THE DELAGOA BAY REVIEW

01/01/2024

1 DE JANEIRO DO ANNO DE 2024

Filed under: Cerveja 2M e Laurentina - 2024 — ABM @ 2:41 pm

Imagem retocada.

Desejo a todos os Exmos. Leitores um bom ano.

Uma lata de cerveja de 330 ml de Mac-Mahon, edição limitada, recente. Uma cervejeira local criou a marca na década de 1960 para competir com a Laurentina, e que assinala o nome de um presidente da França, que em 24 de Julho de 1875, numa arbitragem internacional que opunha Portugal e a Grã-Bretanha, decidiu por Portugal que o território desde a Catembe até à Ponta Ouro e a Namaacha, lhe pertencia. Desde logo ficou conhecida como 2M. Em honra desse evento, a Praça em frente à estação dos caminhos de ferro tinha o seu nome e a maior artéria da Cidade chamava-se 24 de Julho (de 1875). O feriado municipal de Lourenço Marques era, adicionalmente, a 24 de Julho e não em 10 de Novembro, o dia da elevação da então vila ao estatuto de Cidade em 1887.

A 2M hoje pertence à empresa Cervejas de Moçambique (CDM), que surge na sequência de um longo historial que remonta a 1932 com o lançamento da cerveja Laurentina. Em 1995 a CDM foi vendida à South African Breweries International, tendo este sido um dos primeiros investimentos externos efectuados em Moçambique na sequência de privatizações efectuadas na altura. Em Outubro de 2016, a Anheuser-Busch InBev fundiu-se com a SABMiller Plc, tornando-se assim, indirectamente, no principal accionista da CDM.

Em Agosto de 2012, a jornalista Cláudia Faria escreveu o seguinte no Diário de Notícias em Lisboa:

No início do século xx, um imigrante grego chamado George Cretikos, que percorria os bairros ricos de Lourenço Marques a vender água fresca de porta em porta, apercebeu-se de que não existia gelo para conservar o peixe que todos os dias era descarregado nas docas da cidade. Foi assim que, em 1916, Cretikos abriu a primeira fábrica de gelo e de água mineral de Moçambique, perto do porto de pesca. Chamava-se Victoria Ice and Water Factory e foi um êxito imediato. Em poucos anos, começou também a produzir refrescos e a sonhar com a primeira marca de cerveja feita em Moçambique. Aconteceu em 1932, quando o grego viajou até à Alemanha para contratar um mestre cervejeiro que desenvolveu uma receita de cerveja de estilo europeu a que Cretikos chamou Laurentina, em homenagem aos naturais de Lourenço Marques – laurentinos.

A receita desta cerveja permanece secreta, mas sabe-se que uma parte do seu sucesso resulta da mistura de três maltes e de uma dupla filtragem a frio que lhe confere estabilidade. A Laurentina é até hoje a mais premiada de todas as cervejas de Moçambique. E as suas variantes clara, preta e premium já lhe valeram diversos prémios internacionais, entre eles a medalha de ouro Monde Selection, na Bélgica.

Depois de 36 anos a trabalhar diariamente com estas cervejas, o administrador José Moreira conhece bem estas e outras histórias. Abandonou o sonho de estudar Medicina para começar a trabalhar nas Cervejas de Moçambique assim que terminou o 12.º ano, pouco antes da independência do país. Acabaria por ir para a universidade mais tarde, mas para estudar Economia. «De um momento para o outro a fábrica perdeu mais de metade dos quadros, entre eles todos os técnicos qualificados que [em consequência da descolonização] partiram repentinamente para Portugal, para o Brasil e para a África do Sul», conta. «Por causa disso, o presidente Samora Machel [primeiro presidente de Moçambique, falecido em 1986] decidiu que todas as pessoas que já tivessem concluído o ensino secundário tinham de começar a trabalhar nas áreas mais urgentes para manter o país a funcionar», esclarece José Moreira, 56 anos, que trabalha até hoje na fábrica da cerveja 2M, abreviatura de Mac-Mahon, uma marca quase tão icónica como a Laurentina, criada durante o período colonial português, em 1962.

Ao contrário da Laurentina, conhecida por ser a cerveja das elites, a 2M – atualmente a cerveja mais consumida no país – afirmou-se, sobretudo, entre a classe mais pobre, chegando a ser vendida sem rótulo durante os anos da guerra civil, de 1976 a 1992. «Naquele tempo, só era possível reconhecer uma 2M pelo símbolo estampado na carica», conta João dos Santos, autor da primeira grande campanha de publicidade da marca, uma das principais responsáveis pelo êxito atual da 2M.

José Moreira lembra-se bem desta fase e diz que os rótulos eram o de menos. «As máquinas que usávamos na fábrica estavam completamente obsoletas. Trabalhávamos dois dias, parávamos uma semana», conta. Um dos episódios mais marcantes deste período foi a avaria irreversível da máquina pasteurizadora que fez descer o prazo de validade das cervejas de três meses para uma semana. «Após cinco dias, começavam a aparecer sedimentos dentro da garrafa e a cerveja começava a apodrecer.»

O administrador conta que, durante esses anos, a maior parte da cerveja vendida em Moçambique era imprópria para consumo. «O transporte para fora de Maputo era feito por barco. Só para chegar ao porto de Nacala, no Norte do país, demorava vinte dias – quando lá chegava já estava completamente fora do prazo. E dali ainda tinha de ser descarregada e distribuída até aos pontos mais remotos. Quando chegava ao consumidor já tinha pelo menos 45 dias.» No entanto, garante, nunca ninguém ficou doente nem apresentou qualquer queixa sobre a qualidade da cerveja.

O presidente Samora Machel conhecia bem as dificuldades de José Moreira. Costumava fazer inspeções à fábrica pessoalmente. Estas vistorias de surpresa, conhecidas como visitas-relâmpago, mantinham as empresas moçambicanas em sobressalto. «Uma vez apareceu cá à uma da manhã e encontrou a maior parte do pessoal a dormir, muitos homens bêbedos, de barba por fazer, descalços.» Foram despedidos.

José Moreira assistiu de perto à glória, à decadência e ao renascimento da Laurentina e da 2M e diz que as duas cervejas são também um reflexo da história recente de Moçambique. A empresa, que começou por ser privada, sofreu uma intervenção do governo de Samora Machel após a independência de Moçambique, em 25 de junho de 1975, e foi privatizada de novo já nos anos 1990 quando a multinacional Castel, proprietária da famosa cerveja Cuca, de Angola, comprou a Laurentina. A marca foi vendida, por fim, à multinacional sul-africana SABMiller, que comprou também a 2M e a cerveja Manica, muito popular na região centro/norte de Moçambique.

02/04/2023

A DÍVIDA DE MOÇAMBIQUE À CHINA, 2021

Filed under: Divida de Moç à China 2021 — ABM @ 10:34 pm

O mapa ilustra, por ordem decrescente, os países com dívidas mais elevadas em termos da percentagem do seu Produto Interno Bruto (PIB). Em que Angola e Moçambique se destacam. Segundo um artigo publicado em 2021 pelo Hong Kong Trade Development Council, as dívidas de Moçambique reflectem gastos como a ponte Maputo‑Catembe (US$ 686 milhões), a reabilitação de 287 kms da Estrada Nacional entre a Beira e Machipanda (US$ 416 milhões) e os74 km da Estrada Circular de Maputo (US$ 300 milhões). A estas despesas podem-se juntar o Aeroporto Internacional do Bilene, a reabilitação do Aeroporto de Maputo e o Aeroporto de Nacala, este último penso que uma dívida ao Brasil. Nestas circunstâncias, torna-se difícil dizer não ao colosso chinês.

28/03/2023

BOEING 707 DAS LINHAS AÉREAS DE MOÇAMBIQUE, ANOS 70

Filed under: Boeing 707 das LAM — ABM @ 1:43 pm

Imagem retocada.

Após 1975 e até 1980, a DETA-LAM funcionou mais ou menos como anteriormente. Em 1980 houve uma reestruturação e foi criada a LAM, EP. Nesse período, a companhia usou um conjunto de aviões entre os quais este, um já então velho e algo obsoleto Boeing 707-321,C9-ARF C/N 17593 , que permitia efectuar voos de longo curso e que, a julgar pelas turbinas, devia acordar os mortos com o barulho na descolagem.

27/02/2020

A BOMBA ATÓMICA DE MOÇAMBIQUE

Filed under: A Bomba Atómica de Moçambique — ABM @ 2:33 am

 

Na sua edição de 26 de Fevereiro, o excelente jornalista Adérito Caldeira, do jornal A Verdade, de Maputo, que geralmente é melhor que a média naquilo que publica, aludiu a uma apresentação em que o perpetuamente discreto mas genial economista António Francisco, publicou o quadro que em seguida reproduzo (com uns retoques):

A Bomba Atómica de Moçambique.

Isto a propósito duma daquelas discussões académicas insanas (e demasiadamente frequentes) sobre pobreza, modelos de desenvolvimento, bla bla bla.

Daquelas a que quase ninguém vai e que quase ninguém liga.

Só que aqui o assunto é verdadeiramente explosivo.

Os pontos que o Adérito diz que o António Francisco fez, mais ou menos, são simples, por isso faço-o aqui, resumidamente:

  1. A população, maioritariamente pobre, rural, miserável e analfabeta de Moçambique, hoje é de 30 milhões de almas, o triplo do que havia em 1975;
  2. Daqui a trinta anos somará 65 milhões de pessoas; no centenário da independência, 100 milhões;
  3. Mas da maneira como as coisas têm andado em termos da economia e das infra-estruturas, mesmo com os dinheiros do gás e tudo o mais o que se prevê que se possa vir a arranjar, e não fôr entretanto roubado ou derretido em guerras indecifráveis, não vai haver maneira de dar de comer, educar, vestir, arranjar emprego e cuidar destas pessoas; os efeitos no território e nos recursos será arrasador, para não falar que se vai acentuar o peso da maioria da população na Zambézia e Nampula, até agora politicamente quase omissa;
  4. Sendo as coisas como são, e prevendo-se melhorias assinaláveis na taxa de mortalidade da população, a única solução para assegurar um mínimo de chance para se proporcionar uma vida de melhor qualidade para os futuros moçambicanos é….nascerem menos;
  5. E não há muito tempo antes que se tenham que (ou deviam-se) tomar medidas específicas para se tentar convencer os casais moçambicanos a deixarem de ter uma média de seis filhos por casal, e passarem a terem (e efectivamente criarem e suportarem) três filhos por casal em média;
  6. Pois, aos actuais níveis do que Francisco chama, quase simpaticamente, “fecundidade”, a nação moçambicana vai ser uma mãe ainda mais madrasta para os seus filhos do que aquilo que já foi nos últimos cem anos. E isso é perfeitissimamente evitável. E é algo que está literalmente nas mãos dos moçambicanos e das moçambicanas.

É melhor começar a falar-se disto duma forma menos discreta.

Pois esta já é e vai ser a verdadeira bomba atómica que Moçambique enfrenta no seu futuro.

30/11/2019

A DÍVIDA INTERNA DE MOÇAMBIQUE EM 2019

Filed under: A Dívida Interna em 2019 — ABM @ 1:18 am

Enquanto não chegam as receitas do gás, e à falta da de outro modo perpétua ajuda para minorar as misérias, a Frelimo e o governo de Moçambique fazem o que podem: não tendo crédito lá fora por causa dos roubos perpetrados pela elite Guebuziana, ainda por resolver, endividam-se cá dentro, através da dívida pública, paga a peso de ouro aos bancos que ficam sem apetite para emprestar ao sector privado. O jornal A Verdade, neste e neste artigo referem o assunto, ilustrados pelos dois quadros em baixo.

Tirando cinco mistificantes bancos, entre eles o FNB Moçambique, o Mozabanco do Jófi, o Banco Mais e o Banco Terra, os bancos de topo nadam em lucros com pouco ou nenhum risco, pois investem em títulos públicos.

 

O Estado a endividar-se em 2019 junto da banca, dados para o primeiro semestre de 2019.

15/11/2018

A PONTE, A CATEMBE E O SUL DE MOÇAMBIQUE

Imagem colorida por mim.

A ponte que liga mais directamente as duas margens da Baía, inaugurada a 10 de Novembro de 2018, versão kitsch.

Moçambique, há décadas um dos países mais pobres, endividados e problemáticos no planeta, inaugurou no dia 10 de Novembro mais uma obra faraónica, uma ponte suspensa que liga a capital à quase rural localidade de Catembe.

O projecto é mais um vestígio da natureza algo apoteótica do mandato e das negociatas do governo de Armando Guebuza.

Tirando o efeito propaganda, as negociatas, a especulação imobiliária na Catembe por parte dos suspeitos do costume – os ricos do regime e os seus acólitos – e o benefício marginal de os mesmos deixarem de ter que se incomodar  com a bicha do ferry às sextas-feiras quando viajam aos fins de semana para as suas dachas na outrora remota Vila da Ponta do Ouro, a utilidade da ponte, concebida, financiada e construída pelos chineses é, por enquanto, a de um elefante branco, agravado por um tarifário milionário para as portagens.

Tudo isto, segundo as contas de um jornal local, por um custo estimado de mais que mil e cem milhões de dólares americanos, se se levar em conta o facto de que a conta vai ter que ser paga em suaves prestações a uma taxa de juro punitiva, assumindo as futuras rendas do gás que há milhões de anos se vem acumulando e que está preso nas areias sob o Índico, bem ao largo da pindérica e infinitamente mais pobre localidade nortenha de Palma.

Factura essa, atalhe-se, que, alega-se, representa uma absoluta obscenidade face ao que deveria ter custado a obra.

A este projecto junta-se o anúncio da quase inexplicável adjudicação para a construção de um aeroporto no Xai-Xai, que estes dias é pouco mais que um resort para os ricos de Maputo num dos redutos a que alguns chamam o Frelimistão. O projecto é um aeroporto de Nacala em ponto pequeno e parece ser já uma iniciativa da Era Nyusi.

Eu pensava que as prioridades nacionais, num contexto e no princípio de que “somos pobres e não há dinheiro”, para o sétimo país menos desenvolvido do Mundo, seriam outras. Coisas banais e menos ofuscantes, como hospitais, escolas, professores, médicos, polícias, tribunais que funcionam, saneamento e manutenção do pouco que já foi feito e que custa dinheiro.

Com a nova ligação directa à Catembe e o crescimento urbano ali previsto, o trânsito da capital, que já é estupidificante, daqui a meia dúzia de anos vai ser um verdadeiro desafio, especialmente ali no fim da 24 de Julho. Face ao caos que se antecipa, talvez o venerando edil, o meu caro Dr. Eneas Comiche, veja aqui a oportunidade de fazer um nó com túneis, pontes e mais estradas para desembrulhar aquilo tudo lá entre o antigo Matadouro e a Brigada Montada. Pois a solução para isso é fácil e já é conhecida: os chineses fazem tudo e depois mandam a conta, que se paga em bens, serviços e rendas de gás.

Eu sei que, para muitos, existe a convenção segundo a qual, exceptuando a prisão do Gungunhana no final de 1895, a História “moderna” de Moçambique começou com os poemas da Noémia, as soirées comunistas do Marcelino em Paris, o tiro solitário do Chipande (que se diz que não foi dado) não sei onde lá no Norte e a assinatura singular do Machel em Lusaka no Dia da Vitória em 1974.

Mas há nesta coisa da inauguração da ponte chinesa entre o fim da 24 de Julho e a Catembe algo evocativo daquela outra história antes dessa História oficiosa, que merece ser referida.

A ponte chinesa foi inaugurada no dia em que, por portaria de um então rei português, SM o Rei D. Luis I, o que era um pequeníssimo espaço urbano infecundo, miserável e delapidado, efectivamente ainda uma ilha rodeada, por um lado, pela Baía, e do outro por um pântano infecto, foi elevada ao estatuto de Cidade, O dúbio privilégio, derivado unicamente da promessa de que o local, que era cobiçadíssimo pelos “outros” imperialistas, os britânicos, servia que nem ginjas para ligar a nascente indústria aurífera, por eles controlada, ao mar. Pois na realidade nem havia orgão municipal por assim dizer (havia umas “comissões” de ilustres locais) nem tão pouco havia….cidadãos. Pois a localidade era, na altura, um “melting pot” de gentes de todas as proveniências, nacionalidades, e raças.

Um outro partido interessado no local eram os Boers, uma espécie de tribo branca, que havia formado um país (a República Sul Africana, não confundir com o actual país), que mais do que ninguém odiava o imperialismo britânico e para quem poder ligar-se ao mar por via de um território pelo menos nominalmente fora da esfera britânica, era um desígnio estratégico.

Desde a terceira década do Século XIX que os britânicos queriam controlar a região a Sul do Limpopo, que mais não seja que para controlar a Baía, considerada naqueles tempos como o melhor porto na costa oriental de África. Apesar de uma fraqueza negocial endémica e uma incapacidade logística notória, os portugueses lá aguentaram os sucessivos embates britânicos, através de uma diplomacia tortuosa, em que a grande penúltima disputa foi rebater a pretensão britânica ao território a Sul da Baía – A Catembe incluída.

Face a essa disputa, no início da década de 1870, Portugal propôs aos britânicos que o assunto fosse submetido a arbitragem internacional. Eles caíram na esparrela e o assunto foi referido para decisão da França. Que através do seu Presidente (com um mandato muito breve), um fulano chamado Mac-Mahon (o mesmo da cerveja 2M), decidiu que o território da Catembe para o Sul seria dos portugas.

A data indicada na decisão de Mac-Mahon, o dia 24 de Julho de 1875 (um sábado) , foi considerada tão significativa para os gestores da Cidade, que mudaram o nome original da sua maior avenida, que se chamou durante algum tempo Francisco Costa, para 24 de Julho, após se ter aberto a segunda via e cimentado os passeios, nos anos 40.

Mais simbólico, ainda, foi a decisão municipal de celebrar o feriado da Cidade, não no dia 10 de Novembro, mas no dia 24 de Julho. Quem cresceu em Lourenço Marques lembra-se bem disso.

A decisão de Mac-Mahon não acabou com o problema dos portugueses conseguirem segurar o que é hoje o Sul de Moçambique (incluindo a Sul da Baía). Havia intenções e planos de comprar ou de simplesmente “confiscar” esse território a Portugal, mesmo durante a década de 1890. Óscar Somershield, por exemplo, um súbdito britânico (de origem sueca) e um racista mórbido que considerava os portugueses entre as “raças inferiores”, que residiu ali durante uns anos, apostava na tomada da região pelo Reino Unido, adquirindo duas concessões, uma situada numa faixa ao longo da costa ao Norte da Cidade, no meio da qual se implantou, a partir dos anos 50 o Bairro dos Cronistas (e que hilariantemente, hoje dá pelo seu apelido, com mais uns “émes” e uns “esses) – e a outra a Sul da Cidade, no que se chamava a Amatongaland, entre a Ponta do Ouro e a Namaacha – que por sua vez os ex- Suázis achavam que lhes pertencia. Quando a coisa correu mal, vendeu os seus direitos a terceiros e voltou para a África do Sul.

E assim é a ironia em que, num 10 de Novembro, assinalando o 131º aniversário do decreto do Rei D. Luis I de 1887, inaugurou-se a ponte que passa a ligar a actual capital de Moçambique a uma parcela do País que só permaneceu portuguesa – e moçambicana – quase por milagre, e no fim do dia, por decisão de Mac-Mahon, decisão essa recordada na então Avenida 24 de Julho, e no anterior feriado do município.

 

13/05/2018

A TERRA EM MOÇAMBIQUE É DO POVO E NÃO PODE SER VENDIDA

Filed under: A Terra Não Pode Ser Vendida em Moç — ABM @ 7:25 pm

Uma página no portal do governo de Moçambique refere o seginte:

Entretanto, vejo este anúncio num site de vendas de Moçambique:

Anúncio que li no OLX Moçambique de final de Março de 2018, para a venda de um hectare de terreno no Aterro da Maxaquene por 12 milhões de dólares, negociável.

22/03/2017

O MOZABANCO E O ERRO DE PARALAXE

Filed under: Como vender o Mozabanco, Economia de Moçambique — ABM @ 11:10 pm

Artigo com vénia para o Matias Guente e o Canalmoz, que se publica em Maputo, da sua edição de 22 de Março de 2017 e que constitui uma referência a reter. A imagem em baixo e o título (que era para ser “Moza Laden”) são meus.

Nota

“Erro de paralaxe” é um erro que ocorre pela observação errada na escala de graduação causada por um desvio optico causado pelo ângulo de visão do observador. Pode ocorrer em vidrarias como buretas, provetas, pipetas, etc. Por exemplo, quando é necessário medir um volume na proveta, se você não observar o menisco de um ângulo que faça o menisco ficar exatamente na altura dos seus olhos, você poderá ter uma medida errada e, portanto, um erro de paralaxe, podendo obter uma medida maior ou menor que a correta, dependendo do ângulo de observação. (fonte: Wikipédia)

O texto (minimamente editado por mim):

A batalha final pelo “Moza” e o potencial conflito de interesses de João Figueiredo

Termina amanhã, quinta-feira, [23 de Março de 2017] o prazo de 60 dias que os accionistas do banco “Moza” têm para injectar os cerca de 8,1 mil milhões de meticais para a recapitalização do banco intervencionado em finais Setembro de 2016 pelo Banco de Moçambique.

Até às zero horas de amanhã, os accionistas perdem a prerrogativa de encontrar um parceiro, e o Banco de Moçambique poderá colocar o banco na praça. É pouco provável que haja um milagre de última hora por parte da “Moçambique Capitais”, o maior accionista do “Moza”, que lhe permita encontrar o dinheiro para mostrar a Rogério Zandamela, tal como haviam prometido fazer na decisão que tomaram a 23 de Janeiro em Assembleia-Geral. É quase certo que o único banco genuinamente moçambicano e sem casa-mãe no estrangeiro terá mesmo de ser vendido, e muito provavelmente a estrangeiros, para a sua recapitalização.

Face à pressão do tempo, há também um forte “lobby” nos corredores do Banco de Moçambique daqueles que já marcaram posição para adquirir o “Moza”. Perfilam-se factores que tornam o “Moza” bastante cobiçado: com cerca de 7% da quota de mercado, uma rede de cerca de 50 agências, infra–estruturas modernas e um sistema informático considerado como dos melhores no mercado nacional, 700 trabalhadores, dos quais 99% são moçambicanos, o “Moza” conseguiu, em menos de oito anos de actividade, colocar-se em quarto lugar num “ranking” de dezanove bancos comerciais. É uma questão de injectar dinheiro e olear a máquina, que os carretos engrenam sozinhos.

Segundo apurou o de fontes do Banco de Moçambique estão neste momento com papéis para adquirir o “Moza”: a empresa “Atlas Mara”, de Bob Diamond (que entrou em desinteligências com a “Moçambique Capitais”, numa primeira abordagem do negócio); Eddie Mondlane (filho de Eduardo Mondlane); o “Barclays” (que tem Luísa Diogo como Presidente do Conselho de Administração); a “Société Generale” (da França); um banco malawiano; e um banco marroquino.

O caso curioso de João Figueiredo

Um outro interessado na aquisição do “Moza” é o banco BIC, de Isabel dos Santos (filha de José Eduardo dos Santos, Presidente de Angola) e Américo Amorim (o magnata português da indústria corticeira). E é justamente aqui onde está o problema. Américo Amorim é sócio de João Figueiredo no “Banco Único”, onde Figueiredo já foi Presidente do Conselho de Administração, mantendo actualmente uma quota considerável das acções do banco. João Figueiredo foi nomeado pelo Banco de Moçambique como Presidente do Conselho de Administração provisório do “Moza” na noite de 30 de Setembro. Sendo accionista do “Banco Único”, Figueiredo é praticamente concorrente do “Moza”. O que agrava esta situação de aparente conflito de interesses é o facto de João Figueiredo, na sua qualidade de Presidente do Conselho de Administração provisório do “Moza”, ser também Presidente da Comissão de Avaliação das propostas de recapitalização do “Moza”, que foi criada pelo Governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela.

João Figueiredo estará, assim, à frente de todo o processo da recapitalização do “Moza”, incluindo o escrutínio dos próximos órgãos sociais do banco. À comissão presidida por Figueiredo também foram conferidos poderes de decidir quem serão os próximos accionistas maioritários do “Moza”. É uma situação curiosa em que o árbitro poderá ser o jogador.

O Canalmoz tentou contactar João Figueiredo, mas todas as nossas tentativas foram infrutíferas. Para já, a situação está a criar um mal-estar generalizado entre o Banco de Moçambique e a “Moçambique Capitais”, a ainda dona do “Moza”, que não vê com bons olhos, sob o ponto de vista ético, a posição de João Figueiredo.

(fim)

24/03/2013

O CORREDOR DO ZAMBEZE E O FUTURO

Filed under: O Corredor do Zambeze, O Corredor do Zambeze — ABM @ 10:40 pm

A gigantesca, fenomenal bacia hidrográfica do Rio Zambeze, que apanha uma boa parte de Angola, toda a Zâmbia, todo o Malawi, quase metade do Zimbabué e uma boa parte de Moçambique.

A gigantesca, fenomenal bacia hidrográfica do Rio Zambeze, que apanha uma boa parte de Angola, toda a Zâmbia, todo o Malawi, quase metade do Zimbabué, partes da Namibia, Botswana, Tanzânia e uma boa parte de Moçambique.

Há dois temas que gostava de abordar à laia de introdução do texto em baixo, de autoria de Fátima Mello.

O primeiro é sobre o Rio Zambeze, ou seja, a sua bacia hidrográfica, que, para o Exmo. Leitor menos informado, pode ser vista em cima. Simplesmente dito, é gigantesca. Os moçambicanos gostam de mistificar o Zambeze e habitualmente despendem as suas duas linhas e meia sobre a enorme barragem que os portugueses fizeram (e essencialmente pagaram, antes de a “venderem” por tuta e meia a Moçambique). Só que o Zambeze não é um rio qualquer. Um pouco como outros rios que cortam o País de Oeste para Leste, na sua corrida para o mar, o Zambeze começa quase no outro lado de África e corre para Leste, descendo suavemente.

Só que África é um continente com uma plataforma continental bastante alta. Ou seja, quando chove muito nas suas bacias – que, como o nome indica, “recolhem” num ponto as águas que nelas caem- os rios não só se transformam em oceanos, como em oceanos difíceis de controlar. Mas não impossível, se bem que os custos desse controlo poderão cada vez ser mais postos em causa por razões ambientais e o impacto na flora e na fauna.

Mas, como já disse mais que uma vez, aqui residem os três eldorados moçambicanos para o futuro: água, terrenos agrícolas e energia hidroeléctrica. A atracção é quase fatal nestes dias que correm. Imune às preocupações, a elite política moçambicana, que quer ser a elite económica para os próximos cem anos, posiciona-se para recolher os lucros desses negócios previstos. Rapidamente.

Este foi o primeiro comentário.

O segundo comentário é digamos que de ironia política. Quando, mesmo antes do ditador português Salazar ter sido neutralizado por um AVC resultante duma queda, no final do verão de 1968, o seu governo anunciou a construção da barragem, então um projecto de uma envergadura nunca dantes vista numa colónia sob administração portuguesa, a Frelimo ainda do Dr. Mondlane reagiu contra. Meses depois o Dr. Mondlane foi assassinado e a Frelimo deu uma violenta guinada para o fosso do marxismo-leninista-maoista-pol-potista, a oposição expressa não foi só motivada pelo habitual argumento militar que opunha colonizador e colonizado. Fundamentava-se também na perspectiva totalmente delirante de que o vale do Zambeze seria colonizado por um milhão de colonos brancos (de onde viriam ainda hoje não se vislumbra) que tomariam as terras, destruindo as vidas de então mais que um milhão de pacíficos residentes naturais da região. O chamado Plano do Zambeze não era modernização: era o Colonialismo (com C grande) no seu pior e mais nefasto.

Fast forward quarenta anos e aqui temos nada menos que Moçambique gerido pela mesma Frelimo há quarenta anos seguidos, agora de fato Gucci e 4×4, o ex-guerrilheiro Armando Guebuza na presidência executiva e, graças a uma profícua reprodução, uns cinco milhões de pessoas que vivem ainda em abjecta miséria e doses substanciais de analfabetismo nas margens, na bacia do mesmíssimo Rio Zambeze. E qual é o plano de acção?

Os últimos cerca de 300 quilómetros do percurso do Rio Zambeze, na mira de mais mega-negócios da Elite.

Os últimos cerca de 300 quilómetros do percurso do Rio Zambeze, na mira de mais mega-negócios da Elite.

Leia-se então a nota de Fátima Mello, publicada no Wamphula Fax de 25.03.2012, repruduzida no fabuloso Macua Blogs e reproduzida aqui com profunda vénia, a propósito do chamado Corredor de Nacala, que é infimamente mais pequeno que o do Zambeze, mas que deixa adivinhar o que vai ser quando começarem os hidro e agro-negócios naquela região:

Os governos do Brasil, Japão e Moçambique estão iniciando a execução de um grande programa no norte de Moçambique, no chamado Corredor de Nacala, região que possui características físicas e ambientais muito similares ao Cerrado brasileiro. Apesar do padrão vigente de falta de informação às comunidades que serão afectadas ou, muito pior, da disseminação de informações distorcidas e contraditórias, o que se diz é que o ProSavana tem um horizonte de duração de 30 anos, abrangerá uma área estimada em 14,5 milhões de hectares nas províncias de Nampula, Niassa e Zambézia, onde cerca de 5 milhões de camponeses vivem e produzem alimentos para o abastecimento local e regional. As comunidades camponesas estão concentradas exactamente onde está prevista a chegada dos investimentos do ProSavana.

Apesar da ABC (Agência Brasileira de Cooperação) insistir na tese de que as críticas em curso decorrem de falhas de comunicação, o diálogo com organizações e movimentos sociais parceiros em Moçambique evidencia que o problema é mais grave: o Brasil está exportando para a savana moçambicana seus históricos conflitos entre o modelo de monoculturas em larga escala do agronegócio voltadas para exportação e o sistema de produção de alimentos de base familiar e camponesa.

Em recente divulgação de informações sobre o ProSavana em Maputo os responsáveis pelo programa apresentaram um mapa do Corredor de Nacala dividido em áreas que serão destinadas a atracção de investidores privados para “culturas de alto valor” e “clusters agrícolas” para a produção de grãos (entre eles a soja) pela agricultura “empresarial”, produção familiar de alimentos pela “agricultura familiar”, grãos e algodão pela “agricultura empresarial de média e grande escalas”, caju e chá pela “agricultura empresarial média e familiar”, e a “produção integrada de alimentos e grãos” por todas as categorias. Ou seja, a velha tese da convivência possível e harmónica entre os sistemas de produção do grande agronegócio e da agricultura familiar e camponesa, que no Brasil é fonte de intensos conflitos.

Enquanto os governos garantem que o programa trabalhará com a pequena produção camponesa em Moçambique, em 2011 a ABC ajudou a organizar a viagem de um grupo de 40 empresários da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), da região do Cerrado, estado de Mato Grosso, para identificarem oportunidades de negócios no Corredor de Nacala. O presidente da Associação Mato-Grossence dos Produtores de Algodão (Ampa) afirmou que “Moçambique é um Mato Grosso no meio da África, com terra de graça, sem tanto impedimento ambiental e frete mais barato para a China”.

São inúmeras as notícias de imprensa que falam de uma reprodução em Moçambique do Prodecer, o desastre sócio ambiental implantado pela cooperação japonesa no Cerrado brasileiro, que expulsou populações tradicionais de seus territórios, abriu um oceano de monoculturas para exportação e inundou a região de agro-tóxicos.

Até agora se diz que o ProSavana terá 3 eixos: um de fortalecimento institucional e pesquisa; o segundo de montagem de um estudo base para a elaboração do Plano Diretor (a instituição escolhida para elaborar o estudo é a GV Agro); e um terceiro de extensão e modelos onde afirma-se que MDA, Emater entre outros actuariam a favor das demandas da sociedade civil de apoio aos pequenos produtores. Em resposta às demandas de entidades e redes como UNAC, ORAM,

ROSA, Plataforma de Organizações da Sociedade Civil de Nampula, MUGEDE, Fórum Terra, União Provincial de Camponeses de Niassa, Justiça Ambiental entre muitas outras por informações, acesso às versões do Plano Diretor em elaboração e que as comunidades camponesas sejam consultadas, as autoridades brasileiras afirmam que o Plano Diretor será divulgado da melhor forma possível quando estiver finalizado. Ou seja, um estudo com base na GV Agro está em elaboração sem que as entidades que representam os milhões de camponeses que vivem na região sejam sequer consultadas. Apenas receberão a informação quando o Plano Diretor estiver pronto. Eventos de lançamento de versões do Plano Diretor são realizados, visando transmitir alguma informação, mas não para um diálogo qualificado nem para colher demandas e propostas das organizações e movimentos sociais.

Conversando com camponeses ao longo do Corredor de Nacala fica claro que brasileiros e japoneses estão indo às comunidades para avisar que o ProSavana está chegando. Depois afirmarão que fizeram as chamadas consultas a sociedade civil. Isso que estão fazendo não é consulta; até agora o que existe é um grave problema de metodologia na definição dos conteúdos e dos interesses que serão atendidos pelo programa, que estão sendo definidos de cima para baixo, pelos governos e empresas interessadas.

Percorrendo o Corredor de Nacala fica muito claro o que afirmam as organizações e movimentos sociais de Moçambique: a região é toda povoada por comunidades camponesas, que com seus sistemas de produção em pousio cultivam milho (o principal alimento do país), mandioca, feijão, amendoim. Ali vivem, produzem, realizam suas festas, desenvolvem em seus territórios relações familiares e comunitárias. Na região vivem cerca de 5 milhões de camponeses.

As entidades e movimentos que os representam identificam a insegurança alimentar como um grande problema no país, e desejam que a produção de alimentos realizada pelo sistema da agricultura familiar e camponesa seja fortalecida. Suas propostas incluem crédito para o fortalecimento de sua produção, apoio à comercialização e compra da produção por preço justo, apoio às associações de pequenos produtores e entidades criadas pelas comunidades. Todos querem participar de programas que apoiem seus sistemas de produção. Depois de escutar e dialogar com eles ao longo do Corredor e ver suas esperanças de que o ProSavana poderia ir ao encontro de suas propostas, quando se chega a Nacala o choque é gritante: uma cidade tomada pela construção de uma gigantesca infra-estrutura de mega armazéns, portos (e um aeroporto construído pela Odebrecht) para exportar a produção da região.

Muitos problemas precisam ser enfrentados. O direito dos camponeses a terra é o principal. A Lei de Terras de Moçambique lhes dá o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT), que é pública. O direito de uso será concedido às empresas? Como ficará a situação dos camponeses? Como diz um membro da Plataforma de Organizações da Sociedade Civil de Nampula, do centro do Corredor até Nampula “não existe área com mais de 10 hectares de terra desocupada”. Em Niassa as entidades afirmam que a província é toda povoada, excepto nas montanhas, e que todo o Corredor onde está prevista a chegada do ProSavana é a área mais habitada.

Os governos admitem que haverá reassentamentos. As entidades estão vigilantes e mobilizadas para não permitirem mudanças contrárias aos interesses dos camponeses na Lei de Terras e na legislação sobre sementes que corre o risco de ser alterada para viabilizar o uso de transgénicos. Estão preocupados com o modelo de monocultivos em larga escala e intensivo em uso de agrotóxicos que conheceram quando visitaram o estado do Mato Grosso e a área do Prodecer.

Enquanto isso, realizam acções de resistência produtiva e de fortalecimento de alternativas, como é o caso do intercâmbio entre UNAC e MPA/Via Campesina sobre sementes nativas.

Há uma década por orientação do Presidente Lula, a política externa brasileira começou a se abrir ao diálogo com organizações e movimentos sociais. Com isso se fortaleceu a necessária disputa de rumos sobre a presença do Brasil no mundo, pois ela é o espelho da correlação de forças existentes em nossa sociedade. O caso do ProSavana é crucial para que as conquistas dos movimentos sociais do campo brasileiro a favor da segurança e soberania alimentar, traduzidas em programas de apoio a produção e comercialização da produção familiar e camponesa, sejam reflectidas na presença brasileira no Corredor de Nacala. Afinal, é disso que os camponeses e pequenos produtores precisam, no Brasil e em Moçambique, para se fortalecerem contra as injustiças sociais e ambientais e violações de direitos cometidas pelo modelo do agronegócio, para garantirem o direito a terra, a segurança e soberania alimentar da população.

Que a presença do Brasil em Moçambique fortaleça os direitos dos camponeses, e que assim o Brasil seja capaz de demonstrar na prática que sua crescente presença como actor global visa de facto, reduzir as desigualdades e fazer justiça.

(fim)

01/08/2012

CÃO QUE LADRA NÃO MORDE

Filed under: Cão que ladra não Morde, Economia de Moçambique — ABM @ 11:12 am

“Eu não estou a roubar o Barclays Bank, minha senhora, eu trabalho aqui”.

Faisal Mkize, o recentemente nomeado operacional número um do antigo BPD/Banco Austral, redenominado Barclays, perdeu esta semana uma excelentíssima oportunidade de estar calado, ao sugerir, algo subrrepticiamente, que o banco onde trabalha em Moçambique poderá reluzir mais que a sua concorrência de capitais maioritariamente portugueses, pois os seus accionistas (se me recordo, uma curiosa mistura entre o Barclays e o ABSA, este último maioritariamente detido pelo Barclays, de qualquer maneira) vegetam fora da problemática área euro, entre a libra estrelina e o rand.

Isto a propósito do anúncio, em Londres, de que o Barclays casa-mãe reduzira a exposição do seu balanço em 22% em relação a países do euro, entre os quais se encontra Portugal, cujos bancos e outros investidores (como o Sr. Américo Amorim no caso do nascente e rapidamente crescente Banco Único) detêm e operam uma parte crítica do negócio financeiro moçambicano.

A Agência Lusa cita exactamente o que Faisal terá dito: “qualquer companhia que opera em Moçambique detida por capitais da zona euro sofrerá o impacto de alguma forma”. E a seguir, num timing de chico-esperto: “a economia moçambicana tem crescido sete por cento ao ano e nos próximos será oito por cento de Produto Interno Bruto (PIB)”, pelo que “é claro que esta economia merece uma aposta do Barclays”.

Ai sim, Faisal?

Pois então, claro, a solução para o “risco de redenominação” será sair do BIM, do BCI, do Único, do Moza etc e tal e passar tudo para o Barclays.

É isso?

Passando tudo para o Redenominado e repintado BPD evita-se o risco da redenominação do euro português para o Escudo (vade retro). Pois sabe-se lá o que é que esses bancos portugueses ou aportuguesados irão fazer em Moçambique – ou a Moçambique.

Sobre o assunto, apenas referiria algumas coisas curtas, para além do que já disse no primeiro parágrafo.

1. Neste momento tenho imensas dúvidas que o tal “impacto” sugerido por Faisal tenha qualquer substância. Dadas as circunstâncias actuais das respectivas economias e negócios, quando muito os bancos e accionistas portugueses estão mais motivados para investir e focar nas suas operações em Moçambique e em Angola, não menos.

2. É curioso que Faisal escolha esta altura para, a propósito de uma medida contabilística precaucionária da sua casa-mãe, fazer esta afirmação, quando ainda há poucas semanas o mesmíssimo Barclays se viu envolvido no maior escândalo na história da banca britânica desde a II Guerra Mundial, o chamado escândalo da manipulação das taxas Libor, o qual ainda não foi sequer abordado cabalmente mas o qual já motivou o banco central britânico a anunciar multas de centenas de milhões de libras e levou os seus dois executivos de topo, entre eles o mercurial Bob Diamond (que ainda assim tentou o truque de dizer que não iria receber o seu bónus de vários milhões para tentar salvar o emprego) a demitirem-se. Seguem-se as investigações criminais, que ainda estão no segredo dos deuses.

Hum, seria, então igualmente oportuno questionar o que quer dizer isto tudo para o Barclays em Moçambique.

Ou ainda o risco, não descurável, da dívida soberana britânica e de a libra ir para o inferno. Ou de a África do Sul seguir por caminhos sinuosos.

3. O mais curioso é Faisal andar a enviar petardos contra os seus concorrentes em Maputo quando o segredo mais mal guardado da banca moçambicana é o seu próprio banco, que, dez anos depois da venda mais sensacional da história da banca desde a Independência (por um dólar ao ABSA, que descarregou a maior parte do crédito mal-parado para cima dos contribuintes moçambicanos e prontamente impôs uma tirania lá dentro com um boer por andar a vigiar os locais, que quase tinham que pedir licença por escrito para ir fazer chi-chi à casa de banho) e apesar de uma rede de balcões interessante e de ter gente muito capaz, continua a render substancialmente menos que o pior dos seus concorrentes agora rotulados pela sua casa-mãe de “em risco de redenominação do euro”. Faisal, que foi contratado basicamente para resolver isso (boa sorte) devia-se preocupar em aumentar a rentabilidade e eficiência do seu negócio e ganhar quota de mercado honestamente, em vez de vir a público com estes comentários. A Dra. Luisa Diogo não cometeria um erro destes.

4. Algo, aliás, que duvido aconteça. Para efectivar um turnaround são necessários skills e uma cultura que simplesmente inexistem na casa. De facto, antecipo que, dentro de menos que cinco anos, um seu concorrente surgido há pouco praticamente do nada, o Banco Único, suportado significativamente pelos tais capitais portugueses “redenomináveis”, terá um balanço maior e será cinco vezes mais rentável que o Barclays é hoje.

É que para se ser bom não basta ter dinheiro e balcões. Tem que se conhecer bem o país, as pessoas, e se saber do negócio e da sua cultura.

E Faisal ao pé de João Figueiredo (para não falar das equipas do BIM, do BCI, etc) é ajudante de aprendiz de feiticeiro.

27/03/2012

MOÇAMBIQUE E OS MODELOS DE CONCESSÃO E DE PARTILHA DE PRODUÇÃO

Os blocos para a exploração de gás concessionados no offshore moçambicano, Julho de 2011.Em oito meses as estimativas multiplicaram-se várias vezes. Para ver este mapa em tamanho gigante, prima na imagem duas vezes com o rato do seu computador.

Com vénia para o Ricardo Santos* e o Canalmoz, que se publica em Maputo, está crónica na edição de hoje.

A reter. Editei minimamente o texto e refiz a divisão dos parágrafos.

Título: Tigres de Papel

Ver o que está certo

E não fazê-lo

É cobardia – Máximas dos Anacletos II

Esta semana ficou marcada por dois acontecimentos insólitos.

O primeiro, foi a oração de sapiência salomónica sobre a prevenção do HIV/SIDA dada pelo nosso incontornável ministro Aiúba Cuereneia à sociedade civil reunida com o Governo.

O segundo, foi a divulgação dos resultados de um inquérito realizado pela Ernst & Young, demonstrando que quase nenhum dos 31 grandes projectos instalados em Moçambique estaria interessado em partilhar publicamente os detalhes dos contractos de concessão assinados com o Estado moçambicano.

Somente três deles admitiram a possibilidade de estudarem o assunto um dia. Ou seja, quando lhes apetecer…

E tudo isto quase passava despercebido, enquanto a sociedade civil concentrava as suas baterias nas últimas gaffes ministeriais, as quais – caso andemos distraídos – até são o aspecto mais normal da nossa governação nos últimos cinco anos. Por detrás do triunfalismo da realização das metas que por aí vamos ouvindo dos porta-vozes e até na Assembleia da República, escondem-se os nossos tigres de papel.

Prometem ao povo alcançar 10 objectivos, quando o normal seria realizar 50 no mesmo período de tempo. E ainda por cima, conseguidos os 10, devemos retirar 2 ou 3 dos nossos cálculos finais como parte da divida pública do Estado.

Ou seja, ganhos que nunca se reflectem como receita, mas sim como despesa permanente no nosso OGE. Nao é por acaso que os gabinetes de comunicacao e imagem se tornaram no activo mais importante das nossas empresas estatais e públicas nos últimos tempos. Com este andar, ainda os veremos rateados na nossa Bolsa de Valores a par dos demais bens tangíveis e intangíveis.

Mas, o que cada moçambicano deveria compreender bem, é que só não somos um estado falido como a Grécia, porque os nossos recursos naturais ainda são imensos, o que nos permite negociar promissórias de dívida com base nas concessões leoninas que os nossos políticos vão assinando à porta de cavalo com as multinacionais. Mas um dia este modelo esgota-se.

Espanto-me por isso, ouvir figuras públicas de proa a dizerem que Mocambique deveria USUFRUIR JÁ das mais-valias que resultam das operações bolsistas da venda de concessões pelos accionistas maioritários dos grandes projectos.

Por exemplo, lendo a última edição do semanário SAVANA no seu “Hora de Fecho”, diz-se que o ministro das Finanças anda altamente nervoso (sic) com a exploração conjunta da Anadarko e a Shell Oil do Bloco 1 na Bacia do Rovuma. Nervosismo que, a maioria dos juristas locais, até acham que não tem fundamento jurídico (sic).

E isso, é algo que até eu, que não sou jurista, consigo perfeitamente perceber.

Trocando por miúdos, quando se assina um contrato de concessão de exploração de recursos naturais com alguém, está-se a declarar que os recursos a explorar passam a ser activos ao dispor do locatário e não do locador, na condição de ele te pagar a renda acordada pontualmente, ainda que isso seja um mero subterfúgio feito por estados desconhecedores da história universal para “privatizar” o recurso terra e assegurar ao investidor que os seus activos estarão sempre protegidos por ele.

Só que, tecnicamente, o recurso é sempre de quem explora a concessão. Esta é a essência do obsoleto modelo de Contrato de Concessão que faz hoje de Moçambique um inusitado El Dorado mundial.

Sucede porém que, estados soberanos que fazem uma gestão competente dos seus recursos naturais, à muito anos que adoptaram um outro modelo.

O do Contrato Partilha de Produção.

E é aqui – exactamente aquí – que eu entro em rota de colisão com muitos dos economistas da nossa praça. É que quase todos eles defendem o aumento da carga fiscal nos mega-projectos, não questionando porém o modelo jurídico em si.

Eu defendo uma solução radical, que é o fim imediato das concessões e o início da partilha de produção em Moçambique.

O contrato de partilha de produção foi adoptado em resposta ao relativo desequilíbrio entre países produtores do Médio Oriente e as companhias petrolíferas multinacionais – as famigeradas sete irmãs. O contrato de partilha de produção inverteu a lógica da propriedade do hidrocarboneto explorado, que antes era de titularidade exclusiva da companhia petrolífera, passando-a para o Estado.

Assim, o Estado não mais foi remunerado por meio de royalties e tributos fiscais pelo direito outorgado a elas na exploração exclusiva da riqueza mineral.

O hidrocarboneto extraído tornou-se propriedade do Estado, sendo parte do mesmo sendo entregue à companhia petrolífera como remuneração pelas suas actividades e pelo risco da exploração e produção.

Tal definição conceptual do contrato de partilha de produção é hoje unânime no entendimento da doutrina e dos marcos regulatórios quid juris, uma vez que as variações nesses modelos não atingem o que se refere à propriedade do hidrocarboneto. Por meio dos contratos de partilha de produção, o Estado detentor dos recursos minerais contribui primordialmente com a área territorial a ser explorada (accreage), outorgando à companhia multinacional, que é a parte privada no contrato partilha de produção e que pode ser uma só pessoa jurídica, ou um grupo de multinacionais por meio de consórcio, o direito exclusivo de conduzir actividades de exploração e produção sem, no entanto, acarretar qualquer forma de arrendamento ou transferência de propriedade.

A multinacional explora a área por seu próprio risco e custos e recebe parte dos recursos minerais produzidos como compensação pelo risco.

Assim, caso os recursos minerais não sejam descobertos ou as reservas não sejam comercializáveis, o contrato termina sem qualquer direito concedido a multinacional de recuperar seus custos.

A contrapartida para a multinacional ocorre apenas no caso de sucesso das operações, possibilitando a recuperação dos custos incorridos e investimentos realizados nas fases de exploração e desenvolvimento, através do recebimento de uma percentagem fixa da produção, normalmente denominada “petróleo de custo” (cost oil). O petróleo remanescente, denominado “petróleo de lucro” (profit oil), corresponde à parcela da produção que será partilhada entre o país produtor e a multinacional, de acordo com os termos previamente estabelecidos no contrato de partilha de produção. Esta partilha do resultado (produção) dos trabalhos realizados pela multinacional é que justifica o nome “contrato de partilha de produção”.

Ainda como resposta aos contratos de concessão, que não possuíam quaisquer obrigações, parâmetros ou prazos para realização das actividades, os contratos partilha de produção passam a incluir programas previamente estabelecidos de exploração e de produção que devem ser cumpridos pela multinacional.

Em suma, um dos principais objectivos dos contratos partilha de produção é atrair empresas multinacionais dos sectores do petróleo e gás dispostas a arriscar capital e a servirem-se da sua expertise tecnológica para rentabilizar as reservas do Estado detentor das riquezas naturais.

Na maioria dos países que adoptaram o regime de contrato partilha de produção, a companhia petrolífera nacional figura como parceira nos empreendimentos, compartilhando também a gestão das actividades de exploração e produção, com vista a adquirir conhecimento (know-how) da multinacional, de modo que a exploração destas reservas venha a ser-lhe transferida no futuro (vide Smith, Ernest E. et al: International Petroleum Transactions”. Editado pela Rocky Mountain Mineral Law Foundation, 2ª Edição, 2000; p. 448.).

O contrato de partilha de produção foi elaborado pela primeira vez na Indonésia durante a década de sessenta, como alternativa patriótica ao antigo modelo de concessão, e popularizou-se por diversos outros países, sendo adoptado actualmente em Angola, Egipto, Líbia (com a queda de Kadhaffi regressou-se às concessões), Filipinas, Malásia, Peru, Guatemala, Trinidad-Tobago, Quénia, Costa do Marfim e Guiné Equatorial, entre outros.

Não tenhamos portanto dúvidas de que se trata de um modelo jurídico consolidado, embora muito mais complexo que o concessional, e com quase cinquenta anos de maturação.

A característica marcante dos contratos de partilha de produção consiste na propriedade dos hidrocarbonetos produzidos. Considerando a posição estratégica e a força económica das actividades de exploração e produção de hidrocarbonetos na maioria dos países produtores, ao se garantir ao Estado a propriedade do crude e do gás produzidos, evidenciam-se os aspectos políticos ligados a estas actividades, tais como nacionalismo, o maior controlo estatal sobre as actividades económicas etc.

Analisando historicamente, percebe-se que os primeiros contratos de partilha de produção surgiram exactamente por um anseio político, especialmente nos países em desenvolvimento, no sentido de se contrapor às concessões, que sempre foram vistas pela população dos países produtores como juridicamente permissivas e economicamente desequilibradas em favor das multinacionais.

Considerando a preocupação dos países produtores em garantir a sua soberania sobre os recursos minerais (ler Fernando Fernandes da Silva: Direito do Petróleo e Gás – Aspectos Ambientais e Internacionais. Artigo: “As Concessões Internacionais e a Concessão de Exploração de Petróleo no Direito Brasileiro”; 1ª Ed, p. 15., pág 443) especialmente após a Segunda Guerra Mundial, todas as nações, com excepção dos Estados Unidos da América (Muttit, Greg. : Crude Designs: The rip-off of Iraq’s oil wealth, publicado por Platform e disponível em http://www.carbonweb.com (acesso de 05/11/2008); pág. 10) passaram a assegurar expressamente, nas suas respectivas legislações, a propriedade das reservas antes da sua extracção.

Portanto, independentemente do regime político ou do país (ressalvada a situação da exploração onshore nos EUA), os hidrocarbonetos, antes de realizada a sua extracção, são propriedade do Estado detentor das riquezas naturais.

No contrato clássico de Concessão, a primeira forma de exploração comercial de hidrocarbonetos que se conheceu, outorgavam-se extensos territórios por longos períodos de tempo, prevendo-se, ainda, a transferência da propriedade do crude produzido às multinacionais que haviam adquirido a concessão. Em contrapartida, estas deviam pagar tributos fiscais ou outras formas de compensação financeira pelo crude produzido ao Estado, mas os valores repassados eram relativamente de pequena monta, conduzindo-o a um beco sem saída fiscal.

O contrato de partilha de produção, por sua vez, inverteu a lógica do fluxo petróleo-moeda nos países que o adoptaram, dado que, neste sistema, os países produtores transferem para as multinacionais tão somente o direito exclusivo de conduzir as actividades de exploração e produção dos minerais do subsolo, sem, no entanto, conceder às multinacionais quaisquer direitos de propriedade sobre o subsolo. Os hidrocarbonetos produzidos permanecem, portanto, sob propriedade do Estado detentor das riquezas minerais (ou da companhia petrolífera nacional, conforme o caso) que contrata uma multinacional para efectuar a exploração de hidrocarbonetos sob sua conta e risco (Irina Paliashvili, Presidente do “Comité Jurídico Rússia-Ucrânia, The Concept of Production Sharing, transcrição do Seminário sobre Legislação de Contrato Partilha de Produção, Setembro de 2008).

Como referido anteriormente, no caso de viabilidade comercial da descoberta feita pela multinacional, o Estado, como proprietário dos hidrocarbonetos produzidos por esta, deverá ressarci-la pelos seus custos na exploração das reservas (cost oil), e partilhar entre o próprio Estado (ou a companhia petrolífera nacional) e a multinacional, o petróleo restante (profit oil), conforme proporções previamente acordadas no instrumento contratual.

Outra característica dos contractos partilha de produção nas actividades de exploração e produção de hidrocarbonetos, foi a maior participação e controlo do Estado nesse segmento. Directamente, ou por meio da companhia petrolífera nacional, o Estado detentor da riqueza passou, nos contratos partilha de produção, a ter voz activa na administração e na negociação das actividades petrolíferas, assumindo, assim, maior controlo e fiscalização sobre estas actividades.

Portanto, a nova “filosofia” de contratação aplicada ao mercado de exploração e produção com o contrato de partilha de produção, alinha-se perfeitamente aos anseios nacionalistas do pós-guerra, ao garantir a manutenção da propriedade dos hidrocarbonetos produzidos pelo Estado, inserindo-o na esfera de tomada de decisões sobre exploração e produção, em contraponto à posição totalmente passiva e não-reguladora assumida pelos Estados nas concessões clássicas que datam do início do século XX.

Importante conclusão esta, num momento em que a UE, os EUA e o Japão unem esforços no sentido do aumento da sobretaxa nas importações de produtos alimentares e manufacturados oriundos dos países do Terceiro Mundo filiados na OMC. É o tudo-por-tudo da velha Troika capitalista revivendo a solução pré-colonial “ouro por missangas”, subvalorizando os recursos naturais de que precisa, para assim reestabelecer o equilíbrio da sua balança comercial que perdeu para os BRICS.

E Moçambique não ficará imune neste jogo.

Por isso, mais do que elucubrações sobre o que Cuereneia pensa sobre o HIV, talvez fosse importante invertermos a nossa objectiva e tentar decifrar outras subliminares entrelinhas neste nosso Moçambique. O resto é paisagem…

(fim)

*Ricardo Santos é analista de sistemas.

16/03/2012

MOÇAMBIQUE NO FINANCIAL TIMES : UMA NOTA SOBRE A CORRIDA AO CARVÃO EM TETE

O ouro de Moçambique, no subsolo da zona de Tete. A seguir vem o gás do mar em frente a Cabo Delgado. Foto copiada do sítio da Mozambicoal, uma empresa com sede em Perth, Austrália, que iniciou operações mineiras em Tete há uns dois anos.

 

Texto assinado por Andrew England e publicado esta semana no jornal londrino The Financial Times:

Mozambique poised for coal boom

Race against time: drilling at a project near Tete, where coal mines
are being developed

All along the short drive from Tete’s tiny airport to the mushrooming
town centre lie numerous examples of the rapid development taking
place in one of Mozambique’s remote corners.

There are new bank branches, service stations and a supermarket, while
a large customs office and one of several new hotels are under
construction. The catalyst for change in the once sleepy town are
symbolised by a billboard advertising mining trucks, a sign offering
mine and plant equipment hire and a Rio Tinto training centre.

Tete is at the heart of Mozambique’s nascent coal rush, with the
region endowed with one of the world’s richest undeveloped coal
reserves. Prices of coking coal – used for steel production – may have
fallen back from the record high of two years ago but they remain well
above the level of the early 2000s. Coal is just the first chapter of
a resource story that also includes gas, with ENI of Italy and the
US’s Anadarko recently claiming huge discoveries off the nation’s
northern coast. It is estimated the gas projects could bring in $70bn
in investment and known coal projects another $10bn over the next
several years, the World Bank says. Billions of dollars more will be
spent on infrastructure in a country with a gross domestic product of
just $10bn.

The result is one of the world’s poorest countries has found itself at
the centre of unprecedented international investor attention –
illustrated by a bidding war to acquire Cove, a London-listed company
that holds an 8.5 per cent share in a gas field. These industries
offer the potential to transform radically the financial fortunes of a
state that depends on international donors for between 40 per cent and
45 per cent of its budget.

The question on the minds of Mozambicans and donors, however, is
whether the country can harness the benefits to lift the nation out of
poverty and in doing so avoid the resource curse that has blighted so
many before it. “It’s a race against time – is the big money that
corrupts going to come before stronger checks and balances?” says a
senior donor official.

So far, Brazil’s Vale is the only miner exporting coal – it started
last year – but the country could be producing 20m-50m tonnes per mine
annually within the next decade. Gas could start being pumped as early
as 2018, with the former Portuguese colony set to join the ranks of
liquefied natural gas exporters as a scramble for east African
hydrocarbons hots up.

Mozambique growth

Donors estimate that gas could generate revenue equal to two or three
times the current $3.6bn budget. Yet concerns remain that the
government has been caught out by the speed and scale of the foreign
interest and lacks the technical capacity to cope with the rush of
attention.

“They very much know their weaknesses and they are terrified . . . in
a good way,” the donor official says. “Terrified they will get it
wrong . . . worried expectations have run way ahead of what they can
deliver.”

Still, Armando Inroga, the trade minister, confidently talks of
Mozambicans being trained for new industries; local companies
providing services to multinationals; and investment zones popping up
around the country. “Mozambique is different,” he says. “Other
countries look to the energy sector, for us even now everybody wants
coal, everybody wants gas [but] we still maintain agriculture as the
main sector.”

Yet the nation’s experiences since the end of a 15-year civil war in
1992 highlight how hard eradicating poverty is.

Project limitations

Mozambique was the fastest growing non-oil economy in sub-Saharan
Africa over the past 15 years. GDP growth averaged 8 per cent between
1996 and 2008 – driven by reconstruction and development after the war
– and is forecast to be 7.5 per cent this year. But while there was
initial success in reducing poverty, progress stagnated with just over
half of Mozambicans still living below a poverty line of $0.50 a day.

Much will depend on the governing Frelimo party, which has ruled since
independence in 1975. It faces no credible political opposition and
Mozambicans describe a blurring of the lines between party, state and
business.

Civil society groups, which argue the nation could be benefiting more
from its resources, have called for changes to the fiscal regimes
around extractive industries and greater transparency with contracts.
Partly in a response to that, the government, with support from the
International Monetary Fund and donors, is reviewing mining and
petroleum laws. It is also working to comply with the extractive
industries transparency initiative.

“There’s now a strong sentiment, even within the elite, that not
everybody is benefiting from the current development,” says Fernando
Lima, head of Mediacoop, an independent media company.

There are at least two groups within Frelimo, with one leaning
leftward and pushing for more equitable distribution of the resource
wealth, Mr. Lima and others say. “The second group wants a part of the
cake,” he says. “My sense is that group is growing.”

Civil society groups and the media in effect act as the opposition,
says Marcelo Mosse, executive director of the Centre for Public
Integrity, an anti-corruption organisation. But he adds: “We are not
strong enough.”

Tete provides a microcosm of the opportunities and potential pitfalls.

“It’s better now because it’s created jobs,” says Simba Maphaia, a
mining company driver. “There were plenty of guys just drinking, doing
nothing.” But he also gripes about outsiders benefiting from much of
the employment – partly because of Tete’s dearth of skills – and
worries that the construction of a second bridge over the Zambezi
river could force him from his home.

In January, hundreds of families protested outside Vale complaining
about their conditions after being resettled away from a mine. And the
level of poverty is conspicuous, with mud-brick houses and wooden huts
dotting the countryside.

Indeed, managing expectations will be crucial.

“The rhetoric is always there’s huge opportunity for Mozambique but
you look around at other places where there are resources being
exploited and you wonder why the development is not happening . . .
Can we do it differently?” says Aldo Salomão, at Centro Terra Viva, an
advocacy group. “We are rushing ourselves and what is happening in
Tete is an example of what should not be done.”

When Mozambique sought to rebuild after more than a decade of civil
war, it wanted a showcase project to tell the world it was open for
investment, writes Andrew England . The desired scheme came in the
form of an aluminium smelter, operated by BHP Billiton and
commissioned in December 2000 at a cost of $1bn. The Mozal investment
– much like the coal and gas projects – was initially hailed as a
welcome boost for a poor country. But a decade on, the International
Monetary Fund is among those to have raised questions about the
long-term growth benefits offered by such projects.

Mozal’s launch contributed close to 2 and 4 percentage points of gross
domestic product growth in 2000 and 2001 respectively, an IMF report,
released in December, suggests. But while such projects may boost the
economy during construction phases, their contribution then wanes, it
said. “Once a mega-project reaches its capacity, its output does not
grow any more,” the IMF says. “Thus, the ability of mega-projects to
be a continuous growth engine depends on the launch of new projects
and on the expansion of their capacity.”

12/03/2012

OS NEGÓCIOS DO CORREDOR DE NACALA E O LUCRO DE SETE MIL POR CENTO

Nacala, uma das baías mais surpreendentes de Moçambique.

 

Cito com vénia uma notinha publicada no semanário Savana deste passado fim de semana.

 

A nota do semanário Savana, publicado em Maputo a 9 de Março de 2012. A Factura da Libertação.

11/12/2011

PONTA DOBELA

Uma vista da actual Ponta Dobela.

A história que vou contar ouvi da boca creio que do Dr. Magid Osman, numa conferência a que assisti há uns anos no Hotel Polana.

Ele, que mais tarde chegou a ministro, e que foi accionista e presidente do então BCI (antes da fusão com o Banco de Fomento) era um dos pouquíssimos economistas moçambicanos que em 1975  ficaram atrás e que restaram do impulsivo desmantelamento da economia moçambicana. Outro era Mário Machungo, que mais tarde foi primeiro-ministro durante 11 anos. O resto da maioria da cúpula da Frelimo percebia pouco ou nada de economia e de negócios e passou os anos seguintes em guerras e a suportar projectos marxistas da treta que não deram em nada.

Magid, cujo pai e foi o dono da pequena Camisaria Benfica mesmo colada à então veneranda Mesquita de Lourenço Marques, do outro lado da rua da Papelaria Spanos, e cujo irmão era um bom jogador de futebol, tendo jogado numa equipa que o pai Melo treinou (daí eu os conhecer), desde logo foi integrado nas equipas do novo governo.

Logo a seguir à Independência, não havia relações com a África do Sul, e hoje entende-se que a ideia dos Libertadores era que o regime da África do Sul cairia a seguir, portanto a ideia não era continuar o clima de business as usual com os boers, mas sim de fazer-lhes o que a Tanzania havia feito com Moçambique: abria-se uma espécie de Nachingwea do lado moçambicano da fronteira sul-africana e mandava-se guerrilheiros e bazookas lá para dentro para libertar o outro lado. Bem, está-se a ver como foi.

Mas isso não vem para o caso.

Logo após a Independência, pelo menos os telefones entre a então Lourenço Marques e Pretória ainda funcionavam. E pouco depois de Junho de 1975, alguém do novo governo na capital moçambicana recebeu um telefonema de Pretória: o governo sul-africano desejava ter uma reunião com representantes do governo de Moçambique e perguntavam se havia disponibilidade para ocorrer tal reunião.

Os camaradas olharam-se, quase incrédulos, a ideia era matar os agentes do apartheid e não falar com eles, o que é que os racistas querem, não há hipótese nenhuma de se fazer seja o que for com eles. Mas alguém decidiu permitir que a reunião ocorrese – em Lourenço Marques.

Pretória concordou e, uns dias depois, aterrou em Mavalane um avião da força aérea sul-africana, cheio de homens brancos com o ar mais suspeito do mundo, óculos escuros, que foram levados a uma sala de reunião algures na cidade.

Do lado moçambicano, a Frelimo escolheu uma equipa a dedo, de que fazia parte o então jovem Magid Osman (naquela altura, todos eram desesperadamente jovens, desesperadamente inexperientes e achavam que tinham o rei na barriga).

A reunião, que supostamente durou menos de dez minutos, terá decorrido assim: entraram as duas delegações na sala e sentaram-se em lados opostos da mesa. Um sul-africano levantou-se e disse qualquer coisa como isto: “nós pedimos esta reunião por uma razão apenas. Antes da entrega do governo à Frelimo, o governo português havia acordado construir um novo porto de águas profundas perto da Ponta Dobela. Tudo já está aprovado e pronto para arrancar. Nós só queremos saber se esse projecto é para avançar ou não.”

Calou-se, e sentou-se.

Do lado moçambicano (Magid Osman deve-se recordar dos nomes de quem lá esteve, eu não, infelizmente) a reacção foi de quase indignação. O quê? a zona recém libertada do jugo colonial racista imperialista a lidar com os imperialistas racistas do apartheid? Nem pensar. Não há porto em Dobela coisa nenhuma.

Ouvindo esta resposta, os delegados do governo de Pretória concluiram que nada mais havia a discutir, agradeceram, levantaram-se, foram para os automóveis, que os levaram de volta ao aeroporto e embarcaram de volta para Pretória.

1973. Ponta Dobela. Manuel Pimentel do Santos, então Governador-Geral de Moçambique, mostra o local do suposto futuro porto de águas profundas a Rui Patrício, Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal. (fonte: IICT)

Mais um aspecto da visita de Pimentel dos Santos e Rui Patrício a Ponta Dobela em 1973. (fonte: IICT)

Nos anos seguintes, as relações entre os dois estados deterioraram-se, nomeadamente as económicas. O fluxo de tráfego entre o hinterland sul-africano e a costa foi re-orientado para Durban, Port Elizabeth e o Cabo. Maputo, o porto ideal para a África do Sul e que tanta tanta chatice dera desde que abriu no final do século XIX, ficou positivamente às moscas.

No entanto, se as vontades políticas variam com os tempos, a geografia é o que é: o Sul de Moçambique será sempre o caminho mais directo e mais barato para ligar o complexo agrícola, comercial e industrial de que Joanesburgo é o centro.

A sua competitividade depende unicamente de dois factores: da eficácia e eficiência no transporte de bens entre os dois pontos e da fiscalidade negociada entre os dois países.

Se se compararem as realidades nos últimos quarenta anos, só há dois pontos significativos no que concerne a Maputo.

O primeiro, é que os volumes de que se está a falar agora em termos de carga transportada são muito maiores que há 40 anos.

O segundo, é que houve uma enorme evolução nos transportes marítimos. Hoje utilizam-se navios muitíssimo maiores, muitos dos quais  não conseguem entrar em segurança na baía de Maputo. E não é possível dragar a baía para tornar tal possível. Seria caro demais, provavelmente ambientalmente inexequível e um dia Maputo literalmente cairia ao mar (como aliás, já está a cair, em boa parte devido precisamente às décadas de dragagens ali feitas, que inclusive levaram as areias das suas praias).

E aqui vem o velho projecto de Ponta Dobela à tona novamente.

As grandes vantagens de Dobela é que 1) seria uma mina de dinheiro para Moçambique, pois se as coisas fossem bem feitas, o custo do transporte de bens seria muitíssimo competitivo comparado com os portos sul-africanos (que não se importariam mesmo nada se não fosse feito); 2) seria um porto de águas profundas, ou seja, os mega petroleiros e os mega-transportadores podiam ali atracar e largar e pegar as suas cargas rápida e eficientemente. 3) sendo uma área a começar do zero, ali poderiam-se fazer as infra-estruturas exactamente à medida com o melhor que se faz hoje em dia, e à medida das necessidades; 4) geraria emprego na orla a Sul de Maputo, o que o pessoal ali bem precisa.

O que nos traz aos pontos negativos. Bem, na realidade só há um que me interessa, e que na altura dos fascistas-colonialistas-racistas etc portugueses não devia ter o peso que tem hoje.

É a questão ambiental.

Não sei se o exmo. Leitor sabe onde fica Ponta Dobela. As coordenadas GPS são Latitude : 26. 37.0′ S e Longtitude : 32.55.0′ E.

Se conhece a Ponta de Ouro, fica na costa a uns quilómetros ao Norte, logo a seguir à Lagoa Piti e a uns quilómetros a Sul de Milibangalala.

Eu já nem falo no local em si, que é natureza pristina e essencialmente intocada pelo homem.

Falo, mais, do que está à volta.

E o que está à volta é um imenso património natural, que no dia em que for não volta mais. No mar, campos de coral únicos e fauna animal preciosa. Em terra, reservas naturais e animais já constituídas. Toda a zona é um delicadíssimo eco-sistema que no mínimo urge a maior das maiores precauções no que toca a qualquer projecto de dimensão mínima. Nos anos 20, apenas sei que ali se procedeu a uma matança de elefantes sem precedentes precisamente porque a população daqueles grandes animais havia crescido sem qualquer restrição e estava a destruir a ecologia da zona (foi dessa matança que resultaram duas colecções de fetos de elefante únicas no mundo, uma delas ainda alojada no Museu de História Natural em Maputo (para os do tempo da outra senhora, o Museu Álvaro de Castro).

Ou seja, seria de todo recomendável, antes de se sequer começar a falar no porto, que primeiro se analise o que é que isso quer dizer em termos ecológicos para a zona. E também em termos paisagísticos e turísticos. Ir para a Ponta de Ouro para depois levar na praia em cima com as borras dos petroleiros não vai dar e acabaria com o mais precioso ponto turístico do Sul de Moçambique.

O governo, a elite precisam destes projectos para dinamizarem a economia, capitalizarem numa vantagem estratégica quase única do país e ganharem dinheiro. As pessoas precisam destes projectos para terem empregos.

Mas a natureza, que Deus deu, e que não se conserta facilmente, tem que ser levada em conta.

E, do meu parco conhecimento da zona, aí os desafios serão enormes, senão insuperáveis. E até esta data, não conheço estudos sobre a zona.

A única coisa que vi é o vídeo em baixo, preparado por uns tais de Aquaterramovement,

que dizem que percebem do assunto e que dizem também que construir um porto em Dobela seria provocar uma catástrofe ecológica.

Nesta fase, seria talvez importante analisar esta questão antes que aconteça o mesmo que aconteceu com a Mozal há quinze anos: quando deram por ela, já lá estava, a cintar e poluir a cidade da Matola.

O filme, partes I e II:

18/10/2011

O PROBLEMA SOBERANO, 2010

O desafio próximo futuro para uma boa parte do mundo está em como resolver as dívidas soberanas. Achei interessante saber o que se passa nalguns países sobre os quais se fala com frequência.

Os dados respeitam a 2010, portanto ainda antes da degradação considerável ocorrida a partir do início de 2011.

A fonte é o Economist Economic Unit (com vénia)

Curiosamente, aqui se pode ver claramente que, por um número de razões, para já, no que concerne à dívida pública, os países africanos estão numa situação mais aconchegada que os paíse mais ao Norte.

PORTUGAL
Dívida Pública (milhões USD) – 174,502
Divida Pública por habitante (USD) – 16.400
População total (milhões) – 10.6
Dívida Pública como % do PIB – 82.4
% aumento da dívida pública no último ano – (1.9)

ANGOLA
Dívida Pública (milhões USD) – 17,187
Divida Pública por habitante (USD) – 910
População total (milhões) – 18.9
Dívida Pública como % do PIB – 20
% aumento da dívida pública no último ano – 11

MOÇAMBIQUE
Dívida Pública (milhões USD) – 3,651
Divida Pública por habitante (USD) – 156
População total (milhões) – 23.3
Dívida Pública como % do PIB – 37.3
% aumento da dívida pública no último ano – 1.6

AFRICA DO SUL
Dívida Pública (milhões USD) – 116,641
Divida Pública por habitante (USD) – 2,400
População total (milhões) – 49.1
Dívida Pública como % do PIB – 32.3
% aumento da dívida pública no último ano – 31

E por piada:

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE
Dívida Pública (milhões USD) – 8,975,409
Divida Pública por habitante (USD) – 29,000
População total (milhões) – 309
Dívida Pública como % do PIB – 61.2
% aumento da dívida pública no último ano – 21

ALEMANHA
Dívida Pública (milhões USD) – 2,315,786
Divida Pública por habitante (USD) – 27,900
População total (milhões) – 83
Dívida Pública como % do PIB – 75.4
% aumento da dívida pública no último ano – (6.2)

ESPANHA
Dívida Pública (milhões USD) – 804,698
Divida Pública por habitante (USD) – 17.540
População total (milhões) – 45.9
Dívida Pública como % do PIB – 61.1
% aumento da dívida pública no último ano – 7.3

Finalmente, o país mais badalado do momento:

GRÉCIA
Dívida Pública (milhões USD) – 374.760
Divida Pública por habitante (USD) – 34.100
População total (milhões) – 11
Dívida Pública como % do PIB – 128
% aumento da dívida pública no último ano – (4)

09/09/2011

JOHN PERKINS, OS GRANDES PROJECTOS E OS GRANDES DESAFIOS

Filed under: Economia de Moçambique, EUA, Globalização, John Perkins — ABM @ 1:54 pm

Há uns anos li um livrinho chamado Confessions of an Economic Hit Man,  escrito pelo Sr. John Perkins. Um livro que perturbou, em boa parte porque acho que o que ele disse é verdade.

Agora, ao ler sobre os grandes projectos em Moçambique e o efeito que eles poderão ter no país e na sua sociedade, especialmente nos grandes projectos energéticos – hidroeléctricos, gás, carvão e eventualmente petróleo – voltei ao assunto de John Perkins e encontrei um pequeno vídeo dele com seis minutos, traduzido para português.

Que recomendo que seja visto. Pois pode ser relevante e explicar algumas coisas, ou pelo menos alguns caminhos. Aqui vai em seguida.

03/09/2011

O GÁS, O CARVÃO E TALVEZ O PETRÓLEO

Filed under: Economia de Moçambique — ABM @ 5:22 pm

 

 

Segundo o jornal O País, que se publica na capital angolana, Luanda, na sua edição de hoje, 3 de Setembro de 2011:

 

Moçambique: descoberto gás natural na Bacia do Rovuma e vão ser efectuados os furos de prospecção e petróleo

Na Bacia do Rovuma, em Moçambique, acaba de ser descoberta uma grande reserva de gás natural e os malaios da Petronas Carigali Mozambique preparam um concurso com vista à definição do local onde irão ser efectuados os furos de prospecção de petróleo.

A empresa norte-americana “Anadarko” acaba de descobrir na bacia do Rovuma, no extremo Norte do Pais, uma grande reserva de gás natural.

As célebres torres gémeas da malaiana Petronas em Kuala Lumpur. A petrolífera vê boas perspectivas de encontrar petróleo na Bacia do Rovuma.

Segundo a Anadarko, o poço de 70 metros de profundidade, tem cerca de 169 mil milhões de metros cúbicos de gás natural liquefeito. É a quinta descoberta da Anadarko na bacia do Rovuma, depois da outra revelada em Fevereiro último. Neste momento, apenas as reservas de gás natural localizadas em Inhambane, Sul do País, estão a ser exploradas pela petroquímica sulafricana “Sasol”.

A Ministra dos Recursos Minerais, Esperança Bias, diz que a principal bandeira no sector que dirige é o carvão mineral. “Penso que neste momento, a bandeira de Moçambique no sector de recursos minerais é o carvão mineral pela sua qualidade comercial. Estamos a produzir 30 mil toneladas de carvão mineral, mas é uma quantidade insignificante em relação às potencialidades existentes em Tete e noutras zonas. Até final deste ano podemos atingir uma produção comercial de 2 milhões de toneladas” – referiu Esperança Bias.

A província de Tete é considerada o epicentro de hidrocarbonetos de tipo carvão mineral de grande valor comercial. O processo de exploração de carvão mineral em Tete já promoveu a criação de sete mil postos de emprego nos últimos cinco anos, com empresas brasileira Vale e australiana Riversdale à cabeça. O escoamento de carvão para a primeira exportação, a partir do porto da Beira, já começou. No distrito de Moma, em Nampula decorre a exploração de areias pesadas.

(fim)

Quem estiver interessado em seguir as novidades na área de energia em Moçambique que se vão publicando em Maputo, poderá ir lendo o sítio http://www.energiamocambique.co.mz

27/07/2011

A BANCA PORTUGUESA ENTRA NO TÚNEL

Os Big Five Portugueses. Destes, um é espanhol e o outro é do governo português.

Duas peças nas notícias de hoje chamam a atenção. O Grupo BCP levou quase um cartão vermelho para arrumar a casa e se preparar para o que vem aí.  Mais folgadamente, o Grupo BPI passa um pouco pelo mesmo.

Suspeito que o BES esteja também bem alerta para os tempos que se avizinham.

Quase implausivamente, os depósitos dos portugueses continuam alegremente a subir nas contas dos bancos. Para eles, os bancos, isso é bom. Muito bom. Dá-lhes liquidez e é uma indicação de que os portugueses ainda acham seguro ter lá as suas poupanças (o mesmo não está a suceder na Irlanda e na Grécia, onde os saldos dos bancos caíram a pique).

Mas a ameaça, havendo, vem de outros quadrantes. Presumo que o crédito mal-parado, assim como as suas consequências em termos de constituição de reservas e custos de recuperação, vão continuar a subir. O nível de bons negócios vai cair.

Tudo isto, mais do que a rentabilidade, vai afectar a liquidez dos bancos, que é o calcanhar de Aquiles em qualquer situação de debilidade económica. Invariavelmente, um banco vai à falência quando não tem liquidez. Os planos para o empréstimo a Portugal incluem um valor expressivo para garantir essa liquidez.

O CEO do BPI sugere que não chega.

De qualquer modo, a rentabilidade já está a ser vertiginosamente afectada. Nos primeiros seis meses de 2011, o BPI ganhou mais lucro com as suas excelentes operações em Angola e Moçambique que com o negócio de Portugal, muitas vezes maior em dimensão – porque o negócio em Portugal contraiu.  As receitas nos mesmos países com as respectivas operações têm sido também um importante contributo para os lucros do BCP, que, para além dos condicionalismos que acima refiro, tem ainda uma base de capital Tier 1 (isto é banquês) relativamente frágil, 5.4%. Então se se levarem em consideração o que está previsto no protocolo de Basileia 3 (mais banquês) os bancos portugueses estão com o problema de terem que aumentar expressivamente o seu capital numa altura em que não há dinheiro para isso e não há interesse particular em ter acções de bancos.

Isto numa altura em que está na moda chamar os nomes todos e mais algum aos bancos, aos banqueiros e tudo o que tenha a ver com banca.

Pois. Carpir é fácil.

Mas ninguém sequer se atreve a sonhar em ir um dia ao seu balcãozinho levantar o seu dinheiro e ele não haver.

Aliás, as chances são que, se isso acontecer, ocorrer o que sucedeu com o BPN em Portugal, ou com o Banco Austral em Moçambique: o governo, ou seja, os contribuintes, contribuirão o que for preciso para estancar uma falência.

Só que, excepto em Angola, que Deus presenteou com poços de petróleo, as contas dos estados já estão à flor da pele.

Por essa razão, convém haver serenidade e ir acompanhando o que se passa. Os bancos, e o governo, têm um percurso a percorrer. Para o bem de nós todos, que o façam com bom senso e sucesso.

E que todos juntos vejamos a luz no fundo do túnel em que vamos entrar.

21/06/2011

AS FRASES DA SAPIÊNCIA, POR AUGUSTO PAULINO

Os imóveis no antigamente.

No topo da página 1 do Canalmoz de hoje. Cito com vénia.

Crime organizado em Moçambique

Há lavagem de dinheiro nos negócios imobiliários
– afirma o Procurador-Geral da República de Moçambique, Augusto Paulino

“Juízes ou procuradores activos no exercício das suas funções têm três destinos díspares: ou acabam na Política, o que é um mal menor, mas um mal; ou acabam se aliando ao crime organizado, o que é pior; ou acabam no cemitério, o que é péssimo.”

– Juiz Augusto Paulino, Procurador Geral da República.

Maputo (Canalmoz) – O Procurador-Geral da República (PGR), Dr. Augusto Paulino, disse haver indícios de lavagem de dinheiro no sector imobiliário de Moçambique. Argumentou que o volume das construções que se verificam nas grandes cidades e principalmente em Maputo, não podem ser suportados pela economia nacional. Augusto Paulino, juiz de carreira, fez este pronunciamento durante uma aula de sapiência que ministrou na Academia de Ciências Policiais (ACIPOL), ontem, em Maputo.

06/02/2011

A TAP E O PRIMEIRO VOO ENTRE LISBOA E LOURENÇO MARQUES, 1946

Segundo o blogue Restos de Colecção de que se reproduz, com vénia ao Sr. J. Leite.

A este trajecto se chamou, com alguma pompa, “Linha Aérea Imperial”.

Foto do Dakota DC-4 CS-TDF da TAP, comandado pelo Comandante Manuel Maria Rocha e co-piloto Roger d'Avelar, na sua partida de Lisboa a 24 de Março de 1946 pelas 14 horas. O trajecto definido foi : Lisboa-Casablanca-Bolama-Lagos-Liberville-Luanda-Lusaka-Lourenço Marques. A bordo seguiram , além de outros, um telegrafista, mecânico de bordo, o navegador e o meteorologista. Após 11.405 Kms e 45 horas e 20 minutos de vôo com 6 escalas, chegou ao aeroporto de Mavalane em Lourenço Marques no dia 1 de Abril de 1946, pelas 13 horas e 50 minutos. Ou seja, uma semana.

o avião utilzado em 1960 pela TAP nos voos de longo curso, o Locheed L-1049G Super Constellation.

Os Boeing 707 da TAP asseguraram as ligações entre Lisboa e Moçambique nos anos 60 e 70 (foto Airliners Net). Aqui o Boeing com a matrícula CS-TDB, chamado "Lourenço Marques".

Segundo a Airliner's Net, o Boeing 707 "Lourenço Marques" foi retirado para o Museu Aéreo de Sintra. Aqui a parte da frente, já restaurada.

18/01/2011

O INÍCIO DE 2011 EM DEZ ACTOS

O ano de 2011 começou bem – ou não?

Or veja-se a minha curta resenha:

1. Depois de uma série de distúrbios na Tunísia, o presidente do regime que o mantém há 23 anos, fugiu. Falta ver o que é que o regime vai fazer a seguir. Diz que vai fazer uma eleição. Mas depois de uma ditadura de 23 anos, o que é que se pode eleger? À primeira vista assunto pouco relevante, mas levanta questões quanto a outros países onde situações com algumas semelhanças existem.

2. O Sudão ensaia uma partição na linha Norte-Sul. Com o petróleo, no meio, por resolver. Hum, tirando a Eritreia, quando foi a última vez que uma nação-estado ao estilo pós-colonial africano fez isto, e viveu para contar a história?

3. Parece não haver maneira de a Costa do Marfim ir ao lugar. O habitual problema: ou se aldraba, ou simplesmente não se liga às leis e aos compromissos eleitorais. No fim, o poder fica na rua, ou com obscuros militares, talvez o menos desejável dos resultados. E uma lembrança da fragilidade dos sistemas e das instituições. E da atitude.

4. Enquanto isso, Jeffrey Sachs, académico e bardo-mor de uma certa forma de desenvolvimentismo chique de Manhattan, que parece que só ele parece saber o que é, elogiou a taxa de crescimento do PIB moçambicano e preconizou em Maputo esta semana finda coisas fantásticas para vir, juntamente com algumas verdades de La Palisse, como aquela de se ter que renegociar alguns contratos milionários para algumas multinacionais e de se ter que ter mais cuidado com as concessões de terrenos agrícolas. É sempre bom ver a realidade de Moçambique quando se vê através de uns relatórios em Nova Iorque.

5. Já Prakash Ratilal, agora tornado banqueiro mercurial e mais próximo do terreno, não é tão optimista quanto aos próximos tempos. Ele lá sabe, e tentou explicar porquê. Bombásticamente, o jornal lisboeta Público de hoje cita umas linhas do que ele disse e cobriu tudo com o relativamente bombástico título ” o modelo económico moçambicano não é sustentável”. Bem, é e vai ser enquanto metade das despesas públicas do Estado moçambicano continuarem a ser generosamente pagas pelos infames estrangeiros, juntamente com um cocktail de “soft loans” e pacotes de ajuda e ainda doses industriais de investimentos extratcivos e de infra-estruturas. Os pobres assim não morrem, os ricos ficam mais ricos e os doadores dormem melhor. É assim há quase trinta anos. É a situação win-win-win. À moçambicana.

6. Esta semana foi revelado que, para além da actual autêntica rapina das florestas moçambicanas, realizada neste caso por –surpresa! – a empresa chinesa Tienhe Ldª, parceira da igualmente chinesa Miti, Ldª, os moçambicanos, ao apreenderem uma remessa ilegal de nada menos que 161 contentores de madeira em bruto (leia-se: cento e sessenta e um contentores) após uma inspecção (por denúncia) de um navio atracado em Pemba, encontraram lá dentro de um deles (e aqui cito a sempre inquestionável AIM) “126 dentes de marfim, uma ponta de rinoceronte, animal em extinção no país, carapuças [sic] de pangolins, peças de arte fabricadas com base em marfim e excremento de elefantes”. Portanto no mínimo mataram uma manada de elefantes, um rinoceronte e tiraram os carapuços aos pangolins. A contínua matança dos animais de Moçambique para decorar as casas dos chineses e o genocídio florestal em curso em Moçambique há muito que deixaram de me surpreender. No fundo é como aquela  história dos fumos corrosivos da Mozal que só corroem os centros de tratamento, mas não os pulmões dos Maputianos. A história do excremento de elefante é que é uma novidade para mim. Contrabandear excremento de elefante para a China? para quê?

7. Na frente espiritual, o Vaticano lá encontrou e validou um “milagre” que justificasse a beatificação do genial João Paulo II, a ser formalizada a 1 de Maio, dia que nos países outrora conhecidos por comunistas celebram os trabalhadores (para variar os americanos celebram o trabalho, no início de Setembro). Agora procura-se mais um milagre para a santificação. Eu acho que, por uma questão de desburocratização administrativa do processo, devia-se reverter para o sistema moçambicano de decretar heróis, ou o velho processo dos romanos, em que o imperador tinha o direito de proclamar fulano ou cicrano deus. Assim arrumava-se o assunto de uma vez com um papel.

8. Em Portugal, a campanha presidencial assume foros de patético. Em parte porque ninguém percebe bem o que é que um presidente pode fazer para lidar com o crescente clima de recessão. Todos suspeitam que não pode fazer nada a não ser possivelmente piorar as coisas. Felizmente o suplício acaba no próximo fim de semana, após o que a crise poderá continuar. Para já, todos os impostos dispararam mas só daqui a uns seis meses é que se vai começar a sentir o embate. Mas as apostas para a queda de Sócrates são mais curtas.

9. Regressados os restos mortais do saudoso Malangatana a Moçambique, ele foi sepultado na sua terra natal com a pompa e o respeito devidos. Já em Portugal, onde ele morreu, foi tratado com o mesmo respeito. Em Maputo, até o Eduardo White se deu ao trabalho de preparar algo para ser lido na cerimónia do enterro, com alguma ajuda da Lucrécia Paco. Assim, até apetece morrer.

10. Roberto Chichorro inaugura uma exposição da sua arte no próximo dia 21 numa galeria de arte em Cascais. Pelas 21:30 horas.

Olhando bem lá para cima, já me começa a parecer que 2010 foi há uma vida.

09/12/2010

ENTRETANTO, NOS EUA….

Filed under: Economia de Moçambique, EUA, Politicamente Correcto — ABM @ 8:26 pm

por ABM (9 de Dezembro de 2010)

Enquanto o Wikileaksgate procede, é bom recordar algum discurso da praxe sobre Moçambique, desta vez pela (creio) insuspeita cadeia televisiva pública americana, a PBS, que em 22 de Novembro (há duas semanas e picos) colocou no ar o que se vê em cima.

Ou seja, enquanto alguns americanos dizem uma coisa, outros dizem outra.

É fascinante.

Entre outros mimos, o exmo. Leitor veja;

– Carlos Castel-Branco a comparar Moçambique com Angola (“oh, sabe, Angola é muito mais corrupta que Moçambique…”);
– a ex-Primeira Luisa Diogo a explicar como as coisas funcionam, economicamente, à beira do Índico;
– lá pelo meio, a conclusão de que afinal a pobreza mantém-se ao mesmo nível há quase uma década;
– uma cena da Mozal – o alumínio, não a poluição;
– Salomão Moiane pontificando durante 23 segundos sobre os mega-projectos
– Luisa Diogo apontando o turismo como “a” indústria do futuro;
– o Manuel Patrakakis no seu restauarante na Costa do Sol a falar poeticamente da “sociedade multicultural e multiracial” afro-mediterrânica-latino-qualquer coisinha moçambicana (ele estava a falar só nos seus clientes, obviamente).

E é destes vôos de dez minutos que se faz a imagem de um país.

Haja santa paciência.

03/12/2010

O MILAGRE DE SANTA MOZALA

Filed under: Ecologia Moçambique, Economia de Moçambique, Mozal — ABM @ 1:48 am

Este falava com os bichos.

por ABM (2 de Dezembro de 2010)

Segundo o meu relógio, faz duas semanas que o bom povo de Maputo anda a comer, cortesia da BHP Billiton e da sua sucursal nos arredores de Maputo (e juntinho da Matola) não sei quantas toneladas por dia de substâncias tóxicas, emanadas da chaminé de 62 metros (o nosso Paul Fauvet deve achar que a altura faz diferença pois repete a altura – 62 metros – sempre que pode).

O assunto obviamente continua a não merecer a mínima atenção da imprensa local. Alguém foi lá filmar o momento solene da “bypassificação”? não. Alguém filmou a chaminé a vomitar aquilo directamente para o céu em redor da fábrica? não.  Claro que não.

O assunto não interessa.

No entretanto, a Associação dos Amigos da Mozal anunciou mais uma prendinha a não sei quem de entre o people (sai muito mais barato que pagar impostos e fica lindo na fotografia) e, no dia 1 de Dezembro, tal como anunciado, desta vez num comunicado de imprensa em língua portuguesa e em língua inglesa, a Mozal Inc. proclamou o que sempre dissera: que afinal expelir directamente para o ar os gases tóxicos das suas fornalhas, funcionava melhor que com os tais filtros que eles se esqueceram que estavam a apodrecer perigosamente desde que os colocaram lá há dez anos, e que o ar estava mais limpo.

Como?

Será que percebi bem?

Vamos por partes.

O comunicado da Mozal Inc. é piedosamente impreciso. Diz só que está tudo bem, que estamos juntos e que assim vai continuar a ser. Se a tal de SGS tomou medidas, guardaram-nas a sete chaves pois no comunicado não se lê um indicador, um número, uma medida. Está abaixo do padrões nacionais e internacionais e acabou-se.

A maior parte da imprensa, talvez por causa do escarcéu oportunista de alguns políticos e do eventual cidadão mais preocupado, discretamente retransmitiu o conteúdo do texto da Mozal.

Até a Agência de Informação de Moçambique (AIM) o passou.

Ah, mas a AIM na verdade são duas AIM’s: a AIM dos lusofalantes, e a do Paul Fauvet, em inglês, para inglês ler. Que tem muitíssimo mais piada, em parte porque está incomparavelmente mais completa e bem escrita (sem desprimor dos camaradas que fazem a edição em português) e em parte porque eu acho que, como quase ninguém em Moçambique lê aquilo, ele parece que, literalmente, diz o que lhe apetece.

E aqui vem a parte interessante.

O que diz Fauvet sobre as duas primeiras semanas de veneno das fornalhas da Mozal para o ar?

E para que não haja distracções, o que ele escreveu está aqui no documento 02.12.2010 boletim AIM 5412.

O texto de Fauvet começa com o título, que traduzo:

“APESAR DO BAIPASSE, AS EMISSÕES DA MOZAL NÃO AUMENTAM”.

Portanto, logo no título, o milagre anunciado. Veja bem o exmo. Leitor: apesar de, a hora incerta do dia 17 de Novembro, e continuamente durante as quase duas semanas seguidas que passaram, uma gigantesca fábrica de processamento de escória de alumínio estar a expelir directamente para o céu, sem qualquer tratamento, os gases das suas numerosas fornalhas, descobre-se que as emissões da fábrica … “não aumentaram”.

Não aumentaram.

Aleluia! É um milagre.

Uma coisa do outro mundo. Nem a IURD conseguia uma destas.

Os funcionários da SGS são mesmo bons. São tão bons que até se ofereceram para divulgar todos os dados que compilaram. Mas entretanto, que eu saiba, não divulgaram nada.

Ou será, então que os filtros que lá estavam antes eram uma tal porcaria que aquilo já nem sequer funcionava. Qual será o caso? Fauvet dá-nos uma pista: as medições agora feitas são feitas contra medições “de base” feitas em Outubro. Portanto imagine o exmo. Leitor se por acaso as medições de Outubro fossem feitas numa altura muito “poluente” do funcionamento da fábrica. Logo, as medições em Novembro, mesmo a cuspir aquilo tudo directamente para os céus sobre Maputo, dariam um resultado melhor.

Comparativamente.

Nada mais simples.

Mas – esperem – ainda não acabou.

O melhor está para vir.

No seu escrúpulo em explicar as coisas, Fauvet dá-nos uma informação verdadeiramente insólita. Citando o Sr. Alexandre Sitoi, o responsável da fábrica para estes assuntos, diz no texto – e traduzo:

“De facto, as medições diárias [feitas] indiciam uma ligeira redução se comparadas com a média das medições feitas no período de base [usado para fazer a análise]”…

Aleluia! Outro Milagre!

Este deve ser o primeiro caso na História da Humanidade em que uma fundição de alumínio desliga os seus filtros e, duas semanas depois de passar a emitir os fumos directamente para o céu, as medições feitas (sabe Deus como) indicam que a quantidade de poluentes presentes nesse mesmo céu, diminuiu.

Aleluia.

Gostei particularmente da parte em que Fauvet entra mais nos detalhes da coisa para ver como estamos todos errados e para nos tranquilizar (não a mim pessoalmente que, no relativo recato da Linha do Estoril, só tenho que lidar com a poluição socratiana. O Diabo que leve a escolha). À sua pergunta quanto aos demais venenos expelidos para os céus sobre Maputo, de que só realmente me interessava o dióxido sulfúrico (é o tal que provoca a chuva ácida, que destrói a vegetação e torna os terrenos inférteis) o Sr. Sean O´Brien, um consultor pago pela Mozal, disse que não havia problema pois os filtros existentes antes também não filtravam esses gases, pelo que o que sai agora é o mesmo que já ia para o céu antes. O que, de uma forma pérfida, não deixa de ser reconfortante. Não é?

O’Brien, tire-se- lhe o chapéu, deu a Fauvet uma pista para o que se calhar se está a passar. Os fumos são cuspidos de uma chaminé com os tais 62 metros de altura. Com aquele ventinho encanado que vem de Sueste e a seguir as chuvas a captarem aquele lixo tóxico todo, o mais provável é que, para já, toda aquela poluição deve estar a cair no mato a uns quilómetros de distância da Matola. Onde por acaso os senhores da SGS não devem estar, pois devem ter metido os seus aparelhómetros ali à volta da Mozal.

Que assim não acusam nada.

Quanto às emissões de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, uma importante componente dos poluentes, diz a peça, afinal ninguém sabe bem o que aconteceu pois as amostras colhidas foram enviadas para análise por um laboratório na Bélgica e ainda não se sabem os resultados.

Mas não faz mal porque a gente já sabe que está tudo bem.

Como é que diz a música? “tudo bom, tudo bom, tudo bom”.

Aleluia.

16/11/2010

A MOZAL E OS FUMOS DE BELULUANE

por ABM (16 de Novembro de 2010)

Cerca das 18 horas de Maputo de hoje, recebi a lacónica nota intitulada MOZAL STATEMENT FTC’s NOVEMBER 2010 emanada pela Mozal, escrita em inglês, para variar, confirmando que amanhã, dia 17 de Novembro, a fábrica de alumínio situada a meio caminho entre Maputo e Boane, começaria a emitir os gases poluentes para a região da grande Maputo sem qualquer filtragem, durante quatro a cinco meses.

Sobre este assunto acho que já disse quase tudo o que tinha para dizer. Nomeadamente, que isto é um atentado aos direitos dos moçambicanos, que parece que o governo do dia muito lamentavelmente demitiu-se do seu dever de proteger o seu país contra estes actos de violência perpetrados de fora, e que a empresa BHP Billiton escreveu uma das páginas mais tristes do seu percurso, usando e abusando dos seus poderes para vergonhosamente enfiar o seu lixo pela goela abaixo de um governo dócil e de uma população indefesa.

Eu acredito piamente no capitalismo. Mas isto não é capitalismo. Nos tempos que correm, é lixo empresarial ao mais alto nível.

De particular e lamentável interesse, foi eu ter que ler, por mais que uma vez, as quase lancinantes defesas da indefensável argumentação apresentada pelas instâncias governamentais por nada menos que Paul Fauvet, que, usando e abusando do seu estatuto de prima donna dinosáurica da igualmente dinosáurica, governamental Agência de Informação de Moçambique, embarcou nos ataques mais infecundos a que já tive que assistir em algum tempo, dirigidos aos que legal, moral e legitimamente questionam a autorização inacreditavelmente concedida para este ataque à saúde da população de Maputo, chegando ao despautério de sugerir que os que tomavam tal posição estariam ao serviço de forças ocultas, dirigidas de fora.

Só mesmo faltava esta.

Fauvet, que percebe tanto de FTC’s como eu percebo de reactores nucleares em naves espaciais, até chegou ao ponto de tentar vir para cima de nós dar lições de aritmética fumeira, atestando a factualidade dos míticos, ocultos, mirabulantes estudos feitos a martelo por uns “especialistas” da UEM para fingir que a coisa era feita “cientificamente”. Só que se esqueceu que nem todos de entre os muito poucos que o lêem estes dias compram essa banha da cobra que só pode (só pode) ter sido encomendada.

Até faz impressão ver o Fauvet, que andou de braço no ar nos tempos com o Cardoso a clamar aquela mística “pureza” espartana do marxismo-leninismo samoriano (no fim tão pura como os fumos que a partir de amanhã discretamente passarão a ser inalados pelos inocentes cidadãos de Maputo e Matola), vir agora tentar defender o estritamente indefensável: que a BHP Billiton, o maior conglomerado industrial e químico do mundo, com fundos praticamente ilimitados, com os conhecimentos mais especializados e a obrigação de assumir a responsabilidade total pelos seus processos fabris, de entre os quais aquela fábrica inacreditavelmente situada a 14 quilómetros da baixa de Maputo, a escassos quilómetros do lago artifical a partir do qual toda a gente bebe água na grande Maputo e dentro duma área urbana com pelo menos 2, 3 milhões de pessoas, depois de quase dez anos de operação contínua, não reparou, não previu, “esqueceu-se”, que os filtros daqueles venenos que emite em Beluluane, estavam a ficar podres e precisavam de ser substituídos; que afinal “não tinha” qualquer plano de contingência que minimizasse a pulhice que agora vai fazer; que, estritamente para poupar dinheiro, acha económica e ecologicamente justificado fazer o que nunca se atreveu ou atreveria a fazer em quase qualquer outra parte do mundo, pois certamente levava com dez processos seguidos em tribunais que funcionam mesmo. E perderia. Porque afinal – coitadinhos dos pobres accionistas BHP Billitons – não se pode fechar a fábrica, pois a fornalhazinha tem que ficar acesa e a cuspir lingotes 24 horas por dia.

Não podem desligar a fornalhazinha, lamenta-se o Paul nos seus escritos. Coitadinhos.

Se isto é augúrio do que vai ser a esperada industrialização de Moçambique – conglomerados internacionais a agir desta forma, fábricas a operar desta maneira, construídas no meio de zonas urbanas, com accionistas milionários que acham que podem ganhar mais lucros nas costas duma população indefesa, com ligações intestinais às instâncias mandantes, que até as agências de informação nacionais colocam ao seu serviço – o futuro prevê-se verdadeiramente, incontornavelmente, sinistro.

Há mais que cem anos, o escritor britânico Charles Dickens avisou contra isto mesmo: contra a rapacidade daqueles que, à guisa das liberdades inerentes ao sistema capitalista, não param perante qualquer obstáculo para assegurar o retorno incremental no seu investimento.

Esquecendo-se que, a essas liberdades, correspondem responsabilidades.

E no dia em que os representantes do povo consentem nessa rapacidade, só se pode lamentar esse facto.

A Mozal anda a divertir-nos há anos com os seus comparativamente ridículos exercícios de charme a que chama eufemisticamente de “responsabilidade social”: uma casinha aqui, uma enfermeirazinha ali, um donativozinho acolá. Enquanto isso, vomita o precioso alumínio, carregado diariamente e às toneladas para o porto de Maputo, de onde desaparece, recebendo em troca montanhas de escória de alumínio que nem sequer existem em Moçambique. E isso enquanto usufrui do estatuto fiscal de uma offshore e quase a soberania de um estado dentro de um estado, maximizando os seus lucros.

Pois essa “responsabilidade social” devia incluir pagar os impostos que devia pagar e o respeito pelo país onde se situa e as pessoas que ali vivem. Tentar encantar as pessoas com migalhas e depois agir desta maneira é obviar o que parece ser o seu credo:

Que os fins justificam os meios.

15/11/2010

A DOUTRINA LULA DA SILVA

Os brasileiros em África: a família imperial brasileira posa em frente à esfinge, Egipto, 1871.

por ABM (15 de Novembro de 2010)

A visita do presidente brasileiro a Maputo na semana passada confirma de alguma forma uma alteração significativa numa postura tradicionalmente amigável mas algo negligente do Brasil em relação à África de língua portuguesa desde as independências lusofónicas africanas em 1973-1975.

A essa alteração chamo aqui a Doutrina Lula da Silva. E a sua consistência reside na solidez do contexto em que o Brasil cada vez mais opera. Prova disso é a declaração, pelo actual embaixador brasileiro em Maputo, António Silva e Souza, de que espera a continuidade do actual relacionamento brasileiro com Moçambique durante o mandato da futura presidente, Dilma Roussef.

Esta viragem, por sua vez, reflecte um novo posicionamento do Brasil no mundo, possivelmente como uma das potências emergentes no firmamento internacional.

O surgimento do Brasil na cena internacional foi lento e turbulento, mas apoiado pela Doutrina de –então- outra potência emergente, os Estados Unidos da América. Na altura da sua independência, sob os auspícios do herdeiro do trono português, Pedro de Alcântara Bragança, em 1822, e para que não houvesse dúvidas quanto ao que se pretendia principalmente das potênciais coloniais europeias (nomeadamente Espanha e Portugal mas não só), os Estados Unidos da América postularam a Doutrina Monroe, que defendia que as Américas deveriam permanecer independentes das potências europeias. O seu filho, também Pedro, reinou em paz e sossego durante 58 anos, até que, em 1889 aconteceu lá mais ou menos o que aconteceu em Portugal em 1910. Pedro II, quase imperturbado, foi viver para perto de Eça em Paris, onde morreu num modesto hotel, enquanto que o seu ex-império embarcou numa longa sucessão de golpes, ditaduras, pronunciamentos, libertações e uma economia aos solavancos.

Apesar de África ter constituido desde sempre um vector geoestratégico importante para o Brasil, e das ligações históricas, culturais e raciais serem claras (uma parte significativa da população brasileira traça as suas origens ao continente) as relações com África foram invariavelmente tímidas, a bordejar no inexistente. Nos anos 70, as independências foram acolhidas pela ditadura brasileira com um entusiasmo reservado, e até nos anos 80, quando a linha aérea brasileira Varig mantinha uma ligação aérea a Luanda e a Maputo – característica e efusivamente apelidada de “Vôo da Amizade”- o relacionamento manteve-se dentro do estritamente irrisório.

No entanto, nos últimos vinte anos, quer por razões políticas – a democratização do sistema político brasileiro – quer por razões culturais, visível através de uma maior diversificação do tradicional eurocentrismo das elites brasileiras, mas principalmente por razões de ordem económica e comercial – a crescente afirmação do Brasil como um colosso económico, financeiro e industrial – África, em particular Angola e Moçambique, surgiu no mapa dos interesses estratégicos globais brasileiros e ganhou relevância.

Passadas estarão, ou inconsequentes serão, eventuais rivalidades com o poder colonial cessante. Aliás, Portugal e o Brasil mantêm as já tradicionais boas relações, sendo que a actual decadência portuguesa e concomitante pujança da economia brasileira, se algo, auguram um surgimento do Brasil em Portugal.

Em África, a situação é algo diferente. Enquanto um colosso financeiro, agrário, comercial, industrial e militar, o Brasil de 2010 tem muito mais a oferecer a Angola e a Moçambique em termos de investimento e de troca de bens comerciais e de matéria prima, do que Portugal, que financeiramente enfrenta agora um desafio quase histórico e que se desindustrializou quase completamente nos últimos vinte anos.

E nestas coisas da economia falar docemente e em português não chega.

Por sua parte, largamente passados estão os experimentos “socialistas” em Angola e Moçambique, cujos sistemas políticos foram, ainda que cosmeticamente, reformados, e cujas lideranças políticas buscam novas fontes de legitimação para os lugares que ocupam, agora confrontadas com uma autêntica corrida contra o tempo para desenvolverem os seus países, antes que, da actual onda arrasadora de crescimento populacional, especialmente nas cidades e suas periferias, resulte o questionar quanto ao papel que supostamente desempenham nesse processo de enriquecimento nacional. Em Angola tal ainda não é visível (sêlo-á quando José Eduardo dos Santos sair de cena) mas em Moçambique tal debate já é apreensível estes dias, ainda que sem a corporização do contraditório.

Luiz Inácio Lula da Silva

O resultado é que hoje o Brasil tem tudo a oferecer a Angola e a Moçambique que Portugal não tem, nem, pelos vistos, alguma mais vez terá, para oferecer. Quando muito, Portugal ainda mantém uma certa vocação “africanista” em termos psicológicos e de recursos humanos, que à partida o Brasil, que não tem um passado colonial (pelo contrário), não possui. E que poderia noutras circunstâncias contribuir para o desenvolvimento desses países.

Mas – quiçá herança do passado, trauma ou racismo em reverso – não existe nem é permitida emigração portuguesa para Moçambique e Angola per se, onde ser “estrangeiro” permanece um rótulo ao mesmo tempo invejado e de exclusão. Mais depressa um português emigra para a Europa, o Canadá, ou a Austrália, que para um dos países de língua portuguesa. Este é de longe o maior falhanço, o atestado de incompetência, da fala mansa da CPLP.

Mas esse não constitui qualquer obstáculo para os brasileiros, a maior parte dos quais nunca sequer lhes ocorreria ficar alguma vez a viver em África, ao contrário de muitos portugueses, que parece que se julgam africanos uma semana depois de lá aterrarem no Tap, mesmo que nunca lá tenham antes metido os pés. Se o Brasil continuar no actual percurso de crescimento económico, as Camargos Corrêas, as Odebrechts, as Vales, e muitas mais empresas brasileiras, terão eventualmente muito trabalho para fazer nestes países, que têm algo para dar em troca que o Brasil industrial pode usar. Mesmo no contexto ideologicamente algo cor de rosa, pintado pelo presidente brasileiro cessante num discurso proferido em Maputo a semana passada, de que o Brasil não vai para lá só para pescar, mas também para ensinar os locais a pescar. Toda a gente sabe que isto é muito mais facilmente dito que feito. Mas os brasileiros não têm cadastro e, com a folha limpa, tem que se lhes dar o benefício da dúvida. E para bem das partes, esperar pelo sucesso.

Não quer isso dizer que não haja os habituais precalços. Há uns anos, quando Lula da Silva instalou-se no palácio presidencial em Brasília, badalou-se imenso em Moçambique a implantação de uma fábrica de medicamentos, promovida por interesses brasileiros, a expressão concreta do desejo de um relacionamento positivo entre as duas nações e um acto desejado no mortífero combate à expansão da Sida. Mas depois, soube-se agora, durante quase sete anos, não aconteceu nada. Até que, há umas semanas atrás, imagino que quando a equipa presidencial brasileira se deslocou a Maputo para preparar a visita de Lula a Moçambique, e em que a ideia era inaugurar com pompa a tal de fábrica de medicamentos, descobriu que nada estava feito para além do edifício da tal fábrica. Que estava vazio. O que era no mínimo uma barraca e muito pouco expressivo das boas intenções anteriormente postuladas. Afinal, a ideia destas visitas também passa pela habitual assinatura de acordos e pelo cortar desta ou aquela fita. Que mais não seja para dar a ilusão de movimento. Inaugurar um edifício vazio não dava para a fotografia. O resto desta deliciosa estória, para que os exmos. Leitores não me acusem de pintar a coisa, pode ser (e deve ser) lida AQUI. O articulista – brasileiro – chamou a este o “caso da inauguração de fachada e da máquina emprestada”.

Uma nota final. O Brasil tem também a sorte, e teve o ensejo, de, nesta altura, mandar para Maputo um embaixador com características pessoais e profissionais ímpares, na pessoa de António de Silva e Souza, que tive chance de conhecer, ao contrário de qualquer dos embaixadores portugueses até esta data, que têm a virtude de conseguirem viver em Maputo invisíveis dos cidadãos portugueses e que nunca conheci. Nem sequer sabia o nome deles.

Mas ao menos os portugueses em Maputo têm estes dias uma grande cônsul, para variar.

Vale três embaixadores e custa menos que um.

E é mais bonita.

23/10/2010

A ESTRATÉGIA AÉREA MOÇAMBICANA

Filed under: Africa Austral, África do Sul, Economia de Moçambique — ABM @ 12:35 am

Logotipo da Airlink, uma subsidiária das Linhas Aéreas Sul Africanas

Rotas aéreas da Airlink em Outubro de 2010(fonte: sítio da Airlink)

por ABM (22 de Outubro de 2010)

Possivelmente alguns dos exmos Leitores não repararam, quando ontem a empresa sul-africana Airlink, uma companhia aérea que assegura certas rotas numa estreita aliança com a South African Airlines, anunciou que a partir de hoje manterá quatro voos semanais (às segundas, terças, quintas e sexta-feiras) ligando Tete a Joanesburgo.

Este tipo de rota resulta em boa parte da liberalização do espaço aéreo moçambicano, que tomou a forma em legislação aprovada há já algum tempo. E tem algumas vantagens, quer em termos de preço, já que em princípio abre as rotas a alguma competição, quer em termos do serviço prestado e uma maior oferta disponível para os viajantes.

Neste caso, quem vive na zona de Tete passa a ter uma ligação directa com o aeroporto de Joanesburgo, que é o grande centro de partida para um enorme leque de destinos internacionais.

E nem sequer tem que ir por Maputo, que anteriormente era a única possibilidade. No caso de um brasileiro (a Companhia do Vale do Rio Doce tem um enorme investimento em Tete), que tem que ir apanhar um vôo para o Rio de Janeiro ou São Paulo a Joanesburgo, a ida por Maputo aumenta o seu tempo de percurso várias horas, sem qualquer benefício daí decorrente.

O mesmo sucede entre Joanesburgo e as cidades da Beira e de Pemba e entre Maputo e Joanesburgo e Maputo e Durban.

À partida tudo excelente notícias para o mercado.

Mas esta evolução – aliás esperada, coloca duas questões de base para Moçambique.

A primeira é facilmente legível, bastando olhar para o mapa de rotas da Airlink: claramente, a partir de agora e cada vez mais, o centro de gravidade de Moçambique, em termos de rotas aéreas, não é a sua capital, Maputo. É uma cidade no país ao lado, Joanesburgo.

Bom para Joanesburgo, mau para Maputo.

A segunda questão é um pouco mais delicada: qual, neste contexto, é o papel reservado e o futuro esperado, para a principal companhia aérea de bandeira moçambicana, as Linhas Aéreas de Moçambique (LAM).

Durante muitos anos, a LAM, cujo capital social é detido pelo Estado moçambicano, teve os mesmos problemas que a sua congénere portuguesa: elevados índices de ineficiência, suportados por rotas em que detinha monopólios, em que se pagavam valores relativamente elevados por uma passagem aérea. Até há poucos anos, uma viagem de negócios de ida e volta entre Maputo e Tete (ou Pemba) podia ser mais cara que um bilhete de ida e volta na Tap entre Maputo e Lisboa. Sendo que a viagem de ligação a Lisboa dura 10 horas e a de ligação a Pemba dura duas horas e tal.

Isso tinha (e tem) consequências sérias. Tornando proibitivo, por exemplo, o desenvolvimento do turismo a custos moderados na orla norte da costa moçambicana, pois torna os destinos pouco competitivos se se comparar a oferta moçambicana com outros destinos concorrentes no mundo.

E isto para não falar no custo e a chatice de obter um visto para entrar no país, uma medida que a meu ver parece captar alguma receita adicional para o Estado mas que “espanta” significativamente a procura europeia e americana para estes destinos.

E, escusava de dizer, na Europa e nas Américas é que está o dinheiro.

Sendo a LAM uma empresa moçambicana, já está a ter que concorrer neste contexto. Conseguirá, sem ter que recorrer (como a TAP) aos bolsos profundos do contribuinte moçambicano? Ao que sei, a LAM tem excelentes profissionais e o papel que desempenha na economia e na coesão territorial do país é fundamental. Seria uma pena se, neste bravo novo mundo, a empresa não conseguisse ressalvar e reforçar esse papel, com a consequência de que o centro de gravidade das rotas aéreas na região cada vez mais passe a ser a cidade de Joanesburgo.

Bom para a África do Sul, mau para Moçambique.

08/10/2010

DEUS, O NEGÓCIO E O PECADO NA RUA ARAÚJO EM LOURENÇO MARQUES

A Rua Araújo em dia de sol, anos 1890

por ABM (8 de Outubro de 2010)

Quis divertir-me um pouco hoje.

Vamos lá.

AGRADECIMENTOS

Esta nota é dedicada ao Nuno Quadros, que involuntariamente foi o seu agent provocateur ao mandar-me uma mensagem a dizer que S.Exa. o Aga Khan tinha inaugurado um dos casinos que operaram na Rua Araújo (acho que não, Nuno) e à Sra D. Suzette Malosso que, na plenitude dos seus 82 anos de idade, tendo crescido na cidade aqui focada, lembra-se de coisas que eu não sabia sequer terem existido e que teve a pachorra de aturar os meus interrogatórios.

INTRODUÇÃO

Creio -dizem-me- que uma das expressões enfáticas e mais badaladas da protagonizada ética limpa do então novo regime que se instalou em Moçambique com a retirada da administração portuguesa da governação do país em 1975, foi, literalmente, o encerramento dos estabelecimentos na Rua do Bagamoyo em Maputo (então Rua Araújo em LM, terminologia que se usa doravante, pois o relato situa-se nessa era) e a proibição da sua vida boémia, tida como imoral, decadente, capitalista e exploradora, entre outras coisas, dos corpos e vulnerabilidades das mulheres moçambicanas.

A agenda dos líderes guerrilheiros da Frelimo recentemente chegados à capital, aparentemente horrorizados com os seus decadentes hábitos e costumes, foi, claramente, de dar um sinal das coisas para vir e da Nova Ordem, congeminada lá no meio do mato, em Nachingwea. Aquilo que viam em Lourenço Marques era o colonialismo. e o colonialismo acabara. A prole, emocionada, estúpida e oportunista, aplaudiu logo o gesto de eliminação da prostituição e da vida boémia – e já agora de tudo o resto mais que viesse à cabeça dos Libertadores.

Libertadores para quem, mais do que a Independência, que já era obra, consideravam a Revolução para Criar o Novo Homem Moçambicano o objectivo mais sério, e para quem o exemplo predilecto da pura vivência revolucionária – um pouco como Eça ironiza quando em A Cidade e as Serras “obriga” um rico parisiense a gostar de viver na parca rispidez serrana portuguesa – era aquela vida porreiraça e espartana que tinham andado eles próprios a viver lá no mato no Norte.

A solução clara era simples: o povo genuíno vem do mato, a gente não controla bem as cidades, que estão cheias de colonos brancos que ainda por cima pensam que ainda mandam alguma coisa e que são um veneno e um empecilho à Revolução Moçambicana. Portanto vamos colocar esta gente toda na ordem, mostrar-lhes quem manda aqui e correr com o maior número possível deles, preferencialmente de forma a que o que eles pensam que é deles (mas que é nosso) fique atrás.  E acabar já com os reaccionários vícios deles.

Não demorou muito (basta perguntar a quem passou por esta altura e que especialmente é white ou quase) e as cadeias estavam cheias de gente que foi repetidamente presa durante dias e dias porque atravessou a rua na hora errada, porque não bateu uma continência que não sabia que tinha que fazer, que não parou o carro a tempo quando a banda lá no palácio se lembrou de tocar o novo hino, que se esqueceu do bilhete de identidade naquela noite em que foi ao cinema com os amigos.

E isto era só para os que não tinham feito nada.

Mas na altura a Rua Araújo foi muito mais falada porque era uma medida muito mais visível, mais colectiva e mais ostensiva. O simbolismo era inescapável, e deliberado.

As alegadas putas e os seus alegados proxenetas foram mandados para a reabilitação e a rua (o tal de Araújo que dava o nome à rua foi o primeiro Governador do Presídio de Lourenço Marques, nomeado em 1781) mudou mais uma vez de nome, desta vez para um dos locais sacros da Gloriosa Guerrilha lá longe na Tanzânia: Bagamoyo, a escola para a formação do Novo Homem Moçambicano, cortesia da Frente de Libertação de Moçambique e, durante algum tempo, de Janet Mondlane.

Mas que apropriado.

O encerramento (na altura rotulado como “limpeza”, referido numa edição de Abril de 1975 na outrora Pacatamente Burguesa mas agora Raivosamente Revolucionária revista Tempo – e em que Ricardo Rangel era sócio) coincidiu com a Independência, felizmente para Victor Crespo, o memorável almirante e o último (e único) Alto Comissário em Moçambique, que representou o novo regime português pós-golpe de Estado em 1974 antes de formalizar a entrega do poder aos líderes da guerrilha na data por eles escolhida. Pois refere quem viu,  que o Almirante passava mais tempo no Dancing Aquário na Rua Araújo a beber whiskies e a discutir as colorações epidérmicas das senhoras que lá dançavam, que no seu escritório a fingir que presidia às formalidades da governação e que defendia os interesses do seu país (em boa verdade, parece que na altura ninguém sabia quais eram esses interesses e mesmo assim por essa altura a Frelimo estava-se a marimbar para o que quer que fosse que ele dissesse, que mesmo assim foi nada).

E esse acto apenas foi um começo. No início de Novembro de 1975, numa operação de grande envergadura e que durou dois dias e incluiu três cidades, as forças da Frelimo, de AK47s em riste apontadas contra uma população urbana basicamente inocente e completamente indefesa, pura e simplesmente prenderam cerca de três mil pessoas, que consideraram suspeitas de estarem envolvidas com drogas, prostituição, roubo ou vadiagem. Pois.

Era o legalismo revolucionário, conferido e legitimado pelo Povo.

Na altura da Indepedência eu não soube de nada destas tricas da Frelimo com a Rua Araújo nem do terror dirigido aos “colonos” (ou será que era payback time?), pois estava mais ou menos tranquilamente a estudar a oito mil quilómetros de distância, em Coimbra, onde o mais que havia de aguerrido eram os desenhos dos gigantescos seios das caricaturas do José Vilhena. Um pouco como em Moçambique, a pornografia via-se era na vida política, todos os dias, nos noticiários politizados da Érretêpê.

Dez anos depois de eu ter deixado de residir em Maputo e nove anos depois da Independência, em plena era do Repolho e do Carapau, visitei a cidade, que me pareceu deserta, abandonada e parada no tempo, as pessoas com terror sequer de pensar alto, com medo de lhes ser apontado o dedo por alguém ligado à Nomenclatura. Mas não se sentia qualquer fervor revolucionário. Apenas cansaço, conformidade e um perpétuo esforço de meter alguma coisa no prato. Pois não havia quase nada. Mas ainda assim foi-me discretamente servida uma lista das Grandes Mudanças (para além da de praticamente toda a gente que eu conhecia não estar lá, claro). E o desmantelamento da Rua Araújo estava nos top dez, o que eu achava curioso, até estranho, pois apercebi-me que isso indiciava o simbolismo, na cabeça de muita gente, que aquilo acarretava, antes e depois da Independência.

Se bem que antes da Independência aquilo não era de forma alguma “a” referência nem tinha o relevo que se possa querer dar-lhe. Era apenas mais um dos locais exóticos, quiçá um pouco mais sórdido, da cidade. Eu hoje tenho 50 anos de idade, e nos passeios a pé higiénicos da família BM aos sábados à noite depois do ocasional jantar chinês no Restaurante Hong Kong, lá pelos fins dos anos 60, princípios dos anos 70, devia eu ter uns dez anos de idade, lembro-me muito vagamente do que aquilo parecia, pelo menos a parte da Rua Araújo para quem vem da Praça onde fica a estação dos Caminhos de Ferro: que tinha muitos bares porta sim porta sim, muita gente, muita música aos berros, montanhas de luzes e coloridos anúncios de néon a acender e a apagar, à porta de uns bares e dancings umas fotografias dumas meninas de coro (brancas) muito pintadas com umas coisinhas penduradas nas pontas das maminhas expostas e um ambiente mais ou menos aguerrido.

Nos dias que correm, isto é troco para bebés.

A Rua Araújo nos anos 60, de dia. À noite parecia Las Vegas junto do Índico.

Uns anos depois, a primeira referência que eu vi sobre a antiga Rua Araújo foi na forma de umas fotografias que o saudoso e agora exaltado Ricardo Rangel (que se dava muito bem com o meu pai) publicou e que tirou nessa altura, e que correspondem vagamente ao que eu vira e mais ou menos imaginava ser a Rua Araújo, claro que sem aquela carga ideológica-sociológica-pós-colonial que se sente agora, e que, despida de contexto, dava uma aura quase lunática àquele fenómeno da velha Lourenço Marques.

Casal fotografado por Rangel na Rua Araújo - o sórdido passou a ser arte

Uns anos mais tarde, já no fim dos anos 90, quando a Nomenclatura freliminana  relaxou involuntariamente os costumes públicos e, sem qualquer veio condutor, a capital moçambicana descambou quase completamente para um free for all em termos dos seus hábitos mais prúridos. Alguns decerto se lembram das legiões de jovens serpentes nas esquinas do Polana e da Sommerschield (a baixa era uma cidade fantasma à noite) depois da hora do jantar e todos os passeios em redor da discoteca do Sheik completamente tomada pelos possantes 4×4 da nova classe de “empresários de sucesso” e suas sumptuosas, esculturais acompanhantes.

(Elas eram chamadas serpentes porque quando a gente passava por elas no carro elas faziam assim: “pssssssssssst, psssssssst”)

Houve então muito boa gente na cidade que pensou, e disse, que se calhar fazia mais sentido trazer de volta a velha Rua Araújo e meter isso tudo ali. Mas as coisas não são assim tão fáceis de fazer. Hoje em dia, não estou lá muito dentro dos detalhes do negócio do prazer e do entretenimento maputiano, mas acredito que ainda há muito, muito por fazer.

A verdade sobre a Rua Araújo é muito mais profunda.

E, na minha opinião, se calhar não há rua que mais e melhor espelhe a História desta cidade que hoje é Maputo.

De facto, houve uma lógica muito clara no aparecimento do negócio por que a Rua Araújo se tornou quase mítica. Para a entender, tem que se recuar até ao fim do século XIX e entender o que se passava na região.

Se o exmo Leitor tiver a paciência, acompanhe-me nesta aventura.

A CIDADE APARECE

Apesar da apetência britânica pela baía defronte de Maputo, sucessivamente combatida pelos portugueses com a ajuda do Duque de Magenta (hoje mais conhecido como 2M), o flanco sul da então frágil, precária, indefinida colónia portuguesa, estava praticamente abandonado aos seus habitantes, que faziam mais ou menos o que sempre fizeram, os portugueses tendo o ocasional problema com os ingleses, que se alternavam com os Boers a tomar conta do que é hoje a Suazilândia, e os boers do Transvaal, que também gostariam de ficar com a parte Sul do actual Moçambique.

O momento verdadeiramente fundacional para a cidade – e de tal forma que em meros vinte anos o epicentro de todo o Moçambique se deslocou dois mil quilómetros do eixo Ilha de Moçambique-Nampula para a Baía de Lourenço Marques, ao ponto de a elegante e centenária capital ter sido descartada para os pântanos em redor da Ponta Vermelha – foi o conhecimento pelo mundo da descoberta de ouro no Rand, uns campos situados a Norte da pacatíssima capital boer do Transvaal (nome formal: República Meridional Sul-Africana), Pretória.

Tirando as negociatas do Albasini, pouco fluía entre o interior e a costa.

A "cidade" original não era uma cidade: era uma ilha. A uma distância regulamentar do Presídio, fez-se um aldeamento precário. Na parte baixa desse aldeamento vê-se a Rua dos Mercadores - a original rua de Maputo - mais tarde a Rua Araújo

Assim, quase subitamente, em 1874, na pequena língua de terra situada a Poente de onde Joaquim Araújo se lembrou de mandar edificar o lastimável Presídio de Lourenço Marques, centenas de pesquisadores e aventureiros americanos e australianos ali desembarcaram ao mesmo tempo para se dirigirem para o interior, enquanto que, do Transvaal, centenas de boers faziam a caminhada no sentido contrário, para vir buscar mercadorias e mantimentos aos navios. Nesse ambiente de “fronteira” completamente desregulado, de negócios, bebida e prazer, logo se esboçou um – o primeiro- o primeiro de todos – arruamento onde essas actividades se desenvolveram:

A Rua Araújo.

Que na altura, à boa antiga portuguesa, não tinha nome de gente, mas um nome que traduzia a sua utilidade: o de Rua dos Mercadores. Era um assentamento precário, com casas feitas de madeira, suficientemente sólidas para se poder lá dentro guardar, comprar e vender tudo e em que o português era provavelmente a terceira ou quarta língua mais falada.

Um ano depois, ao fim da tarde do dia 12 de Setembro de 1875, um violento incêndio consumiu tudo o que havia entre a actual estação dos caminhos de ferro e a sede o Banco de Moçambique (dantes o BNU). Para evitar situações semelhantes,o então governador português, um tal de Augusto Castilho, mandou que as casas passassem a ser feitas com materiais mais duráveis: argamassa, tijolo, adobo, telha, zinco. E logo a seguir veio o Major Joaquim José Machado e a sua equipa, que esboçou o plano director do actual centro da cidade. São essas as casas que os postais mais antigos de Lourenço Marques hoje mostram.

A Travessa da Palmeira (hoje fica entre a sede do BIM e a Nova Mesquita). Após o incêndio de 1875, as casas passaram a ser feitas de alvernaria, tijolo e telha.

Com as notícias da descoberta de ouro em Magaliesberg e em Barbeton, a pressão de ligar a Baía ao interior sul-africano britânico e boer foi quase insustentável. Logo se abriu a que ficou conhecida como a Estrada de Lindenbugo (que começava no fim da actual Av. 24 de Julho, a seguir a um enorme quartel que acho que ainda lá está). Lindenburgo (se é que ainda tem esse nome) fica situada a meio caminho entre Maputo e Pretória. Naquela altura Nelspruit (Mmmmmbombélááá!) basicamente não existia e seria assim até o comboio passar por lá anos mais tarde.

As coisas encaminhavam-se, perante o ar atónito dos Rongas, que ali viviam em redor, e que assistiam certamente preocupados com o reboliço enquanto que por sua vez iam fazendo as suas negociatas e de vez em quando umas razias para saquear.

A Rua Araújo, quando em Lourenço Marques se vivia um ambiente de fronteira

Mais um aspecto da Rua Araújo no fim do séc. XIX

Os momentos-chave seguintes foram a inauguração da linha de caminho de ferro para Pretória (1895), logo a seguir a abertura do porto marítimo da cidade, culminando com o desencadear da Guerra Anglo-Boer (1899-1902), um complicado imbróglio militar e político, que trouxeram muita, muita gente à cidade e montanhas de negócio. Nessa altura, Lourenço Marques (ou a sua designação inglesa, Delagoa Bay) estava nas primeiras páginas dos grandes jornais de todo o mundo, a Baía bloqueada pela poderosa marinha britânica (foi ali usado pela primeira vez no mundo o telégrafo sem fios para a coordenação de operações militares-navais. Enfim, vale o que vale).

A linha de caminho de ferro abriu em 1895. O edifício da estação chegou mais do que dez anos depois. Directamente em frente, ficava a Rua Araújo, e à direita o porto marítimo.

E o que é que, fisicamente, estava precisamente no meio disto tudo?

A Rua Araújo.

De facto, a Era de Ouro da Rua Araújo não foi nos anos 50, 60 e até 1975.

Pelo contrário, foi nas quatro décadas anteriores.

OS DIAS DE OURO

Capa dum folheto publicitário em inglês, sobre Lourenço Marques, anos 20.

Estabilizada a guerra e colonizado o Transvaal pela Grã-Bretanha (cujo consulado em LM, desde que abriu sempre esteve no mesmo local onde hoje se encontra a actual embaixada em Maputo), o negócio aumentou sempre e cada vez mais, tendo Lourenço Marques, que entretanto foi praticamente comprada e desenvolvida com capitais ingleses, sul-africanos e boers através de companhias, lá a partir dos anos 20, criado e desenvolvido um negócio novo, complementar, e extremamente rentável, para além do import/export e do álcóol: o negócio do lazer e do prazer para os brancos sul-africanos.

Dia de "São Navio" em Lourenço Marques. A cidade toda acorria ao Cais para assistir ao espectáculo, e cuscar quem chegava e quem partia. Era um evento. Depois ia tudo beber um copo para a Praça 7 de Março.

De facto, a cidade tinha várias valências nesse sentido. Para além de ser organizada, limpa, e bonita, tinha um clima aprazível, ficava junto ao mar, tinha acessibilidades (barco, comboio, estrada, telégrafo para o mundo exterior), boas instalações, boa comida, instalações desportivas e tinha o exotismo informal cultural luso-africano que nem se sonhava existir na África do Sul.

O antigo campo de golfe da Polana. Situava-se imeditamente a seguir ao actual Hotel Polana e estendia-se até à actual embaixada americana e entrava um pouco para dentro da actual Sommerschield.

A entrada do Pavilhão de Chá, junto à antiga praia da Polana e a 150 metros a Norte do actual Clube Naval de Maputo

O bar da Estação de caminho de ferro de Lourenço Marques estava ao nível do que de melhor havia no mundo na altura

Lourenço Marques, com as suas praias, o Pavilhão de Chá, os seus vários hóteis, quiosques, clubs e restaurantes, alegremente acolhia esse negócio, nos anos 20, 30 e princípios dos anos 40.

O cais da estação de caminho de ferro de Lourenço Marques

Nessa altura, para além dos navios, que traziam centenas de marujos, passageiros e homens de negócios à cidade, vinham diariamente comboios de Joanesburgo e de Pretória, cheios de carga e gente, na busca de repouso ou de prazer, ou para apanhar um barco para a Europa, ou regressar à África do Sul.

E, para além de bowling, golfe, a caça, a pesca e o ténis, Lourenço Marques tinha bebidas à descrição, jogo e prostituição, práticas estas proibidas e reprimidas pelos estóicos britânicos e ainda mais pelos puritanos boers. Em Lourenço Marques, para além de vinho, whisky, camarões e cerveja à descrição (incluindo aos domingos e feriados religiosos) até fados e touradas havia,  perante o espanto dos visitantes. E cinema, e excelente ópera italiana, esta no resplandecente Varietá, que ficava do outro extremo da Rua Araújo, junto à Praça Sete de Março (hoje 25 de Junho, o dia da Independência em 1975), a sala de estar da cidade – com chás e delicados bolos de pastelaria servidos às cinco horas da tarde, enquanto música tocada no seu coreto por bandas contratadas, quase todos os dias.

Antes do Polana abrir, o Carlton era o hotel de escolha em Lourenço Marques. Ficava situado a meio da Rua Araújo. Mesmo depois de abrir, durante muito tempo o Polana era considerado fora do caminho.

Cedo a cidade se tornou ponto de visita obrigatório para os milionários e as classes mais abastadas de Joanesburgo e de Pretória, que para ali se dirigiam em conforto exuberante no Blue Train, um comboio de luxo que parava semanalmente na estação de Lourenço Marques.

Que ficava a cem metros da Rua Araújo.

Para além dos navios de passageiros que atracavam todas as semanas no porto, mesmo ao lado.

As touradas e as pegadas de touros eram uma atracção turística única em África.

A meio da Rua Araújo, do lado direito, cedo abriu o Casino Belo, mais exclusivo, e mais abaixo o Casino Costa, os únicos casinos no Sul de África. O Casino Belo (no edifício mais tarde funcionou o conhecido Dancing Aquário, para quem se lembra) era uma luxuosa máquina de fazer dinheiro. Estava aberto toda a noite, sete dias por semana. Tinha uma grande orquestra (o chefe de orquestra do Casino Belo durante dez anos chamava-se Jorge Vara e era o pai da D. Suzette, por isso é que eu sei isto tudo) tocava diariamente, sete dias por semana, das 9 da noite até às 4 da manhã, com um intervalo de meia-hora.

Aspecto da sala de jogo do Casino Belo na Rua Araújo, em Lourenço Marques. Lá dentro, era obrigatório o uso de fato ou smoking e vestido comprido para as senhoras.

Ali encontravam-se as famosas e as originais Taxi Girls de Lourenço Marques(não são as que mais tarde se chamavam pelo mesmo nome, e que basicamente eram prostitutas). Estas eram jovens sul-africanas desesperadamente belas, vestidas de rigor com vestidos compridos, todas as noites, e como referi não eram prostitutas (o que não significa que não dessem uma volta com quem lhes apetecesse). O que elas faziam era que à noite conversavam com os clientes, entretiam-nos e bebiam um copito ou outro. E qualquer homem podia comprar uma “fita” de bilhetes por dois e quinhentos cada bilhete, e por cada bilhete a menina dançaria com ele uma música. No fim quase todas elas acabaram por casar com portugueses de sucesso na cidade e hoje fazem parte do DNA dos descendentes de quem lá viveu (imagino que estrategicamente omitindo os detalhes da sua procedência).

Curiosamente, naquela altura as crianças podiam entrar no Casino, que tinha também umas limousines com motoristas fardados para levarem os clientes e seus convidados para os hotéis ou de volta para o Blue Train.

O Varietá, na altura creio que a segunda Casa de Ópera em toda a África excepto o Cairo, situado na Rua Araújo, no local onde hoje se situam o Cinema Matchedge e o Estúdio 222.

Nesses tempos, ganharam-se e perderam-se verdadeiras fortunas nos casinos da Rua Araújo. Após uns dias de loucura na roleta e no bacharat, muitos dos visitantes mal tinham dinheiro para pagar o bilhete de comboio de volta para Joanesburgo e Pretória e houve um número considerável de suicídios, cometidos por gente que perdeu tudo o que tinha nas mesas de jogo.

Na Rua Araújo, o negócio da noite não era só para os ricos. Era socialmente vertical. Os bares, cabarets e salas de jogo da Rua anualmente atendiam milhares e milhares de marinheiros, viajantes, homens de negócios, etc, trazidos pelo movimento louco no porto e no caminho de ferro.

Curiosamente, quase todo o negócio era entre brancos – incluindo, malgré as suspeitas da Frelimo, a prostituição. Mas do lado esquerdo da Rua Araújo, houve mais tarde uma casa amarela, o Bar Pinguim, que era o único sítio na Rua Araújo onde havia, para além de prostitutas brancas, prostitutas negras e mulatas e cujo ambiente era puro caos estilo filmes do Texas. Nos anos 50 era um hangout favorito de, entre outros, o poeta Reinaldo Ferreira.

Durante esses anos, a autoridade policial, especializada e presente, mantinha a ordem, num misto de negligência latina e pauladas vigorosas. Alguns se recordarão dum agente de polícia alto e encorpado que vigiava a Rua Araújo, e que era legendário por resolver problemas de rua com uma saraivada de cacetadas, o que supostamente funcionava bem junto dos marujos e dos tropas mais alcoolizados.

Convenientemente situadas perto da Rua Araújo, havia grandes casas de prostituição, negócios legais, de porta aberta. As prostitutas eram praticamente todas brancas, a maioria francesas e sul-africanas. Refiro por exemplo uma luxuosa mansão que existia na rua a seguir à antiga Paiva Manso (não faço ideia qual é o nome da rua hoje) e que era a maior e considerada a melhor, gerida por uma senhora que era conhecida na cidade pela sua generosidade e que tinha vários filhos que se formaram todos na África do Sul.

Belo, proprietário do principal casino, era uma figura conhecida na cidade, riquíssimo, generoso, respeitado. O primeiro frigorífico eléctrico doméstico que houve em Moçambique foi ele que o instalou em sua casa. Teve três filhos, um deles o Ernesto, outro que foi gerente da Casa Coimbra (aquele prédio mesmo ao lado esquerdo do Banco de Moçambique na 25 de Setembro em Maputo) e um terceiro sobre o qual nada sei.

O FIM DE UMA ERA

O fim desta Era Dourada da Rua Araújo começou quando, lá muito longe, do outro lado do mundo, em Lisboa, o ditador Oliveira Salazar, tentando perpetuamente fintar os jogos de cadeira locais com as diferentes facções sociais (são sempre as mesmas: radicais vs católicos vs maçónicos vs monárquicos, a treta do costume), com a intervenção do seu antigo amigo e antigo colega de carteira, Manuel Gonçalves Cerejeira, então Cardeal de Lisboa e representante da Igreja Católica Apostólica Romana em Portugal, celebrou em 1940 (ano em que se celebrou também o tricentenário da reaquisição da independência portuguesa das mãos dos Hespanholes) um entendimento formal entre o Estado português e o Vaticano, a que se chamou Concordata.

Através desse documento, para todos os efeitos, a Igreja Católica encerrou um trágico capítulo aberto com o advento da I república e assumiu uma parceria com o Estado português que teve assinaláveis ramificações por todo o Império.

Em Lisboa, os três amigos: o Cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira, o Presidente do Conselho, Oliveira Salazar, e o seu Presidente, Óscar Carmona. Dos três, só Salazar nunca meteu os pés em Moçambique.

Talvez não seja coincidência que nessa altura, se começou a construir a actual Catedral de Maputo, que foi concluída em 1944, recorrendo os poderes locais para a sua construção essencialmente a trabalho escravo nativo, o que enfim, é mais uma pequena vergonha e uma expressão do tal colonialismo no seu pior (alguém devia meter lá uma placa na parede para que se soubesse e se lembrasse essa vergonha).

A expressão da Trilogia do Poder Imperial no centro de Lourenço Marques: o Estado (a Câmara Municipal), a Igreja (a Catedral) e o vulto de Mousinho. Em 75, Samora despachou Mousinho para um canto da "fortaleza" antes de rebaptizar o local de Praça Mousinho de Albuquerque para Praça da Independência. E de meter uma gigantesca fotografia sua na fachada. Mousinho out, Samora in.

Em Agosto de 1944, já a II Guerra Mundial estava a começar a chegar ao seu término, num navio Serpa Pinto obscenamente artilhado para acolher Sua Católica Eminência, o Cardeal Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira, viaja para Moçambique e desembarca em Lourenço Marques para inaugurar com imperial pompa a nova catedral, que ficou situada mesmo ao lado do também novo e imponente edifício da Câmara Municipal de Lourenço Marques, talvez para simbolizar a nova parceria entre o Estado e a Igreja – algo que acontecia pela primeira vez em Moçambique, cujo pluralismo religioso era palpável.

O quarto de cama de Gonçalves Cerejeira no Serpa Pinto

A sala de jantar do Cardeal Cerejeira no Serpa Pinto

O Serpa Pinto até tinha uma espécie de "sala do trono" para o Cardeal Cerejeira. Isto hoje dava um filme.

Pouco depois, a prostituição e os jogos de casino foram ilegalizados e desmantelados em Lourenço Marques.

Na Rua Araújo, ficaram os bares, os dancings e o ocasional jogo ilegal. A prostituição passou para a clandestinidade.

O RESSURGIMENTO

Mas a Rua Araújo não morreu.

Pouco depois, no início dos anos 60, com a instauração do apartheid do Sr. Verwoerd na África do Sul e a preparação e o início do que veio a ser a guerra pela Independência, Lourenço Marques conheceu um período de enorme movimento de pessoas, de investimento e de crescimento. Muitos portugueses vieram viver e trabalhar para a cidade, o número de visitantes da África do Sul, que agora viajavam em carros particulares, cresceu significativamente, e os navios começaram a chegar da Metrópole cheios de jovens militares sózinhos, muitos desejosos de fazer uma escalada na Rua Araújo para beber uns copitos e talvez experimentar o deslumbre de uma experiênciazinha sexual, para depois se ocuparem da defesa do território. E o movimento de navios, aviões e comboios cresceu quase exponencialmente. A cidade fervilhava.

O mito das LM Prawns: acima, o Restaurante da Costa do Sol, nas mãos da família luso-greco-moçambicana Petrakakis desde 1938.

Os usos e os costumes entretanto liberalizaram-se, muito mais em Moçambique do que era a norma quer na Metrópole portuguesa, quer no ambiente severo de Calvinismo puritano imposto na África do Sul – apesar de, nas praias e nos cafés de Lourenço Marques, serem as bifas que deixavam os locais de boca aberta, as meninas locais manietadas pelos velhos costumes dos seus pais portugueses.

Ainda que com a Pide a mordiscar, o Regime nervoso e a guerra dois mil quilómetros ao Norte a desenvolver-se, o ambiente na cidade tornou-se muito mais sofisticado e multiracial, começaram a aparecer galerias de arte, surge toda uma geração de pintores e escultores portugueses e moçambicanos, brancos e negros e com temas africanos, lojas de moda, a Sociedade de Estudos, a Casa Amarela, os bikinis, a mini-saia, veio a revolução musical com o rock, vomitado 24 horas por dia, sete dias por semana pela LM Radio, a Estação 2 do Rádio Clube que era de longe a mais popular em todo o Sul de África. Do Rádio Clube veio também a  marrabenta e inaugurou-se também a primeira estação de FM stereo, com jazz e música clássica, em todo o território português.

Em termos de desporto, tudo havia e tudo se fazia tudo na cidade. Campos de futebol de básquet, piscinas, golfe, mini-golfe, hóquei, equitação, aviação, tiro, regatas, pesca, pesca submarina. Era uma obsessão. Em entre 50 e 60 surgem estrelas como Coluna, Velasco, Matateu, Eusébio, Lage, Mário Albuquerque, Fernando Adrião, Dulce Gouveia, Mussá Tembe e tantos outros. A lista não acaba.

Nos anos 60, o pai BM, à esquerda, treinava equipas de futebol em Lourenço Marques.

Por sua parte, a Rua Araújo acompanhava todo este ambiente à sua maneira, com mulheres, marijuana, misturada com cerveja, vinho, shows de striptease (alguém se lembra da famosa travesti Belinda?) e com verdadeiras sessões de pancadaria que inevitavelmente envolviam comandos, fuzileiros e a polícia de choque a correr atrás deles com cacetetes. Segundo o Eduardo Pitta, até havia um discreto underground gay e lésbico na Rua Araújo que a Maluda vagamente confirma. O Carlos Gil esteve lá nos seus tempos de teenager e no seu livro Xicuembo deu uns lamirés da fauna louca que aquilo era.

Como em toda a parte, dizem-me que havia prostituição para todas as cores, todos os gostos e todas as bolsas. Mas se calhar a Rua Araújo não era o ponto principal dessa actividade. quando muito era um ponto de começo.

O Hotel Central e o Dancing Aquário, um conhecido empório da Rua Araújo e ponto de paragem de Vítor Crespo.

Foi esta Rua Araújo que Ricardo Rangel conheceu e retratou nos anos 60. E que, em meados dos anos 70, ajudou a destruir na sua revista.

De certa maneira, para a velha rua, esse foi apenas mais um momento da sua vida.

Uma nova metamorfose do que fora.

Viva a futura amizade entre os povos da CPLP !

E com o tempo, essa imagem do que fora nos anos 60 e 70, congelou-se e tornou-se num cliché, e pior, no todo, excluindo os quase cem anos que o precederam. Até Licínio de Azevedo recorreu agora a ele para o seu recente filme “Margarida”.

O tal símbolismo que eu acho que, isoladamente, não teve.

EPÍLOGO

Hoje, a Rua Araújo – a Rua do Bagamoyo – sobrevive precariamente, um dinossauro da história da Cidade, o seu berço irreconhecido, maltratado, desrespeitado, ignorado pelos cidadãos da Cidade, aguardando por melhores dias, quando eventualmente haja outro ressurgimento da Baixa da Cidade e uma outra apreciação do seu rico passado.

Que forma terá esse ressurgimento, ninguém sabe.

Uf. Depois disto, vou jantar ao chinês ali na esquina.

Bom fim de semana.

02/10/2010

LAM EM LISBOA EM ABRIL DE 2011

Filed under: Economia de Moçambique, Portugal-Moçambique — ABM @ 2:01 pm

O Chiloane, das Linhas Aéreas de Moçambique

por ABM (2 de Outubro de 2010)

Antes de ontem, o Sr. Cândido Munguambe, delegado da LAM na Europa, informou uma plateia de agentes de viagens no Holiday Inn Continental Lisboa que a sua empresa iniciará dois voos semanais que farão a ligação entre Maputo e Lisboa a partir do mês de Abril de 2011, usando um Boeing 767-300 ER.

No pressuposto que isto significará um aumento de um 30 a 40 por cento da capacidade da transporte de passageiros e carga desta rota, poderá eventualmente acontecer que a LAM e a TAP poderão, para variar uma vez na vida, competir e baixar um bocadinho os preços dos bilhetes, que têm sido um ultraje.

Configuração do Boeing 767-300 ER

29/09/2010

UM DIA COM AMADEU PEIXE

por ABM (29 de Setembro de 2010)

Porventura muitos dos exmos Leitores não saberão quem foi Amadeu Peixe. Antes da independência de Moçambique, Peixe (“Fish”, para os amigos anglos) fazia parte da nata dos caçadores-guia de Moçambique, numa altura em que ainda se perspectivava que o território se iria tornar num dos principais destinos do turismo cinegético no continente africano. E nessa nata incluem-se nomes como Adelino Serras Pires, Celestino Gonçalves, Rui Quadros, Francisco Magalhães, Luis Pedro de Sá e Mello, Armando Cossa, José Simões, Victor Cabral e vários outros que fui conhecendo ao longo dos anos, principalmente através da internet, pois pessoalmente, para além de ser vizinho na Rua dos Aviadores de um dos irmãos Cabral que era taxidermista e que tinha uma gazela no jardim e um jacaré no quintal da casa, não era exactamente um aficionado de ir ver bicharada (eu sou mais do tipo de deixá-los em paz no mato).

Nunca conheci Amadeu Peixe, que nasceu em Vilanculos em 1935 e faleceu no Brasil em 2007. Mas a sogra, D. Suzette, foi sua colega das espingardas e dos tiros e conheciam-se bem.

Se o exmo. Leitor quiser saber mais sobre esta era da actividade cinegética de Moçambique, o Sr. Celestino Gonçalves, que vive em Portugal, mantém um fantástico repositório de informações num sítio chamado Fauna Bravia, Caça e Caçadores que recomendo vivamente.

Até agora pouca gente sabia que, pouco antes de morrer, Amadeu Peixe escreveu um livro de memórias sobre os seus tempos no mato e em redor do que foi para si uma aventura e um ganha-pão.

Mas a semana passada, mão amiga fez-me chegar uma mensagem da sua filha Michele, que hoje creio que vive na cidade brasileira do Rio de Janeiro, a informar que o livro – com umas trezentas páginas – foi disponibilizado electronicamente num sítio seu na internet.

Para aceder à obra, que vem em formato pdf e que está dividida em seis partes (leva o seu tempo a descarregar) o exmo. Leitor interessado terá de premir aqui e, após entrar no sítio e registar o seu nome e endereço de email e dizer um hello à Michele, automaticamente tem acesso às ligações para descarregar a obra.

Em que lerá Amadeu Peixe, na primeira pessoa.

Para ver umas fotografias de Amadeu Peixe, o Rogério Carreira tem um conjunto bastante completo no seu sítio que pode ser acedido aqui.

A GRANDE SECAGEM

Filed under: Economia de Moçambique — ABM @ 1:58 am

DON JOHN 6

Moeda de ouro do tempo de D. João VI de Portugal, 1822

por ABM (28 de Setembro de 2010)

Depois da monção, vem o estio.

Pelo menos é o que parece que está a começar a acontecer no sistema financeiro de Moçambique. No últimos dois anos, tem-se assistido a crescimentos verdadeiramente substanciais quer na massa monetária posta em circulação, quer nos volumes do crédito concedido pela banca.

Mas a esta tendência aliaram-se a) a crise financeira internacional, b) uma série de aumentos substanciais nos preços de várias matérias de base como o petróleo e os cereais, c) uma herança envenenada (das eleições em que a Frelimo completamente arrasou nos votos) de subsídios, d) alguma trepidação, aparentemente com origem política, no fornecimento dos donativos por parte do grupo dos generosos dezanove países que ano após ano suportam a balança moçambicana.

Estes factores combinaram-se numa tempestade quase perfeita para lançar a moeda moçambicana para níveis não observados desde os tempos em que o velho metical com mais três zeros pouco ou nada valia.

Em nada ajudou o facto de que o rand sul-africano manteve-se forte, de forma quase inexplicável, até agora. O que significa que, um dia destes, possa começar a deslizar dos patamares presentes, especialmente se a economia sul-africana arrefecer. Isso seria excelente para Moçambique.

Agora, sob a cuidadosa e algo preocupada tutela do banco central, está-se a começar a fazer o caminho oposto.

Para já, as taxas directoras subiram significativamente, e o banco central já anunciou que a partir de 7 de Outubro as reservas obrigatórias dos bancos passam de 8.5% para 8.75%, o que, combinado com as emissões de dívida do governo (um artigo aponta para emissões domésticas até 102 milhões de euros até Novembro), e outras medidas para reforçar a solidez do sistema, terão três consequências:

1. Haverá menos crédito
2. As taxas de juro serão mais elevadas
3. Haverá menos dinheiro a circular

O que, sendo medidas sensatas, não ajuda a economia a crescer.

De facto, tendo subido as taxas de cedência de liquidez e verificando-se uma fase de menos liquidez, acredito que os principais bancos moçambicanos estão a passar uma fase em que terão crescentes dificuldades em manter a sua liquidez, cumprir com as reservas junto do banco central e ainda cumprir com os seus objectivos de rentabilidade. Provavelmente um destes objectivos será difícil de manter, especialmente no contexto em que a massa monetária esteja a ser, ainda que marginalmente, “espremida” pelo endividamento estatal feito junto à banca, a taxas que reportadamente oscilam entre os 14 e os 14.5% (nada mau, tendo em conta que, em termos do mercado, o risco é zero).

Neste contexto, o elo fraco são as empresas e as pessoas que procurarem crédito.

A aumentar mais a pressão está o apertar dos critérios de acesso a moeda estrangeira, até há um ano atrás relativamente liberalizados mas que a partir de agora vão ser mais apertados para assegurar que o País tem o acesso que tem que ter para pagar as suas contas lá fora.

Especialmente a conta com o petróleo, que aparentemente num só ano passou de 340 para 540 milhões de dólares.

Parte desse esforço inclui a pressão para que todas a transacções dentro de fronteiras passem a ser feitas em meticais. Se, por um lado, estas medidas ajudam a isolar o país do choque cambial que se tem observado, especialmente em relação ao rand sul-africano, por outro lado esta “migração” para o metical vai ter como efeito uma maior e mais abrangente pressão inflaccionista no curto prazo, desvalorizando ainda mais a moeda moçambicana.

Mas neste momento não há muitas opções em termos dos instrumentos disponíveis para lidar com a situação pouco fácil que o País está a atravessar.

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