é metido à frente para assinar mas que, à falta de melhor, manda para os senhores do Tribunal Constitucional dizerem de sua justiça. O resultado disso vai depender de se o douto tribunal está cheio de amigos, povoado de constitucionalistas convictos, ou se de facto o governo do dia é tão idiota que elabora leis inconstitucionais. A realidade tende a ser uma mistura das três.

Uma das formas muito populares de um presidente português tentar influenciar a agenda política nacional é ir à televisão e mandar papos. Os mandatos de Mário Soares só são memoráveis por isso e por ele agir como se fosse um monarca, fazendo “presidências abertas”. A imprensa, sem mais que fazer, ia a reboque.

Sendo que os portugueses actualmente seguem a política com base nos primeiros doze minutos e meio dos telejornais das televisões, que habitualmente ajem como se estivessem quase sincronizadas naquilo que sai nesses preciosos minutos. As máquinas partidárias e a entourage presidencial já sabem o suficiente para manipularem as coisas de forma a que a declaraçãozinha com a bombinha seja feita a tempo do vídeo voltar para a estação de televisão, ser tratado, editado, analisado e comentado, para sair como um acto político de significado “presidencial” às 20 horas, a hora tardia em que parece que a maioria dos portugueses assiste impávida aos noticiários, presume-se que sentada na mesa de jantar e com a colher de sopa na boca.

Nestas questões da comunicação política, os portugueses são ajudantes de ajudantes de amadores se comparados com o que se passa nos Estados Unidos, realidade que conheci e acompanho. Mas o PS de José Sócrates, ainda que duma forma mafiosa e aparolada, chegou perto de um grau elevado na arte da feitiçaria comunicacional. Houve dias em que eu pensava que os alinhamentos das notícias eram feitos num gabinete em São Bento pelos seus assessores (continuo a achar que foram). Por mais que uma vez, despediram jornalistas, puseram jornais e televisões em alvoroço, encostaram a Procuradoria Geral da República e a Polícia Judiciária à parede, numa curiosa versão berlusconorrasca da democracia.

Tudo isto nos traz ao Prof. Aníbal Cavaco Silva e a esta semana.

Aníbal Cavaco Silva é um pequeno puzzle comunicacional. Tem zero de charme e ainda menos presença. Não tem quase jeito nenhum para comunicar. Mas eu suspeito que, paradoxalmente, a sua índole, tal como a do actual ministro português das finanças, faz o gosto de muitos portugueses precisamente por causa disso: tirando Mário Soares, que se desenvolve muito bem em frente e atrás das câmaras e à sua maneira engana gregos e troianos enquanto faz o que lhe apetece, praticamente todos os líderes portugueses de renome eram de uma ineficácia comunicacional absolutamente atroz, a começar por António de Oliveira Salazar, que falava sentado a olhar com os óculos para os papéis, que governava por decreto pessoal fechado no seu gabinete à tarde (com algum apoio de Pides, GNR e companhia) e que tinha uma voz que mais parecia o Pato Donaldo. Sintomático é que este ditador durante quatro décadas e que mal aparecia na rua é por muitos admirado e considerado o Português do Milénio.

Têm em comum terem sido estudantes com boas notas de famílias rurais sem grandes recursos, tornados professores universitários com cátedra e falsos modestos – “anti-políticos” – assunto que por si só dava para escrever mais um artigo.

Ramalho Eanes era mais ou menos a mesma coisa, mas uma versão militarizada e não académica. Rígido, militarista, formal, anal-retentivo, distante, usando fatos baratos, falava com um tom de voz que parecia sempre que estava a pregar um ralhete a quem o estivesse a ouvir. Foi um herói subestimado que em 1975 afastou Portugal do caos comunista da troika Cunhal-Costa Gomes-Vasco Gonçalves, presidiu a tempos muitos difíceis e fez um bom trabalho dadas as circunstâncias, mas em termos comunicacionais parecia que ele, e o seu país, estavam noutro planeta.

Jorge Sampaio parecia-se um pouco mais com Mário Soares mas sem o mesmo talento e aparentando estar sempre à beira de um ataque de nervos. Socialista, presidiu ao gradual e inexorável afundamento do seu país sem parecer dar minimamente por isso, usando uma vez uma raramente utilizada prerrogativa presidencial para expelir Pedro Santana Lopes (e o PSD) do cargo de primeiro-ministro e no seu lugar instalar, por puro acaso da oportunidade (na altura rolaram mais do que uma cabeça nas chefias dos partidos) um então obscuro ex-ministro socialista do Ambiente do qual não se sabia ao certo se tinha ou não um curso, se tinha ou não recebido luvas por causa de um centro comercial na outra margem do Tejo, se sabia o que ia fazer ou não, se sabia falar inglês técnico ou não (não sabia).

O seu nome era José Sócrates.

Quando foi eleito presidente, em parte pela habitual falha no grau de abertura do regime actual (eleger-se um Obama em Portugal é uma impossibilidade matemática), em parte resultado de uma doentia propensidade para se apostar nos habituais profissionais políticos senatoriais, bem oleados e conectados, Aníbal Cavaco Silva era suposto ajudar, de alguma forma, a contrariar, ou pelo menos atenuar, os efeitos da então “avalanche socialista”.

As alternativas na eleição de então eram más demais para contemplar, o que facilitou a sua escolha.

Havia em muita gente a impressão que, depois do assassínio de Sá Carneiro, Cavaco encaminhara o PSD e Portugal. Hoje sabe-se que não foi nada disto, mas enfim.

Na altura, o Partido Socialista detinha uma maioria absoluta, que bisou em 2009, aumentando vergonhosa, imoral e fraudulentamente os salários dos funcionários públicos e criminosamente gastando o que já se sabia era totalmente incomportável para os contribuintes. A maioria do eleitorado, estupidificado, seguiu-o.

Mas o que Cavaco fez após ter sido eleito não foi equilibrar coisa nenhuma. Erradamente, foi à televisão e disse que iria cooperar piosa, discreta e pacificamente com o governo de José Sócrates, sabendo-se que pretendia exercer a sua putativa influência (que era, como se pode aferir, zero) nos bastidores, a partir da velha residência de D. Carlos e Dona Amélia na Freguesia de Santa Maria de Belém.

Sorrateiro, José Sócrates fez os habituais gestos conciliatórios em prime time mas de facto marimbou-se completamente no presidente, que, complexado por natureza, nem sequer sabia bem como reagir, e literalmente fez o que lhe apetecia e com quem lhe apetecia.

E, em jogos de bastidores, e na comunicação social, Sócrates batia Belém dez a zero.

A oportunidade para a vingança de Cavaco Silva surgiu imprevisível e veio de fora, quando, resultado de um acto de loucura premeditada, as autoridades nos EUA deixaram o banco norte-americano Lehman Brothers falir no início do Outono de 2008.  No espaço de um ano, Sócrates, idiota como sempre foi (o qualificativo é retrospectivo, na altura apenas se suspeitava) apressou a falência da República e o fim do Estado Socialista, pois não se pode ir gastando cada vez mais e ir aumentando os impostos com nomes pomposos, se orwellianos (lembram-se dos “Planos de Estabilidade e Crescimento”? “Novas Oportunidades”? “Rendimento Social Garantido”? “Plano Tecnológico”? please…) e não esperar que a bomba não exploda.

A bomba explodiu, e de que maneira, em Abril-Maio de 2011, quando uns telefonemas urgentes de Londres e Bruxelas avisavam que a falência do estado português estava por semanas, ou mesmo dias. Os chefes dos bancos privados até foram às televisões, suando e piscando o olho aflito para quem percebesse, que a coisa estava por dias. Concretamente, se os bancos não conseguissem assegurar a sua liquidez, faliriam em dias, precipitando uma crise económica e financeira de proporções inimagináveis. Já então, como desde então, Portugal vivia de balões de oxigénio concedidos avulsamente pelo Banco Central Europeu. Nessa altura, a pouca vergonha que foi, e é, a fraude criminosa do BPN e a falência inexplicada do BPP, já decorriam alegremente, com milhares de milhões de euros dos contribuintes a fluir sabe-se lá para onde, para quê e porquê. Burros, os jornalistas não conseguiam, ou não queriam, explicar.

Pedro Passos Coelho, então um obscuro produto da máquina do PSD, sem qualquer experiência de governação e com o mesmo tipo de CV extremamente duvidável que José Sócrates, mas com mais juízo e mais bem assessorado, fez a sua jogada.

Como lhe competia, escondendo o seu alívio na pompa presidencial e no seu feitio professorial introspectivo, Cavaco Silva convocou novas eleições. O PSD venceu com uma maioria absoluta cozinhada com Paulo Portas (que se tornou na Hillary Clinton portuguesa, salvo seja) e Sócrates exilou-se em Paris, mantendo os telemóveis de Portugal em roaming.

E aqui estamos nós, nove meses depois disso, em que, pela primeira vez em cento e vinte anos o país está falido (e a piorar em cada dia que passa) e pela primeira vez na Terceira República há uma maioria idologicamente alinhada em termos de governo, parlamento e presidente e expeditamente já se assinou um termo de dívida inexequível e se começou, em vez de cobrar impostos, a extorqui-los alegremente.

Neste contexto, qual tem sido o desempenho do Prof. Cavaco Silva?

Numa curta palavra: medíocre.

Ele bem tenta fazer alguma coisa. Mas não consegue. Não se consegue perceber o que é que ele anda a fazer e a dizer, nem porque é que ele diz o que diz quando o diz.

Diz que quer consolar e encorajar os portugueses a enfrentar os demónios soltos por José Sócrates e o Estado Socialista (que em boa parte ele, Cavaco, criou) mas depois faz afirmações desconexas e estupidificantes sobre a sua reforma milionária, as suas mais valias milionárias no BPN, as explicações mais obtusas sobre como comprou um palacete de mais que um milhão de euros no Algarve via uma troca da sua prévia, muito mais modesta casota, a sua dificuldade, vivendo ofuscadamente num palácio à custa do erário público e com nada menos que três reformas milionárias, em pagar as suas contas pessoais. Numa ocasião referiu que devemos estar caladinhos e não comentar as agências (americanas, ainda por cima!) de rating, uns meses depois diz precisamente o contrário.

Ele, que é um retrato fiel e acabado do que significa ser um político profissional no Portugal moderno, passa a vida a querer sugerir que não o é. Diz que não: que foi técnico no Banco de Portugal e Professor universitário (pois, tem as reformas milionárias para o demonstrar). E que só está na política para servir os portugueses. Claro Aníbal, we believe you. Pior, tenta ir mais longe ao querer protagonizar-se como um anti-político, sabendo que as sondagens indicam que o eleitorado está farto deles todos até à ponta dos cabelos.

Ele, que agora é suposto estar alinhado ideologicamente com quem manda, não se importa de enviar repetidos sinais no sinal contrário, colocando em cheque as medidas draconianas que estão sendo postas em vigor para evitar a todo o custo o percurso grego (e para tal, não basta dizê-lo repetidamente). Passos Coelho e os seus correligionários mais do que uma vez devem ter ficado a meditar se este presidente está do lado deles ou contra eles.

Ele, que aparenta não ter equipa de comunicação a assessorá-lo, pelo menos uma capaz, não dá conferências de imprensa ou comunica eficazmente o que tem para dizer, limitando-se a fazer o que parecem declarações de improviso, à porta de um sítio qualquer que vai inaugurar ou visitar, invariavelmente dizendo coisas em que não batem a bota com a perdigota, em vez do que se presume ser o que devia estar a dizer e fazer estes dias: apoiar os esforços do governo e principalmente dos portugueses nesta fase infame das suas vidas.

A semana passada, intestinalmente, a propósito de uma obscura publicação qualquer que praticamente ninguém lê, tudo indica que fez o que comentadores referem como um ajuste de contas a posteriori com o politicamente defunto José Sócrates. Diz-se traído por este – até institucionalmente! Touché. Só foi relevante por ter saído agora e por ter sido basicamente um disparate – mais um. Se não se dava com ele, tivesse-o dito na altura, despedisse-o, não é agora que se aceita que venha registar as suas incapacidades publicamente. Pior, dá um ar infeliz de tó-tó presidencial, ter-se submetido às sevícias de Sócrates sem nada fazer e nada dizer quando podia e devia tê-lo feito.

Ou isto fazia parte da gestão discreta da sua influência?

A passada semana assinalou também o fim do primeiro dos cinco anos deste segundo mandato do Prof. Cavaco Silva.

O lugar dele, prerrogativas e dispensações constitucionais aparte, é em boa parte aquilo que ele fizer dele (do lugar). Do que se viu do primeiro ano, os receios inerentes quanto ao que ele possa dizer e fazer nos próximos quatro anos, não deixam muita margem para conforto, sendo que o caminho a seguir é relativamente claro: o imperativo económico manter-se-á, e reza-se que do súbito empobrecimento nacional, da venda a retalho do que resta de uma soberania que levou mil anos a construir, não resulte o caos social.

Neste contexto, o que pode fazer um presidente português?

Muita coisa, mas nada do que Cavaco tem andado a fazer há um ano seguido.

Portugal já vive uma emergência, não precisa de ter alguém no cargo presidencial que parece não saber quando usar o fósforo para atear o fogo, ou um balde para o apagar.

Entretanto, num outro registo, Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e António Vitorino pré-posicionam-se para o sucederem. O mero facto de já andarem a contar espingardas assinala o próximo estatuto de Cavaco Silva como pato mole.

25/02/2012

O IMPÉRIO SOCIALISTA CONTRA-ATACA, 2012

A política portuguesa às vezes mete nojo. A procissão ainda nem chegou ao adro e já se assistem aos mais elaborados malabrismos.

A verdade é que este ano os efeitos decorrentes dos inacreditáveis níveis de endividamento público, privado, soberano e bancário vão-se começar a abater sobre a população, sem contar com a necessidade de se aumentaram mais os impostos, as taxas, as tarifas e mais sei lá o quê.

E o que é que o Partido Socialista, agora em oposição faz?

Pisca o olho. Pisca o olho como se nada tivesse que ver com o que aconteceu e, mais grave, pisca o olho como se pudesse existir alguma via alternativa ao que está a começar a acontecer.

Parafraseando de um outro blogue:

 

12/12/2011

AS DÍVIDAS SÃO PARA SE PAGAREM

Crise? Qual crise? Um grande álgum dos Supertramp, 1975. Tema desta pequena crónica sobre o momento que se vive em Portugal.

(em cima, a incomparável Marlene Dietrich cantando “Para onde foram as flores” em Londres, 1972. Para além de grande actriz, foi sempre anti-nazi, o que lhe valeu ter sido ostracizada por muitos dos seus compatriotas).

Sempre paguei as minhas dívidas. Mesmo quando não tinha dinheiro, sempre paguei as minhas dívidas. Nunca pedi dinheiro emprestado, sabendo que não o quereria ou poderia vir a pagar. Se tinha dificuldades em pagar, arranjava maneira de liquidar as minhas dívidas. Antes de pedir dinheiro emprestado, fazia contas detalhadas ao centavo, para ver como e quando é que iria pagar o que devia.

É normal. Isto faz parte da vida e não consigo ver as coisas de outra maneira.

Não confundo, nem sou capaz de induzir alguém a confundir, entre “emprestar” e “emprestadar”. A isso chama-se enganar o próximo.

Especialmente amigos e “amigos”. Essa é uma das maiores traições a que assisto e que, no meu caso, dificilmente consigo perdoar.

Se respeito o meu dinheiro, respeito muito mais o dos outros, pelo mero facto que considerei sempre ser um enorme privilégio, e uma marca de respeito e confiança depositadas em mim, quando alguém me emprestava dinheiro ou pedia conselho sobre dinheiro. Trair esse respeito e essa confiança, não o pagando (com juros) é para mim entre as maiores falhas de carácter e de formação que posso conceber.

Com já meio século de existência, já passei por desafios de toda a ordem e, também por razões da profissão que exerci, distingo claramente entre vários tipos de pessoas: as que sabem gerir dinheiro e as que não sabem gerir dinheiro, e as pessoas que têm palavra e as que não têm.

As pessoas que não têm dinheiro e não têm forma de o pagar têm um nome: são pobres – ou para lá caminham.

Eu já fui pobre. Hoje considero-me remediado a resvalar para o pobre (mas não de espírito). Mas, por experiência e por ter a abertura para o conceber, sei o que é ser pobre. Sei o que é ganhar dinheiro e sei o que é perder dinheiro. Ambos os casos exigem uma boa dose de controlo, de humildade e especialmente de carácter. Nada me exaspera mais que ouvir alguém que é, ou se tornou pobre, e que teima em não o constatar. Quem é pobre não pode ter vícios e tem que trabalhar se quiser deixar de ser pobre.

Nos dias em que correm, ser-se pobre, não sendo agradável, tende a não ser um estatuto social, que já foi, quase como uma casta. A pobreza supera-se pelo trabalho e a educação, especialmente a educação. Para quem tem idade para trabalhar e uma educação mínima, a pobreza é por definição uma situação transitória. Para quem não tem idade para trabalhar, assisto com exagerada frequência jovens – que são por definição pobres – a viver alegre e por vezes exuberantemente à custa dos pais, abusando vergonhosamente do compacto social geracional, enquanto que os mais velhos minguam vergonhosamente na miséria, sem o apoio desses jovens, que entretanto cresceram e que insistem em tentar viver a boa vida sem ter em conta o outro lado da moeda desse compacto social geracional.

Os esquemas e apoios dos governos valem o que valem, especialmente no caso dos mais velhos. Em Portugal, o governo faliu. Faliu porque gastou muito mais do que arrecadava em termos de impostos e faliu porque pediu emprestado tanto dinheiro que já nem os juros consegue pagar.

A palavra de um governo expressa-se nos documentos de dívida que assina e que entrega a terceiros, que lha concedem. A partir de meados deste ano, em Portugal, a palavra do governo deixou de ter qualquer valor. Por isso, teve que “pedir ajuda”. “Pedir ajuda” significa pedir mais dinheiro emprestado, desta vez acompanhado de algumas garantias de que “desta vez” vai arranjar maneira de pagar o que deve, corrigindo o seu caminho, que é arrecadar mais dinheiro e pagar atempadamente o que deve.

Quanto a isso, acredita quem quiser. Os mercados tendem a não acreditar.

Neste processo, as responsabilidades pessoal e a colectiva entrecruzam-se. Na actual crise portuguesa, pessoas que sempre pagaram o que deviam e pouparam nos tempos da fartazana estão a ser coagidas a cobrir as asneiras de quem se endividou e viveu acima das suas posses durante, nalguns casos, décadas. Noutros casos, pessoas sem grandes posses viram o tapete ser-lhes puxado por baixo dos pés, ou porque são empregados do Estado e o Estado cortou-lhes o salário, ou porque a economia inverteu e perderam os empregos. Nestes, perdem desmesuradamente mais os segundos, mas os primeiros falam como se fosse o fim do mundo e até fazem greve. Os desempregados não fazem greve. Não podem.

Ficaram mais pobres e não gostam. Mas por ficarem mais pobres, devem procurar reduzir nos seus custos e limpar as suas dívidas. Quem é pobre não pode e não deve ter vícios. Se não conseguem, devem falar com quem devem dinheiro e negociar uma situação alternativa. Não dizer nada e não fazer nada é irresponsável.

Portugal não ficou mais pobre em 2011. Portugal foi sempre pobre, muito mais do que se suporia ao se olhar para o que as pessoas, as empresas e o governo faziam até há pouco tempo. No fim, apenas se andaram todos a enganar nos últimos quinze anos e finalmente, graças a um contexto internacional muito grave e uma última loucura de um agora ex-primeiro-ministro, sujeitaram-se a uma mudança tectónica na medida em que essa realidade se tornou incontornável.

Agora, as pessoas, as empresas e o governo lamentam-se e procuram formas de lidar com a situação.

Uma das formas é consumir menos, o que vai provocar falências e mais desemprego, menos impostos e por essa via menores gastos do governo, nomeadamente com apoios sociais e reformas. As consequências vão ser claramente negativas e corre-se o risco de uma espiral em que uma coisa alimenta outra.

Um dos argumentos mais apetecíveis para lidar com esta situação é, em vez de se trabalhar mais e arranjar maneiras de ir buscar o dinheiro para se pagar o que se deve, é ….não se pagar o que se deve.

O argumento mais simples é que a culpa é de quem emprestou o dinheiro, não de quem o pediu emprestado e que agora diz que se enganou ou que não sabia o que estava a fazer. Ou a melhor: que foi enganado.

Ao nivel macroeconómico, o ajustamento à nova realidade tem sido penosamente demorado, como sempre parece a ser a tendência em relação às coisas portuguesas. Aumentaram-se e vão-se continuar a aumentar os impostos, e espera-se que se arranje maneira de diminuir as despesas do governo, o que não está a acontecer.

O grande embate virá no próximo ano, se entretanto Portugal não sair do euro, o que, a acontecer, será uma catástrofe sem precedente. Nesse embate, irá haver um confronto entre uma realidade em que, no mercado de trabalho, os que ainda têm empregos tê-los-ão mais ou menos garantidos, e outra, em que cerca de um milhão de desempregados (jovens e “velhos”) não terão nada e ficarão sem nada.Nem sequer subsídios de desemprego ou poupanças. Face à grandeza dos números e o seu impacto, poderá haver consequências. Entre elas a tentação de não se pagarem as dívidas. Ou de partir para aventuras políticas pouco condicentes com a actual dispensação constitucional.

Mas neste capítulo já está a haver um custo. Ninguém já empresta dinheiro a Portugal e a empresas e bancos portugueses há quase um ano.

Ninguém a não ser o Banco Central Europeu, sem o qual Portugal já teria, mais do que falido, entrado em colapso total. O BCE não é o credor de último recurso na União Europeia. Mas tem-no sido para Portugal, em parte porque, contabilisticamente, Portugal é irrelevante em termos económicos na Europa – 1 a dois por cento do seu PIB.

Muitos acusam agora os alemães de intransigência em bloquear a abertura das comportas do financiamento “barato e farto” europeu. Esquecendo-se que isso para os alemães significa serem eles a pagar do bolso deles pelas asneiras feitas por, entre outros, os portugueses. Ainda por cima sem qualquer garantia de que não voltariam a fazer a mesmíssima coisa logo a seguir.

Este fim de semana, esperava-se um “momento da verdade” numa reunião de líderes europeus. Em que os putativos maus da fita eram os alemães, que, pelos vistos, um pouco como eu, acreditam que as dívidas são de quem as contraiu e são para serem pagas. Daí resultou uma solução meio acinzentada e imprecisa de se vir a fazer alguma coisa num futuro próximo. Ganhou-se algum tempo, apenas, os britânicos mais uma vez e como sempre ficando à margem da festa.

A economia de mercado tem disto: periodicamente, da mesma maneira que produz riqueza, ajusta-se às novas condições do mercado. Nesse ajuste, não se compadece com os desejos dos governos e menos ainda com o bem estar e “direitos adquiridos” dos seus eleitores. O que urge é, dentro do que se pode fazer, tentar prevenir contra a miséria (que se distingue da pobreza e a qual não permite uma vivência digna).

No fim, os alemães, que pagaram há cem anos a ferro e fogo e aprenderam a lição (tiveram o inferno de Weimar, a depressão, Adolf Hitler, uma guerra intestina) têm razão: a melhor maneira de não ter que lidar com as dívidas excessivas é mesmo não pedir demasiado dinheiro emprestado.

Tivesse agido desse modo, Portugal não estaria na posição em que se encontra hoje.

E a mesma lição se aplica a todos e cada um de nós.

Tudo o resto é conversa.

De mau pagador.

06/12/2011

O QUE FALTA NA EUROPA EM FINAL DE 2011

Visão

 

Tomates

O PRIMEIRO-MINISTRO DE PORTUGAL EM 2013

05/12/2011

SOBRE AS MINHAS PRENDAS DE NATAL EM 2011

Natal português sem bacalhau norueguês não é Natal.

Que fique registado que este Natal e final de ano assinalarão o início do primeiro annus horribilis português em muitas décadas. Se muito boa gente no rectângulo lusitano atér agora ainda andou a queimar (estupidamente, na minha visão reconhecidamente prudente e conomicista) os últimos cartuchos em termos dos seus cada vez mais duvidosos empregos, das suas poupanças ou ainda do que restou dos subsídios de desemprego e – apesar de tudo – o corte de apenas um dos “subsídios” salariais para quem trabalha no “sector público”, daqui a um ano será radicalmente diferente. Para muito pior. Ao ponto de parecer que as forças policiais, linha de frente da ordem e paz domésticas, senão da chamada legalidade democrática (whatever that may mean) se preparam para eventuais perturbações sérias da ordem pública em 2012, treinando e comprando mais uns cassetetes (uma palavra francesa que elegantemente descreve um pau para dar nos cornos a quem não acate a ordem dum agente da nossa segurança).

Há muito que eu simplesmente sublimei o lado material do espírito natalício, que tende a ser um exercício de desperdício caro, para outros e especialmente para mim. Para dar um exemplo, há dois anos, alguém ofereceu-me uma máquina de filmar de vídeo Sony do melhor que havia. Usei-a uma vez, para filmar a festa de aniversário do piriquito de um amigo.

Isto para dizer que, especialmente hoje em dia, dada a massificação das comunicações e o seu preço menos usurpador, um simples email ou um telefonema para mim é, felizmente, mais do que suficiente – uma coisa simples, pois apresentações em filmes e apresentações elaboradas em Powerpoint que não acaba e passo o Natal a tentar responder ao que recebo, habitualmente sem grande sucesso e às tantas irritado.

Uma consequência adicional do crescente uso e facilidade no envio de mensagens electrónicas, adicionalmente, é que, ao contrário de antigamente, quando as pessoas compravam cartões e prendas, que dava trabalho e custava dinheiro, hoje qualquer pessoa manda um cartão de Natal electrónico a qualquer pessoa. As empresas, no que considero uma medida que faz todo o sentido, estão a migrar para o formato electrónico, o que poupa dinheiro e árvores e trabalho e vai dar ao mesmo. Mas aí está outro perigo. Outro dia recebi (e já estou a receber, não percebo porquê) um cartão de Natal do Banco Santander, onde nunca tive conta. É bonito, todo encarnado, e a nevezinha electrónica, que também arranjei premindo uma opção qualquer há um ano, também existe neste blogue.

Claro que se algum amigo mais abonado quiser, sugiro que não me dê nada de electrónico, nem roupa nem útil. Tudo isso, admito, tenho.

O que eu gostava mesmo de ter é o quadro em baixo, do Senhor Malangatana, que vai a leilão nos meus amigos do Palácio do Correio Velho, em Lisboa, que de vez em quando me mandam uma mensagem a dar conta do que vão leiloar. Este leilão então é um luxo, tem um pouco de tudo, vários Malangatanas e até um Arpad-Szénes a preço de saldo.

Este, dizem os especialistas, deverá ir por entre uns meros 10 e uns mais substanciais 20 mil euros, mais Ivas e alcavalas.

Ah, mas que prenda seria. Chegar a casa e dar de caras com uma obra do Mestre.

Claro que, até lá, esperarei sentado ficarei a apreciar aqui esta imagem da obra do nosso grande Mestre de Moçambique, que ele pintou em 1982, cujas cores e caras menos enfadonhas que o habitual, me seduziram.

 

Malangatana, 1982. Ora eis uma prenda de Natal. Alternativamente, mande-me um email simples. A simpatia e amizade não têm preço. Se quiser ver a obra em tamanho maior, prima na imagem duas vezes com o rato do seu computador.

17/11/2011

RTP ÜBER ALLES*

O programa continua dentro de momentos.

*A RTP acima de tudo – em germanês.

“Não há dinheiro. Qual destas três palavras é que o Senhor Deputado não entendeu?” Foi assim que, em termos que considerei refrescantes, um dos actuais ministros, quando discutindo as difíceis opções em termos do que fazer perante a calamidade que se aproxima das costas portuguesas, se dirigiu a um dos parlamentares da oposição.

Na longa tabela do deve e haver das despesas que os sucessivos governos portugueses acharam por bem fazer, a RTP ocupa um lugar de destaque, apesar de, agora se sabe, estarem a aparecer outras entidades públicas ou publicamente detidas, com dívidas monstras nos seus balanços, cuja utilidade e desempenho são menos questionáveis.

A RTP ocupa um lugar de destaque porque sempre foi demasiadamente cara para o que serve, porque tem sido politicamente instrumentalizada para efeitos da manipulação da opinião pública e – principalmente – porque sendo hoje o negócio da informação e do entretenimento isso mesmo – um negócio – simplesmente não entendo porque é que um país falido, sem perspectivas, onera os seus contribuintes com o custo de manter uma loja de bijuteria comunicacional como é o mundo da RTP.

E, este ano, a verba aproxima-se dos quinhentos milhões de euros. Deixe-me o exmo. Leitor colocar a verba em numérico que tem mais piada: são 500.000.000 de euros. Num ano. Para manter a RTP.

Volto a esta questão por três razões.

A primeira razão, é que, supostamente, o governo português actual, por razões da falência próxima do Estado, tem que cortar em muito. Não há dinheiro. Tem que cortar muito e quanto mais depressa melhor. A RTP é um excelente lugar para fazer isso pois é desnecessária, supérflua e contribui zero para o PIB nacional. Ou melhor, contribui negativamente pois extrai dos bolsos dos contribuintes, anos após ano, centenas de milhões de euros.

A segunda razão é ideológica. Pensava eu que o papel de um Estado deixara de ser, desde o advento da era da internet, dos satélites e da comunicação em massas a um custo relativamente baixo, em que o acesso dos cidadãos à informação (seja esta noticiosa ou cultural e de entretenimento) está praticamente garantido, o de assegurar esse acesso a um custo fantasmaglórico, através de uma estrutura que é recorrentemente instrumentalizada para fins políticos menos claros. Pensava eu, também, que os senhores deste governo subscreviam essa tese.

A terceira razão é o que aconteceu quando ontem foi anunciada a conclusão de um estudo, liderado pelo conhecido professor universitário Luis Duque, sobre o que fazer com a RTP.

Do pouco que tomei conhecimento das conclusões desse estudo (estilo bullet points), essas conclusões apontam para uma reformulação de alguns dos serviços, tais como o fecho de algumas estações de cabo, as RTPs regionais, a fusão da RTP Internacional com a RTP África (descobriram a pólvora, aqui) e mais uns embelezamentos diversos. Ou seja, não fecha mas corta umas coisas menores. Por minha parte, nada contra, apesar de eu continuar a achar que aquilo devia ser simplesmente quase tudo fechado e os arquivos mandados para a Torre do Tombo.

Pois não há dinheiro e a gente não precisa de nada daquilo para nada.

Mas eis que surge o inédito, quando nada menos que o Miguel Relvas, o actual ministro dos Assuntos Parlamentares, uma das figuras indómitas da ideologia praguejada pelo actual executivo, surge nas televisões a desdizer as acções recomendadas pelo estudo anunciado. Que não, que não iam fazer nada daquilo, que ele até gostava muito da RTP, que a RTP fazia mais pela cultura que o Instituto Camões (olhem só o exemplo que ele foi buscar), que ele gostava muito da RTP desde os tempos de miúdo, quando ele via os bonecos animados importados a baixo custo da RDA para entreter os meninos do pós-25 de Abril e a Visita da Cornélia.

Fiquei de boca aberta.

Entretanto, todos os meses, tirando as dívidas monstruosas da RTP que vieram não sei bem de onde, quando pago a conta da electricidade (veja-se em baixo) pago uns 5% adicionais dessa conta para a RTP, incidindo sobre esse valor 6% de Imposto de Valor Acrescentado, a menor das tr~es taxas do IVA, que deve ser para dar um toque final de sacanice refinada.

E encontro esses canais perdidos algures na grelha de 130 canais que a Vodafone, agora com o seu novo sistema de cabo de fibra de última geração, canaliza para casa.

Assim, procurarei algum consolo em saber que, pelo menos, quando o país se afundar, fá-lo-á com a RTP.  Vai ser como o naufrágio do Titanic em 1912.

Só que desta vez pagaremos – com IVA a 6% – para podermos ver o naufrágio nacional ao vivo, em televisão estatal, apresentado pelo tal conhecido jornalista nascido em Moçambique, que nos vai piscar o olho direito sorrateiramente uma última vez, antes do pau da bandeira submergir, sob as águas geladas do esquecimento colectivo.

Isto é a parte das contas da minha conta eléctrica de Novembro de 2011. Veja o exmo. Leitor a parte em baixo, respeitante a "contribuição áudio-visual". Pois. Adoro quando chamam "contribuição" aos impostos.

PORTUGAL NO LAGO DOS CISNES

Em cima, Aníbal Cavaco Silva, Pedro Passos Coelho, Vítor Gaspar e Paulo Portas negoceiam o tortuoso caminho do empobrecimento estruturado de Portugal. (Na verdade, são quatro competentes bailarinas do Teatro Bolshoi em 1989, executando a sublime coreografia de Marius Petipa para a grande obra de Pyotr Illyich Tchaikovsky, O Lago dos Cisnes).

Ao fim da tarde outonal de ontem, chegaram a minha casa algumas novidades que caracterizam o momento actual português.

A primeira, é que o governo português contabilizou, ao final de Setembro, 689.400 desempregados, traduzindo-se numa taxa de desemprego de 12.4 por cento. Na verdade, a taxa real é muitíssimo mais alta, a meu ver no mínimo semelhante à de Espanha, que vai pelos 21 por cento. Mesmo assim, estes dados, juntando-se ao verdadeiro exército de sub-empregados (gente com empregos mas salários miseráveis) e ainda mais à multidão de gente excessivamente endividada, constitui a base potencialmente explosiva para coisas para vir.

Em segundo lugar, e não menos importante, no conclusão das análises para se decidir quanto à entrega da segunda tranche do empréstimo para gerir a falência portuguesa (a tranche é do 8.000.000.000 euros), os senhores localmente conhecidos por “troika” foram ao parlamento e à televisão dizer de sua justiça.

O que disseram foi deveras interessante, pois ilustra e confirma algumas coisas que por vezes são menos claras.

Por um lado, confirmaram que, de um modo geral, as coisas estão a correr bem do ponto de vista deles (da “troika) pois os dados macreconómicos, com mais ou menos uns problemas aqui e ali, indicam que os grandes objectivos ainda estão “ao alcance” (aqui, ênfase nas aspas…). Especificamente, referiram que em 2011 se deve ficar mais ou menos por um défice das despesas do governo central de 6%. Um balúrdio, mas em Portugal parece que já todos se habituaram a viver assim há muitos anos.

Por outro lado, confirmaram que há duas tendências graves e as quais não foram, ou melhor, ainda não foram colmatadas.

A primeira, é que, provavelmente por razões de expediente e de sobrevivência política (e também para minorar a miséria que se vai instalando) um pouco como o precedente primeiro-ministro, o actual governo está a tentar desesperadamente atenuar o embate que aí vem. A forma como o faz está à vista: aumentaram muito significativamente em tudo o que respeita a impostos directos e indirectos, estão a fazer alguns mas poucos cortes no fantástico leque de direitos “dinásticos” dos portugueses, e para tapar o buraco de 2011, estão a proceder à venda de património e outros activos do Estado para arranjar o dinheiro que permita que o défice não descambe completamente logo no primeiro ano. Neste capítulo, os Srs. da “troika” especificamente criticaram a decisão do governo de se apropriar dos fundos de pensões dos empregados da Caixa Geral de Depósitos (cerca de seis mil milhões de euros, passando as reformas destes a serem asseguradas pela recolha de impostos junto dos contribuintes).

Ora, isto é tudo muito bonito maa consiste em medidas predadoras e irrepetíveis. Ou seja, se nada mais for feito, como vai ser em 2012?

Mais importante foi o que Paul Thomsen, explicou sem rodeios numa curta mas interessante entrevista que concedeu à RTP ontem à noite e que repetiu várias vezes, para o caso de alguns dos seus espectadores mais burros não apanhar à primeira, à segunda ou à terceira.

O que ele disse é básico: que sem a implementação imediata de um pacote de medidas de “mudança estruturais”, que a) todo o esforço e exercício em curso serão em vão, b) condenarão inexoravelmente os portugueses a viver um padrão material de vida mais baixo e c) em última instância não resolverão o grave problema de falência latente em que ficámos após a loucura de José Sócrates e os seus amigos do Estado Socialista.

O que ele não disse, portanto, e que depreende-se facilmente, é que essas medidas de mudança estrutural não foram e não estão a ser implementadas.

E enquanto dizia isto, aproveitou (já agora, não é)para dizer que na sua opinião os cortes salariais já anunciados para os funcionários públicos deveriam também ser imediatamente aplicados também a quem trabalha no sector privado.

Ora tudo isto é muito grave, em particular porque estes senhores têm o mandato para fazerem o que tem que ser feito e – principalmente – porque já não há tempo a perder. As incertezas a nível do desempenho da economia internacional são mais do que muitas, em especial dos principais parceiros económicos de Portugal.

E as tais mudanças estruturais já deviam ter sido feitas há cinquenta anos, sem as quais qualquer dia, tirando os ricos e os que já saíram e estão para sair de Portugal, qualquer dia nem os que ficam atrás conseguem viver no país.

Por isso seria muito bom se o governo deixasse de mais delongas e, em ver da dança do lago dos cisnes, faça o que tem que ser feito.

01/11/2011

TRABALHAR PARA A DÍVIDA E MESMO ASSIM FALIR

Mais fácil digo que feito.

Ora vamos lá a ver o que se passa na Europa e em Portugal, já que as redacções das televisões portuguesas e o exército de comentadores que têm andado a falar, falar, falar, não têm explicado bem, na minha opinião, o que se passou este fim de semana.

A primeira constatação, de que a maior parte das pessoas já se apercebeu, é que o chamado negócio da Troika em Junho, é insuficiente para evitar o descalabro que se aproxima para Portugal.

Pior, há duas semanas (fiz referência a esta constatação numa nota que escrevi aqui) alguns se aperceberam que as medidas draconianas em parte já em vigor e previstas para 2012, não só não resolvem quase nada como ainda ameaçam degradar mais o ambiente social e económico português.

Parte da solução, alguns referiam, estaria numa tomada de medidas corajosa por parte da Europa, já que a parte crítica do problema tem que ver com a Grécia, o euro, a dívida pan-europeia.

Este fim de semana, enquanto os líderes portugueses estavam perdidos algures no Sul da América Latina, de onde mandaram uns recados meio desesperados, os poderes europeus reuniram-se para “resolver” o problema.

O problema reparte-se por componentes.

A primeira componente e a mais conhecida é que toda a gente já admitiu, é que o volume de dívida da Grécia é….impagável. A Grécia, que já está falida, em breve arrastará a Europa com ela se nada for feito.

A segunda é que, se nada fôr feito entretanto, esse efeito de arrastamento se verificará em economias periclitantes mas muito maiores e que estão a pouca distância de uma crise: a Espanha, a Itália, a Bélgica. Considera-se que Portugal está incluído neste grupo.

A terceira é que, mesmo que tudo o que está previsto funcione e nada mais de mau aconteça, que a Europa estará condenada a um longo, perigoso e complicado, período de estagnação económica, uma vez que um simples exercício de aritmética indica que não há dinheiro disponível para a) investir no desenvolvimento económico b) conceder crédito às pessoas e às empresas.

A quarta e última é que (hum, como é que poderei dizer isto de uma maneira simpática) uma parte considerável da banca europeia – que inclui a portuguesa – está num estado lastimável, pois a) vem aí uma montanha de dívidas incobráveis, b) têm níveis de capital insuficientes e a diminuir rapidamente, c) não têm dinheiro disponível para emprestar mesmo aos bons clientes, d) vão levar agora em cima com uma boa parte das medidas, anunciadas este fim de semana, para perdoar a dívida grega.

Isto para não referir o perigo, que persiste, de uma cadeia de falências que arrasariam o sistema financeiro. Ainda há uns dias um grande banco franco-belga foi “salvo” através de intervenção estatal.

Quais, afinal, foram as “medidas” anunciadas este fim de semana para salvar o euro e as economias da zona euro?

Foram três: 1) o perdão de metade da dívida privada grega, 2) o financiamento da re-capitalisação dos bancos europeus, e 3) o aumento do capital disponível de uma espécie de super-linha de crédito, chamada Facilidade Europeia de Estabilidade Financeira (em inglês, EFSF)

Dada a enorme importância deste tópico, analisemos estas medidas individualmente.

Quanto ao perdão de metade da dívida privada grega, por um lado, analistas indicam que mesmo assim a Grécia teria no ano de 2020 um endividamento global de 120 por cento do seu PIB, o que muitos acreditam que continua a ser miserável e provavelmente insustentável para os gregos. Por outro lado, “perdoar” essa metade da dívida privada significa que quem teria que a perdoar eram bancos e outras instituições financeiras europeias, incluindo bancos portugueses (cerca de 1300 milhões de euros no caso destes) com efeitos demolidores, já que estes à partida já estão em condições de enorme fragilidade.

Quanto ao financiamento da re-capitalisação dos bancos europeus, na reunião mencionou-se a necessidade de um montante global de cerca de 107 mil milhões de euros, para bancos que em princípio levarão em cima com o plano grego mencionado atrás e cuja dívida passaria a valer zero. No caso português fala-se da necessidade de 12 mil milhões de euros, o que não deixa de ser interessante pois a banca portuguesa é menos que um por cento da europeia mas precisa de quase dez por cento do tal montante global. De qualquer modo, não é claro que estes valores endireitem os bancos e lhes permitam voltar a emprestar. Nem se estas medidas efectivamente signifiquem a sua re-nacionalização (afinal, o dinheiro em última instância é dos contribuintes europeus, portugueses incluidos).

Quanto ao aumento de capital da EFSF, falou-se num aumento deste instrumento para mil milhões de euros (lá veio à baila a velha conversa de se “one billion” quer dizer mil milhões ou um milhão de milhões…). Mas – e aqui um gigantesco “mas” – não se percebe de onde virá o dinheiro. Aventou-se o banco central europeu mas a Alemanha disse que não. Falou-se em o dinheiro vir “de fora” (tradução:da China). De Pequim, a China mandou um telegrama a dizer “vocês devem estar mas é a sonhar”. E a conversa, de momento, ficou por aqui, ou seja, quer-se aumentar o montante da EFSF (em boa parte para acautelar eventuais problemas com a Espanha e a Itália) mas ninguém concorda em onde e como se vai arranjar o dinheiro.

A reacção dos mercados esta semana foi o que se esperava: primeiro foi brevemente positiva, e agora que as pessoas começaram a perceber que nada está resolvido, voltaram ao negativo.

A crise continua dentro de momentos.

Em Portugal, como seria de esperar, agora já se começa a fazer barulho para “renegociar”. Renegociar prazos, renegociar taxas de juro, nalguns casos com uns leves pós de dôr de cotovelo por os gregos serem recompensados pela sua incúria com um perdão de dívida e para os portugueses nada de perdão.

Mais surreal, o Partido Socialista português, agora sob a tutela recente e algo efémera do Dr. António José Seguro (condecorado com a Medalha de Ouro da Vila de Penamacor) ruidosamente contempla vetar o demolidor orçamento do governo central para 2012. O que, ocorrendo, inauguraria um novo capítulo no que concerne a irresponsabilidade e inconsistência desta geração de políticos.

Ah, 2012 vai ser um ano de arromba.

A AMÉRICA QUE EU JÁ NÃO RECONHEÇO

Quadro copiado com vénia do Economist, indicando a divisão da riqueza acumulada por fatia da população.

Depois de ter ido literalmente como refugiado para os Estados Unidos em 1977, após o desastre da Descolonização portuguesa, li vivi durante quase quinze anos.

No geral, foi muito bom para mim e para a minha família.

Mas as minhas aspirações eram outras.

Em 1990 iniciei uma espécie de regresso a África, que ainda levou dez anos, com alguns interregnos por Portugal. O regresso não foi regresso e, à sua maneira, a elite portuguesa criou o seu próprio descalabro nos últimos quinze anos.

No entretanto, nos EUA, houve Clinton e Bush e agora Obama. Houve o ataque terrorista em Setembro de 2001, as guerras no Médio Oriente, a maluqueira fiscal quase total e a quase falência do Estado norte-americano, precedida do escândalo total da Enron, o fim da Arthur Andersen & Co., o desfalecimento quase imediato dos mercados financeiros norte-americano e mundial, iniciado com a chamada crise do sub-prime e a falência, numa sexta-feira, do banco Lehman Brothers.

Ainda não se sabe onde isto tudo vai parar. O mundo – o nosso mundo – permanece à beira do abismo.

Agora, aproxima-se a eleição presidenciall de 2012.

É mais do que claro que Barack Obama rigorosamente nada teve que ver com as tragédias que herdou, e as quais não têm soluções fáceis e muito menos paleativos.

Mas ao que eu tenho assistido, do outro lado do Atlântico, é às polémicas mais surreais, especialmente vindas do lado da direita norte-americana. Que, lamentavelmente, em boa parte porque me considero um conservador, traduzem um delírio perigoso da parte de pessoas que parece que ainda não entenderam bem o buraco profundo em que a América, e o mundo, estão metidos.

A tentação fácil é considerar que a substituição do actual presidente ajudaria a resolver os problemas.

Eu acho que o começo da resolução dos problemas que agora afogam uma boa parte do mundo ocidental pouco tem que ver com a eleição presidencial norte-americana.

Pelo contrário.

Eu já não reconheço esta América.

E começo a pensar que já não reconheço este mundo.

(No dia 8 de Outubro, a organização Democratas no Estrangeiro -“Democrats Abroad”- organizou um evento intitulado “Vozes por Obama” na Galeria Nikki Diana Marquandt em Paris.  No evento, um dos que falou foi o autor norte-americano Jake Lamar. Em baixo, um excerto do que ele disse, gravado no Atelier La Main d’Or. Este, pelo menos, diz que não está desiludido).

22/10/2011

ANÍBAL CAVACO SILVA E O FIM DA MACACADA

Nesta data, mapa com as previsivéis ilacções de uma deficiente resolução do "problema grego" - para quem ainda não percebeu. Cavaco Silva percebeu três dias antes de Pedro Passos Coelho. Haja paciência.

Durante esta semana aconteceu algo que à primeira vista parece que não faz sentido nenhum.

Isto porque, pela primeira vez e depois de imensa ginástica e muita sorte, Portugal assistiu à eleição de uma espécie de Santíssima Trindade da chamada direita portuguesa, ao ter, com a re-eleição de Aníbal Cavaco Silva e a eleição do PSD de Pedro Passos Coelho para o poder, um parlamento, um governo e um presidente, da esfera política do chamado centro-direita.

E não faz sentido nenhum porque, no preciso, crucial momento em que o governo do dia apresentou o mais sanguinário orçamento desde que António Oliveira Salazar achou por bem equilibrar as contas nacionais no princípio dos anos 1930, o presidente da república portuguesa, figura estelar do firmamento social democrata, vai a uma de outro modo suporífera sessão da (ainda e sempre) corporativa Ordem dos Economistas, onde se lembra de usar o momento para essencialmente pregar uma rasteira às intenções orçamentais, recentemente reveladas, do governo para 2012, ao dizer (não sugerir ou sequer mandar a proverbial boca) que o orçamento do ano que vem tresanda a inequidade e injustiça.

Passos Coelho, que até tem sido discreto que baste e que supostamente bebe um cházinho semanal com Cavaco em Belém, ficou de boca aberta, enquanto que os comunistas, esquerdistas, sindicatos e afins mal podiam esconder os orgasmos intelectuais com a providencial deixa oferecida pelo presidente.

Levou três dias primeiro que Passos Coelho conseguisse responder ao tirocínio presidencial, resmungando qualquer coisa que se percebe que não se percebe bem.

E, para o analista casual como eu, fica a questão de que raio de Santíssima Trindade é esta em que um dos seus componentes anda aos tiros aos outros em público.

Eu creio que a razão é muito simples, e tem que ver em parte com o fluxograma que coloquei no cimo deste texto, creio que feito por um inglês bem disposto (o Reino Unido ainda tem a libra, o que ajuda).

As medidas já tomadas e listadas no orçamento do governo central para 2012 são draconianas, supostamente mais para os flagelados (e excessivos, e ineficientes) funcionários públicos portugueses, que às vezes parece que são metade de Portugal, mas que mesmo que não sejam, conseguem estoirar alegremente mais do que metade do produto nacional bruto português todos os anos – e sempre a crescer.

Isto fora as dívidas reveladas, as escondidas, as fraudes inexplicadas dos bancos dos amigos e o facto de que parece que tudo o que foi construído nos últimos vinte anos afinal parece que ficou tudo por pagar.

A postura do actual governo foi, e tem sido, honorável. A sua tese de base: os portugueses são gente de bem e vão pagar o que devem, que mais não seja que para continuar a rolar o empréstimo em curso, sem o qual a república resvalecerá inexoravelmente para a falência e quiçá para uma catastrófica saída do euro.

Portanto, como são mentirosos, preguiçosos ou simplesmente incapazes de colocar 150 mil funcionários públicos sem o regime cair, ou cortar aparentemente seja o que for das despesas inacreditáveis a que o governo se foi obrigando a pagar no decurso da República Socialista, os novos senhores da Casa optaram pela via das tomada de medidas fiscais à escala industrial.

Só que, nas últimas semanas surgiram informações, que pelos vistos Cavaco Silva primeiro tomou conhecimento primeiro, e que pelos vistos ou se esqueceu de avisar Passos Coelho nos seus cházinhos semanais ou que este não lhe prestou atenção, que mudaram as circunstâncias radicalmente.

A primeira, é que a Grécia, se tudo ficar na mesma ou mesmo que mude um bocadinho, vai à falência. Aliás, já está falida, agora a questão é como se vai gerir essa falência.

A segunda, é que toda a banca europeia, mesmo sem a falência grega, mas com ela no horizonte, está mesmo à beira do abismo.

E o abismo, se nada mudar já – “já” sendo as reuniões em curso este fim de semana e nos próximos quinze dias – em termos temporais, vai acontecer nos próximos três meses.

Ou antes.

Em terceiro lugar, não é preciso ser J M Keynes – ou Cavaco Silva – para se ter percebido que o actual curso, indicado pelo orçamento português para 2012 e pelas informações macroeconómicas europeias, não só nada contém que possa ajudar a estimular os agentes económicos, como na verdade confirma que o mais provável é a economia europeia, e em especialmente a portuguesa, entre numa espiral descendente que corroerá a fibra e a essência da sociedade e a catapultará para terreno muito perigoso.

Foi o que aconteceu nos anos 1930, para quem não se recorda.

Cavaco Silva apercebeu-se disto antes de Passos Coelho e a sua equipa. Ele entendeu que o orçamento do governo central para 2012 era o cheque garantido para entrar na espiral descendente e que, ainda por cima, Portugal faliria na mesma. Com a agravante de que em seguida, provavelmente para selar a catástrofe, logo a seguir iriam os bancos.

E nesse dia, seria o Fim da Macacada.

Por isso, em tempo real, mudou o discurso.

O que Aníbal Cavaco Silva tentou dizer na Ordem dos Economistas há uns dias é que, se houver, a única salvação para os portugueses é um pacote de ajuda europeu muitíssimo mais substancial do que o quase ofensivamente ruinoso orçamento para 2012 e o empréstimozeco negociado há uns meses.

E, ao fazê-lo em público, quis forçar a mão de Passos Coelho, que ainda andava a fazer de menino bem comportado junto da Troika e ainda dizia que eram os portugueses sozinhos que tinham, que conseguiriam, arrumar a casa.

Levou três dias. Mas Passos Coelho finalmente percebeu.

Que, mais uma vez, e pela segunda vez em seis meses, a salvação do que resta de algum bem-estar dos residentes em Portugal está situada não em Belém e São Bento, mas mais a Norte na Europa.

As medidas a tomar no âmbito do orçamento de 2012 são quase uma política de terra queimada fiscal. Sem qualquer margem de dúvida irão provocar uma tempestade económica, política e social sem precedente desde os últimos dias da famigerada I república. Já estão a começar a fazê-lo.

Mas a verdade é que é preciso muito, muitíssimo mais dinheiro que o que o governo poderá arrancar dos bolsos dos contribuintes para salvar os bancos, para arranjar dinheiro que chegue para emprestar às empresas e às pessoas em 2012, e ainda fazer frente à crescente onda de endividamento com que a República Socialista, com lugar de destaque para José Sócrates, presenteou os portugueses de hoje e das duas gerações que vêm a seguir.

Este fim de semana vão finalmente começar o frio e a chuva em Portugal. Em breve, a não ser que algo venha do Norte entretanto, virão também a fome e a miséria.

Politicamente, fica a paradoxal constatação de que, no actual sistema constitucional e mapa político português, ter uma Santíssima Trindade no poder parece que no fim acaba por não fazer diferença nenhuma.

Nem em bons tempos.

Nem quando se está beira do abismo.

21/10/2011

SAMORA MACHEL VINTE CINCO ANOS DEPOIS: OS EVENTOS E A NOTA DE FERNANDO LIMA

Samora Machel revisitado - mais uma vez.

Por razões evidentes de regime, mas também históricas e de senso comum, Samora Machel é lembrado e comemorado, mesmo vinte cinco anos após o seu desparecimento físico num acidente, ou incidente, aéreo, cujas causas ainda fazem correr tinta (vejam-se os esforços continuados de Mamã Graça e os tiros quase hilariantes trocados entre o Sérgio Vieira e o João Cabrita).

Lamentavelmente (suponho que deve ser qualquer coisa ainda a ver com a herança cultural portuguesa) celebra-se, não o dia em que nasceu, mas o dia em que morreu. Eu sei que Samora Machel nasceu num 29 de Setembro e que em Moçambique este mês já está pejado de feriados. Mas comemorá-lo não tem que ser um feriado. Senão qualquer dia Moçambique fica como Portugal, com tantos feriados que não se trabalha. E acima de tudo, Moçambique precisa que se trabalhe. Não querendo ser dogmático, eu diria: querem celebrar Samora? então trabalhem mais.

Esta semana, por exemplo, finalmente, lá se fez o gesto de colocar no lugar vago por Mouzinho de Albuquerque uma estátua menos má de Samora (importada da Coreia do Norte, doze metros de altura, sem pedestal, um bocadinho demais ao estilo do Querido Líder lá nos confins da península coreana mas enfim) mais uma vez recompondo a bem conseguida estética da praça em frente ao edifício do Conselho Municipal e, espero, salvando-a de vez de um plano de reconfiguração totalmente surreal que circulou em tempos pelos circuitos subterrâneos da máfia moçambicana na internet, creio que da autoria do Sr. Arquitecto José Forjaz.

36 anos depois de Mouzinho out, Samora in.

Mas, para além de uma romaria ao local do acidente/incidente em Mbuzini, na vizinha África do Sul, e do gesto simpático de Jacob Zuma e de Sua Eternidade salazarenta o Sr. Robert, terem publicamente agradecido qualquer coisinha pela catástrofe libertadora infligida ao povo moçambicano sob a liderança de Samora logo a seguir à declaração de “independência” (na verdade, Moçambique tornou-se independente dez dias após a assinatura dos acordos em Lusaka, no final da primeira semana de Setembro de 1974), o prato forte foi uma conferência sobre Samora em Maputo.

A conferência teve a interessante, e provavelmente única, e irrepetível, característica, de reunir sob o mesmo tecto uma boa parte dos protagonistas ainda vivos dos eventos de que resultou, entre 1974 e 1992, a entrega, ou a tomada, dos governos da maior parte dos países da África Austral, para as mãos de elites nacionais, seguindo apenas um pouco mais tardiamente o curso de quase todo o resto da humanidade.

Papá António e Mamã Graça na Conferência sobre Samora.

Sobre a mesma, com profunda vénia, reproduzo em seguida o magnífico texto da autoria de Fernando Lima, participante, espectador, jornalista e também gestor de media, que viveu muitos dos eventos ali tratados e que pelos vistos esteve sentado lá o dia inteiro a ouvir o que as pessoas tinham para dizer. Este texto foi publicado no jornal Savana, que se publica em Maputo, na sua edição de hoje.

Aqui vai:

Quando Samora era Jack Dempsey

Por Fernando Lima em Savana, 21 de Outubro de 2011

Terça-feira fui ao Centro de Conferências, ali para os lados do Miramar, aqui na capital, e fiz como disse que faria o Dr. Almeida Santos, um dos ilustres oradores no simpósio dedicado a Samora Machel. Apesar de não ter convite, fiz-me à sala e passei lá o dia todo. Ouvi 15 intervenções e como não levava bloco de notas passo a citar de memória.

Do que gostei mesmo foi das memórias de Albino Maheche, um “mais velho”, enfermeiro de profissão, que fui aprendendo a conhecer pelas bandas do ministério da Saúde no pós-independência.

Maheche, um contemporâneo e amigo de Samora, trouxe à colação as suas recordações da vivência em comum com o então jovem enfermeiro Machel. E ficámos todos a saber do seu fascínio pelo boxe, como era hábito na década de 50/60. Craveirinha, também contemporâneo de ambos, redige o famoso poema de exaltação ao combate de desforra protagonizado pelo pugilista negro Joe Louis em Berlim. (“A desforra do nosso Joe Louis frente ao Max Schmmeling/veio no telégrafo e saiu no jornal Notícias/mas quanto ao resto em Lourenço Marques…/Nada !/O resto não saiu no jornal Notícias/Não saiu na Rádio Clube de Moçambique./Só o Brado Africano é que está a dizer./Portanto guarda bem guardado este Brado/e treina muito bem este boxe !”).

Samora, na camarata onde viviam os aspirantes a enfermeiros, levava a alcunha de Jack Dempsey, um formidável boxeiro americano, campeão de pesados entre 1919 e 1926. Para melhorar o seu boxe, Samora golpeava com frequência um saco de areia na casa de banho e assistia aos combates que tinham lugar habitualmente no pavilhão do Malhangalene (hoje Estrela Vermelha).

Também ficámos a saber que um padre católico na Catedral o apoiou nas matérias lectivas do 2º. ciclo dos liceus, que gostava das disciplinas de História, Geografia e Português, sabendo de cor várias estrofes dos Lusíadas de Luís de Camões, leitura obrigatória na escola.

Quase inevitavelmente, os jovens Maheche e Machel cruzam-se com o Dr. Mondlane, então hospedado no Khovo (Missão Suiça), vindo dos Estados Unidos. Ali se cruzam também com o poeta Virgílio de Lemos (exilado desde 1963 em França) que queria que os dois se juntassem ao movimento independentista. Lemos tornou-se conhecido por ter apelidado a bandeira portuguesa de “kapulana verde e vermelha” e mais tarde foi preso durante 14 meses por advogar a independência de Moçambique.

Na opinião de Maheche, o estilo contestatário de Machel não ajudou a sua progressão na enfermagem. Numa das aulas, a propósito de enfermeiros e massagens, Samora jocoso quis saber quem dava massagens ao ditador Salazar, conhecido como asceta e celibatário.

Os monitores tomaram-no de ponta e nem sequer o deixaram fazer prova oral de um exame onde tinha positiva na escrita.

Pelo relato da sua filha Ornila fiquei a conhecer um bocadinho mais do Samora doméstico. Dos jantares em família, apesar de ser o “camarada presidente”. Dos treinos dedicados às meninas “para saberem caminhar como senhoras” equilibrando um livro no alto da cabeça, como cruzar as pernas, como sentar e levantar. De como o trautear a canção “canta, canta minha gente, deixa a tristeza para lá” deu origem a semanas de rigoroso “chá” sobre liberalismo e libertinagem.

Não sabe a Ornila porventura que o dito Martinho da Vila, o autor brasileiro da canção, em carne e osso, na sua primeira visita a Moçambique depois da independência, por causa da “libertinagem”, foi impedido de actuar em Maputo e, para salvar a digressão, foi mandado para a Beira, onde actuou para uma plateia de militantes da Frelimo no pavilhão do Ferroviário.

Por causa da mesma libertinagem, anos mais tarde, Bob Marley foi impedido de vir a Moçambique, pois passou a cerimónia da independência do Zimbabwe, no Rufaro Stadium, a fumar vigorosos charros de suruma, mesmo por detrás da delegação oficial moçambicana. O que me recorda a simpatia que os “freaks” citadinos nutriam por Samora à altura da independência, alegadamente por não ser contrário à legalização da “cannabis”. As razões prendem-se com um famoso discurso, em que perante o rufar inebriante dos tambores, Samora disse qualquer coisa como “a cultura é como a suruma a subir pelas nossas veias”.

Voltando para o Zimbabwe, da ajuda de Samora à independência da Rodésia do Sul se encarregou Robert Mugabe, também convidado do simpósio. E como a história é habitualmente feita pelos vencedores, ficaram na gaveta as memórias de Mugabe como pacato professor de inglês na cidade de Quelimane, enquanto Samora apostava numa guerrilha vitoriosa das forças com a sigla ZIPA (Exército Popular do Zimbabwe). E como a história dá muitas voltas, mais tarde os comandantes do ZIPA acabaram presos em Moçambique por solicitação de Mugabe, como documentado por Dzinashe Machingura. Mas isto seria matéria de dissertação para os saudosos Fernando Honwana e Rafael Maguni, por sinal o primeiro embaixador de Moçambique no novo Zimbabwe.

Mugabe falou de Samora, mas aproveitou o microfone aberto e um moderador temeroso do [seu] estatuto “chefe de Estado” para perorar longamente sobre a guerra no Iraque, a selvajaria de George W. Bush, as maquinações de Sarkozy, a ineficácia da União Africana na questão líbia e até o harém de prostitutas à disposição do primeiro-ministro italiano Sílvio Berlusconni.

Quando um jovem exaltado o interpelou sobre os moçambicanos pretos que hoje se substituem aos colonos brancos na partilha das riquezas, Mugabe passou ao lado do debate dizendo secamente que era melhor que as riquezas fossem desfrutadas por nacionais do que por estrangeiros.

Almeida Santos, provavelmente o mais famoso advogado do Moçambique colonial, amigo de Craveirinha, Nogar, Luís Bernardo, Malangatana, de Graça e Samora, mostrou que tem a oratória em forma. Chamou de “preguiçoso” a Luís Bernardo Honwana, o moderador do seu painel, por continuar a ser o nosso escritor de uma obra só, o cão tinhoso que as nossas crianças descobrem na escola pública.

E como Almeida Santos não deixa créditos por mãos alheias, disse ao simpósio que sugeriu a Samora o pacto com a África do Sul que ficou conhecido como o Acordo de Nkomati e organizou a apresentação em Londres a Harry Oppenheimmer, o sul-africano patrão da Anglo-American e crítico do apartheid. Tal como tinha acontecido com Ronald Reagan, Samora descrito por Almeida Santos como “um conquistador” , “um sedutor” , entrou na sala onde estava Oppenheimmer e, por entre efusivos abraços, tratou-se como “Senhor Capital”. Aparentemente, foi “amor à primeira vista”.

Menos simpático ficou na fotografia o já falecido jornalista Pinto Coelho, a quem Almeida Santos revelou ter pedido o “frete” de fazer uma reportagem favorável sobre Samora para preparar o que depois foi a sua viagem triunfal a Portugal [em 1983]. E lá deixou cair também que Samora se “esqueceu” dos papéis para o discurso na Assembleia da República mas conseguiu arrancar um dos mais espectaculares improvisos da sua primeira visita à antiga metrópole colonial.

Noite fora, Marcelino dos Santos, que já disse que ele era a própria Frelimo, vestiu pose mais modesta para falar do humanismo do companheiro Samora, dando os respectivos recados, socorrendo-se do belo poema de Jorge Rebelo, “não basta que seja pura e justa a nossa causa/ é necessário que a pureza e a justiça vivam dentro de nós”. Uma espécie de desforra à recente afronta na reunião nacional de quadros da Frelimo onde o mandaram calar.

Gostei da postura mais académica, menos presidencial de Joaquim Chissano dissertando sobre o Estado-Nação, dos “conselhos” de Prakash Ratilal à juventude que pensa que o futuro é um pronto-a vestir e Óscar Monteiro, que replicou sobre a tradicional “intuição” atribuída a Samora. Gostei que Mário Machungo tenha desenterrado o “samorismo” que defendia Aquino de Bragança, ele que foi um dos vergastados do congresso de Quelimane por defender regras e o rigor na economia moçambicana. Gostei da intervenção emocionada do general Chipande, clarificando a morte do padre holandês (se não me engano em Nangololo) às mãos de dissidentes da Manu ( que um lapsus linguae atribuiu à Renamo), embora não estivesse lá Gruveta para contestar a teoria do primeiro tiro em Chai. Na versão portuguesa, e na cola dos acontecimentos em Angola e no Congo, o assassinato do padre foi o início da luta armada.

A Universidade Eduardo Mondlane organizou o debate mas esteve muito fraca na matéria crítica que podia e deveria ter trazido ao Simpósio. Quando se elevam a categorias históricas termos como “o pai da nação” e o “criador da geração 8 de Março”, fica a impressão que a academia continua a reboque dos acontecimentos, incapaz de aportes críticos e investigações sérias e seguras, indicativas de protagonismo independente dos poderes do dia. Deliberado ou não, os louros das contribuições foram para fora dos muros da universidade.

Armando Guebuza, fez questão de seguir o debate de fio a pavio. Certamente que já deitou contas à vida de como quer ficar na história dos seus dois mandatos constitucionais: eventualmente pela via das presidências abertas ou pelos sete bis aos distritos.

Porém, na “família da Frelimo”, há duas famílias que lhe estarão indelevelmente gratas: os descendentes de Mondlane e Samora. A presidência Guebuza, aparentemente, sarou ou procurou claramente pôr fim às feridas expostas destas duas famílias com contas a ajustar no seio da Frelimo.

Com a poeira e os ventos que nos afagam a memória, o futuro será certamente o melhor juiz.

(fim)

18/10/2011

A ERA DO CARAPAU E O REPOLHO EM PORTUGAL

Muitos moçambicanos se lembram da Era do Carapau e do Repolho.

Agora chegou a vez dos portugueses.

É preciso mesmo estar-se em Portugal para se entender a ironia do que se está a passar.

Por um lado, e finalmente, e inexoravelmente, fizeram-se algumas contas e começou a ser dado conhecimento público da verdadeira dimensão do gigantesco buraco que quinze anos de Estado Socialista, com um breve interlúdio do PSD, e em especial dois anos e meio de governação alucinante de José Sócrates, entre Outubro de 2008 e Junho de 2011, produziram.

Por outro lado, e por uma cruel coincidência, o verão português estendeu-se alegremente pelo Outono, com temperaturas máximas de 30 graus em pleno Outubro e noites suaves. Não chove há meses. Este ano, o clima em Portugal parece o do Sul da Califórnia.

O que ajuda a explicar a aparente demora, por parte dos contribuintes e demais residentes em Portugal, em sequer assinalar a sucessão de anúncios tétricos, por parte do governo do dia, de um crescente montante de dívidas públicas, de uma crescente incapacidade de gerir a despesa pública, e de um crescente rol de medidas, quase todas fiscais, para tentar controlar o turbilhão da dívida pública.

Só pode ser. As pessoas devem estar num estado catatónico entre o choque do que anda a ser anunciado e a anestesia do longo, quente, suave, verão.

O crescendo culminou com um anúncio na noite do dia 12 de Outubro, pelo actual primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, de que, a partir do dia 1 de Janeiro de 2012, praticamente todos os impostos directos e indirectos subirão brutalmente, quase todas as isenções fiscais serão eliminadas, incluindo o confisco, aos funcionários públicos e os cidadãos que recebem reformas do Estado, dos chamados “subsídios” de Natal e de Férias. A partir de quem aufere uns meros, quase míseros, quinhentos euros por mês, o que é um furo acima do chamado salário mínimo nacional português.

A electricidade, a água, os transportes, o gás, as comunicações, a comida, o tabaco, tudo isso subirá significativamente. A lista do que vai subir em preço não acaba.

O resultado global para já? Em 2012, uma parte muito significativa da população portuguesa deverá ter cortes nominais de entre 15 a 30 por cento nos seus rendimentos, contra aumentos de entre 5 e 10 por cento nos preços de muito do que compram, consumem e pagam em impostos.

O efeito combinado será arrasador para muitas pessoas.

E mais se presume virá.

E tudo isto para quê?

Supostamente, não para “resolver” os efeitos da gestão criminosa da coisa pública que foi feita em Portugal nos últimos vinte anos (com lugar de honra para o inesquecível José Sócrates).

Nem sequer para o governo dar um ar da sua graça perante os que neste momento já estão a financiar a falência portuguesa.

Não.

O objectivo primário é meramente evitar a catástrofe social e económica que, diz o governo, quase certamente ocorrerá se medidas drásticas não forem (não fossem) tomadas.

Assim, o anúncio formal feito ontem (17 de Outubro de 2011) do orçamento do governo central para 2012 é um marco histórico no percurso dos portugueses, pois significa o fim dos “happy days” do dinheiro fácil, da vida à custa das gerações futuras, das reformas aos cinquenta anos, do pecúlio da coisa pública à escala industrial.

Finalmente, trinta e seis anos depois da Descolonização, e vinte seis anos depois do início da Era da Euro-subsidiocracia, em que uma nova elite predadora, saída do pronunciamento militar que acabou com a ditadura inventada por António Salazar, entreteve o povo com benesses alucinantes enquanto ao lado fazia as suas negociatas oportunistas, assiste-se agora ao desmoronar do Estado Socialista.

Ou melhor, ao início do seu desmantelamento. De que o orçamento do governo central português para 2012 é apenas o começo.

O melhor, ou seja, o pior, ainda está para vir.

Curiosamente, quase ninguém se refere ao que se está a passar como tal. Quem ler os jornais portugueses fica com a impressão que se está a passar “apenas” um mau bocado.

Em parte percebo porquê. Por três razões.

Primeiro, porque as pessoas ainda vivem em negação da realidade.

Em segundo lugar, porque creio que a ideia do Estado-papá está tão profundamente enraízada na maneira de pensar e ser de tantos portugueses, que a ideia de que a organização da sociedade portuguesa, que é rígida, centralizadora e gerida de cima por uma minoria predadora, e que desde 1975 teve a forma do Estado Socialista, possa vir a ter uma forma diferente daquilo que tem sido, é quase incompreensível para o cidadão médio.

E em terceiro lugar, porque, de facto, pese o carpir dos nacionalistas die-hards (por aqui há muitos), há uma muito desconfortante sensação de que provavelmente os tempos que vêm aí poderão provar o impensável: que, no actual contexto, poderá ser concebível que o que vai ser feito é, dito de uma forma simples, insuficiente.

Ou ainda pior. Que o improvável, quase milenário, projecto nacional português, concebido pelo filho de um francês e de uma leonesa durante o Século XII, se tornou, finalmente, inviável.

Pessoalmente, não sou tão negativo. Penso que os portugueses vão passar um bocado muito mau, em que haverá que tomar decisões difíceis e de fundo sobre a forma como o país funciona e está organizado. Em que o padrão de vida, que voltará a caracterizar-se pela fome, pela miséria, pela falta de oportunidade e pela emigração, continuará a cair enquanto não se tomarem as medidas que é preciso serem tomadas.

Mas a implosão do Estado Socialista implica a criação de um novo Portugal, que pouco ou nada poderá ter que ver com aquilo que quem vive em Portugal pensa que é a sua identidade, ou marca.

Os portugueses não gostam de mudança, a não ser aquela que lhes traga algo mais em troca de nada.

Esses dias acabaram. Provavelmente para sempre.

Mas a maior parte das pessoas ainda não se apercebeu disso.

Os que se aperceberam, ou auguram o Fim (o melodrama suicidário compõe uma parte crucial e muito apreciada do imaginário colectivo português) ou não parecem saber que caminho tomar.

Todos criticam, com alguma razão, o governo do dia. Afinal, as medidas draconianas agora anunciadas poderão bem ter como consequência o fim de um pacto de não agressão social na sociedade portuguesa, que no passado deu provas de uma insidiosa propensidade para a violência. Verdade é que Portugal nunca foi um país de evolução. Como acontece com os terramotos, a sua história recente, desde a chamada Restauração, é uma sequência de episódios em que, a uma paz mais ou menos podre em que um ou mais sectores da sociedade paga os custos dessa paz, sucedem-se as revoluções. Que são violentas, abrangentes e muito dificeis de resolver.

E em que preciosidades como a liberdade e os direitos dos cidadãos tendem a ser os primeiros valores a serem mitigados.

Mas ninguém parece ter alternativas, para além daquela Esquerda perdida no tempo e oportunista, que aparece agora a sugerir que uma espécie de comunismo esclarecido (que em termos fiscais pelo menos 2012 vai parecer ser) ou simplesmente deixar o país falir e renegar o que deve a quem deve.

Pois pois.

Assim, depois de décadas em banho-Maria, finalmente aproxima-se a tempestade.

O que em Moçambique quem tem idade para isso chamava a Era do Carapau e do Repolho.

Mas em Moçambique eram os tempos da guerra, passava-se fome e morria gente todos os dias. Dizem-me que foi um mau momento. Em Portugal não há guerra e o verão californiano estende-se até à terceira semana de Outubro.

Curiosamente, um indício dos desafios dessa realidade veio-me da leitura de uma interessante entrevista que o Professor José Hermano Saraiva, agora com uns provectos 92 anos de idade, e que viu o auge e o estertor do projecto colonial português, deu no final da semana passada a uma publicação que acompanha o Diário de Notícias de Lisboa.

Nessa entrevista, o historiador, conhecido pelos programas televisivos que há muitos anos faz na televisão pública portuguesa, chamados Da Gente e da Alma, às tantas foi questionado acerca da situação actual de Portugal. A quem atribuía a responsabilidade por esta crise e que medidas é que deviam ser tomadas para o País superar a actual “ruptura socieconómica”, perguntaram-lhe.

Eis a sua resposta, na íntegra: “Tão simples! Portugal tinha como principais rendimentos os produtos ultramarinos e as alfândegas e, de uma só vez, acabaram com tudo. Nós não temos produção. [Quanto às medidas a tomar] julgo que nenhumas. Portugal não tem hipóteses de sobrevivência. Portugal era o principal produtor de café, de urânio, de ferro, e deixámos de ser tudo isso. Não temos nada. Somos um País mendigo, vivemos de dinheiro emprestado. (…) Portugal não vai re-erguer-se, não vejo maneira nenhuma de isso acontecer.” (Notícias TV, 14 de Outubro de 2011, pp. 11 e 12).

Internamente, o Arcebispo das Finanças de Portugal, Vítor Gaspar, que vai pontificando nas televisões numa cadência messiânico-papal, diz que vai fazer o que for preciso para endireitar a economia nacional.

Mas se a Grécia, a Espanha e a Itália caírem sozinhas (curiosamente se fosse toda a Europa seria menos mau) Deus salve Portugal.

Baseado na minha experiência africana, face ao que poderá vir a acontecer, cada português que se salve a si próprio.

Esta noite, a famigerada Agência Moody’s baixou a notação de risco de Espanha de AA2 para A1.

Vem aí a tempestade.

E muito pia e latinamente, e mais uma vez, reina a total impunidade em relação ao porquê se chegou aqui e a quem foi responsável pela forma como se chegou a este ponto.

06/10/2011

A DESILUSÃO DE CAVACO E COM CAVACO

Aníbal Cavaco Silva discursando durante o feriado de 5 de Outbro. Em baixo, o que eu pensei sobre o que ele disse. Foto cortesia de a Bola.

 

Não sei precisar o momento em que Aníbal Cavaco Silva me começou a desiludir a sério, enquanto titular do cargo de presidente da república portuguesa.

Não sei se foi quando me apercebi da sua postura esfíngica de diva política (que não é).

Nem sei se foi quando repetidamente me irritava quando, sempre que um jornalista lhe metia um microfone debaixo da boca (situação de que não gosto mas que ele é que permite – se eu fosse presidente mantia os jornalistas a dez metros de distância, tal como faz qualquer presidente dos EUA que se preze) de pontificar socraticamente sobre ele mesmo mas falando dele na terceira pessoa- e mesmo assim cripticamente ou dizendo nada.

Não que interesse. A maior parte do tempo, o que ele diz não interessa. Mas os média portugueses têm esta propensidade para o seguirem perpetuamente, à caça de uma declaração, de uma declaraçãozinha.

Nem tão pouco se foi quando me apercebi da sua penosamente óbvia incapacidade genética de falar com as pessoas através da televisão ou de estar com elas pessoalmente, sob a custódia protectiva da sua esposa-parceira política, uma professora de liceu reformada com uma pensão de (explicou ele uma vez) apenas 800 euros por mês.

Uma impreciosidade pecuniária que só mesmo um investimentozinho oportuno em acções do BPN ajudavam a colmatar.

Nem ainda, na sua teimosia em insistir que “ele” o tal presidente na terceira pessoa que é ele mas que ele sugere que não é ele, invariavelmente não se deve pronunciar sobre este, aquele ou qualquer outro assunto.

Mas que depois permite que se deixe gravar num pasto nos Açores a dizer as mais rascas banalidades sobre vacas e fruta.

Durante muito tempo, pensei que ele seguia esta postura académico-anal-retentiva porque, para além de ser mesmo assim, por debaixo dele ele tinha que lidar com o quiçá menos estável, quase hilariantemente exuberante – e perigoso – José Sócrates. O socialista-in-waiting que emergeu do chiqueiro que foi na altura o chamado escândalo da Casa Pia e que meteu os pregos finais no túmulo em que Portugal rapidamente se está a tornar (bendito povo que ainda não se apercebeu no que está metido).

Mas em Junho, supostamente, ocorreu um episódio histórico na política portuguesa (histórico com “h” pequeno, muito pequeno, atalhe-se): num espasmo momentâneo e irreflectido de alguma sanidade, certamente excessivamente tardio, alguns eleitores puseram Sócrates na rua e votaram maioritariamente para colocar o PSD, o PSD que havia, no poder.

O mesmo PSD onde Aníbal causou algum furor nos “happy crazy years” do arranque da mama europeia – e cujas regras de base ele redigiu – como ministro das finanças e depois como primeiro ministro durante dez anos seguidos.

Lembram-se desses anos?

Os dez anos de Cavaco Silva foram na altura vistos como anos de grande prosperidade, de desenvolvimento e de alguma paz a estabilidade. As empregadas domésticas deixaram de usar passes sociais e compraram Renaults Clio a prestações. Profeticamente, ele terminou essa década liberalizando o crédito…ao consumo. O mesmo que agora nos consume colectivamente.

Mas afinal esses anos não foram bem isso.

Na verdade, foi aquilo que, memoravelmente Joaquim Chissano, lá nas Áfricas, dizia acerca das suas “audiências internas” enquanto presidente executivo de Moçambique: agora se depreende que o que era preciso para andar para a frente nesses anos, era manter as ratazanas à sua volta com a barriga cheia.

E isso ele fez. Foi uma win-win situation. Tirando talvez os despachantes oficiais, acho que esses dez anos foram uma bebedeira nacional a todos os níveis. Os privados comeram o que quiseram, a máquina estatal explodiu em crescimento, as despesas públicas subiram a um patamar estratosférico, procedeu-se alegremente à desindustrialização de Portugal, sob o aliciante lema – que Cavaco Silva e só ele inventou – de que Portugal poderia ser o próximo Sillicon Valley da Europa. O que na verdade equivale a dizer que beduínos marroquinos passassem a fabricar Ipads da Apple (Rip Steve Jobs).

O resultado, anos mais tarde, foi uma absolutamente estranha parceria, em que uma empresa que ninguém sabe bem quem é ganhava dinheiro vendendo – ao governo, ou seja aos contribuintes – uns computadorzecos chamados Magalhães a meninos previamente de rua e que serão a suposta Geração Portuguesa do Futuro.

A Grande Geração da maior implosão demográfica em 900 anos de história, tirando a Gripe Espanhola de 1918 e a Grande Peste de 1348.

Aníbal Cavaco Silva foi posto na rua em 1995. Ou melhor, como ele não iria concorrer, e portanto tecnicamente não podia ser despedido, os eleitores na altura puseram o seu partido na rua, demolindo a sua máquina e abrindo o flanco a outra não mais apta agremiação de talentos, que era a então liderança do PS, personalizada na figura de António Guterres, que era uma espécie de anti-caricatura de Aníbal: tudo fazia, tudo dizia, com tudo e todos dialogava, ao som de uma passagem épica do filme O Gladiador.

Mas, feitas as apresentações e as nomeações, e agora sob diferentes condições – de que destaco a continuação da torrente de euro-donativos, a baixa substancial das taxas de juro e a relativa novidade da capacidade de ambos os sectores público e privado de se passarem a financiar (leia-se endividar) nos mercados internacionais ao preço da uva mijona – os anos de António Guterres caracterizaram-se pela continuação da política do betão, abrindo agora uma nova frente na chamada área social, sempre tão cara para os socialistas.

Era o betão com consciência social, simbolizado pelo cancelamento de uma barragem e a inauguração de um parque de imagens pré-históricas algures do Portugal Profundo.

Em 98, fez-se a Expo que fez a ponte para a bebedeira seguinte, que foi o Euro 2004. Por uns momentos, mais do que quandp ávida e pacoviamente mudavam as matrículas dos seus carros para o padrão europeu, os portugueses equivocaram-se gravemente e pensaram que eram portugueses da Europa.

Ou seja, para além do betão de Cavaco Silva, António Guterres, no que em seguida foi superado soberbabemente por José Sócrates, principiou a gastar o que todos os portugueses não tinham, em subsídios para tudo e mais alguma coisa.

Pelo meio, houve uma eleição presidencial em que Cavaco Silva não teve qualquer chance. Jorge Sampaio, um socialista mediano mas simpático que fora presidente de câmara e que tinha a particularidade de falar bem inglês e de chorar em público de quando em vez, ficou com o lugar. A única vez em que se notou foi quando limpou a poeira aos canos serrados da espingarda presidencial e ejectou o curto, infeliz governo de Santana Lopes, que ficou por aí.

O problema é que, entretanto, a economia portuguesa pura e simplesmente parou. E assim ficou, estática, durante dez anos seguidos, alheia ao que se dissesse ou se fizesse, que não era rigorosamente nada.

No sector público, acumulava-se a pressão explosiva em termos de custos e de eficácia, a quase todos os níveis. Num primeiro susto, que aliás não foi lá muito levado a sério, José Sócrates fingiu que ia fazer reformas. “Fazer reformas” para um socialista habitualmente significa “aumentar impostos”. E assim foi. Trouxeram o Paulo Macedo que mais ou menos começou a fazer com os impostos o que ninguém pelos vistos consegue fazer com a justiça, a saúde, a educação, a gestão da demais coisa pública.

Pelo meio, desta vez por alguma saturação anti-socialista, e por falta de alternativas, creio, Aníbal Cavaco Silva foi eleito presidente. Tal como no final do Século XIX, era a Alternância sem Alternativas.

De nada e para nada serviu, aquele primeiro mandato.

Que foi digamos que mudo. Lá no palácio que foi de Dom Carlos e Dona Amélia, Aníbal pregoava harmonia, ruminava subterraneamente e através da sua corte de assessores quando algo lhe desagradava, agarrou-se uma vez de uma forma inusitada à relativamente exótica questão do estatuto dos Açores. Isto enquanto José Sócrates literalmente fez o que quis e lhe apeteceu. No início de 2009, quando já tudo se começava a desmoronar, manteve um aumento de 3.9% dos salários dos funcionários públicos e disse que o que afinal era preciso era – estaria eu a alucinar? – mais e mais despesa e mais investimento público.

Era preciso dar de comer às ratazanas.

Na sua mais recente campanha, Cavaco Silva foi quase majestático: nem sequer fez campanha, para além duns cartazezitos e uns debates positivamente intragáveis na televisão. Isto já quando o mundo levara o rombo assustador da falência premonitória do banco americano Lehman Brothers e em que o que estava para vir era totalmente previsível: uma arrasadora destruição de valor nos mercados de capitais, a que se seguiria uma ainda mais demolidora secagem dos mercados de crédito. Subitamente, toda a gente descobriu a palavra “risco” e “notação de risco”.

Especialmente em Portugal.

Metodicamente, a Islândia, a Irlanda e a Grécia caíram. Os grandes tomaram severas medidas de contenção.

Quando Sócrates foi finalmente posto fora, após anunciar o seu quinto “Plano de Estabilidade e Crescimento” ou PEC, termo kafkiano-orwelliano que na quase totalidade consistia em fazer aumentar pela quinta vez sucessiva os impostos, Cavaco foi incansavelmente fleugmático.

Afinal, em Portugal, um presidente não manda.

Umas semanas depois, no início de Junho, o PSD de Pedro Passos Coelho, um ex- perpetuamente jovem apparatchik do PSD sem qualquer experiência prévia de governo e que tinha escrito um daqueles livrinhos inspiracionais que agora estão tanto na moda, tomou as rédeas do poder. Possuía as importantes vantagens de não parecer alucinar como José Sócrates e de ser elegível.

Face ao terror económico que se começava a vislumbrar poderia estar para vir, alguns portugueses acharam reconfortante ter agora uma espécie de Santíssima Trindade Laranja a governar a nação: um presidente, um governo e um parlamento laranjas.

Previsivelmente, os primeiros cem dias do novo governo laranja consistiram em fazer duas coisas: dizer que tudo estava a ir de mal a pior e a aumentar impostos. Muitos mais impostos.

O que, claro, todos aceitaram relutantemente pois estava-se a pagar o descalabro de dez anos de República Socialista. E não parecia haver alternativa.

O que não estava previsto é que não fizessem quase mais nada para além disso. Nada de cortes na despesa, nada de ideias novas, nada para além do parlapatanço habitual e típico dos políticos portugueses. Paulo Portas, que se movimentou para ter um lugar à mesa do poder, refugiou-se no recato das Necessidades, e meteu uns seus colaboradores em pastas importantes,em que ainda não se observou nada de substancial.

Neste período, Cavaco Silva, agora em segundo e terminal mandato, pouco disse, para além daquelas estranhas mas já habituais emanações sobre ele mesmo na terceira pessoa, e referindo que as coisas estavam mal e que a gente que se virasse para melhorar as coisas.

E sobre as vaquinhas nos Açores.

É portanto, neste contexto global, que a Aníbal Cavaco Silva ocorreu, ontem, de celebrar o lamentável feriado do dia em que houve um golpe de Estado (mais um, diga-se) resultante de uma conspiração em Lisboa que derrubou em 1910 a monarquia e implantou o actual regime há 101 anos, com um discurso.

A esse chamo o Discurso dos Tempos Difíceis e da Refundação da República.

Quem quiser e tiver a pachorra, pode lê-lo premindo AQUI (curiosamente o sítio do jornal desportivo A Bola).

Qual foi a essência das suas mensagens?

A meu ver, a essência do que disse é que os portugueses estão lixados, que vão passar as passinhas do seu nativo Algarve, que ou arrepiam caminho depressa ou vai tudo por água abaixo, e finalmente que se esqueçam da mama do governo que desta vez não lhes pode ajudar.

O terminar o discurso com uma esforçada mensagem de fé quase divina nas capacidades dos lusitanos, quase parece uma espécie de exercício da praxe para não ficar mal. Ainda assim usa o já desgastado exemplo dos portugueses emigrados, ignorando a perversa dualidade do que isso significa: que os portugueses lá foram são exemplares e têm sucesso tanto porque são portugueses, como porque……justamente, estão lá fora.

Ora, eu ouvi e depois li o que ele disse no seu discurso de 5 de Outubro de 2011 no contexto não de hoje mas no de uma carreira que decorre há quase trinta anos.

E acho curioso que alguém que foi responsável em boa parte pelo país que este é agora, mas que é suposto ser um contraponto à loucura socialista de dez anos, que procurou e obteve o cargo de presidente da república, que me parecia apreender de forma lúcida os tempos que se avizinhavam, que neste momento de constatação da inevitabilidade da mudança, centre o seu discurso nas temáticas de funda da Desgraça e da redescoberta da necessidade do renascimento de um novo “activismo republicano.”

Precisamos de fazer renascer um novo activismo republicano?

Um novo activismo republicano?

Qual deles? o da pulhice nojenta e malcheirosa da I república? o dos quarenta anos da república de Salazar? ou os trinta anos e tal anos de República Socialista, a República a Crédito que terminou com a maior falência nacional em 120 anos?

Nos últimos tempos de Sócrates, quando o via na televisão, eu costumava interrogar-me com frequência sobre em que planeta é que ele pensava que vivia.

Quando vi Aníbal Cavaco Silva a discursar na televisão ontem à tarde, fiz a mesmíssima pergunta.

E a resposta, cada vez mais, parece ser esta.

Que os portugueses mais uma vez estão entregues a si próprios, sem qualquer projecto nacional que não seja ir a reboque dos escombros do projecto europeu, sem o qual não há desígnio nacional, e que os actuais líderes, um pouco como os mais recentes, não estão ali para liderar nem para solucionar.

Estão apenas para cruzar os débitos com os créditos, a tentar vender a língua para agradar ao Brasil e a esperar que venha um milagre de alguma parte. Possivelmente da Europa, o que ele sugere no seu discurso, mas temente de que poderá não ser assim.

A história de Portugal já teve vários destes lamentáveis momentos. Em que se pressente que algo de terrível está para acontecer.

E que ninguém parece preparado para o que está para vir.

E parece que neste caso a história repete-se.

Se se repete, é porque, se calhar, os portugueses merecem. Pois não aprenderam a lição.

Independentemente desse detalhe, nestas circunstâncias, esta república, certamente esta III república, provavelmente, não tem salvação.

E Aníbal Cavaco Silva provou que já não é parte da solução.

É parte do problema.

06/09/2011

O NOVO VS. O VELHO PROGRAMA DE GOVERNO

Se Pedro Passos Coelho e os seus muchachos não se cuidam, começará em breve a ter-se a impressão que o seu "programa" de governo em pouco se distingue do do seu antecessor, o já saudoso....O...como é mesmo que ele se chamava? Aquele, que segundo uma peça de capa no Correio da Manhã de hoje, tem um tio e um primo com contas offshore muito, muito concorridas.

27/07/2011

A BANCA PORTUGUESA ENTRA NO TÚNEL

Os Big Five Portugueses. Destes, um é espanhol e o outro é do governo português.

Duas peças nas notícias de hoje chamam a atenção. O Grupo BCP levou quase um cartão vermelho para arrumar a casa e se preparar para o que vem aí.  Mais folgadamente, o Grupo BPI passa um pouco pelo mesmo.

Suspeito que o BES esteja também bem alerta para os tempos que se avizinham.

Quase implausivamente, os depósitos dos portugueses continuam alegremente a subir nas contas dos bancos. Para eles, os bancos, isso é bom. Muito bom. Dá-lhes liquidez e é uma indicação de que os portugueses ainda acham seguro ter lá as suas poupanças (o mesmo não está a suceder na Irlanda e na Grécia, onde os saldos dos bancos caíram a pique).

Mas a ameaça, havendo, vem de outros quadrantes. Presumo que o crédito mal-parado, assim como as suas consequências em termos de constituição de reservas e custos de recuperação, vão continuar a subir. O nível de bons negócios vai cair.

Tudo isto, mais do que a rentabilidade, vai afectar a liquidez dos bancos, que é o calcanhar de Aquiles em qualquer situação de debilidade económica. Invariavelmente, um banco vai à falência quando não tem liquidez. Os planos para o empréstimo a Portugal incluem um valor expressivo para garantir essa liquidez.

O CEO do BPI sugere que não chega.

De qualquer modo, a rentabilidade já está a ser vertiginosamente afectada. Nos primeiros seis meses de 2011, o BPI ganhou mais lucro com as suas excelentes operações em Angola e Moçambique que com o negócio de Portugal, muitas vezes maior em dimensão – porque o negócio em Portugal contraiu.  As receitas nos mesmos países com as respectivas operações têm sido também um importante contributo para os lucros do BCP, que, para além dos condicionalismos que acima refiro, tem ainda uma base de capital Tier 1 (isto é banquês) relativamente frágil, 5.4%. Então se se levarem em consideração o que está previsto no protocolo de Basileia 3 (mais banquês) os bancos portugueses estão com o problema de terem que aumentar expressivamente o seu capital numa altura em que não há dinheiro para isso e não há interesse particular em ter acções de bancos.

Isto numa altura em que está na moda chamar os nomes todos e mais algum aos bancos, aos banqueiros e tudo o que tenha a ver com banca.

Pois. Carpir é fácil.

Mas ninguém sequer se atreve a sonhar em ir um dia ao seu balcãozinho levantar o seu dinheiro e ele não haver.

Aliás, as chances são que, se isso acontecer, ocorrer o que sucedeu com o BPN em Portugal, ou com o Banco Austral em Moçambique: o governo, ou seja, os contribuintes, contribuirão o que for preciso para estancar uma falência.

Só que, excepto em Angola, que Deus presenteou com poços de petróleo, as contas dos estados já estão à flor da pele.

Por essa razão, convém haver serenidade e ir acompanhando o que se passa. Os bancos, e o governo, têm um percurso a percorrer. Para o bem de nós todos, que o façam com bom senso e sucesso.

E que todos juntos vejamos a luz no fundo do túnel em que vamos entrar.

A VERDADEIRA, ÚNICA FÉ

O que é que os portugueses sabem que os outros não sabem? O que é que os portugueses não sabem que os outros sabem?

13/07/2011

A REVOLUÇÃO CONSERVADORA EM PORTUGAL, JULHO DE 2011

“You cannot legislate the poor into freedom by legislating the wealthy out of freedom. What one person receives without working for, another person must work for without receiving. The government cannot give to anybody anything that the government does not first take from somebody else.

When half of the people get the idea that they do not have to work because the other half is going to take care of them, and when the other half gets the idea that it does no good to work because somebody else is going to get what they work for, that my dear friend is about the end of any nation. You cannot multiply wealth by dividing it”.

(Dr. Adrian Rogers, 1984)

Ao contrário de muitos dos exmos. leitores, eu vivi nos Estados Unidos durante os dois mandatos de Ronald Reagan, que presidiu à “revolução conservadora” norte americana nos anos 80, que, catapultada pelo pragmatismo moderado de Bill Clinton, trouxe enormes riquezas aos norte-americanos, até que a administração de George W. Bush, um pouco como o José Sócrates de Outubro de 2008-Abril de 2011, arrebentou com tudo e mais alguma coisa.

Em Portugal, como resultado da eleição de 5 de Junho, pela primeira vez desde 1974, há um alinhamento entre presidente, parlamento e governo que em Portugal se chama de “direita”. Ou, talves mais hilariante ainda, “liberal”. O que para mim é curioso. Nos EUA um “liberal” é um tipo de esquerda. Lá, o contrário de um liberal é um conservador. Mas um conservador em Portugal é um fascista ou afim.

Mais do que rótulos, no entanto, interessa o conteúdo, ou seja a ideologia, e a doutrina, e as acções daí decorrentes. É o actual alinhamento governamental português, um multifacetado conjunto de pessoas puxadas daqui e dali e liderados por Pedro Passos Coelho, com Cavaco Silva em Belém “conservador”? de “direita”? “liberal”?

Mas em Portugal, o que é que isso quer dizer?

O normal seria olhar para o arco-íris político português e aí buscar a resposta. Dum lado temos a gerontocracia comunista, os agora periclitantes Bloques de Gauche, a seguir os escombros do PS de José Sócrates, e os senhores da presente administração a seguir. Como não há mais nada à direita, ou outra direita, estes devem ser a direita portuguesa.

Mas será que são “a” direita?

E se são, que direita é esta?

Qual a sua visão?

Os seus valores?

O que é que defende?

A minha resposta curta é: “não sei”.

Não sei porque ainda não li nada que emanasse das suas lideranças (PSD e PP) que me faça crer que se está perante uma direita.

Mais importante, aquilo que supostamente vai tentar-se fazer  nos próximos anos nem sequer foi escrito por eles: foi dado em espécie de ultimato por um pequeno grupo de tecnocratas que esteve em Lisboa umas curtas semanas durante o mês de Maio. Em cerca de duzentas páginas, apinhadas de instruções e com datas-limite de execução.

E esse documento foi assinado por todos. Até pelo Partido Socialista de Portugal.

Volvidas umas semanas após o penoso carnaval da selecção do elenco governamental e as tomadas de posse, só se conhecem duas evoluções claras.

A primeira é um imposto “extraordinário” sobre o rendimento das pessoas, para supostamente ajudar a estancar a sangria de gastos públicos que ninguém parece saber em que pára nem tão pouco como a parar.

A segunda é que, do outro lado do mar, uma empresa cujo objecto social é acompanhar os desempenhos dos governos e aferir o risco para quem lhes poderá emprestar dinheiro, veio a público dizer que não acredita nem que o que há para ser feito vai ser feito, nem que isso será suficiente para estancar a tal sangria.

E qual tem sido a reacção dos senhores do poder?

Que a aferição do risco soberano deve ser feita deste lado do mar.

Não dá para perceber. Se isto reflecte uma agenda conservadora, uma agenda “liberal”, de “direita”, alguém que me explique.

No tempo de Reagan, toda a gente sabia, em traços gerais, qual era a agenda da direita e a posição da esquerda.

Em Portugal, em Julho de 2011, não sei a distinção.

Sim, tirou-se José Sócrates da equação.

Mas isso não foi um caminho. Foi apenas uma mudança necessária de recursos humanos.

Antes que mais (e é por isso que cito em cima a frase do Dr. Adrian Rogers, um dos apóstolos da direita religiosa americana do tempo de Ronald Reagan) o que deve distinguir a direita da esquerda deve ser a sua posição relativa às questões essenciais da criação da riqueza e a sua distribuição.

E, do que tenho assistido até ao momento, para além de alguns pronunciamentos obscuros sobre a necessidade de se alterar a actual constituição, que codifica a República Socialista criada em 1975 – que sem o beneplácito do Partido Socialista não muda – ao que parece que se vai assistir é a uma espiral de impostos para se tentar estancar uma espiral de despesas e de dívidas, sem outro fim que não seja um apelo humilhante a terceiros para que salvem os portugueses de si próprios.

Das minhas leituras dos livros de história, é nessas alturas que, nada obstando, as soluções mais radicais e menos consentâneas com as regras do jogo democrático, tendem a afirmar-se. A fome e o caos são muito maus conselheiros, especialmente se as escolhas e os rumos difíceis não são devida e atempadamente postas ao julgamento dos eleitores.

Em Junho, substituiu-se José Sócrates e a sua equipa.

Mas neste momento ainda falta algo.

Maior clareza nas opções e maior definição no espectro político.

Ao que se está a assistir não é certamente uma revolução, não é certamente conservadora, nem liberal.

Parece-me ser mais do mesmo.

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